segunda-feira, 6 de setembro de 2021

AS MONTANHAS E IGREJAS DE MINAS


Por Lúcio Flávio Baioneta 
 
Santuário do Caraça, aninhado entre as montanhas de Minas - Crédito: fragatasurprise.com

 
Bom dia, meu amigo(a).
As montanhas de Minas e as suas seculares igrejas estão se movimentando novamente. Escutam-se murmúrios. Passam-se códigos. Observam-se figuras furtivas que desaparecem nas brumas de suas cidades históricas. Minas é assim  silenciosa e de repente explode. Tranquila e de repente vira um vulcão! 
Seu povo é indecifrável! Faço parte dele. 
Ontem, quando eu abastecia meu carro, o frentista me perguntou: — Está indo pra Brasília, doutor? 
Eu sei porque ele me perguntou. Ele me conhece há uns 30 anos.
Eu sei também porque meus amigos de Paracatu-MG perguntaram-me : — Você vem? 
Eu sei ainda porque meus conterrâneos, que hoje moram em Brasília, me disseram : — Seu apartamento está arrumado lhe esperando. Precisamos muito de você! 
Olhei para minha velha camisa amarela e perguntei : — Vamos? 
Ela sorriu e disse : — Você ainda aguenta? 
 
Eu lhe pergunto, meu amigo(a): — Você sabe porque as montanhas e as igrejas de Minas estão se movimentando novamente? Não sabe? Eu vou lhe explicar. 
O outro nome de Minas é Liberdade. Aquela liberdade que está escrita em nossa bandeira há séculos:— “Libertas quae sera tamen”
O povo mineiro prefere a morte a viver de joelhos dobrados e de cabeça baixa. Eles só fazem isto na suas festas religiosas. Não repetem para mais ninguém. Nunca. 
Um grande abraço de seu amigo que sonha com um Brasil acima de tudo e que Deus esteja acima de todos!
Lúcio Flávio

sábado, 4 de setembro de 2021

A VISITA DE D. PEDRO II A SÃO JOÃO DEL-REI NA CRÔNICA DE 50 ANOS DEPOIS


Por Agostinho Azevedo ("Bude") 
 
Agostinho Azevedo ("Bude") ✰ São João del-Rei, 02/12/1910  ✞ Belo Horizonte, 14/10/1963 - Acervo da família

 

Crônica: O Culto do Trabalho 

A homenagem de S. João del-Rei aos fundadores da Oeste de Minas 

O intercâmbio comercial, fator desse desenvolvimento vertiginoso que coloca a "Manchester mineira" ¹ no primeiro plano industrial, comercial e financeiro do país, foi a cogitação dos pioneiros da Oeste de Minas naquele fim do Segundo Império. 
São João del-Rei, com largas possibilidades e com um desenvolvimento pouco natural nas cidades da época, ressentia-se do isolamento em que vivia, de penoso acesso para quem viesse de qualquer das quatro bandas do país. 
José Rodrigues da Costa, Aureliano de Carvalho Mourão e Antônio José Dias Bastos, incorporadores da Companhia de Estrada de Ferro Oeste de Minas, com larga visão iniciaram a organização dela, para dotar São João del-Rei de um caminho férreo que lhe permitisse a expansão. 
A 28 de agosto de 1881, com a presença de Sua Majestade D. Pedro II, dos ministros Conselheiro José Rodrigues de Lima Duarte, Ministro da Marinha, e Conselheiro Manoel Buarque de Macedo, Ministro da Agricultura e dos engenheiros Rademaker, Ewbank da Câmara e Niemeyer, era para ser feita, com as festas ao acontecimento devidas, a inauguração da Oeste de Minas
O inesperado falecimento, nesta cidade, do Conselheiro Buarque de Macedo, determinou que todas as festas fossem suspensas, fazendo Sua Majestade Imperial a inauguração despida de solenidade. 
 
