sábado, 24 de maio de 2025

CRÔNICAS DE VIAGEM À TERRA SANTA ¹

Por NEWTON SIQUEIRA DE ARAÚJO LIMA *
Dedico o presente trabalho ao confrade Dr. Edson Brandão, escritor e historiador, ícone da cultura barbacenense, membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras (atual ocupante da Cadeira 32) e membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei.
Gerente do Blog
Tentando evitar uma narração simplesmente linear da viagem, introduzi nela informações históricas, artísticas e curiosas dos lugares visitados, na esperança de que a leitura se tornasse mais amena. Para isso, consultei vasta bibliografia, folhetos turísticos e as numerosas anotações feitas por mim durante toda a excursão. Difícil agora, após cinco anos, citar uma a uma todas essas fontes, mas, óbvio, todas as citações são feitas entre aspas.
Cabem aqui alguns agradecikmentos. A meus irmãos, demais parentes e amigos, cujo incentivo às "mal traçadas linhas" constituiu reforço precioso à decisão de editá-las. Aos companheiros de viagem, amigos de todas as horas, que viveram e sentiram comigo a alegria de descortinar novos horizontes e ampliar conhecimentos. Especialmente, a minha esposa Elza, crítica bondosa de meus trabalhos, incentivadora e inspiradora constante, e a meus filhos, leitores assíduos. A todos, o penhor de minha gratidão.
Barbacena, no ano de seu sesquicentenário (1990).
O autor
 
Dando continuidade à nossa excursão a partir de Atenas, chegamos ao aeroporto Elefthérios Venizélos aproximadamente às 14 horas e logo depois embarcamos em avião da "Olympic Airways" (que pertenceu a Onássis), rumo a Israel. O itinerário Cairo-Atenas-Tel Aviv foi feito pela impossibilidade de viagem direta, Cairo-Tel Aviv, face à tensão entre Egito e Israel, que vínhamos acompanhando pela televisão e pelos jornais. Os guias repetiam a cada momento instruções para evitar dificuldades ao grupo. E Israel nos aguardava. Havia certa ansiedade, pois foi no aeroporto israelense que se concretizaram um dos maiores atentados terroristas já ocorridos em qualquer parte do mundo. Inegavelmente, porém, o desejo de conhecer a Terra Santa falava mais alto. Como eu, acredito que todos os elementos do grupo tenham rezado para que tudo corresse normalmente. 
Depois de liberados, respiramos com alívio e tomamos o ônibus rumo a Tel-Aviv. Ali chegamos à noite e cada qual rumou para seu aposento, em cuja porta havia um aviso: "Economize água." 
Pouco antes de deitar, lembrei-me do convite de Isaías: 
“Vinde, subamos ao monte do Senhor, ao templo de Deus de Jacó. Ele nos ensinará os seus caminhos. E suas veredas saberemos trilhar." [Isaías 2: 3]
 
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Pisamos a Terra Santa. Há muitos anos, meu sonho de visitar dois países estava sendo concretizado nesta viagem: Grécia e Israel. E agora Israel estava ali ao meu alcance. Tal como Davi, intimamente eu repetia [Salmo 14: 1]:
Ó Senhor, quem se hospedará na vossa tenda? Quem há de residir no vosso santo monte?” O aeroporto Ben Gurion fica em Lod, antiga Lida bíblica, no litoral mediterrâneo, onde São Paulo curou um paralítico de nome Eneias. [Atos 9: 32-34]
Nessa noite pernoitamos em Tel-Aviv que significa “colina da primavera”. Não tivemos o ensejo de conhecer a cidade, pois lá chegamos à noite e no dia seguinte, cedo, iniciamos nossa viagem pelo país dos filisteus, daí o nome de Palestina. 
Em Jaffa, pequena cidade às margens do Mediterrâneo (ex-Jope bíblica), percorremos suas estreitas ruas e passamos pela casa de Simão, o curtidor. A profissão de curtidor era considerada impura. Segundo os costumes daquela época, a mulher poderia separar-se do marido, se quisesse, caso tal fato lhe fosse ocultado antes do casamento. Nessa localidade, São Pedro ressuscitou Talita (ou Dorcas), que quer dizer gazela. Esse fato é narrado nos Atos dos Apóstolos. Ali também ocorreu a visão do alforje com bichos e aves de várias espécies. Vimo-la representada por uma pintura na igreja de São Pedro. O apóstolo entendeu o sentido da mensagem e estendeu seus ensinamentos também aos pagãos, até então considerados excluídos do âmbito de sua missão evangélica. 
Foi também em Jaffa que São Pedro recebeu emissários de Cornélio, que residia em Cesareia (marítima) e lhe pedia que fosse vê-lo. 
Tomamos o ônibus e fomos para um ponto elevado da cidade, de onde se descortina bonito panorama. Brisa mediterrânea tornava suave a temperatura. 
No caminho para Cesareia, vimos várias casas destruídas ou danificadas por bombardeios egípcios. Tem-se a impressão de que as conservam assim para lembrar a guerra dos seis dias como uma espécie de monumentos. 
Chegamos em Cesareia, hoje somente ruínas daquela que foi praticamente a segunda capital palestina. Era uma cidade muito procurada pelos governantes nas épocas de verão. Há forte influência do estilo grego em suas construções, principalmente o seu teatro ao ar livre, construído por Herodes, o Grande, onde ainda hoje se realizam concertos e espetáculos artísticos. 
Era chamada de Cesareia Marítima para distingui-la da Cesareia de Felipe, junto ao Monte Hermont. 
Existem ruínas de uma grande fortaleza edificada no ano 12 de nossa era, local de onde, ainda como simples porto marítimo, São Paulo partiu com destino a Roma para ser julgado. O Apóstolo ficara em Cesareia preso durante quase dois anos, e, como cidadão romano, tinha direito de apelar para o julgamento de César (na ocasião, o imperador Nero). São Lucas narra com minúcias este episódio, transmitindo a defesa que o apóstolo dos gentios fez de si próprio. São Paulo fala ao povo em língua hebraica e rememora as circunstâncias de sua conversão (“Saulo, Saulo, por que me persegues?”) e argumenta junto a Agripa: “Portanto, ó rei Agripa, não fui infiel à aparição celeste, mas aos de Damasco em primeiro lugar, depois em Jerusalém e em toda a Judeia, e entre os gentios comecei a anunciar que se arrependessem e se convertessem a Deus, praticando obras dignas de penitência.” 
Ao final, Agripa segreda a Festo: Este homem podia ser posto em liberdade se não tivesse apelado a César.”
 
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Pilatos e outros grandes da época frequentavam Cesareia, onde se realizavam jogos e outros espetáculos. Segundo Flávio Josefo (História dos Hebreus), o próprio Augusto, em honra do qual Herodes deus o nome à cidade, fez a abertura da centésima nonagésima segunda olimpíada dos tempos antigos. 
Cesareia foi inicialmente uma pequena cidade fenícia, que Herodes, no ano 20 a.C. transformou em um dos maiores portos e uma das mais belas cidades da Palestina. E foi durante cerca de 500 anos a capital da província romana. A fortaleza a que fiz referência anteriormente foi construída por Luís IX da França, São Luís, que circundou a cidade de muralhas para defendê-la de incursões terrestres. Tais muralhas estavam resguardadas por fossos de 10 metros de largura, e os muros se elevavam a uma altura de 10 a 15 metros. Vimos uma pedra com o nome de Pilatos junto às ruínas. É cópia da verdadeira que ali fora encontrada em 1956, durante os trabalhos de escavações arqueológicas. O citado historiador (Flávio Josefo) descreve Cesareia como uma cidade bonita e dotada de atrações e para onde se dirigiam os que buscavam descanso ou divertimentos. Dali, no ano 70 da era cristã, partiria Tito em direção a Jerusalém para conquistá-la e destruí-la, aproveitando dissensões entre os vários grupos políticos então dominantes, como os fariseus, os saduceus, os essênios e os zelotes. Essa conquista está gravada no Arco de Tito em Roma. Calcula-se que, dos 3 milhões de habitantes da Palestina e de outros países sob o domínio romano na ocasião, a conquista e destruição de Jerusalém custou a vida de um milhão de judeus. 
 
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Continuamos viagem rumo a Haifa  hoje o principal porto marítimo de Israel e mesmo da Ásia Menor e que, em 1905, era uma pequena cidade de 10 mil habitantes. É a terceira cidade de Israel. Haifa cresceu nas encostas do Monte Carmelo, em local dos mais formosos do litoral israelense. Profusamente arborizadas, tais encostas apresentam agradável sensação de frescura e repouso. Fomos aos pontos mais elevados da cidade, de onde se descortina magnífico panorama de seu movimentado porto. 
O belo azul do Mediterrâneo se perde no horizonte. Nas faldas de um dos montes ressalta, pela sua beleza e pelos jardins persas de exuberantes bosques e flores exóticas, o Santuário da Fé Bahá'i  fundada por Bahá'u'lláh, falecido em 1892. Predomina no Santuário sua cúpula dourada, que se destaca no meio do verde das árvores. Visitamo-lo. É exigido silêncio absoluto. E pé descalço. Seu maravilhoso e riquíssimo interior é lugar comumente visitado por turistas de todo o mundo. Dois lindos quebra-luzes de alabastro translúcido ladeiam um grande e belíssimo espelho de cristal. No chão, tapetes persas com variados arabescos. Dois grandes vasos chineses emprestam ao ambiente um ar de mistério e requinte. Pendente do teto, maravilhoso lustre de cristal reflete luz multicolorida. No jardim, único em seu gênero no mundo, vasos, águias e pavões de metal dão ao ambiente uma atmosfera de bucólica tranquilidade. A construção do Santuário é de mármore de Carrara e azulejos dourados da Holanda. Foi construído em 1948. 
Rumamos para o Convento das Carmelitas, onde participamos de missa e comungamos. O tempo foi curto para visitá-lo, mas na capela existe a gruta do profeta Elias, que foi motivo de nossa curiosa piedade. Pequeno quadro, em uma sala ao lado, representa o episódio relatado no [II Reis 2: 11]
"Continuaram o seu caminho e iam conversando quando um carro de fogo, puxado por cavalos também de fogo, separou-os um do outro. Elias subiu ao céu num turbilhão." 
Haifa, como disse, é uma cidade progressista e bastante industrializada. É também um centro adiantado de cultura, onde funcionam o Instituto Israelense de Tecnologia, inaugurado em 1924, e a Universidade fundada em 1963. Conquistou-a Napoleão no século XVIII, quando a cidade estava sob o domínio otomano. 
Levamos dela a melhor das impressões e nos dirigimos à histórica São João de Acre ², onde os cruzados construíram notável fortaleza, cujos amplos salões e escuros subterrâneos visitamos. Empolga por sua grandiosidade. Edificada no século XI, foi tomada pelo mouro Saladino. Esteve nas mãos dos mamelucos egípcios. Passou ao domínio otomano a partir de Suliman, o Magnífico. Conta-se que Napoleão, ao tentar inutilmente conquistá-la, teria chegado junto às muralhas e, jogando para dentro o seu chapéu, teria dito: "Se não consigo entrar em Acre, pelo menos meu chapéu há de fazê-lo." Os corredores subterrâneos são verdadeiros labirintos e um deles vai sair nos rochedos junto à praia, para possibilitar a fuga em caso de conquista da fortaleza. Mais tarde, já no Brasil, quando assisti ao filme "Damian-Profecias II", pareceu-me familiar a cena inicial de uma pesquisa arqueológica, que mostrou o rosto de um garoto pintado em azulejo. Muito semelhante ao que, se não me engano, lembro ter visto em uma das passagens subterrâneas da fortaleza. Teria sido rodado ali o filme? 
No decurso da viagem, pudemos verificar o esforço tenaz de recuperação das terras até então improdutivas. A técnica com que os israelenses trabalham as áreas destinadas à agricultura é realmente de surpreender. Nota-se que há uma resposta ao desafio da natureza ingrata. Mas existem também regiões de grande fertilidade, como os famosos vales que se estendem por quilômetros e quilômetros, onde são produzidas frutas e algodão, principalmente. A obstinação desse povo parece ser fruto de uma luta de milênios em busca de um lugar ao sol. Nas regiões mais áridas a irrigação é intensiva e a recuperação do solo é enfrentada com a introdução de modernas técnicas, estudadas nos institutos agronômicos. Tais institutos formam técnicos de renomado valor, a ponto de o Brasil ter solicitado a sua cooperação para o Nordeste. Pena que o brasileiro talvez não tenha a têmpera do israelense, têmpera forjada no sofrimento e na luta contra tudo e contra todos. 
 
