sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

DOM PEDRO II E O CARAÇA

Por Pe. José Tobias Zico C.M. *

Transcrevemos, com a devida vênia da Editora São Vicente, o capítulo D. Pedro II e o Caraça, na III seção intitulada CARAÇA FRANCÊS (1854-1903), do livro CARAÇA: Peregrinação, Cultura e Turismo (1770-1976), 4ª edição, 1982, pp. 59-67.
"Mais velho que o Império, coevo de Tiradentes e das aspirações libertárias, o Caraça nasceu com a consciência da Nação Brasileira. Andar por seus corredores é pisar em História", disse Juarez Caldeira Brant.


 
À imitação de seu pai,  que aqui esteve, em 1831, com a Imperatriz D. Amélia  D. Pedro II e D. Teresa Cristina exigiram se incluísse no roteiro da viagem a Minas, em 1881, uma visita ao célebre Colégio do Caraça. 
 
1º - VIAGEM A MINAS ¹
 
Acompanhados de pequena comitiva, saem da Estação de São Cristóvão, às 6h da manhã, no dia 26 de março, sábado. Vão de trem até Barbacena. O resto da viagem, a cavalo. A Imperatriz, de liteira. D. Pedro viaja olhando tudo, ouvindo e interrogando e, lápis na mão, tudo anota em seu Diário "Viagem a Minas". Sua preocupação: saúde, instrução, riqueza do solo. Nas cidades e aldeias, procura ver o que há de importante. Visita o Vigário, sua igreja e biblioteca. Vai às escolas e interroga os alunos. 
 
Respiguemos algumas observações: "Duas escolas, ambas em edifícios acanhados, tendo a de meninas 103"... "as meninas não sabem a Doutrina (Cristã), apesar de ser a professora irmã do Cura"... "O aluno (em Sabará) traduziu bem o Tito-Lívio e os alunos de francês não têm má pronúncia"... "A cadeia muito ruim e o Carcereiro inválido. Os livros mal escriturados"... Elogia a ordem no escritório da Estrada de Ferro em Barbacena, mas quando a cavalo, examinando os trabalhos, anota: "A estrada parece mal estudada... Talvez alguns túneis tivessem poupado bastante despesa"... "O Secretário (da Câmara) não guarda com cuidado os padrões métricos"... "Pensam em fundar uma Casa para lázaros, mas lembrei que era melhor empregar o dinheiro no hospital geral e que, no Rio, há muito lugar para lázaros"... "O Pe. Lana não possui escravos"... "Missa dita pelo Mons. pouco antes das 5h. Partida às 6:20"... "Antes de partir entreguei diversas cartas de liberdade"... "O trem veio com velocidade de 29 a 30 km por hora e não balançava..." "Na estação (perto de Pomba), além de muitos vivas sérios, ouvi um "Viva o pataco!"... ²
 
Em São João del-Rei "visitei o Colégio do Vigário Machado onde os meninos de latim e francês responderam muito bem... A biblioteca do Vigário compõe-se de excelentes livros, revelando nele muita inteligência e seriedade de espírito, embora ultramontana. O professor de francês, Aureliano Pimentel, é bom latinista, estuda o sânscrito... e conversa muito bem... fez curto e bonito discurso". 
 
"30 (4ª feita) Partida às 6h (de Queluz-Conselheiro Lafaiete)... Varginha. Casa onde se reuniam os Inconfidentes. Vi a mesa e bancos corridos, de encosto, onde se assentavam. São de maçaranduba... Vieram encontrar-me a caminho H. Gorceix e outros. Gorceix já está um verdadeiro mineiro... Conversamos muito sobre geologia e mineralogia"... "Aproximando-me do arraial de Itatiaia vi uma papuda. Mons. José Augusto contou-me que na freguesia de Jacaré, de que fora Vigário, até as crianças nasciam de papo, a que chamam pescoço,  reparando em quem não tem "pescoço"... "Às 5 1/2 chegada a Ouro Preto, cuja vista agradou-me. Apareceu-me na imaginação como Edimburgo"... 
Muita coisa curiosa escreveu sobre a velha Capital. A fome de ver tudo o leva até ao Pico do Itacolomi, tendo D. Pedro 57 anos de idade. 
 