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Agora, que transcorre o cinquentenário da inauguração dessa estrada de ferro que São João del-Rei construiu, os sanjoanenses vão celebrar a vitória do empreendimento de seus antepassados com festas solenes. 
A Feira de Amostras de São João del-Rei, que por iniciativa do governo municipal terá realização naquele dia e nos dois subsequentes, será a melhor afirmação do resultado daquela iniciativa dos nossos antepassados. A indústria de São João del-Rei cresceu, desenvolveu-se, aprimorou-se. 
A nossa Feira de Amostras dirá que São João del-Rei não é apenas a cidade que dorme sobre as tradições de seu passado glorioso. A Feira de Amostras dirá que a par do religiosismo, da arte e das relíquias, o monumento do progresso eleva-se para as alturas circundado do fumo das máquinas, tocado pelo ritmo do modernismo contemporâneo. 
A visita de todos os que se interessam pelas coisas de indústria a São João del-Rei por ocasião das festas com que a cidade comemorará o cinquentenário da Oeste de Minas terá um proveito duplo: o aconchego com aqueles monumentos de arte do Brasil passado e a verificação da atividade de um povo que se integrou nas conquistas da moderna civilização. Particularmente aos homens de Juiz de Fora as festas de São João del-Rei devem interessar, práticos que são eles e aptos a colher nas exposições da Feira de Amostras dados e conhecimentos para melhor intercâmbio entre as duas cidades, ambas legítimos orgulhos da Minas moderna, da Minas realizadora e progressista. 
A cooperação de todos os sanjoanenses para o desenvolvimento, para a expansão e para o reclame da terra é que me leva a ocupar as colunas deste órgão a fim de que vós, leitor, possais conhecer um pouco da história de como a Oeste se fez e saber o que vai pela "Princesa do Oeste" ² agora, neste cinquentenário em que ela comemora, cultuando o empreendimento de seus filhos, a inauguração dessa estrada de ferro feita para servir-lhe de veículo de expansão e que é hoje o caminho que abre a Minas Gerais as portas do mundo. 
Agosto de 1931 

Fonte: AZEVEDO, Agostinho (Bude): São João del-Rei: Histórias de antanho e suas gentes, 2021, edição do autor, pp. 17-9

 
Obituário: O Velho Marchetti 
 
Manquitolando, Felipe Marchetti, se os mortos conservam na sua apresentação diante da eternidade a mesma figura com que se vão deste mundo, deu, anteontem, entrada no Paraíso. Ao receber o novo hóspede, o Padre Eterno, com aquela bonomia que lhe adivinhamos nos momentos de paz (porque na cólera, segundo o testemunho de Moisés no Sinai, ele ruge e troveja) há de ter murmurado: Você vem velho, Marchetti! 
E Felipe Marchetti, ainda com o vício do mundo, fará a apologia da cerveja que ele aqui fabricava: Excelentíssimo, foi a cerveja, que é a base fundamental. 
O Padre Eterno, diante dessa sólida velhice que as tempestades da vida não abateram, há de ter concordado: É verdade, Marchetti amigo, a cerveja, a boa cerveja! 
E recolhendo-se ambos, ombro a ombro, os anjos verão dois velhos fugindo para a eternidade, um dos quais manquitola, gesticula, como se contasse aos ouvidos do próprio Deus a história de São João del-Rei nos últimos setenta anos. 
 