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De Acre, seguimos viagem para o interior, passamos ao largo de Nazaré e nos dirigimos a Tiberíades. Situada na Galileia, a cidade foi fundada por Herodes Antipas no ano 26 d.C., sendo o seu nome uma homenagem a Tibério César. Já teve grande importância na antiguidade, após a queda de Jerusalém, como centro de estudos rabínicos. É hoje muito procurada por turistas e possui água radiativa. O excelente Hotel Plaza onde nos hospedamos ressalta na paisagem urbana. Seu "hall" de belo piso em mármore vermelho e suas dependências nada deixam a desejar aos melhores hotéis do nosso roteiro. 
Certo dia, no amplo refeitório do hotel, ouvimos as orações de um rabino em respeitoso silêncio. Estávamos no início do ano novo judaico, de que nos ocuparemos a seguir.
"Rosh hashaná" (do hebraico "cabeça ou início" do ano) é o ano novo judaico, cujo clímax é o "Yom Kippur" (dia da expiação)  maior festa religiosa dos judeus, quando passam o dia em jejum e em orações. Nas portas de nossos aposentos encontramos simpática mensagem  "Shalom". É um costume arraigado no espírito israelense, assim como nós ocidentais costumamos transmitir aos parentes e amigos nossos votos de feliz ano novo, na confraternização universal no dia 1º de janeiro. O "Yom Kippur" é o 10º dia do ano novo hebreu  o "Tishiy", correspondente aos meses de setembro/outubro. O toque das trombetas marca o dia em que os homens pedem a Deus proteção para o ano que se inicia, e isto se faz com o "shofar" (chifre de carneiros), como a anunciar dias melhores e novas esperanças. 
Certa manhã, ao descermos dos aposentos e nos dirigirmos a uma varanda lateral, vimo-la enfeitada com folhas de palmeiras, que formavam uma espécie de cabana. Era mais uma festa tradicional dos judeus  a Festa dos Tabernáculos ou das Cabanas, que remonta ao Velho Testamento e é também mencionada em [João 7: 1-2]
"Depois percorria Jesus a Galileia, pois não queria andar pela Judeia, porque os judeus procuravam dar-lhe morte. E estava próxima a festa dos judeus, as Cabanas." 
O excelente livro "Memórias de um Repórter do Tempo de Cristo", cujo autor, C.M. Heredia, S.J., demonstra conhecer a fundo os costumes dos judeus, narrando em minúcias suas tradicionais festas religiosas. Costumavam eles ir a Jerusalém em tais ocasiões. Como não havia lugares suficientes para abrigar tanta gente, a maioria armava cabanas, fora das muralhas da cidade, e o fazia com lonas ou ramos de árvore. Era e continua sendo uma festa popular de cunho religioso, de que todos participam, segundo narra o Levítico, capítulo 23, especialmente em [Lev. 23: 42-43]
"Durante sete dias habitareis em cabanas, para que saibam os vossos descendentes que em cabanas eu fiz habitar os filhos de Israel, quando os tirei do Egito. Eu, o Senhor vosso Deus. E Moisés promulgou as festas do Senhor aos filhos de Israel." 
Nessa ocasião havia uma participação geral em procissões, nas quais, todavia, somente os homens podiam ir. Posteriormente, todos  homens, mulheres e crianças  se reuniam e se confraternizavam em casa. Deixemos falar o autor do citado livro: 
"Cada israelita, para ir à procissão, deve levar um ramalhete composto de palmas e de vários botões de salgueiro e mirto; este ramo chama-se Loulab e vai na mão direita, enquanto que na esquerda se deve levar o Ethrog, que consiste em galhos de cidreira, limões e outras frutas. É preciso agitar os ramos em direção dos quatro pontos cardeais, quando se canta o Hallei, ou Aleluia, isto é, o salmo 117 que começa assim: 
"Louvai o Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia é eterna. " 
E o que segue é ainda mais solene: 
Bem-aventurados os que se conservam sem mácula, os que caminham segundo a lei do Senhor.
 
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Curiosa é a explicação dada em relação ao holocausto oferecido no templo de Jerusalém. No dia 1º eram imoladas 13 bezerras; no segundo, 12; no terceiro, 11, e assim por diante, até o 7º dia, totalizando 70 animais, que correspondiam ao número de nações existentes e conhecidas no mundo de então. 
O monumental templo vivia nessa época seus dias mais gloriosos. Era dividido em várias partes, correspondentes às pessoas que a elas tinham acesso ou nelas podiam permanecer; átrios dos gentios, pátio dos homens, pátio das mulheres, o Santo dos Santos. Nestes dois últimos ficavam o altar de ouro, mesas e candelabros de sete braços. No Santo dos Santos só podia entrar o Sumo Sacerdote, e ali fora depositada, no tempo de Salomão, a Arca da Aliança. 
Estes e outros costumes que o povo guarda ciosamente impressionam o turista por sua origem milenar. Embora destruído o templo, permanece a tradição, e há muito respeito na comemoração dos acontecimentos que marcaram a história dos hebreus desde a sua fuga do Egito. 
Retornemos, porém, ao nosso roteiro. Acordamos cedo no dia 13 de outubro de 1978, que marcaria realmente nossa doce e inesquecível peregrinação pela Terra Santa, pois daí para diante passaríamos por todos, ou quase todos, os lugares por onde o Mestre passara há dois mil anos. Só isto já era emoção bastante: pensar ou lembrar que esses locais tinham recebido a visita daquele que, tudo podendo, a tudo se submetera... 
Saímos a pé em direção a um pequeno embarcadouro no lago de Genesaré. O nome Genesaré tem origem no formato do lago semelhante ao de uma Harpa (Kinnor). 
Passamos, antes, pela pequena igreja de São Pedro, onde, no frontispício, para surpresa nossa, estava escrita em nosso idioma Terra Santa. Essa igreja foi construída sobre as ruínas de outra mais antiga, fato bastante comum em Israel. Vimos no seu interior a proa de uma barca de pedra, lembrando a barca de Pedro. Pequeno pátio interior conserva uma imagem de bronze de São Pedro, semelhante à da Basílica de São Pedro em Roma. 
Tomamos o barco para atravessar o lago em uma linda manhã ensolarada. Temperatura elevada, com brisa suave para amenizá-la. Todos buscávamos acomodações nas cadeiras do convés, procurando aproveitar ao máximo a tranquilidade do ambiente, que o marulhar das águas transmitia e a amável lembrança do Cristo infundia. 
Flávio Josefo, em sua citada obra “História dos Hebreus”, descreve assim o lago: 
“O lago de Genesaré toma seu nome da terra que o rodeia. Seu comprimento é de 100 estádios e tem 40 de largura. Não há rios; nem mesmo fontes, que sejam mais tranquilos. Sua água é muito boa para se beber e muito fácil de se obter, porque nas suas margens há apenas um cascalho muito leve. É tão fria que nem mesmo perde sua frialdade quando posta ao sol, pelos habitantes, segundo o costume, para esquentá-la, durante os dias mais quentes do verão. Há grande quantidade de peixes de todas as espécies, que não são encontrados em outros lugares. O Jordão atravessa o lago, bem ao meio; parece que tem sua origem em Panion. Mas a verdade é que ele vem por baixo da terra de outra nascente, chamada Fiala, distante cento e vinte estádios de Cesareia, do lado direito, perto do caminho por onde se vai a Traconítida. É tão redonda que por isso mesmo recebe o nome de Fiala e enche sempre por igual a sua concavidade que jamais é vista vazia ou cheia. Sempre se havia ignorado até Herodes, o Tetrarca, que essa nascente era a origem do rio Jordão; mas esse príncipe lá lançou palha e depois encontrou-se também certa quantidade de palha na nascente de Panion, de onde não se imaginava antes que esse rio procedesse...”
Os dados atuais do lago dizem ter ele cerca de 20 quilômetros de comprimento e 10 de largura, aproximadamente, 4 vezes a medida citada por Flávio Josefo, que o visitara durante a primeira revolta dos judeus. 
A travessia do lago foi um refrigério, não só pela amenidade da brisa, como pela oportunidade de um descanso mais prolongado das andanças e correrias da excursão. Mas ansiávamos chegar a Cafarnaum  a cidade de Naum  escolhida por Jesus como centro de sua missão messiânica na Galileia. 
A barca deslisava mansamente sobre as tranquilas águas frias do Lago de Tiberíades. Nossos olhos descansavam à vista do belo panorama que as encostas das colinas emolduravam. 
 
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Chegamos a Cafarnaum. Historiadores há que atribuem o nome de Naum ao profeta do Velho Testamento, mas não existem comprovações a respeito. Existe ali à beira do lago, pequeno embarcadouro, possivelmente no mesmo lugar em que os discípulos de Cristo aprontavam seus barcos para a faina diária da pesca. Foi construído pelos Franciscanos que, em 1841, adquiriram vasta área de terra para a preservação dos lugares sagrados e dar continuidade aos estudos arqueológicos da região. À esquerda de quem desembarca há um convento por eles construído em 1925, atrás do qual se depara com belo jardim. No centro dele, cercada de multicoloridas flores, uma estátua de São Francisco, com braços abertos para o alto em atitude de prece e agradecimento. 
O local está cheio de relíquias encontradas nas escavações. 
Interessante opúsculo editado pelos citados religiosos conta a história da pequena cidade, onde Cristo esteve muitas vezes e na qual convocou homens e rudes pescadores para a sagrada missão de levar sua mensagem a todos os povos. Respira-se ali uma atmosfera de passado, mas um passado estranhamente vivo, quase atual, como a confirmar as palavras do poeta: A saudade é a presença dos ausentes.” É uma emoção diferente, por certo uma presença invisível, sem dúvida inefável. Sente-se como um reviver de longínquas eras presentes". 
A sinagoga, cujas ruínas foram restauradas em 1926, não é a mesma referida nos Evangelhos, não a mesma onde o Mestre sentenciou:  
Eu sou o pão que desceu dos céus; se alguém come deste pão viverá eternamente. E o pão que lhes darei é o meu corpo.[João, 6: 25]
Cidade mística, além de histórica, nela iniciou Cristo seu ministério na Galileia: "E, deixando Nazaré, veio morar em Cafarnaum, à beira mar, nos confins de Zebulon e de Neftali, para se cumprir o que fora anunciado pelo profeta Isaías: 
... o povo que jazia nas trevas viu uma grande luz, e para iluminar os que jaziam na região caliginosa da morte, uma luz surgiu.” [Mateus, 4: 14-16]
Várias descobertas foram feitas com os estudos e as escavações, inclusive a casa de São Pedro, conforme fontes do século V e VI d.C.: 
The octogonal church is built upon the house of St. Peter. The anonymous Placentinus (570 mentions the church built upon the house of St. Peter.”
As principais atividades dos habitantes de Cafarnaum eram a pesca e a agricultura, embora o comércio tenha tido certa significação econômica, segundo referência em [Mateus 2: 13-14]
Ocorreu em Cafarnaum o chamado inicial dos discípulos. Sem alarde. Com simplicidade. Mateus, chamado Levi (que quer dizer ungido), foi encontrado no bando dos gabeleiros. Cristo lhe disse: Segue-me”. E ele o seguiu. Assim aconteceu com Simão Pedro e André e com João e Tiago, filhos de Zebedeu. Ali Cristo realizou seus primeiros milagres  a expulsão do espírito impuro que se apossara de um homem e a cura da sogra de São Pedro. Seguiram-se outros, como a ressurreição da filha de Jairo e a cura da hemorroíssa. 
Jesus não tinha casa em Cafarnaum. Deixara Maria e seus parentes em Nazaré, daí a angustiante expressão que [Mateus 8: 20], como a fazer também supor o desamparo futuro em que se encontraria em sua divina condição humana: 
"As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” 
 
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Segundo li na Bíblia editada pela Editora Paulinas, com anotações orientadas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Cafarnaum era uma cidade florescente no tempo de Cristo e era atravessada por uma estrada que ligava Damasco à costa mediterrânea. As ruínas que visitamos ficam na hoje denominada Tell-Hum, a cinco quilômetros da foz do Rio Jordão e a 36 quilômetros de Nazaré, e se localizava no território dos Neftalis, nos confins de Zebulon. A cidade, palco de inúmeros milagres de Cristo, foi considerada impenitente e mereceu a repreensão mencionada em [Mateus 11: 2-3]
E tu, Cafarnaum, serás acaso elevada até o céu? Serás rebaixada até o inferno, porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os milagres que se fizeram em ti, ela existiria até hoje.
Deixamo-la e tomamos o ônibus em direção a Tabga  corruptela de Heptageon  as sete fontes. É um lugarejo onde, em 1932, foram encontradas ruínas de igrejas bizantinas, cujos mosaicos são considerados os mais belos da Terra Santa. Atrás de um altar, tivemos a oportunidade de ver um mosaico representativo da multiplicação dos peixes e dos pães, a que fazem referências os quatro evangelistas. A igreja que visitamos nada tem de extraordinário, a não ser o fato de ter sido construída no sítio onde, segundo a tradição, ocorreu a multiplicação. Dali, nos dirigimos à igreja de São Pedro construída às margens do Lago Tiberíades. Em seu interior há uma pedra conhecida por “Mensa Christi” a Mesa de Cristo. A tradição localiza ali o acontecimento narrado nos Evangelhos, quando Cristo, após sua ressurreição, apareceu aos apóstolos e os convidou: e Venham comam. Dirigindo-se a Pedro, perguntou-lhe três vezes [João 21: 15]
Tu me amas? Recebendo resposta afirmativa, disse imperativo: 
Apascenta meus cordeiros. Apascenta minhas ovelhas. 
Essa igreja é conhecida como do Primado de Pedro e foi construída em 1934 em lugar bastante aprazível, banhada pelo contínuo vai-vem das águas do lago. Pequeno jardim ao seu redor dá-lhe certo ar de paz e tranquilidade. O Primado de Pedro, ali instituído, foi lembrado há poucos dias em Paris, quando João Paulo II, em frente à belíssima Catedral de Notre Dame, oficiou cerimônia eucarística. Sua Santidade, relembrando as perguntas feitas por Cristo a Pedro, assim terminou sua bela homilia: 
“São numerosos os lugares do vosso país onde muitas vezes, talvez cada dia, o meu pensamento e o meu coração se dirigem em peregrinação: o Santuário da Virgem Imaculada em Lourdes, Lisieux e Art, aonde desta vez não poderei ir, e Annecy, para onde fui convidado há muito tempo, sem poder até agora realizar o meu desejo. Eis que se apresenta diante dos meus olhos a França, Mãe de Santos no decorrer de gerações e de séculos. Oh! Quanto desejo eu que eles voltem todos ao nosso século e à nossa geração, segundo o número de carências e responsabilidades desta. Neste primeiro encontro, desejo a todos e a cada um, que ouçamos em toda a sua eloquência a pergunta que outrora dirigiu Cristo a Pedro: “Tu me amas? Amas-me tu? Ressoe esta pergunta e encontre eco profundo em cada um de nós. O futuro do homem e do mundo depende desta pergunta. Escutá-la-emos? Compreenderemos a sua importância? Como responderemos a ela? (Osservatore Romano, 08/06/1980, pág. 2) 
 