"31 (5ª feira) Esta manhã tomei um bom banho frio num banheiro de pedra, arranjado no fundo do Palácio. Quis ler a inscrição, mas só pude distinguir: Palmensis Comes - 1812". Visitou todas as igrejas, admirando as obras de Aleijadinho e Ataíde. "Estive na Casa da Câmara que é a melhor que tenho visto em minhas viagens. Reparei somente que não guardam com cuidado os padrões de pesos e medidas. Prometi dar uma bomba de incêndio à Municipalidade, comprometendo-se o Presidente de organizar uma companhia de bombeiros. Nunca se pensou nisto. Jantar às 5h. Conferência na Assembleia que ficou cheia... Gorceix expôs com talento as riquezas de Minas, sobretudo as de ferro, cuja quantidade ele calculou em 81 bilhões de toneladas, podendo a Província tornar-se fornecedora de aço, ao resto do mundo. Gostei de ouvir a exposição de ideias tão civilizadoras, a 80 léguas do Rio" (Pág. 77). "Li na cama os jornais do Rio até 29"... 
 
Aos 2 de abril, começa uma viagem de 15 dias, contornando a Serra do Caraça. Vai por Cachoeira do Campo, Sto. Antônio do Rio Acima, "onde diversas mulheres correram para mim e espantando-se o cavalo, caí dele"... Congonhas do Sabará (Nova Lima), Mina do Morro Velho..." "vesti-me como mineiro, com a minha vela pregada ao chapéu; descida no ascensor a 457 ms... Demorei dentro da minha hora e meia"... De Sabará desce de barca o Rio das Velhas, visitando Lagoa Santa, a casa de Lund, "o quarto onde ele morreu", e no dia seguinte "estive na gruta duas horas, tendo almoçado fora dela, debaixo das árvores". Vai a Santa Luzia e retorna a Sabará, "onde desabou uma trovoada e cheguei molhado como um pinto". Caeté, São João do Morro Grande (Barão de Cocais), Brumal, Caraça, Catas Altas, Inficionado, Mariana. Aqui passou a Semana Santa., "confessei-me a Mons. Silvério Pimenta e comunguei na Capela do Palácio"... Pouco depois das 10 h começou o ofício (de Sexta-feira Santa) e terminou pouco antes das 2. Não tenho gostado do modo como cantam aqui a Paixão. As lamentações das Trevas de ontem foram lamentáveis. Houve adoração da Cruz. O pregador, Pe. Cornagliotto, agradou-me. É padre de talento e de instrução e houve momentos em que revelou muito sentimento. Conversei com o Bispo... e com o Pe. Sípolis sobre o que tem visto nas Missões... referindo-me à existência de uma lagoa, perto de Bambuí, que enche e decresce periodicamente, assim como de chamas que se observam no mesmo distrito, ao sopé de uma montanha. Ainda à procura do inseto hippocephalus de que só existe um no Brasil na coleção de Luís de Carvalho, no Rio"... Registra o Imperador: "a conversa de Sípolis é interessante e o seu ar extremamente simpático". É que o santo e sábio missionário lhe adoçou a boca, dizendo: "esperar que o Pe. Davi venha estar aqui o tempo necessário para conhecer a Província de Minas" (pág. 103) ³
Visita a mina de Passagem de Mariana, o Arraial de Antônio Pereira, o de Ouro Podre "cujas muralhas arruinadas me lembraram Pompeia" e chega a Ouro Preto. 
 
Mas voltemos com D. Pedro ao Caraça. 
 