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Coube a Felipe Marchetti, em 1881, quando se inaugurou a Estrada de Ferro Oeste de Minas, maquinista que ele era, conduzir o trem especial em que viajou para esse acontecimento o Sr. D. Pedro II. Estávamos ainda na infância das estradas de ferro e a inauguração da Oeste de Minas foi um grande acontecimento nacional. 
Para São João del-Rei, esse trem especial conduzido pelo maquinista Felipe Marchetti representou muito mais do que o carreto de um imperador. Era a consecução de um velho sonho dos sanjoanenses, concretizava-se uma aspiração da terra, modificava-se-lhe o destino com a sua ligação rápida e eficiente ao resto do mundo. 
Deixando as locomotivas da estrada de ferro, Felipe Marchetti fundou a Cervejaria Adriática ³, mas não era um industrial. A sua bonomia e o seu desapego ao lucro não permitiram que a cervejaria fosse inteiramente uma realização industrial. Era um ponto para boas palestras onde os boêmios, em grupos ou esparsos, podiam beber fresca e cantante essa levedura que o Sr. Felipe Marchetti afirmava ser a base fundamental da saúde. Morreu Felipe Marchetti e já imaginamos como penetrou ele nesse paraíso que os homens dão seguramente aos que não bebem cerveja e nem contam anedotas, mas cujas portas também se abrem de par em par àqueles que, como Felipe Marchetti, cantaram neste mundo as suas loas e esvaziaram dignamente o seu copo. 
Diário do Comércio, edição de 31 de dezembro de 1944 

Fonte: AZEVEDO, Agostinho (Bude): São João del-Rei: Histórias de antanho e suas gentes, 2021, edição do autor, pp. 198-9

 

II. NOTAS EXPLICATIVAS por Francisco José dos Santos Braga

 

¹  Como passou a ser conhecida Juiz de Fora à época em que seu pioneirismo na industrialização a fez o município mais importante de Minas Gerais.

²  Vide, por exemplo, Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais, livro em que o autor e historiador Afonso de Alencastro Graça Filho parte do pressuposto de que as antigas teses sobre a decadência e estagnação de Minas oitocentista são infundadas. Para isso, analisa detidamente a história econômica da Comarca do Rio das Mortes, o que empresta à obra um valor inquestionável como contribuição à historiografia mineira e brasileira acerca do século XIX. A "Princesa do Oeste" demonstra um quadro oposto, marcado, sobretudo na metade do século XIX, por prosperidade, dinamismo e uma diversidade produtiva extraordinária. No livro, desvelam-se as intrincadas redes de relações comerciais entre a elite mercantil de São João com a praça do Rio de Janeiro e, igualmente importante, com produtores e comerciantes espalhados por quase todo o território mineiro. 

³  No final do século XIX, São João del-Rei propiciou a alguns empresários a oportunidade de participar do esforço desenvolvimentista na produção ou manufatura de objetos simples para consumo direto, a que damos o nome de indústrias leves (principalmente produção de alimentos, fiação e tecelagem, fabricação de calçados, impressão de jornais e produção farmacêutica). Exemplo do primeiro tipo (produção de alimentos) pode ser citado: a Destilaria Castelo, de Zuquim, Silva e Cia. (1890), as fábricas de cervejas Miller (1891) e Adriática, da Marchetti e Cia. (1892). Na minha infância, consumi o delicioso guaraná Marchetti.

 

III. AGRADECIMENTO
 

Agradeço carinhosamente à minha amada esposa Rute Pardini suas fotos bem como a sua edição e formatação para fins deste post.

 

IV. BIBLIOGRAFIA

 

AZEVEDO, Agostinho (Bude): Histórias de antanho e suas gentes, Belo Horizonte: Ed. do autor, 2021, 280 p.

Colaborador: AGOSTINHO AZEVEDO ("BUDE")

AGOSTINHO AZEVEDO, o "Bude", nasceu em São João del-Rei em 2 de dezembro de 1910. Autodidata e grande contador de casos, desde muito jovem foi cronista dos jornais de São João e arredores. Em 1937, mudou-se para Belo Horizonte, onde foi proprietário da "Casa Palmeira", um comércio de louças e ferragens. Com a morte de seu pai, em 1957, assumiu também os negócios em São João del-Rei, a "Casa Cristal" e a usina de eletricidade. Faleceu em Belo Horizonte aos 52 anos, em 14 de outubro de 1963. 