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[Mateus 5, 12-13] escreveu: 
“Vendo então Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Rodearam-no os discípulos e ele pôs-se a ensinar-lhes, dizendo: 
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque o reino dos céus é para eles; bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados; bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos...”. 
Melhor sítio e lugar mais apropriado não poderia Jesus escolher do que aquele monte, aquela colina de paz, tranquilidade e recolhimento, para ensinar e transmitir aos que o seguiam as bases de sua doutrina. Verdadeiro código moral, a beleza do Sermão da Montanha continua e continuará inalterada até o fim dos séculos. (“Passarão o céu e a terra, mas minhas palavras não passarão.”) Na encosta do monte, para perpetuar suas palavras, foi construída a bela Igreja das Bem-aventuranças que, soberana, domina um dos mais lindos panoramas de Israel. Ambiente de calma e paz no meio de um bosque sombrio. Sob as árvores nos acomodamos e pudemos sorver e admirar mais uma vez, no próprio local, o conteúdo dos ensinamentos do Mestre. Lá embaixo, as águas azuis do lago Tiberíades, oferecem ao turista um espetáculo de inconfundível e doce harmonia, em que, aos vigorosos e melódicos acordes das bem-aventuranças, parecem unir-se os sutis efeitos de uma natureza pródiga de suavidade e de silêncio acolhedor. É a voz de Deus na bem ordenada disposição do Universo. Pudemos avaliar quão belos devem ter sido aqueles momentos na presença do Criador. 
Imagino eu as comparações simples de Cristo como devem ter-se fixado no coração daqueles homens rudes, a cuja frente pontificava Pedro, e aos quais foi dito: 
"Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo...” [Mateus 5: 13] O sal que evita a corrupção. A luz que domina a terra. Sal que preserva. Luz que ilumina. 
Quão belo o panorama que o Rabino da Galileia também viu e em cujas paragens andou a pregar o Reino de Deus. Talvez pudéssemos dizer como o apóstolo: "Como é bom estarmos aqui.” 
Em verdade, o sublime Sermão da Montanha não se limita às bem-aventuranças, mas a uma série de exortações e conselhos, que, em Mateus, vão de 5: 1 a 7: 27, incluindo-se nesses trechos o "Pai Nosso que estais nos céus” [Mateus 6: 9-13] a oração que o Senhor nos ensinou. Edificantes e belas são as palavras de Cristo no seguinte trecho: "Reparai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Ora, eu vos digo que nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu jamais como um deles." [Mateus, 6, 28-29]
Todas essas lembranças nos ocorreram no pequeno bosque fronteiro à igreja, quando foi lido o trecho do Evangelho alusivo ao fato. Ouvimo-lo em silêncio respeitoso. Suave brisa soprava do lago. A cena, por mais que a seu respeito se escreva, só pode ser realmente imaginada. Qualquer acréscimo seria descrever o indescritível e definir o inefável. Majestoso em sua simplicidade. Simples em sua majestade. Cristo divinamente humano. 
Ensinando. O Criador às criaturas. O Infinito à pequenez. Sempre novas palavras velhas. Imensuráveis em sua grandeza. Grandiosas em sua eternidade. 
 
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Caná é uma pequena cidade da Galileia, onde os vinicultores encontram terreno apropriado para suas atividades. Colina verdejante. Becos tortuosos e ruas irregulares, sem calçamento. Onde o progresso está ausente e o desenvolvimento social é desconhecido. Parece ter paralisado no tempo e no espaço para preservar um momento histórico e resguardar a lembrança de um fato que, em sua simplicidade, teve, tem e terá um significado inolvidável para a humanidade. Caná da Galileia  presença do Criador num momento de amor. Bodas de Caná bênção de Deus à união conjugal. Não apenas por um momento, senão por toda a vida. 
Rohden, em "Problemas do Espírito", termina assim um de seus maravilhosos capítulos: "Almas dormentes repousam em escuros castelos do egoísmo, guardadas pelo cérbero minaz do Instituto. Aparece o heróico príncipe Espírito, rompe por todos os obstáculos, penetra no baluarte e deposita sobre a fronte da princesa Alma o ósculo do amor e ela acorda para uma jubilosa primavera de felicidade." É o equilíbrio do amor conjugal. 
"No terceiro dia, celebravam-se núpcias em Caná da Galileia, e estava lá a Mãe de Jesus." Parece que [São João 2: 1-11] quis ressaltar a importância silenciosa dos cuidados caseiros ao descrever a cena. À humilde e monótona faina diária da dona de casa, a cujos pormenores ela está sempre atenta. Visitamos a pequena igreja edificada, segundo a tradição, sobre as ruínas da casa onde se realizaram as bodas. Simples, vimos ali jarros de pedra semelhantes aos que se usavam no tempo de Cristo. E ali se deu o milagre da transformação da água em vinho da nossa vida terrena e eterna. O Senhor serve sempre por último o vinho melhor. O primeiro milagre de Cristo valoriza e sacramenta a união conjugal. "E serão uma só carne". Mas é triste pensar que muitos a encaram superficialmente, como se fosse apenas um contrato, um pedaço de papel que, rasgado, fizesse desaparecer o vínculo sacramental entre os esposos. Isto ocorre em uma sociedade altamente materializada pelo imediatismo e pelo consumismo. Os valores éticos, morais e espirituais estão sendo relegados a segundo plano. Há uma sede de ter. Poucos importam em ser. É por isso que Caná assume um significado especial, principalmente nos dias de hoje. Maria, solícita e preocupada, é a legítima dona de casa que acorre pressurosa em socorro dos anfitriões. Sua fé se manifesta claramente: "Fazei o que Ele vos disser." E "Jesus manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele.
 
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Rumamos de Caná para Nazaré  a "flor da Galileia". Nazaré significa vergôntea, rama, daí parecendo nascer a citação de [Mateus 2: 23] à profecia de [Isaías 11: 1]: "Um Rebento despontará do tronco de Jessé e de suas raízes crescerá uma vergôntea". 
São José, temendo voltar para a Judeia, foi morar na Galileia, em Nazaré. A minúcia da expressão "crescerá" usada pelo profeta, em vez de "nascerá", é significativa. Nazaré é dividida em duas partes (a antiga e a moderna) que se harmonizam. Circundam-na e embelezam-na colinas e montes, que azulam no horizonte. É uma região de agradável suavidade, onde os ciprestes, as tamareiras e outras espécies de árvores emprestam ao ambiente inconfundível e peculiar beleza. Surge aos olhos do visitante abruptamente, do alto, de modo acolhedor como se duas montanhas se abrissem para recebê-los com um abraço fraternal. Percorremos de ônibus suas ruas. Em uma delas, foi-nos apontada a casa onde teria nascido Santa Ana  mãe de Maria. Em uma pequena praça jorrava abundante água fresca de uma fonte modernizada pela mão do homem  "maayan Myriam", isto é, a fonte de Maria. Crianças brincavam despreocupadamente. É fácil imaginar como teria sido a vida de Maria naquelas cercanias. Imaginemo-la com o cântaro sobre a cabeça, tal como as mulheres de hoje ainda o fazem. Acompanhada do Menino Jesus ou com Ele nos braços. Possivelmente buscava na fonte a água para os serviços caseiros. Tarefa comum em uma mulher incomum e predestinada. 
Dali nos dirigimos à Igreja da Anunciação. Circunda-a pequeno jardim. Na realidade são duas igrejas superpostas, uma delas destinada aos ofícios comuns e diários, e a outra, para ocasiões mais solenes. Paulo VI visitou-a em 1964, e também Atenágoras, da Igreja Ortodoxa. Há um mosaico que registra o acontecimento. Na parte superior, mosaicos de Nossa Senhora, como a veneraram vários países, como o Brasil, México, Argentina, Polônia, etc. Relembram a colaboração dos arquitetos desses países no projeto da igreja. Vários estilos que se harmonizaram em um só. Ao lado dela, há a Igreja de São José. Mais simples como a anterior, cheia de reminiscências. Sob o piso, através de aberturas e visores, foi-nos dado ver o local onde se localizavam as oficinas do grande e puro esposo de Maria. Voltamos à Igreja da Anunciação, desta vez no andar térreo. Em dois pisos se divide esse pavimento, cuja nave espaçosa infunde tranquilidade. Acercamo-nos do altar do piso inferior e ali participamos da missa oficiada pelos sacerdotes do grupo, em número de sete. No fundo, a Gruta da Anunciação. Emoções em cada passo e a todo instante. A gruta é cavada na rocha. Separados, por dois mil anos, sob a vetusta igreja, ampla, espaçosa, arejada, ali estávamos ao lado da rude, pequena e humilde furna onde foi anunciado o mistério da Encarnação. 
 
 
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"Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra." (Lucas, 1, 38) E foi morar numa cidade chamada Nazaré, a fim de que se cumprisse o que fora anunciado pelo profeta: "Será chamado Nazareno." (Isaías 11: 1 e Mateus 2: 23) Dois momentos que se eternizaram no tempo: a Anunciação e a volta do Egito. Com esse pensamento, participamos da missa oficiada na gruta onde foi anunciada a vinda do Salvador. A imaginação humana pintou-a com tintas suaves muito apropriadas para aquele instante redentor. Artistas houve que a retrataram como se fosse uma casa comum. Outros a imaginaram cheia de luz, recebendo a visita do Anjo. Que foram momentos de luz não há dúvida, mas a "casa" não o era no sentido da concepção que dela temos. Possivelmente  e é quase certo  não havia genuflexório que vários pintores colocaram ali. A rusticidade da gruta é evidente, tornando clara a pobreza e a humildade de Maria. Quanta luz naquela pobreza! Quanta beleza naquela humildade! Quanta grandeza na maternidade divina! 
Leio neste momento o trecho de um livro que me foi emprestado. Refere-se a uma excursão à Terra Santa por um grupo de brasileiros em 1925. Dela participaram os "Sereníssimos Príncipes de Orleans e Bragança". Naquele mesmo lugar, foi cantada missa pelo Monsenhor Fernando Rangel, "acolitada por Monsenhor Magaldi e Padre Raul Coutinho". Cinquenta e três anos depois, um sobrinho deste último teve a felicidade inefável de experimentar as mesmas emoções. 
A Basílica atual não é a mesma da de 1925. Foi construída entre 1960 e 1968, sendo considerada um dos maiores santuários do Oriente Médio, e tem a coroá-la majestosa cúpula de 44 metros de altura. Embelezam-na na parte externa esculturas de pedra rosada do lugar. 
Continuamos a visita pela cidade e chegamos à Sinagoga. A mesma, segundo a tradição, onde foi entregue ao Messias o volume de Isaías. Desdobrando-a, ele disse depois: "Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura que acabais de ouvir" [Lucas 4: 21]; acrescentando: "Em verdade vos digo que nenhum profeta é aceito em sua terra." [Lucas 4: 24] Esse fato motivou a ira de todos na Sinagoga. E quiseram lançá-lo no abismo. Esse episódio ocorreu no "Monte do Precipício" ³, que se vê ao longe, contrastando com o azul do céu . 
Ocorrem-me nesse instante as palavras do poeta Robert Frost: 
"Como uma sombra, a montanha envolvia a cidade, 
Uma vez eu vi isso antes de adormecer; 
Percebi que faltavam as estrelas do oeste 
Onde seu corpo escuro realçavam no céu 
Parecia tão perto. Era como uma parede, 
Atrás da qual estava abrigado do vento." 
Passamos por uma fonte que os ortodoxos consideram a verdadeira "Fonte de Maria". Tomamos um gole de sua cristalina água fresca, tirada do poço por meio de um balde. Nazaré é rica de tradições. Reminiscências de um passado sempre presente nas igrejas, nas ruas, nas fontes. Principalmente na paz que infunde e transmite. Longe do peso do mundo, isolada do turbilhão das grandes cidades, ali estávamos tranquilos e despreocupados. Nazaré é uma sinfonia. Lembra Brahms. Ou uma Ave-Maria de Schubert. A cada passo. Em cada canto, melodias quase inaudíveis, mas perceptíveis aos ouvidos mais atentos. No cenário, o azul cerúleo de Maria. No céu, um coro de anjos a embelezar-lhe o ambiente. 
 