2º - DOM PEDRO NO CARAÇA 
 
A - ADMIRAÇÃO DE D. PEDRO 
 
"11 (2ª f.) Caeté. 5 h acordei... 6 h parto para o Caraça. Gongo-Soco, onde a forja que visitei pareceu-me de Tubalcain... Diversos cavaleiros, entre eles Afonso Pena, vieram ao meu encontro. A caravana entrou reunida em São João do Morro Grande, depois das 11 1/2. A igreja é pelo risco da de Caeté. Saint-Hilaire teve razão em falar dela... Brumado...  Aí parou meu pai"... 
 
"Desde que se começa a subir a Serra do Caraça, cresce a beleza da paisagem e do alto descobre-se vastíssimo horizonte e depois uma das mais belas cascatas que eu conheço que forma lençóis e tanques e corre em fundo vale, estreitado pelas montanhas... Nunca admirei lugar mais grandiosamente pitoresco. O caminho passa por cima da cascata que parece sumir-se de repente. Continuei por dentro da mata e por cima das pedras. Felizmente o belo luar sempre deixa ver um lugar onde se anda... perigoso para liteira... Não posso descrever tanta beleza!..." 
"Enfim, dobrando a ponta do morro, aparece, de repente, o edifício do Caraça, iluminado e de que descem pela encosta duas longas filas de luzes. Passei pela Capela que constróem e cuja arquitetura agradou-me. Tomei meio banho, depois de conversar com o Superior Clavelin e diversos professores. Jantar às 7 3/4. Informei-me dos estudos com o Superior"... "Tenho muito que fazer amanhã"... 
 
O Caraça contava, na época, com mais de 300 alunos, formando o Seminário e o Colégio. E para provar que era sério o estudo, "não houve sueto" (feriado) nem com a visita Imperial. Aulas o dia todo... "
 
12 (terça-feira) Acordei às 6 h. Fui tomar banho no rio". (A Crônica do Caraça diz assim: "Sabendo que o Imperador queria tomar banho no rio, o Superior chamou dois fâmulos que o acompanharam até à ponte, ficando discretamente à distância, enquanto S.M. se banhava." Depois: missa, ficado SS.MM. Imperiais debaixo de um dossel..." (Os cânticos espirituais foram acompanhados por feliz combinação do harmônio e rabeca"...) "Estive na biblioteca, onde achei bons livros e edições antigas... chamando minha atenção a Crônica de Eusébio de 1483. - Veneza - impressor Arnoldt Augustensis... Assisti a todas as classes. Os professores, a meu pedido, chamavam os mais adiantados... Gostei em geral do modo com que os alunos respondiam... Enquanto jantavam, fui ver a oficina do Pe. Boavida. Admirei ali o trabalho do órgão; a madeira preta das teclas é belíssima!"... 
A visita às classes terminou às 16:45. Subiu depois ao Monte Calvário, passou perto da horta "muito viçosa", foi ao caramanchão ou quiosque e admirou a poesia do Tanquinho atrás da Casa, "onde se espelhava a lua; a noite está belíssima!... vi araucárias... plantadas pelo Irmão Lourenço... Voltei de meu passeio por dentro da cozinha que não é má, menos o fogão que não é econômico"... "Chegou hoje correio do Rio, com diários até dia 8"... 
 
O Caraça reservava para a noite uma sessão solene, dentro das igreja em construção, iluminada com velas. Diz D. Pedro: "O espetáculo era muito belo. Dirigiram-me discursos em francês, Clavelin; latim e grego, um grego de Constantinopla; hebraico, Pe. Lacoste; espanhol, um empregado da Casa, ex-oficial da Cavalaria Espanhola; inglês, o professor de inglês; português, o desta língua; e italiano, um estudante que pronunciou tão mal como o de inglês; "e alemão, pelo Irmão Severino", registra ainda a "Crônica do Caraça". 
 
D. Pedro quis mostrar também sua cultura e delicadeza, cumprimentando os nove oradores e agradecendo a quase todos no idioma em que falaram. Um grupo cantou os versos de uma poesia em francês, composta pelo Pe. Superior, e ofereceu às Suas Majestades, a D. Isabel, à Igreja Católica, ao Brasil e ao Caraça. "Viva e floresça o Colégio do Caraça!...", gritou o Barão de Maceió, finalizando. "A orquestra tocou peças escolhidas, sendo elogiada por S.M. que desejou saber os nomes dos mestres e conhecê-los". D. Pedro no "Diário" registrou simplesmente: "Tocou a banda dos alunos que é sofrível". 
 