Sobre ele escreve seu neto Fernando Stortini: 
"Nasci 23 anos depois da morte do meu avô. Por isso, o livro São João del-Rei: Histórias de antanho e suas gentes foi uma oportunidade ímpar de, de certa forma, conversar com ele. Seus escritos transcendem o espaço-tempo entre a vida dele e a minha e nos conectam em uma São João del-Rei de outrora em que ele viveu e que, apesar de ter se mudado dessa cidade no início da vida adulta, nunca a tirou do coração. 
Como todo bom sanjoanense que conheço, a paixão pela cidade e pela gente de São João é característica marcante do "Bude". Seu olho inteligente e sua prosa deliciosa transformam fatos corriqueiros da época em acontecimentos fantásticos, e obituários em eulogias que retratam os defuntos como os personagens fantásticos e eternos que são. 
Mais do que uma homenagem a meu avô, este livro é uma ode a São João del-Rei. Que seu passado glorioso, transcrito pela pena astuta do "Bude", sirva de exemplo para os sanjoanenses de hoje e para os que virão." 

 

Inesquecível Casa Cristal


 

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

ALMA DE IPÊ


Por Raquel Naveira 
 
Tenho alma de ipê. Nasci no cerrado...
 
Tenho alma de ipê. Nasci no cerrado, no centro-oeste, na primavera, no dia 23 de setembro, quando ele, finalmente, floresce. As folhas cruzadas e oblongas caíram todas, deixando o tronco escuro, cheio de sulcos e fissuras, semelhante a uma escultura de madeira nobre. Aí, de repente, pelada de todo orgulho, transbordo flores. Cachos impressionantes. Florada fantástica. Amarela. Pequeninas cornetas que atraem bicos de colibris e zunidos de abelhas. Depois, as flores caducarão, cobrirão o chão como um tapete dourado, ardente ao sol de inverno. 
 
Igualmente belos os ipês roxos, róseos e os brancos, que combinam com a lua e os lagos. A palavra “ipê” vem do tupi “i’ pé” e significa “árvore cascuda”. Com ela os índios confeccionavam arcos e flechas, por isso é também conhecida como “pau-d’arco”. Uma lei oficializou o ipê amarelo, num campo verde, como símbolo nacional. 
 
Houve um artista plástico para quem o ipê foi fonte de inspiração, marca de essência e sopro. Parece que ele foi colhendo pelo solo as pétalas dos ipês, no final das estações, misturando com água e éter, calcando o sumo na sua paleta de cores. Esse pintor chamava-se Isaac de Oliveira, publicitário baiano, formado em Belas Artes, que residiu toda uma vida em Campo Grande. Direcionou sua arte de gestos rápidos, texturas únicas, camadas grossas de tinta a óleo, para as musas, as flores, a fauna pantaneira, principalmente peixes e pássaros. Mas os ipês tornaram-se a sua marca especial, impactante, encantadora. Vou passando os olhos por suas telas: ipê roxo em fundo azulado, ipê amarelo em fundo terroso, ipê branco em noite preta. São lindos! Fazem bater o coração. Parecem plantados no Jardim do Éden. Escorrem gotas de orvalho e harmonia. Hastes que se equilibram no espaço. Instáveis e efêmeros. Receptáculos da atividade celeste. Taças prontas para abocanhar fagulhas de estrelas. 
 
Seus ipês se tornaram murais imensos, espalhados pelos bulevares, pelas fachadas dos prédios e também xilogravuras e mimos delicados, derramando virtudes e auroras pela cidade e pelos seres que caminham por ela: errantes passageiros. 
 
Que estranha coincidência! Isaac partiu sem esforço, numa explosão de tons e matizes intensos, justamente no dia em que nasci: um 23 de setembro, dia consagrado à Primavera, à Poesia, às mágicas inflorescências. Também ele tinha uma alma de ipê.