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Deixamos Nazaré e continuamos a viagem. Durante o trajeto, pudemos observar mais uma vez o desenvolvimento de Israel, cortado de estradas asfaltadas de norte a sul, de leste a oeste. Contrastantes entre si, o verde das culturas hortigranjeiras e o branco dos algodoais. 
Quando o guia nos informou de que a próxima etapa seria a visita a um "kibutz" ou "kvutzá" (plural kibutzim ou Kvutzot), nossa aguçada curiosidade aumentou. Visitamos o Nof Ginosar Guest House , situado junto ao mar da Galileia, no "kibutz" Ginosar. Na entrada, uma placa indicativa. Segundo lemos em folhetos gentilmente cedidos, a experiência foi baseada em um "socialismo voluntário". Tais comunidades foram fundadas por uma geração de pioneiros, vindos principalmente da Europa Oriental, que chegaram em fins do período otomano e no início do mandato britânico, como um sonho do renascimento sionista. "Ali residem 'kibutznikes' (habitantes do "kibutz") de muitas partes do mundo, inclusive da América do Sul. O serviço militar é obrigatório para homens e mulheres. Até chegar a essa idade, as crianças, os adolescentes e os jovens recebem instrução nas escolas existentes. A educação lembra, de certo modo, a dos espartanos, embora não haja interferência do Estado. A propriedade é comum a todos. Seus membros não têm soldo e são sustentados pela comunidade. São comuns também o restaurante, a lavanderia, etc. Recebem grande incentivo as atividades culturais e esportivas. Semanalmente, há uma assembleia para a discussão de todos os assuntos de interesse geral, desde a eleição do pessoal administrativo até a admissão de novos membros. A eleição se faz por um período de 2 anos. Os "kibutzim" eram no início essencialmente agrícolas (bananas, frutas cítricas, algodão, etc.), mas hoje há linhas de produção industrial, que incluem a fabricação de móveis, equipamentos eletrônicos, aparelhos de precisão e outros. Cria-se gado também. É bastante significativa a parcela de contribuição na produção total do país. Aproximadamente 103.000 pessoas habitam os 250 "kibutzim" existentes. Elas (ou parte delas) exercem enorme influência na vida administrativa e política de Israel. Há representantes do knesset (parlamento judeu) e nos altos escalões do governo. Percorremos o "Ginosar" e descansamos por alguns minutos à sombra refrescante do frondoso bosque. Tratores sulcavam a terra, trabalhada com entusiasmo. Ruas quase desertas. Todos nos campos e nas fábricas. E as crianças, nas escolas. Passamos perto do edifício da biblioteca e do restaurante, circundados por jardins bem cuidados. Impressionou-nos a originalidade da organização, mas é também de impressionar a determinação do povo judeu, a disciplina que todos se impõem em busca de um objetivo comum, a sua capacidade de realização, a sua luta constante para extrair do solo  muitas vezes em regiões quase desérticas  o sustento da população (o próprio nome Israel traduz isso: luta contra Deus). E ainda sobram toneladas, especialmente de frutas cítricas, para a exportação. Israel é principal concorrente de Barbacena na exportação de flores para a Europa. Antes da Guerra dos Seis Dias, o país tinha uma superfície de mais ou menos 20.000 km2, agora, tem aproximadamente 87.000 km2  pouco mais da metade da superfície do Estado do Ceará, menos de 1/5 da do nosso Estado e 1/95 da do Brasil  cuja população é quarenta vezes maior. 
 
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Ao sairmos do "kibutz", tivemos a nítida sensação de que seus habitantes estavam de tal modo integrados naquele modo de vida que dificilmente se disporiam a viver de outra maneira. O sol estava a pino e parecia querer brincar de esconder com as árvores copadas da aldeia. Seus raios faziam no chão pequenos desenhos, que se modificavam continuamente ao sopro da brisa. Os "moshavim shitufim" são também aldeias coletivas e diferem dos "kibutzim" na sua organização. Não pudemos visitá-los por falta de tempo. Seus habitantes possuem casa e produção próprias em pequenas granjas. A produção é comercializada através de sistemas cooperativos, mas a maior encarregada disto, como centralizadora dos negócios, é a poderosa Histadrust (a CGT israelense), organização que estende seu raio de ação sobre toda Israel. Tomo a Érico Veríssimo emprestada a informação em "Israel em Abril", de agradável leitura e que prende o leitor do princípio ao fim. E digo que tantos nos "kibutzim" como nos "moshavim" os moradores contam com abrigos especiais para casos de ataques aéreos, que não são (ou eram) raros no constante estado de beligerância frente aos países árabes. De volta ao hotel, à tardinha, vimos vários estudantes voltados para estudos arqueológicos bem em frente à principal entrada, mas a nossa curiosidade, embora grande, não pôde ser satisfeita por falta de tempo. Mesmo porque certamente não poderíamos entendê-los por desconhecimento de sua língua. Abro um parêntese para manifestar minha ótima impressão das instalações do hotel e do pessoal que nele trabalha. Creio que é opinião unânime do grupo. O Plaza de Tibérias serviu de "pião" para nossas excursões às cidades próximas, desprovidas desse conforto. O piso e as paredes revestidas de mármore vermelho dão-lhe certa imponência. Nesse dia, um rabino recitava salmos da sua Torah. Embora sem entender o seu conteúdo, ouvimo-lo atenta e respeitosamente. Estávamos no amplo e belo refeitório do hotel. Exige-se o maior silêncio de todos. Somente após a leitura é que os garçons são liberados para servir o jantar. Subimos ao apartamento para merecido repouso após um dia estafante. Um espetáculo soberbo nos aguardava. Era uma belíssima noite no Plaza, de cujo oitavo andar percebíamos ao longe luzes nos "kibutzim" próximos às fronteiras da Síria e da Jordânia. Pareciam em constante estado de alerta, apesar do silêncio e da tranquilidade. A lua pincelava matizes amarelados no azul das águas. Longínquas lâmpadas tremeluziam e piscavam como se fossem namorados a trocar olhares furtivos. Alphonsus de Guimaraens, se ali estivesse, talvez repetisse comigo a primeira quadra do seu soneto: 
É Sião que dorme ao luar. Vozes diletas 
Modulam salmos de visões contritas... 
E a sombra sacrossanta dos Profetas 
Melancolizam o canto dos levitas. 
Subitamente, o silêncio tornou-se-me opressivo. Imaginei que muito perto dali soldados poderiam entrar em luta de uma hora para outra. Israel dormia de olhos abertos. Ouvidos atentos. Posição de sentinela. Afastei o pensamento e fui dormir. Preferi ficar com Alphonsus. Shalom! 
 
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Nossa próxima etapa era Jerusalém, mas muitas coisas interessantes ocorreriam no trajeto. O ônibus levou-nos às margens do Jordão. Lugar aprazível, onde o rio deslisa em direção ao Mar Morto. As árvores de um e outro lado sombreiam suas águas, cujo murmúrio sobre os eixos e cujo verde-escuro transmitem certo bucolismo ao ambiente. Nesse local, o governo fez construir um sistema de bombeamento de vital importância para a vida e o desenvolvimento do país, levando as águas jordânicas ao deserto de Negev, que Israel, num esforço hercúleo, procura recuperar. Mais ao sul estão as famosas minas de cobre do rei Salomão até hoje em franca atividade. Descemos do ônibus e experimentamos o frescor das águas em nosso pés. Possivelmente ali, ou muito próximo de onde estávamos, um homem chamado João, o batista, anunciara há dois mil anos a chegada do reino de Deus. Tocando a correnteza com os pés ou com as mãos, experimenta-se uma estranha e repousante sensação de quem quisesse tocar, na distância do tempo ou na longitude do espaço, a fímbria do manto ou a pele tostada de sol daquele em que o Pai "pôs todas as suas complacências". Ou talvez, na simultaneidade ilusória de vinte séculos feitos de um segundo, ouvir o sussurro da brisa transformar-se na voz do que clama no deserto. Retornamos ao ônibus. Da estrada que atravessa vales e rasga montanhas, pudemos ver a beleza verdejante da planície do Jordão a 200 metros abaixo do nível do mar. O rio serpenteia com tal sinuosidade as terras palestinas que, em uma distância de aproximadamente 100 quilômetros, percorre cerca de trezentos. Percorremos trechos, agora montanhosos, em que a aridez do terreno é evidente, mas nem por esse motivo o esforço de recuperação do solo está ausente. Tem-se a impressão de que Israel luta contra o tempo em busca de espaço. Subitamente aparece diante de nós, perdido no horizonte, o monte Tabor, qual dorso de baleia que sobressai no azul do oceano. Vai-se avultando aos poucos a silhueta da montanha sagrada, que fica a 586 metros acima do nível do mar. O Evangelho menciona-o como o "Monte alto" onde Cristo se transfigurou. Eis-nos ao seu sopé. Ressalta soberano na paisagem. O ônibus deixou-nos junto a uma pequena barraca com "lembranças de Israel". Um camelo e seu guia estão ali a propósito para as fotografias de praxe. Quanto? Uma libra israelense... para posar junto aos dois. O acesso ao cume do monte é feito de automóvel, quase todos "Mercedes Benz". Estrada sinuosa, montanha acima, com curvas perigosas e asfalto bastante danificado. Dividimo-nos em grupos de cinco e em pouco tempo estávamos no topo do Tabor. Eram 12 horas do dia 14 de outubro de 1978. Lá em cima, um pórtico em forma de arco de construção antiga dá início a uma alameda arborizada e refrescante. É a Porta do Vento. Ao fundo, em amplo pátio, destaca-se sobranceira a Igreja da Transfiguração, construída em 1928 sobre as ruínas de outro templo, cujos vestígios ainda existem. No interior da basílica franciscana houve missa de que todos participamos. Pudemos ver no piso uma pedra sobre a qual, segundo a tradição, Cristo se transfigurou diante de Pedro, Tiago e João. Ali estavam também Moisés, como representante da lei, e Elias, dos profetas. [Mateus 17: 2] narra o fato: "E transfigurou-se diante deles, de sorte que o seu rosto brilhou como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz." Muito apropriadas as expressões do evangelista. Sol e luz são quase sinônimos e se harmonizam. E Cristo é sol. E Cristo é luz. E Cristo é a harmonia do mundo. O panorama que se descortina do alto do Tabor é de uma beleza indescritível. E sua magnitude serviu até para citações na Bíblia, conforme se vê da seguinte passagem de [Jeremias 46: 18]: "Pela minha vida diz:  Rei, cujo nome é Senhor dos exércitos, que um tal há de vir como o Sabor entre os montes, como o Carmelo, que domina o mar." 
A seus pés, perde-se no horizonte o fértil Vale de Jezrael. Vale histórico, que separa a Galileia da Samaria, e cuja memória se perde na escuridão do tempo. Povoado desde a Idade da Pedra, foi palco de memoráveis batalhas. É o mais extenso vale de Israel e tem forma triangular desdobrando-se em uma superfície de aproximadamente 365 km2. Chamado também de planície do Esdrelon, o vale é o celeiro do país. Face à sua fertilidade e à sua posição estratégica, no Esdrelon as lutas se sucederam pela sua posse a partir dos cananeus, sírios, egípcios, assírios e babilônios. Ali estiveram as legiões romanas, as falanges gregas, os exércitos árabes, cruzados, turcos e os do General Allenby durante a Primeira Guerra Mundial. Quando de lá de cima do monte vimos a planície do Esdrelon, também tranquila e repousante, não nos surpreendemos com o pedido do apóstolo ao Cristo transfigurado: "Como é bom estarmos aqui. Façamos 3 tendas..." [Mateus 17: 4]
 
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O ônibus levou-nos à Siquem bíblica, hoje denominada Nablus. No passado foi também chamada Flávia Neápolis por Vespasiano, que fez dela colônia romana. Chamam-na também Naplouse. A Samaria, onde a cidade está localizada, é diferente das demais regiões israelenses pelos costumes dos habitantes. Os samaritanos teimosamente os conservam, não só quanto ao casamento consanguíneo (daí talvez a grande incidência de males genéticos), como as demais tradições de seus antepassados. É o caso do Garizim, monte onde outrora existiu também um grande templo e por isso considerado sagrado, diferentemente do Monte Sião, mencionado como esperança do povo hebreu, decantado no Antigo Testamento metaforicamente como representativo da Terra Prometida. Para eles, o livro sagrado é unicamente o Pentateuco, cuja letra seguem à risca. Samaritanos são quase párias dentro do país, e isto vem desde o domínio babilônico, quando pelo casamento se uniram a outros povos, advindo-lhes daí o desprezo dos judeus. Não causa surpresa, portanto, a indagação feita ao Mestre à beira do poço de Jacó: "Como é que tu, que és judeu pedes de beber a mim, que sou uma samaritana?" [João 4:9] Calcula-se hoje em pouco mais de algumas centenas o número de samaritanos no país, sendo fácil prever-se a sua extinção total dentro de alguns anos. 
Esta particularidade fez-me lembrar o que aconteceu à Dalmácia, parte hoje integrante do território da Iugoslávia e outra, do da Itália. A língua extinguiu-se com seu último representante em 1898, Antonio Udini, e também o seu povo por via malthusiana, para não dar soldados à Áustria, a cujo domínio os dálmatas também estiveram subordinados. 
 