Foi objeto de muito comentário o discurso em hebraico, que D. Pedro quis ler e examinar, pois era escrito em pergaminho e estilo oriental, isto é, tinha nas extremidades duas varinhas, sobre as quais se enrolava ou desenrolava, e no texto não havia os pontos massoréticos, que são as vogais. Todos quiseram ouvir de novo a leitura e a tradução, que foi dada ao Ministro da Marinha, Lima Duarte, ex-aluno de latim do Pe. Ferreirinha, celebrado professor de Congonhas e do Caraça. 
 
B. PROTESTO DE D. PEDRO 
 
O brilho da solenidade e a diplomacia do Superior parecem ter apagado bastante o incidente da aula de Direito Canônico. É que D. Pedro, ao percorrer as aulas do Seminário Maior, depois de ouvir os alunos que eram interrogados sobre Teologia Dogmática, Moral, História, quis saber do professor de Direito o que se ensinava sobre o Placet (aprovação régia para os documentos pontifícios). Ora, o nosso Imperador devia desconfiar que tratar desta matéria, naquele momento, diante do Seminário Maior e de sua Corte, era  para usarmos a linguagem familiar  mexer em caixa de marimbondos, ou segundo um jornalista da Comitiva "um verdadeiro ferro quente, no qual não porei a mão". Era discutir assuntos que provocaram, na História do Brasil, a chamada "Questão Religiosa" (1871-1875). Os protagonistas D. Vital e D. Macedo Costa foram considerados pelos adeptos da Maçonaria e do Regalismo como bispos orgulhosos, desobedientes, ranzinzas, enquanto os católicos, fiéis a Roma, os proclamavam grandes bispos, intrépidos confessores da fé, verdadeiros mártires que não duvidaram trocar os seus Palácios de Recife e Pará por quatro anos de cadeia, na Fortaleza de São João, no Rio. 
 
Mas já que D. Pedro queria saber o que se ensinava no Caraça, era preciso dizer a verdade; foi chamado o Seminarista Rodolfo Augusto de Oliveira Pena, que começou dizendo ser falsa e contrária aos ensinamentos do Concílio Vaticano a doutrina que julgava necessário o Placet para que os atos pontifícios tivessem força de lei num país católico. Convidado a dar razões intrínsecas de tal afirmativa, continuou: "Há dois poderes, o eclesiástico e o civil, e ambos vêm de Deus; o primeiro, imediatamente de Deus. Sobre o segundo, as opiniões divergem: imediatamente ou mediante o povo. O poder eclesiástico é superior ao civil, porque tem objeto mais nobre, espiritual, sobrenatural, o bem das almas, e extensão territorial maior, pois abrange o mundo todo. O poder civil tem por objeto o bem temporal e se limita a uma nação particular. Estes dois poderes são distintos e livres na sua esfera"... 
 