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Deixamos atrás de nós o Monte Tabor e percorrendo o vale de Jezrael, dirigimos-nos à região de Samaria, à qual fiz alusão anteriormente. Voltarei ao assunto, mas uma circunstância importante faz-me retornar ao Vale do Esdrelon. Ali existiu uma cidade famosa, mencionada várias vezes nas Escrituras e que, com a descoberta dos papiros do Mar Morto, mais renomada ficou. Magedo é o seu nome. Alguns a confundem com a bíblica Armagedon, mas este vocábulo significa "monte de Magedo" ou local em cujas faldas se situou essa cidade. É citada em Josué, Juízes, I-Reis, II-Reis, II-Crônicas, Zacarias. foi teatro de grandes lutas no alvorecer da história palestina. E no "monte de Magedo" ocorrerá a reunião para a "batalha do grande dia do Deus Onipotente" [Ap. 16: 16]. Salomão dotou-a de amplas construções para abrigar os 450 cavalos das cavalariças reais (dos 10.000 existentes em todo o país). Sua importância estratégica era incontestável. As ruínas existentes atestam seu antigo apogeu. E também a fantástica riqueza do filho de Davi. Prosseguindo a viagem e retomando a narrativa do percurso, passamos por Naum. É uma vila que o progresso deixou de visitar. Para chegarmos ao local onde existia uma igreja, tivemos de andar por íngremes e pedregosos caminhos. Foi construída no topo de pequena colina, local onde, segundo a tradição, Cristo ressuscitou o filho da viúva. Simples como a vila que a abriga. Simplicidade também no interior. Acima da porta há um quadro a óleo que retrata o milagre do Mestre. Coube-me a leitura do Evangelho narrado por [Lucas 7: 11]. Saímos dali sob sol abrasante e visitamos as ruínas das cidades de Samaria e Sebaste, construída por Herodes. A região é montanhosa, estendendo-se por vales profundos. Morros de pedras e vegetação rasteira, onde vicejam apenas oliveiras de troncos retorcidos, testemunham a aridez da região. Aqui e ali, pastores conduzem suas ovelhas. Ruínas que arqueólogos desenterraram durante anos contam a história das cidades que também conheceram seu apogeu. Em Sebaste, colunas esplêndidas, embora carcomidas pelo tempo, dão uma ideia do que teria sido a sua entrada principal. Demos volta pelas encostas das colinas. Galgamos montanhas em cujo cimo as cidades antigas eram geralmente construídas. Belo espetáculo surge aos nossos olhos. É soberbo o panorama visto lá de cima. Passamos pela sepultura que a tradição atribui à de São João Batista, hoje transformada em mesquita. "Eu sou a voz do que clama no deserto", parece-nos ouvir o vigor de suas advertências, que o hálito quente do vento sopra e sussurra faz dois mil anos. Outras cidades, hoje apenas ruínas, surgem no trajeto. 
Eis-nos agora junto ao Poço de Jacó, sobre o qual existe uma igreja dirigida pelos ortodoxos. Dessedentamo-nos com sua água fresca e cristalina. Vinte séculos atrás ocorreu o mesmo com o Filho do Homem, o Rabi da Galileia, que se dirigiu à Samaritana: "Dá-me de beber." Quanta sutileza no pedido! Quão profunda a solicitação! Quanta sede de almas desgarradas! Beleza de diálogo entre o finito e o infinito! Entre a fragilidade humana e a Onipotência Divina! Entre a ignorância e a Sabedoria! Nossa mente talvez possa imaginar a cena: o pó sacia a sede do Cosmo! Entre um e Outro, a distância de um abismo na proximidade do Amor! Arrependimento e perdão se encontram. Resultado: profusão de Luz Divina sobre as trevas da fraqueza humana. E João termina a sua narração do fato: "Já não é por causa do que nos disseste que nós cremos, pois nós próprios ouvimos e sabemos que ele é realmente o Salvador do mundo." [João 4: 42]
 
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Passamos pela sepultura da Samaritana e vimos de longe o túmulo onde, segundo a tradição, jazem os restos mortais de José do Egito. Fazia bastante calor. O ônibus encurtava a distância rumo a Jerusalém, a Cidade Santa, a Cidade da Paz, a Cidade de Davi, por ele conquistada de uma das tribos cananitas, tornando-se então a capital de Israel. Segundo as enciclopédias, o nome é conhecido desde 1900 a.C. em textos egípcios (Auisamm, depois Tushamen), passando à forma Yerushalayim (Cidade da Paz). No percurso, durante o qual o guia dava informações de interesse, vimos a certa altura tendas de tribos errantes à beira da estrada. Esse povo não tem residência fixa e muda de pouso periodicamente. À entrada da cidade, surpreendeu-nos o seu desenvolvimento. Grandes e largas avenidas, modernas e bem cuidadas, com trânsito bastante intenso, levam o visitante à parte nova. A cor cinza ou sépia das pedras dos edifícios dá-lhes um certo ar de recolhimento e de monotonia. Entramos em Jerusalém com a alma em transe, ansiosos por visitá-la demoradamente e conhecê-la de perto. Parecia inacreditável estarmos ali a milhares de quilômetros do Brasil. Experiência emocionante, um sonho há longos anos acalentado e quase irreal. Mergulhei fundo em reminiscências, buscando lembrar alguma das muitas passagens do Antigo Testamento, que a ela se referem. [Isaías,2: 3-5] cantara-a há vinte e sete séculos, profetizando o seu destino: "Vinde, subamos ao monte do Senhor, ao templo de Deus de Jacó, ele nos ensinará os seus caminhos, e suas veredas saberemos trilhar: porque de Sião há de sair a lei e de Jerusalém a Palavra do Senhor. Ele julgará as nações e pronunciará sentenças entre muitos povos, de sorte que converterão suas espadas em enxadas e suas lanças em foices; já não levantará espada do povo contra povo, nem se adestrarão mais na guerra. Casa de Jacó, vinde, caminhemos à luz do Senhor." 
Eram 17 horas do dia 14 de outubro de 1978. Instalamo-nos no Hotel Shalom, que domina o panorama do topo de colina, em cuja avenida que lhe dá acesso ainda existem obras de urbanização e à margem da qual se vê a famosa Universidade Hebraica, conhecida em todo o mundo por suas avançadas pesquisas em vários campos de atividade cultural, principalmente a arqueologia. O hotel é moderno, com muito boas instalações e pessoal bem treinado. O "hall" de mármore vermelho como o de Plaza em Tibérias, transmite a impressão de alta classe, embora classificado como classe turística. A maioria dos componentes do grupo permaneceu no próprio hotel para a "maratona" do dia seguinte. Aproveitamos a oportunidade para conhecer as demais dependências do Shalom, todas elas de muito bom gosto. O recepcionista, rapaz moreno e sorridente, fala várias línguas e foi logo assimilando algumas expressões, que se lhe tornaram familiares. Repetia-as toda vez que nos via, com seu sotaque carregado: "Co-pa-ca-ba-na", "Bra-sil", etc. Disse-nos que seu sonho era vir trabalhar no Brasil. Mais uma vez notamos a popularidade de Pelé, mencionado em todos os lugares por que passamos. Ao cair da noite, o tempo apresentava indícios de chuva. Fiquei preocupado. Amanhã é dia de Hebron e Belém. Intimamente desejei que o dia seguinte amanhecesse ensolarado. Oxalá! 
 
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A chuva caiu copiosamente durante quase toda a noite, quando trovões e relâmpagos se revezavam. Estes pareciam ensaiar seus primeiros traços no quadro negro do céu; aqueles, numerosa fanfarra com taróis e tambores surdos de uma grande parada militar. O sol sorriu inesperadamente naquela manhã. 
O ônibus pigarreou na estrada asfaltada em direção a Hebron. Esta região da Judeia tem características diferentes das anteriores visitadas. Suas montanhas apresentam vegetação rasteira. Não há vales verdejantes como os de Jordão e do Esdrelon, terreno pedregoso, onde ressalta o marron amarelado da terra agricultada por grandes tratores. Vinhedos e olivais saúdam a nossa passagem. Hebron à vista. 
Quando entramos na cidade, havia grande movimento em algumas ruas. Eram feiras livres ou coisa parecida. Com trajes típicos e gestos teatrais, cada qual anunciava (creio eu) a excelência de suas mercadorias. Os muçulmanos são maioria na cidade. 
Tínhamos um objetivo certo: visitar a mesquita de Abraão. Fica situada em larga avenida, e sua silhueta domina a paisagem. É um templo grandioso, de tom amarelado como o das pedras da região. À porta, descalçamos os sapatos e pusemos chinelos para nela entrar e colocamos um solidéu sobre a cabeça, como é praxe. O interior da mesquita é bastante escuro e ampla a nave. Ali estavam, um ao lado do outro, os túmulos de Abraão e Sara, Esaú e Jacó, Rebeca e Lia. Os dos homens coberto com grosso pano verde com franjas douradas; os das mulheres, de cor púrpura. Todos cercados por grossas grades de ferro. Há na mesquita  um quadrilátero de 59 metros de comprimento por 34 de largura  uma mistura de vários estilos, destacando-se o bizantino. Espessas paredes encimadas por uma grande cripta. Ao lado dos túmulos de Isaac e Rebeca, um "mihrab" voltado em direção a Meca. Finamente talhado em cedro, acha-se à direita de quem entra um púlpito doado por Saladino no século XII. O local onde se ergue o templo  a gruta de macpela no carvalhal de Mamre  foi adquirido por Abraão para sepultar sua mulher Sara. Recentes pesquisas, que se iniciaram no século passado, dão como certo o descobrimento de Ur dos Caldeus, à margem do Eufrates, de onde saíra Abraão. Tendo Terá, seu pai, morrido em Haran ou Harran (a Harrae dos romanos), hoje no território turco, dali Abraão reiniciou sua caminhada em direção à Terra Prometida. Mais ao sul, na região mesopotâmica, atual território iraqueano, o Eufrates se une ao Tigre, formando ambos a desembocadura do Shatel-Arab, palco das batalhas irano-iraquianas. Em sua caminhada, Abraão deve ter vencido as neves do monte Hermont e as asperezas desérticas próximas ao Mar Morto, para chegar a Hebron considerada a cidade fortificada mais antiga do mundo e que foi capital da Palestina durante sete anos, no reinado de Davi. Estas considerações nos ocorreram quando tentamos traçar mentalmente a rota abraâmica em busca da Terra Prometida. 
No caminho de volta de Hebron, paramos por alguns momentos em uma pequena indústria de vidro, tradicional na região e já mencionada no Antigo Testamento. 
Eis que de repente surge aos nossos olhos Ain-Karem, terra de João Batista. Agradável aos olhos. Vegetação mais rica. ciprestes embelezam e circundam a igreja onde, segundo a tradição, teria nascido "a voz que clama no deserto". O bucolismo convida à meditação. As colinas testemunham o fato e uma voz mais suave se alteia, na beleza poética do cântico mariano [Lucas 1, 46-47]:
"A minha alma glorifica o Senhor, 
E o meu espírito exulta de alegria 
Em Deus, meu Salvador, 
Porque olhou a humildade de sua serva..." 
 
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Em Ain-Karem, vimos ainda a Igreja da Visitação, construída para relembrar a visita de Maria à sua prima Isabel. Sobrepairam no ar as palavras do "Magnificat" naquele ambiente bucólico. 
A caminho de Belém, no silêncio momentâneo que ocorreu no ônibus, surpreendeu-me o pensamento distante, como se mergulhasse em sonho. Pareceram-me também distantes e talvez fantasiosas as palavras que intimamente pronunciava. Eram desejos que a proximidade de Belém inspirava o sonhador existente dentro de mim e o pseudo poeta que teimosamente tenta sê-lo. Repeti-as mentalmente: "Vem, irmão, dá-me tuas mãos e juntos caminhemos. A estrada é íngreme, poucas vezes suave. Busquemos no Senhor aplainar nossas veredas. Ele também nos estenderá sua mão. Sonho com um mundo em que todos os irmãos sejam verdadeiramente amigos, e os amigos verdadeiramente irmãos. O conhecer-te melhor, Amigo, constitui uma das grandes alegrias que Deus me concedeu. Sem tua Amizade certamente não perceberia a beleza que o mundo encerra; ou talvez não enfrentasse com otimismo e esperança as agruras que a vida apresenta; ou possivelmente, a Esperança não renasceria em nós todos a cada dia e a todo instante; quiçá, a Fé nos homens já não encontrasse guarida em nossos corações; e, sem ela, a Caridade sem dúvida se perderia no egoísmo do nosso Eu. Que Deus, Amigo dentre todos o maior, te abençoe e derrame sobre ti e os teus Sua graça vivificante." 
Voltei subitamente à realidade do mundo. Fiquei um tanto desapontado, mas distraí-me com as conversas paralelas em torno da viagem. E com a expectativa geral pela chegada a Belém. Vozes murmuravam Esperança. Corações pulsavam descompassadamente. O "Glória a Deus nas alturas e Paz na terra aos homens de boa vontade" parecia ressoar em nossos ouvidos. Mentalmente, pedi a Deus que todos os homens se armassem de boa vontade para que a Paz reinasse em todo o mundo. Belém à vista! Ansiedade em todas as fisionomias! Alegria em forma de sorrisos! Sorrisos com sabor de oração! 
O sol está brilhando mais do que nunca neste momento. Um outro sol reluz em nosso mundo interior. "E tu, Belém, terra de Judá, já não és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti há de sair um Príncipe que há de reger o meu povo, Israel." [Miquéias 5, 2] e [Mateus 2, 6]
O ônibus deixou-nos na praça principal de Belém, onde se adquirem lembranças da cidade. Ampla, abriga centenas de veículos de onde saem outros tantos turistas apressados. Todos se dirigem à Basílica da Natividade, que tem uma característica incomum;: sua entrada principal é uma abertura com aproximadamente um metro de altura. Antigamente, três grandes portas davam acesso ao seu interior e duas delas foram cercadas e encobertas; a terceira foi de tal modo reduzida em tamanho que se resume à abertura mencionada. Isto, porque intrusos, há séculos, pretenderam ter acesso à Basílica montados a cavalo. Considerado um dos mais antigos templos da cristandade em Israel, está ela construída sobre a Gruta de Belém. No ano 135 d.C., foi profanada sob o reinado do Imperador Adriano. Quiseram construir sobre ela um Templo dedicado a Adônis. Mas isto, em vez de apagar a sua memória, serviu para conservá-la. Tendo-a localizado intacta Constantino, ordenou fosse construída a Basílica, profusamente adornada de mármore e mosaicos. Seriamente danificada na rebelião dos Samaritanos contra o império bizantino no século VI, foi reconstruída por Justiniano. Os persas, no ano 614, atacaram os lugares santos da Palestina e só respeitaram a Basílica, pois acreditavam referirem-se a sábios de seu país os mosaicos ali existentes e alusivos aos Reis Magos. Estes reis, segundo recente pronunciamento do Papa João Paulo II, são venerados na Catedral de Colônia, na Alemanha, para onde, com base na tradição, foram levados os seus ossos. 
Entramos na Basílica. Era o dia 15 de outubro de 1978. 
 