Houve um silêncio que D. Pedro interrompeu, perguntando: 
"E nas questões mistas"? 
Agora, foi o professor, Pe. Chanavat, que tomou a palavra: 
"Para estas... a decisão pertence à Igreja". 
"Protesto", disse o Imperador, "como chefe do poder civil e defensor nato da Constituição Brasileira, protesto contra esta doutrina". 
"Os rostos dos Seminaristas que, até então, mostravam grande alegria pela presença de S.M., cobriram-se logo de uma expressão de profunda tristeza, manifestando assim a mágoa que lhes causara este protesto". O lente, sustentando a Doutrina Católica, quis mostrar a encíclica de Leão XIII, mas o Superior o deteve, e, com delicadeza e grande prudência, propôs se tratasse de outros assuntos. 
Mais tarde, estando os alunos no recreio, comentando naturalmente o incidente da aula, passou por eles D. Pedro com a sua comitiva. Então o professor de Direito não se conteve. Aproveitou a ocasião para, em voz alta, fazer o seu contra-protesto: "Não admito o protesto V.M... É escandaloso um Monarca católico protestar contra a Doutrina da Igreja diante de um Seminário Maior". 
D. Pedro, desgostoso diante deste contra-protesto, apenas replicou: "Eu sou mais católico que o lente. Sou católico tolerante, ao passo que o senhor é intolerante". 
Mais uma vez entrou o Pe. Clavelin... e a tempestade se desfez... 
É fácil imaginar a variedade de interpretações que deram ao fato, quer entre os habitantes do Caraça, quer entre os membros da Corte e os quatro jornalistas da Comitiva. 
Em Ouro Preto, aonde logo chegou a notícia, atingindo proporções aterradoras, o próprio Monarca se encarregou de esclarecer a verdade, dizendo: 
"Expliquei sempre ao Pe. Clavelin, que parece-me excelente pessoa, como eu ressaltava o direito, unicamente contra os abusos da autoridade eclesiástica, que não deviam ficar dependentes da única apreciação daquela" (Diário, pág. 97) 
E sobre o professor de Direito disse: 
"Pe. Chanavat é um sacerdote digno da batina que veste e da cátedra que ocupa. É um homem!" 
E lembrando-se de tudo que viu e ouviu de bom, deve ter repetido o que afirmou ao Pe. Sípolis em Mariana: 
"Estou satisfeitíssimo com o Caraça. Só o Caraça paga toda a viagem a Minas". 
E a piedosa Imperatriz podia também repetir: 
"Desculpe-nos algum incômodo, Pe. Superior. Eu teria escrúpulos de vir a Minas e não chegar até ao Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Hei de voltar, Pe. Superior. hei de voltar, se Deus quiser". 
 
C - GRATIDÃO DE D. PEDRO 
 
A história registrou muitas frases importantes, atribuídas ao Imperador, tão preocupado com a instrução do povo e o progresso do país. 
Uma frase retrata bem o seu espírito: "Se não fosse Imperador, gostaria de ser mestre-escola". Outra: "Estaria disposto a vender até o último brilhante da coroa para que nenhum cearense viesse a morrer de fome, por ocasião de alguma seca." 
Pois bem! Para o Caraça, a visita de D. Pedro não se limitou à célebre discussão na aula de Direito, ou à sessão solene com nove discursos em idiomas diferentes, ou algumas frases bonitas que a tradição guardou ou estão no seu "Diário". 
 
Quem visita hoje o bicentenário Colégio há de sentir a prova de gratidão do Monarca para com esta Casa de ensino, que tanto beneficiou Minas e o Brasil. Logo na sala de visitas, verá um grande quadro a óleo, com o Colégio, pousado na raiz da Serra. É a obra do pintor alemão Jorge Grimm, professor da Academia de Belas Artes. Veio ao Caraça em 1885 para cumprir a promessa que fizera D. Pedro, no adro da igreja, quando, contemplando a tarde que morria, lançava, no seu caderno, uns traços reproduzindo os contornos das serras caracenses. 
No museu, poderá admirar o retrato a óleo de S.M. assim como a bem trabalhada cama de madeira, onde dormiu nas noites de 12 e 13 de abril de 1881. 
Os pesquisadores da história gostarão de ler as seis longas páginas que escreveu sobre o Caraça, ao correr da pena, no seu "Diário": "Viagem a Minas". O turista curioso repetirá talvez, as mesmas palavras imperiais: "Não posso descrever tanta beleza!"... "passei por uma das mais belas cascatas que conheço"... "Admirei as montanhas por detrás da Casa, entre as quais a chamada Carapuça". "Entrei na Capela cuja arquitetura agradou-me"... e "vi muito bem feitos capitéis". "Estive na biblioteca onde achei bons livros e edições antigas"... etc. 
Mas quem possui o espírito gaiato descerá, alegre, a ladeira das Sampaias , para ver a célebre pedra, onde, segundo a tradição, ao deixar o Caraça, na madrugada do dia 15 de abril, ou mais precisamente, às 5:20 da manhã, Sua Majestade D. Pedro II, Imperador Constitucional do Brasil, calçado de botas e esporas... escorregou na dita pedra, nela batendo, solenemente, os assentos imperiais e reais. 
O autor deste livro, a pedido do Pe. Sarneel, registrou o fato, há vários anos, gravando na famigerada pedra, a data e as armas imperiais, que você, leitor, um dia poderá ver. 
 