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No adulto que somos há sempre um pouco de criança que fomos. Imaturidade? Não. As reminiscências da infância são duradouras e permanentes. Ao entrarmos na Basílica da Natividade, um mundo de lembranças povoava a minha mente e certamente a dos companheiros. A recordação dos nossos Natais revivia naquele instante em todos nós, porque estávamos a caminho da Gruta de Belém. Lembrei-me do presépio artisticamente, e com muito amor, armado na sala do meio do casarão de meus avós. Minhas tias se esmeravam nessa configuração da gruta, feita de papel encorpado e em tonalidade verde-escuro e claro, à imitação de um ambiente rústico, tal como a imaginação cria e a fantasia concebe. Acima, uma lâmpada com luz azul-claro, como se se tratasse de uma noite enluarada. Importante, porém, era o espírito do Natal que a família transmitia com o respeito devido a uma data tão cara ao mundo e à humanidade. Ainda me recordo do esforço mental com que tentava, embora tenuemente, idealizar o bucólico e real lugar em que Cristo nascera. E já nessa época eu afastava como impossível conhecer de perto a verdadeira gruta, embora ainda permanecesse em meu íntimo uma leve esperança de realizar este sonho. Qual seria a minha reação, pensava eu, se o destino me reservasse tão grande alegria? Já era tão tocante a simples representação da manjedoura com o Menino Deus, de São José e Maria, cercados de animais domésticos, de pequenos carneiros, de algum mato rasteiro à beira do caminho pedregoso e, respeitosamente inclinados, os pastores e os reis magos em imagem de gesso... Eu me esforçava em "pintar" mentalmente um quadro assim, mas vã era a tentativa de procurar, mesmo vagamente, saber como seria a paz e a tranquilidade da verdadeira Belém. Naquela época, ainda criança, mal supunha eu que essa paz e essa tranquilidade nascem de dentro para fora e há de ser fruto da Paz anunciada pelos anjos aos rudes pastores belenenses. Isto tudo passou como um relâmpago em minha mente, quando me vi dentro da Basílica  sonho de quase cinquenta anos antes e agora uma realidade. O templo tem forma de cruz, com 60 metros de comprimento e 30 de largura. Quatro fileiras de colunas de pedra vermelha a dividem em cinco naves. Sob o pavimento atual foram achados em 1936 mosaicos do piso antigo (século IV), hoje protegidos com madeira. No tempo das cruzadas, os muros eram também adornados com mosaicos, restando apenas fragmentos que se vêem na parte superior e no transepto. Sobre a gruta existe o coro dos gregos inteiramente esculpido em cedro do Líbano. Aproximamo-nos de um dos braços da Basílica para entrarmos na gruta, o que se faz por escada de entrada e de saída do outro lado. Aguardamos alguns momentos a saída de outro grupo de peregrinos. No topo da escada, pequena e linda imagem do Menino Jesus. Ouvia-se um coro de vozes mistas. Era uma canção tão cara aos ouvidos e aos corações que se tornara, pela suavidade de sua melodia e simplicidade de sua letra, o próprio símbolo sonoro do Natal. Li, certa vez, que essa canção fora um presente de um sacerdote aos seus fiéis, porque se lembrara à última hora de que nada havia preparado para as comemorações natalinas. Em pouco tempo compôs a música e escreveu a letra. Engoli em seco numa antevisão da emoção que certamente me envolveria. O grupo de peregrinos retirou-se. Iniciamos descida ansiosamente esperada rumo à gruta. O espaço interno é relativamente pequeno e o grupo grande. Quando todos nos achávamos lá dentro, eis que, num arroubo incontido e espontâneo, como que brotado de anos e anos passados, e sem que houvesse qualquer entendimento prévio, começamos a cantar o "Noite Feliz". Emoções disfarçadas, outras visivelmente claras. Saudades não sei de quê em forma de lágrimas. Mesmo os mais indiferentes não escaparam àquela emoção. Todos nos abraçamos. Foi como se o mundo parasse no espaço. Tive sede de Infinito. Era a Paz inefável imaginada em criança. 
 
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Refeitos da intensa emoção, ficamos por ali para usufruir por mais tempo a tranquilidade e a paz reinantes. Aproveitei a oportunidade e procurei fixar na memória tudo que meus olhos pudessem captar. Pendentes do teto, lâmpadas de azeite em profusão. No chão, uma estrela de prata marca o local exato do nascimento de Cristo, sobre a qual coloquei respeitosa e silenciosamente as mãos. Encimando-a, uma inscrição latina atesta a historicidade e a legitimidade do local: "Hic de Virgine Maria Jesus Christus natus est.
No século IV foi necessário restaurar o teto da gruta com trabalhos de alvenaria. Suas paredes, adornadas e protegidas com aplicações de amianto à prova de fogo, lembram a oferta do presidente da França, Mariscal Mac Mahon, que em 1874 quis adorná-las com cenas da infância de Cristo. Em alguns lugares, porém, vê-se claramente a rocha primitiva, enegrecida pelo fumo das velas e das lâmpadas de azeite. À direita, há o presépio propriamente dito, isto é, a parte em que havia o cercado para os animais e onde foi colocada a manjedoura com o Menino. 
Assim como aconteceu com o grupo anterior, saímos da gruta para que outros pudessem sucessivamente partilhar da intensa alegria e da doce tranquilidade que o local infunde. Novamente, agora mais distantes, chegavam aos nossos ouvidos as vozes da canção que se tornara um presente de Natal para toda a humanidade. 
Os momentos passados na gruta são uma confirmação, que evoquei naquele instante, das palavras de Santo Antâo. Tendo ultrapassado um século de existência voltada para o Altíssimo, em constante busca e seguidas penitências, saiu da gruta em que vivia no norte da África e gritou finalmente: "Deus é Amor." Só assim se explica a doce calma interior sentida na ocasião. 
Passando ao outro lado da Basílica, visitamos uma gruta mais ou menos idêntica e onde participamos de missa celebrada pelos sacerdotes do grupo. Cantamos o "Noite Feliz" mais uma vez, num desejo incontido de perpetuar aqueles instantes. Uma terceira gruta ao lado marca um acontecimento importantíssimo na divulgação das palavras do Mestre. Ali, no isolamento voluntário que se impôs, São Jerônimo, pesquisador, historiador, teólogo e Doutor da Igreja, passou, segundo a tradição, quarenta dos seus setenta anos em constante estudo do aramaico, do hebraico e do grego. Desse seu trabalho surgiu a tradução dos textos bíblicos e daí a "Vulgata", reconhecida oficialmente pela Igreja como a verdadeira versão dos livros sagrados. 
Despedimo-nos de Belém (Beit Lehem, literalmente a Casa do Pão), a Cidade de Davi. Da encosta dos morros que a circundam, foi-nos mostrado de longe o vale onde se presume tenham sido os pastores informados do nascimento de Cristo. Foi-lhe dado o nome de "Campo dos Pastores". Região erma e tranquila, da qual parece ressoar a mensagem angélica: "Não temais! Eis que vos anuncio uma grande alegria..." [Lucas 2: 10]
A caminho de Jerusalém, analisei mentalmente os fatos do dia. Lembrei-me de ter lido na Bíblia há tempos uma observação importante sobre os mil, novecentos e setenta e oito anos passados. É que o monge Dionísio, o Jovem, por erro de cálculo na fixação de nosso calendário, fez coincidir o nascimento de Jesus com o ano 754 da fundação de Roma. Estudos posteriores atestam ter Ele nascido no ano 747/748 de Roma, fazendo com que o nosso calendário esteja atrasado mais ou menos 6 a 7 anos. Estaríamos, portanto, naquela ocasião, no ano mil, novecentos e oitenta e quatro ou oitenta e cinco da Era Cristã. 
 
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Clique sobre a imagem para ampliar a foto panorâmica de Jerusalém

 
Voltamos, portanto, a Jerusalém. A cidade atrai peregrinos de todos os recantos da terra, como se atraídos fossem por uma força irresistível, ansiosos por sentir de perto o ambiente dramático dos últimos dias do Senhor. Jardim do Getsêmani! Quanto de inquietude esse nome ressoa aos nossos ouvidos! E também à mente, povoada de cenas idealizadas no passado. Ainda mais, porque, em feliz coincidência, um "santinho" conseguido naquela oportunidade, com a efígie da Mãe Dolorosa, trazia em francês uma inscrição familiar, anualmente ouvida nas ruas de nossa Barbacena então distante. A tradição colocou-a na boca de Verônica para reviver o drama da Paixão na Semana Santa. "Ouvimos" mentalmente sua voz suave na angustiante lamentação de Jeremias: "O vos ornes qui transitis per viam..." A língua oficial da Igreja deu-lhe mais sentido dramático, acrescido às reminiscências do tempo em que eu participava do coral da Matriz da Piedade e cantava os motetos nos "Passos" da Via Sacra. 
Getsêmani! Experimentamos pungente emoção ao ver inúmeras oliveiras de troncos retorcidos, mas cheias de frutos, possivelmente testemunhas daquela Quinta-feira Santa. Noite que enegreceu o mundo. Diz-nos Flávio Josefo que Tito, no ano 70 d.C., fez cortar todas as árvores de Jerusalém. Se as que ali ficaram eram genuínas, então é certo que estávamos realmente diante daquelas junto às quais, sentindo o peso de todas as fraquezas humanas, o Mestre dirigiu-se ao Pai em profundo lamento: "Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice, mas não seja feita a minha e sim a tua vontade." E tudo indica que são as mesmas, pois, segundo nos foi dito, botânicos fizeram apurados estudos a este respeito e chegaram à conclusão de que elas têm mais de 2.000 anos. Azeitonas pendiam de seus galhos retorcidos. O jardim é cercado de grades e por ele se vai à IIgreja da Agonia ou Igreja das Nações. Nesse local existia uma basílica construída em estilo bizantino, ano 379. Destruída na invasão persa em 614, foi reconstruída pelos cruzados no século XII. A atual igreja data do início deste século. Edificada com fundos fornecidos por 16 Nações, tem o mesmo número de cúpulas, cada qual com mosaicos representativos das armas ou emblemas do país patrocinador. Orgulhosa e alegremente, vimos o emblema do Brasil em uma delas. Belíssimo seu interior. A cor matizada que filtra dos vitrais de alabastro translúcido e a bela decoração, fazem da Basílica um dos mais famosos templos da Terra Santa. Sob o altar principal acha-se a rocha da agonia, na qual, segundo a tradição, Cristo suou sangue, e sobre ela coloquei minhas mãos. No subsolo foram encontrados fragmentos das antigas construções. As cúpulas de fundo azul e as marmóreas colunas emprestam grande efeito ao interior. 
 
Igreja de Todas as Nações, também conhecida como Igreja da Agonia, localizada no Monte das Oliveiras, próxima ao Jardim do Getsêmani - Clique sobre a foto para ampliá-la.
 
Saímos em direção ao Monte das Oliveiras, em cujas encostas se situa o Jardim do Getsêmani. Antes, porém, passamos pela Igreja do Pater Noster. Em suas paredes externas, junto à galeria ou claustro, está o Pai Nosso escrito sobre azulejos brancos em 62 idiomas. Construiu-a Constantino no topo do Monte para recordar a "Oração que o Senhor nos ensinou". Destruídas pelos persas e reconstruída pelos cruzados, foi novamente demolida pela violência dos muçulmanos. No século passado (1868), a princesa Aurélia de Bossi de La Tour D'Auvergne comprou o local, doou-o à França e ali estabeleceu um mosteiro, em cujo claustro repousam seus restos mortais. Bem próximo dali, no tempo de Cristo, passava a estrada para Betsaida. Nesse lugar Cristo predisse a destruição de Jerusalém e outros funestos acontecimentos: "Quando ouvirdes os rumores de guerra, não vos perturbeis, porque é necessário que isto aconteça. Mas ainda não será o fim, porque se levantará nação contra nação e reino contra reino, e haverá terremotos em muitos lugares." [Marcos 13: 7-10]
 