Falemos agora de coisa mais séria, ou "paulo maiora canamus", diria logo um caracense. 
O visitante, ao entrar na igreja gótica, que tanto agradou ao Imperador, há de sentir, no silêncio religioso do Santuário, a elevação da alma para Deus. Mais do que as 12 colunas de granito, a sustentarem a abóbada, hão de chamar-lhe a atenção os cinco vitrais. O do meio, de 5 metros de altura, representando o Menino Jesus no Templo, entre os doutores, foi a delicada oferta de D. Pedro II. Como sinal, aos pés do Menino Deus, está gravada a Coroa Imperial, tendo abaixo o escudo do Império. 
Assim expressava D. Pedro a sua gratidão a uma "Comunidade Religiosa" que tem, como profissão, evangelizar o pobre povo do campo e formar a juventude nos colégios e Seminários, dando, frequentemente, ao país não só os grandes vultos, nacionalmente conhecidos, mas muitos outros que aprenderam no Caraça a "servir a Deus, honrando a Pátria, e servir a Pátria, honrando a Deus". 
 
A Crônica, escrita pelo seminarista, termina assim: 
"Deixaram SS.MM. 500$000 rs (quinhentos mil réis) de esmola para as obras da Capela (vitral) e 400$000 rs para os pobres dos arredores, particularmente para os de S. João". 
 
Por sua vez, o Caraça ofertou ao Imperador "uma rica pedra composta de três diferentes minerais" e o seu livro mais antigo: "Crônica de Eusébio", de 1483. Este livro se encontra hoje na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, catalogado sob o número 58, no setor dos incunábulos. Na página de rosto, lê-se a dedicatória, escrita a mão: 
"A Sa Magesté 
D. Pedro II, 
Empereur du Brésil, 
Le Collège du Caraça reconnaissant 
12 Avril 1881."
 
* Nascido em Santo Antonio do Monte/MG, em 24 de janeiro de 1921 e falecido em Belo Horizonte, em 09 de fevereiro de 2002. Trabalhou no colégio do Caraça de 1948 a 1955, quando participou da filmagem de “Caraça-Porta do Céu”, em 1949. Passou pelo Seminário Menor de Mariana em 1955, retornando depois, como Reitor, por mais dois anos (1963 e 1964). Durante os 20 anos em que esteve na direção do Caraça, desenvolveu significativo trabalho de manutenção e reconstrução da casa, tornando-a centro de peregrinação, cultura e turismo. Sua capacidade administrativa, sua alegria contagiante na acolhida dos hóspedes, sua vasta cultura e seu espírito de dedicação e de fé marcaram profundamente a vida do Caraça e seus visitantes. Seus livros tornaram mais conhecida e documentada a fama do Colégio do Caraça e as benemerências da Congregação. Seu autor aceitou, como homenagem ao Caraça, a honra de ser membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e membro também da Academia Mineira de Letras.
 
 
II. NOTAS EXPLICATIVAS
 
 
¹ Na composição deste capítulo servimo-nos dos seguintes documentos:
1) Diário de D. Pedro: apud "Anuário do Museu Imperial de Petrópolis" - Vol. XVIII-1957: "DIÁRIO DE VIAGEM DO IMPERADOR A MINAS", p. 70-118
2) Crônica do Caraça: apud "Revista do Arquivo Público Mineiro", Ano XII-1907  Belo Horizonte  Imprensa Oficial de Minas Gerais  "CARAÇA: APONTAMENTOS HISTÓRICOS E NOTAS BIOGRÁFICAS", onde o autor Pe. F. Silva, cita:
a) Uma pormenorizada "Notícia" sobre a visita de D. Pedro, escrita por um seminarista, José Cipriano, pp. 83-93
b) Duas cartas do Pe. Chanavat ao seu bispo diocesano e ao Pe. Visitador dizendo "a sua verdade" contra as más interpretações do incidente com o Imperador, na aula de Direito, pp. 94-97.
Recorremos também à "Visita Imperial", escrita por um dos padres do Caraça, em seis páginas manuscritas, ainda não publicadas.
 