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"E, ao abençoá-los, sucedeu que se separou deles elevando-se ao céu." (Lucas 24: 51) Palavras simples. Fato extraordinário. Nessa simplicidade, Lucas termina sua narrativa, desejando possivelmente enfatizar a onipotência do Senhor. Estivemos no local onde a tradição diz ter-se dado a ascensão de Cristo. Ali foi edificada, no século IV da nossa era, uma igreja bizantina destruída pelos persas no ano 614 d.C., posteriormente reconstruída pelos cruzados no século XII. No pequeno templo existente, de forma octogonal, há uma rocha de onde tradicionalmente se diz ter Ele ascendido aos céus, A área está sob a jurisdição dos muçulmanos, que adicionaram uma cúpula ao templo. Fomos em seguida ao cenáculo, que conserva o mesmo piso do tempo de Cristo. Ao fundo, uma porta com duas traves pregadas em diagonal, para evitar que, como acontecera antes, intrusos a arrombassem. Silêncio respeitoso e pleno de emoção. Seguiu-se um instante de reflexão, em que a mim (possivelmente a todos) ocorreram as palavras do maior dos mandamentos: ".... que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que o daquele que dá a vida pelos amigos." [João 15: 12-13] Ali se deu a instituição da Eucaristia, na noite em que Jesus se preparava para o cruento sacrifício: "isto é o meu corpo..." (Lucas 22:19) Essas palavras atravessaram e atravessarão séculos pois Ele próprio prometeu ficar conosco até o fim dos tempos. Nessa mesma sala, Ele apareceu duas vezes aos apóstolos e fez descer sobre eles a luz do Espírito Santo. O fato relembra a profecia de [Isaías 2:3]: "De Sião sairá a lei, e de Jerusalém, a palavra do Senhor", pois o local  o Monte Sião  é a própria imagem da capital palestina e ali se instalaram os primeiros cristãos. Por estar um pouco distante do centro da cidade, a pequena igreja que ali se edificara escapou à destruição nos anos 70 e 135 d.C. Possivelmente esse santuário tenha dado o nome a toda a colina. Destruído com a invasão persa em 614, reconstruíram-no os cruzados no século XII. O cenáculo, motivo dessa digressão, formava no século IV parte da basílica, mas hoje existem apenas duas capelas superpostas. Os turcos, em 1552, expulsaram os cristãos do local da última ceia e ali estabeleceram uma mesquita, agregando-lhe um minarete e um nicho de orações. Demoramo-nos alguns minutos no local. Procurei visualizar a extraordinária cena e medir, em minha humana limitação, o que teria sido a pungente despedida de Cristo. Vã tentativa. Veio-me tão somente ao pensamento a divina beleza do gesto e da atitude. Coincidentemente, um raio de luz solar iluminava fracamente a sala. Conduziu-me à meditação de uma luz maior. Senti-me leve, e uma paz inefável invadiu-me a alma. Alguns minutos foram suficientes para encurtar dois mil anos de história e de Vida. Lembrei-me dos "Salmos" de um profeta só: "Eis-me aqui de joelhos e de mãos postas. Uma de encontro à outra. Unindo-se em concha, como antigamente quando o julgava severo e vingativo. Estou tranquilo e Você percebe, pois pousou em meu coração a sua paz. Acabei de confessar o que havia de ruim em mim. Eram respingos do homem velho tentando martirizar o homem novo. Tenho paz e ainda que entrem soldados do mal aqui e coloquem baionetas na minha garganta, eu tenho certeza de que vou continuar falando com Você. E vou continuar, porque não sou eu quem fala agora. É o espírito que fala em mim numa língua que só Você, os santos e os anjos entendem. Como é bela a experiência da paz! Como é bela a vontade de quebrar os ponteiros do tempo e enveredar no céu para todo o sempre, de joelhos, louvando o Senhor!" 
"Paz! Presença infinita de Deus em um minuto de dois séculos! Dá vontade de saber escrever adequadamente, embora as palavras pareçam vazias na plenitude do Senhor." 
 
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Após a visita ao cenáculo, passamos pela Igreja do Sono ou da Dormição, onde, segundo a tradição, Nossa Senhora dormiu por três dias e três noites e foi assunta ao céu. Uma escultura de Maria, deitada, assinala o evento. Voltamos ao hotel à tarde. As caminhadas diárias nos deixavam um tanto cansados, mas cada instante renovados pelo desejo de adquirir conhecimentos que fugiam à rotina da experiência vivida durante muitos anos. Além do caráter religioso, a viagem nos trazia a toda hora informações também de cunho histórico. Em todos os lugares, não só em Israel como nos demais países visitados, procurei acompanhar de perto os guias e anotar seus esclarecimentos, muitos dos quais não se vêem em livros ou revistas. Na maioria dos países, esses guias são estudantes universitários que se dedicam ao estudo de história e de arte, pesquisando bibliotecas e frequentando cursos especializados, além de adquirirem sólidos conhecimentos das línguas mais faladas, como o inglês, o francês, o espanhol. A manhã do dia seguinte nos trouxe revigorada disposição para as andanças por Jerusalém. Aqui, ali, acolá, para onde quer que voltássemos a nossa atenção, havia sempre uma atração histórica, uma relíquia arqueológica ou religiosa. Difícil, no pouco tempo disponível, permanecer por muito tempo nos locais visitados. Em cada um, em cada canto, uma reminiscência de vida não vivida, mas imaginada através de leituras. Parecia um fenômeno paramnésico, pois em certos momentos eu tinha a impressão ou a "ilusão" do já visto. As ruínas pareciam falar. Para o estudioso ou para o simples curioso da história e da religião, tudo era motivo para indagações, e isto nos transmitia certo enlevo, em que as preocupações eram esquecidas e ficavam para trás. Solto na liberdade de seu alcance infinito, o pensamento perambulava entre a despreocupada experiência da excursão e o desejo incontido de olhar novos horizontes. Possivelmente um estado próximo daquele que o apóstolo deve ter sentido no Monte Tabor e que, à falta de maior poder de expressão, disse simplesmente: "Senhor, é bom estarmos aqui..." [Mateus 17:4] 
A piscina de Bethesda conta a sua história. Acha-se a poucos metros da porta de Santo Estêvão, dentro das muralhas hierosolimitanas. Sepultada durante séculos, só recentemente foi encontrada. Tinha 120 metros de comprimento, 70 de largura e possivelmente 8 de profundidade. João a descreve como existente junto à porta "probática" por onde passavam as ovelhas destinadas ao sacrifício no templo. Ao ser descoberta, logo se pensou em uma contradição do evangelista, pois só haviam sido encontrados quatro portões. Os textos bíblicos mencionavam cinco. Posteriormente verificaram-se a veracidade e a historicidade da narração joanina com a descoberta do quinto pórtico. Ali se deu o milagre da cura do paralítico. O "lisóstrotos" pelo qual passamos, fazia parte da Fortaleza Antonia, que, por sua vez, integrava o templo de Jerusalém. Foi o lugar para onde Pilatos levara o Mestre e o apresentara à população: "Eis o homem." [João 19: 5] O verdadeiro arco do "Ecce Homo" não é o que as fotografias geralmente mostram, mas parte do Arco de Adriano do século II d.C. e relembra a insurreição de Bar Kochba (132-135 d.C.), quando Jerusalém passou a denominar-se Aelia Capitolina por decreto daquele imperador romano. O "lisóstrotos" foi descoberto em 1931. Suas pedras estriadas evitavam que os cavalos escorregassem. Existem sob o pavimento grandes cisternas para recolher a água da chuva. Há curiosos desenhos nas lajes, com traços perfeitamente nítidos do chamado "jogo do rei", muito popular na época. Consta na tradição que os soldados o teriam utilizado para apostar a condenação ou não de Cristo. Aqui se iniciou o caminho do Calvário. 
 
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Iniciamos a nossa Via Sacra. O mesmo caminho, a mesma trilha d'Aquele que, trinta anos do fato narrado, nascera pobremente em Belém. Alguns amigos e companheiros de viagem, posteriormente comentavam que, para o visitante de Jerusalém, havia certa decepção, julgando sem dúvida que a cidade deveria estar isenta de qualquer influência profana. Discordo deles. Relembre-se que Jerusalém era e é uma cidade como outras tantas, com suas dificuldades, seus problemas, apenas com a característica de ser a "Cidade Santa". Natural, portanto, que passássemos por ruas e ruelas onde os transeuntes se acotovelavam no vai-vem do intenso movimento, no burburinho de um comércio atuante e variado, em que razoáveis restaurantes coexistem ao lado de ricas joalherias e de não muito asseados açougues e mercearias. Uma mistura de povos, de mercadorias e de costumes. Já naquela época até no templo existiam mercadores, motivando a reação do Mestre. Na prisão de Cristo e Barrabás, verdadeiras masmorras de espessas paredes e fortes grades de ferro, pudemos sentir o arrepio do isolamento. Condenado inapelavelmente em troca de Barrabás, o Mestre ficou ali à espera do supremo sacrifício. E caminhou pelas ruas da cidade rumo ao Gólgota  morro da caveira. Os "passos", um a um, fizeram-nos reviver mentalmente o drama. Deus Criador condenado pelas criaturas. Capela Polonesa, mosteiro copta, Igreja do Santo Sepulcro. A Igreja cobre hoje em dia a colina do Calvário "local da crucificação"  e o sepulcro onde foi depositado o corpo de Cristo. Naquele tempo, o morro ficava fora das muralhas da cidade. No ano 324, edificada pela primeira vez, a Igreja ficou quase no centro de Jerusalém, e o Gólgota incluído dentro de seus limites. Herodes construiu parte da muralha no ano 64 d.C. Adriano, desejoso de por fim à religião, decidiu fazer desaparecer de uma vez por todas qualquer recordação do Calvário e do Sepulcro, erigindo sobre eles um templo dedicado a Júpiter. Vã tentativa. Em vez de apagá-la, tal como acontecera com a Gruta de Belém, preservou-a. E no ano 326, destruído o templo de Júpíter, Constantino construiu em seu lugar magnífica Igreja. Novamente os persas, no ano 614, acometeram contra os lugares santos, destruindo-a. Reconstruiu-a o Abade Modesto. Destruiu-a o Califa Jovem. Nasceram as Cruzadas e delas se origina a atual Basílica. Linhas arquitetônicas pesadas. Grossas paredes, sobrepondo-se-lhe uma grande cúpula. Sente-se dentro dela uma "doce opressão". Lembra o "jugo suave" mencionado pelo Mestre. Seu interior profusamente adornado, convida à meditação e ao recolhimento, não obstante o grande movimento de piedosos peregrinos e curiosos turistas de todas as partes do mundo. As três últimas "estações" da Via Sacra situam-se no interior da Basílica. A Rocha do Calvário, sobre a qual há duas capelas, tinha a forma de caveira  daí o seu nome. Uma delas pertence aos gregos ortodoxos e a outra aos católicos romanos. Lâmpadas de azeite pendem do teto exuberante de desenhos. Grossas colunas sustentam-no em arco. Piso também desenhado em gregas e simétricas linhas. Nota-se em uma das capelas a rocha frestada. É de Mateus a narração: "E eis que a cortina do templo se rasgou em duas partes, de alto a baixo; a terra tremeu e as rochas se fenderam." [Mateus 27: 51] É a Capela da Crucificação. Sob pequeno altar há um círculo dourado que marca o local onde foi colocada a Cruz. Compungido, abaixei-me e sobre ele coloquei minhas mãos. Todo um mundo de lembranças povoou minha mente. Um turbilhão de pensamentos. Profusos, mas não confusos. Via-me nitidamente no coro da Matriz da Piedade em Barbacena: 
"Agnus Dei...
 
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O local infunde em todos que o visitam profundo respeito. Em uma das capelas, belíssima imagem de Maria, feita de madeira e para lá levada de Lisboa em 1778, retrata bem o sofrimento da Mãe Dolorosa. O artista foi de uma felicidade rara ao esculpi-la, conseguindo exprimir no semblante toda a dor que o drama gravara no coração materno pela perda do filho amado. Os olhos e a expressão facial transmitem a intensidade dessa amargura, e suas mãos de uma naturalidade e de uma beleza plástica indescritíveis, lembram as de Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. A vida, que somente os grandes artistas conseguem transmitir em suas obras, está de tal modo representada nessa imagem que dificilmente se consegue esquecê-la. Beleza suave, embora sofrida. "Stabat Mater Dolorosa..." 
Descemos a escada que nos levara às duas capelas construídas sobre a Rocha do Calvário. O interior da Igreja do Santo Sepulcro é amplo. Próxima à entrada, há uma laje onde se diz ter sido depositado o corpo do Senhor antes de seu sepultamento. À esquerda, o sepulcro. Nem vagamente poder-se-ia calcular a intensa emoção que nos dominou, quando um grupo de quatro ou cinco (capacidade da pequena gruta construída sobre o Santo Sepulcro) entramos no recinto. À direita está a laje para onde José de Arimatéa levara o corpo exangue do Mestre, na hora nona. Estava próxima a vigília da Páscoa e urgia sepultá-lo. Era costume naquela época a divisão das vinte e quatro horas diárias a partir do nascer do sol, de maneira que as principais eram chamadas: primeira-6 horas; terceira-9 horas; sexta-12 horas e nona-15 horas às 18 horas. A noite era dividida em quatro vigílias de três horas, indicando o turno das sentinelas. Naquele local o autor da vida jazera morto por três dias. Quando nos aproximamos da pedra, colocamos silenciosa e respeitosamente as mãos sobre ela; e depois, de mãos dadas, rezamos juntos o Pai Nosso segundo o costume, mas não por essa razão; mas por um impulso espontâneo de todos que ali se encontravam. 
Lembrei-me de que São Paulo dissera que vã seria a nossa fé se Cristo não houvesse ressuscitado verdadeiramente. E Mateus narra assim o fato ocorrido ao romper da alva do primeiro dia da semana: 
"Não temais, vós, pois sei que buscais a Jesu,s o crucificado. Não está aqui, porque ressuscitou, como tinha dito. Vinde e vede o lugar onde jazia." (Mateus 28: 5-6) 
Ainda sob o impacto daquela emoção, participamos da celebração da missa oficiada por um franciscano. Contritos em tão santo ambiente, nada perturbava a paz interior que certamente se apossava de todos nós. A roda do tempo parecia não girar. Estacara. Uma antevisão, talvez, embora tênue, da Vida prometida a todos os homens de boa vontade. 
No pavimento inferior, há uma capela onde se venera Santa Helena, mãe de Constantino. Em seu teto, vê-se claramente a Rocha do Calvário. Saídos de lá, deixamos atrás um dos mais impressionantes monumentos da cristandade, a maioria deles ou a totalidade conservada pelos Franciscanos. Passamos pela Igreja de Santa Ana, onde há uma bela e marmórea imagem de Maria, quando ainda menina. Dirigimo-nos à esplanada do Templo, amplo espaço através do qual se percebe a magnitude da obra salomônica. Nessa área de aproximadamente 14 hectares foram construídas as mesquitas de Al-Aqsa e de Omar ou "da Rocha". Diz-se que essa colina era o Monte Moriá, onde Abraão oferecera em holocausto seu filho Isaac. Salomão, desejando perenizar o local da Arca da Aliança, construiu nele seu suntuoso templo. Destruído posteriormente por Nabucodonosor no ano 587 a.C., reconstruído por Zorobabel no retorno do cativeiro da Babilônia. A volta do cativeiro é narrada por Flávio Josefo em sua "História dos Hebreus" e imortalizada na ópera Nabuco de Verdi, cujo Coro dos Escravos Hebreus ("Va Pensiero") é um dos mais belos de toda a imorredoura obra do compositor italiano. O templo reconstruído por Zorobabel foi novamente destruído por Tito no ano 70 d.C. Os muçulmanos sustentam ter Maomé ascendido aos céus da rocha Moriá, daí ter sido levantado no local a mais famosa e formosa mesquita do mundo islâmico." 
 