² "Pataco", devido à efígie de D. Pedro, na moeda ou "pataca".
 
³ Armand David, sacerdote da Congregação da Missão, francês, grande naturalista e missionário, célebre por seus livros e pelas explorações científicas que fez na China, Turquia e África. Sabendo dos desejos do Imperador, a Cúpula da Congregação pensava em enviar o Pe. David para o Brasil. Isto só não aconteceu em 1884, porque, nas vésperas da viagem, caiu doente o grande cientista (Cf. Annales de la Congregation de la Mission - 1937 - Tome II, p. 293, e Nouveau Larousse Illustré, Tome 3e., p. 533); mais tarde, no exílio, D. Pedro escolheu o Pe. David para seu confessor; e este estava a seu lado, na hora da morte, num hotel de Paris.

"Diário", pp. 93-99, parte referente ao Caraça.

Hoje Brumal, arraial a 15 km do Caraça, com bonita igreja barroca.

Sampaias: título dado a todas as mulheres que trabalham no Caraça. Moraram muitos anos na grande casa de baixo, formando uma espécie de convento feminino, onde alegres, piedosas e trabalhadoras cuidavam de muitas coisas, sobretudo da roupa dos alunos.

LIVROS DO CARAÇA: Exposição promovida sob os auspícios da Sucursal de "O Globo" de Belo Horizonte/setembro de 1960, p. 8.
 
 
III. AGRADECIMENTO 

 
À minha amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação do registro fotográfico utilizado neste trabalho.
 

IV. BIBLIOGRAFIA

 
BRAGA, F. J. S.: NO CARAÇA... CRIME REAL?, post no Blog do Braga em 24/12/2024.

MEDEIROS, Benício: À SOMBRA DO CARAÇA, post no Blog de São João del-Rei em 08/01/2025.

ZICO, Pe. José Tobias: Caraça e a família imperial. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1991, 104 p.

___________________: CARAÇA: Peregrinação, Cultura e Turismo (1770-1976), Belo Horizonte: Editora São Vicente,  4ª edição, 1982, 205 p.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

BICENTENÁRIO DE DOM PEDRO II

Por DANILO CARLOS GOMES
Crônica publicada originalmente no Correio Braziliense, edição de 02/12/2025.
 
Nesta terça-feira, 2 de dezembro, celebram-se os 200 anos de nascimento do imperador D. Pedro II, nascido na cidade do Rio de Janeiro. Governante muito culto, poeta, divulgador do progresso, da educação, do telefone, das ferrovias, da fotografia, dos avanços tecnológicos, deixou para a filha, a princesa Isabel, a assinatura da lei que extinguiu a escravidão no Brasil, um tema sociopolítico sempre polêmico. Derrubado por um golpe militar ligado ao positivismo de Augusto Comte, em 15 de novembro de 1889, o imperador e sua família foram cruelmente expulsos do Brasil. Dona Tereza Cristina morreu de desgosto, no mesmo ano, na cidade do Porto, em Portugal. Em 1891, o imperador morreu num modesto hotel, em Paris, de desgosto e pneumonia. Inumeráveis historiadores escreveram importantes obras sobre D. Pedro II; entre eles, Pedro Calmon, Hélio Vianna, José Murilo de Carvalho, Paulo Rezzutti, Mary Del Priore, Heitor Lyra, Alcindo Sodré, Alfredo d'Escragnolle Taunay, José Theodoro Menck, Lília Moritz Schwarcz, cujo livro As barbas do imperador estou lendo.