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A Mesquita de Al-Aqsa, embora não tão fulgurante quanto a de Omar (ou da Rocha), é mais frequentada e tem capacidade para 5.000 pessoas aproximadamente. Nela se fazem as orações públicas, o que não acontece com a outra. Tem aproximadamente 1.200 anos, mas pouco resta do templo original, construído pelo califa El-Walid, filho do construtor da de Omar. 
Os cruzados fizeram dela seu palácio no século XII d.C. A Mesquita de Omar é mais famosa e, sem dúvida, mais bela. Não obstante construída por arquitetos bizantinos, toda a sua decoração é de estilo oriental. A cúpula dourada fá-la conhecida em todo o mundo e os postais de Jerusalém a mostram com mais frequência do que qualquer outra atração da cidade. Há riqueza de cores em seu interior, com rebuscados mosaicos, e a rocha do Monte Moriá, que servia de altar, é ainda visível sob a cúpula e se eleva a quase dois metros da superfície. No tempo dos cruzados, grades de ferro rodeavam-na e foram substituídas por grades de madeira. Externamente, azulejos com ricos arabescos azuis emolduram as paredes, espelhando o conjunto, de forma hexagonal, a exótica beleza da arte oriental. 
Ao passarmos pelo Muro das Lamentações, pudemos observar a atitude respeitosa de centenas de judeus, que oravam junto aos enormes blocos de pedra superpostas, restos da muralha construída por Herodes, no ano 20 a.C., e única relíquia de parte do antigo Tabernáculo. Essa parte foi também a única que restou da destruição de Jerusalém por Tito no ano 70 d.C. Aos judeus não era permitido aproximar-se do Muro, a não ser no aniversário da destruição do Templo. Entre 1948 e 1960, por estar na parte jordaniana, foi novamente proibido o acesso aos judeus, só terminando com a Guerra dos Seis Dias. O "Muro Ocidental" é atualmente lugar de exaltação nacional e centro de culto religioso, segundo nos foi explicado pelo guia. 
As muralhas de Jerusalém impressionam pela sua grandiosidade e foram construídas várias vezes e reconstruídas no decorrer dos séculos. Na época da dominação turca, sob o reinado de Soliman, o Magnífico, no ano de 1542, adquiriram sua forma atual. Com 3 quilômetros de extensão e cerca de 13 metros de altura, há nelas 34 torres e 8 portas, cada qual com uma designação própria: Porta Nova, de Damasco, de Herodes, de Santo Estêvão, Dourada, dos Magrebis, de Sião e de Jaffa. Merecem citação especial as portas Dourada, de Santo Estêvão e de Damasco. A primeira, de construção bizantina do século VII, está situada no lugar da antiga Porta da Misericórdia, na época do segundo Templo. Por ela entrou Jesus triunfalmente em Jerusalém no Domingo de Ramos. Foi obstruída pelos turcos em 1530. Na de Santo Estêvão, segundo antiga tradição, ocorreu o martírio do santo  o primeiro do cristianismo. É também chamada Porta dos Leões por causa dos baixos-relevos que a adornam. A de Damasco controlava uma antiga rota que conduzia àquela cidade. Os árabes, desde o século VII, chamam-na de Bab-El-Amud (Porta da Coluna), por causa de um pilar de Adriano por ele levantado às margens de uma via romana. 
Existe nos arredores de Jerusalém a muitas vezes mencionada Torrente do Cedron, a noroeste da cidade. Separa o Monte das Oliveiras da Cidade Velha. Cristo certamente por ali passou em inúmeras oportunidades, quando se dirigia ao Templo pela Porta Dourada, ou ia a Betânia visitar seu amigo Lázaro. Por lá passou também quando, vindo do Cenáculo, encaminhou-se ao Getsêmani. Esse vale contém quatro monumentais sepulcros atribuídos a Absalão, Josafat, Zacarias e Santiago, mas alguns dizem que, pelo seu estilo, são construções mais recentes feitas por famílias ricas de Jerusalém. Tradições locais convertem o Vale do Cedron como o lugar do Juízo Final, transformando-o em uma grande necrópole. Outro vale muito citado nas Escrituras é o de Henon, onde, segundo se diz, eram sacrificadas vidas em honra a Maloc e onde havia constante fumegar do lixo depositado, associando-se essa ideia à do Inferno. Daí a expressão Geena (Vale do Henon) como sinônimo de fogo eterno, mencionada no Novo Testamento. 
 
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Jerusalém conta com magnífica obra de engenharia construída por Ezequias para evitar a vulnerabilidade no abastecimento de água. É um túnel em forma de "S", que liga a fonte de Dion ou GIJON à piscina de Siloé. Escavado na rocha simultaneamente nas duas extremidades e com tal precisão que não houve necessidade de retificações ao ser terminado  isto se deu sete séculos antes de Cristo. Tem 512 metros de comprimento com 50 cm de diâmetro em alguns lugares e 5 metros em outros. Em 1880 foi encontrada no seu interior uma descrição sucinta de sua construção. O canal tem grande importância histórica e estratégica na vida israelense. Situado fora das muralhas, permitiu aos palestinos sob o comando de Ezequias receber água de que os habitantes de Jerusalém necessitavam no cerco assírio. O manancial de Dion  também chamado fonte da Virgem  é um dos mais antigos de Jerusalém e os zebuseus a ele chegaram por meio de galerias e de um poço. Por esse poço os soldados de Davi se introduziram na cidade e a conquistaram. 
O dia amanheceu ensolarado naquele 16 de outubro. Alguns se dispuseram a visitar a região do Mar Morto e outros deixaram-se ficar em Jerusalém para visitar outros lugares de interesse. 
Único no mundo por suas diversas e especiais características, o Mar Morto tem suas águas com tal grau de salinidade que nelas se pode boiar tranquilamente sem perigo de afogamento. Vêem-se às margens formações salpicas como grandes cogumelos, que constituem atrações para os visitantes. A Bíblia denomina-o também Mar Arabá, Mar Oriental e Mar Salino. O nome Mar Morto foi-lhe atribuído por ausência de vida animal e vegetal. Situado cerca de 400 metros abaixo do nível normal, recebe as águas oriundas das fontes do norte e do rio Jordão. O nível das águas é mais ou menos instável apesar do não escoamento, dado o seu grande grau de evaporação. O betume existente em suas proximidades era muito utilizado como argamassa tal como hoje fazemos com o cimento; daí o nome a ele também atribuído de Lago Asfaltite. Com 85 km de extensão, situavam-se em suas cercanias as cinco cidades (Pentápolis) mencionadas em [Sabedoria, 10:6]: Sodoma, Gomorra, Adama, Seboin e Bala ou Segor. As recentes descobertas dos famosos "Manuscritos do Mar Morto" deram-lhe maior notoriedade. Encontrados nas grutas de Qumram, em potes de barro, foram e estão sendo analisados por cientistas de renome através de testes de radiocarbono e outros. Encontraram-se também moedas usadas por bizantinos e árabes há dois mil anos. A magnitude dessas descobertas só será medida certamente na proporção do avanço dos testes que sem dúvida permitirão esclarecer muitos acontecimentos bíblicos e históricos da rica e empolgante história dos judeus. Tais documentos são cuidadosamente guardados no "Santuário do Livro", em Jerusalém, de curiosa linha arquitetônica, que evoca a forma das tampas dos jarros onde foram descobertos. O claro-escuro da obra significa a contraposição dos chamados filhos da Luz (os essênios) aos filhos das trevas. Significativo é também o muro de basalto, cujo enorme peso simboliza o jugo sob o qual viveu o povo israelense durante 2 mil anos. O pergaminho ali guardado e atribuído a Isaías mede mais de oito metros. No Santuário do Livro são conservados ainda os rolos descobertos nas ruínas de Massada, notável fortaleza situada no deserto da Judeia, próximo ao Mar Morto. Essa histórica fortaleza relembra um dos mais dramáticos episódios da vida do país. Construída por Herodes, o Grande, no ano 40 d.C., no topo de uma formação rochosa, serviu de abrigo aos comandados de Eleazar Ben-Yair, que ali se reuniram após a destruição de Jerusalém. Silva, general romano, decidiu atacá-la e para lá se dirigiu com fortes contingentes do seu exército. Após longos meses de sítio e pressentindo iminente a derrota, Ben-Yair convocou seus comandados e exortou-os ao suicídio coletivo. Escolhidos 10 entre eles, levaram a cabo sua tarefa, e os romanos, ao conquistarem o notável bastião, só encontraram cadáveres. Apenas uma mulher e cinco crianças sobreviveram para contar o terrível morticínio. O dia 15 do mês de Nisam passou a ser a data maior da resistência dos judeus, e Massada o símbolo de sua valentia e do seu heroísmo. O historiador Flávio Josefo narra o episódio e o faz com justo orgulho, situando-o entre os grandes feitos do seu povo em toda a longa história palestina. 
 
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Chegados de volta a Jerusalém, foi-nos dito que no dia seguinte iríamos a Tel-Aviv para embarcarmos rumo a Istambul. Dia 17 de outubro de 1978. Manhã clara. Sol radiante. Quando estávamos no saguão do hotel, ouvimos enormes estrondos como se o mundo viesse abaixo. Eram aviões a jato israelenses que certamente faziam sua ronda ininterrupta sobre o território de Israel. Sentinelas aladas que em pouco tempo alcançariam as fronteiras do país. O ônibus já nos esperava às 9 horas. Um rápido olhar de despedida para a Cidade de Davi, que tanto nos impressionara por seus templos, por sua história, por sua milenar tradição, por todos os fatos ali ocorridos e que marcaram para sempre a história da humanidade. Ficou para trás a esplêndida silhueta do knesset (o parlamento israelense), que domina o panorama do outro lado da cidade. Alcançamos a estrada asfaltada. A distância esmaecia as cores, mas cada vez mais se avivava em nossa lembrança o seu simbolismo para milhões de pessoas como o palco da Paixão do Senhor e como sinal de Luz e Esperança de um mundo mergulhado no ódio e no caos. Faz-se presente em mim, nesse momento, o trecho de [Isaías 60, 1-3]
"Levanta-te, veste-te de luz, porque chegou a tua luz, e a majestade do Senhor brilhou sobre ti. Porque, vê, as trevas cobrem a terra e a escuridão os povos, mas sobre ti surge o Senhor e a sua majestade aparece sobre ti. Os povos caminharão à tua luz, e os reis, ao fulgor de tua aurora."

* Newton Siqueira de Araújo Lima(1924-2018), fundador da cadeira 32 da Academia Barbacenense de Letras, cujo Patrono é Augusto Avelino de Araújo Lima, tendo sido sucedido pelo escritor e designer gráfico Edson Brandão. Como professor, lecionou na FUPAC e no Colégio de Aplicação. Foi secretário municipal de Educação e Cultura de 1986 a 1988. Desde jovem dedicou-se aos estudos de literatura e língua portuguesa, mas concentrou seus esforços intelectuais na pesquisa da História do Brasil, com foco especial na história de Barbacena-MG. Após anos de  pesquisas, reuniu em dois volumes (lançados em 2013 e 2015) a série “O Patrono de sua rua”, resgatando as biografias de dezenas de personalidades de todas as épocas que e dão nome às ruas de Barbacena.
 
 
NOTAS EXPLICATIVAS  DO GERENTE DO BLOG
 
¹ TERRA SANTA é uma área localizada entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, atualmente dividida entre o Estado de Israel e o Estado da Palestina. É chamada "Terra Santa" devido ao seu valor histórico para as três grandes religiões monoteístas do mundo: judaísmo, cristianismo e islamismo. Para os judeus é conhecida como a "Terra Prometida", assim chamada por ser a terra prometida, segundo a Bíblia, por Deus a Abraão [Gen. 12: 1-3]. Para os cristãos, o local é sagrado pois está onde, segundo os Evangelhos, nasceu, viveu, morreu e ressuscitou Jesus Cristo, sendo, portanto, o berço do surgimento da Igreja Cristã. Para os muçulmanos, o local é sagrado, pois ali ocorreu a ascensão de Maomé aos céus, além das menções da região no Alcorão. 
Ao transcrever a parte do livro referente a Israel, informo que foi necessário fazer alguns ajustes e às vezes, correções no texto, especialmente  na toponímia bíblica e israelense e, sobretudo, no acréscimo de números de capítulos e versículos para as referências e citações de livros da Bíblia. Também, foi feita cuidadosa correção de inúmeros erros tipográficos que lamentavelmente escaparam da revisão do autor.
 
²  O nome desta cidade de 4.000 anos aparece de formas diferentes. Oficialmente é escrito como Acre (em inglês).  No entanto, em hebraico o nome desta cidade é pronunciado como "Akko".

³ Monte do Precipício ou, conforme explicação abaixo, "Monte do Salto ou do Pulo" (em hebraico: הר הקפיצה, transliterado: "Har HaKfitsa"; em árabe transliterado "Jebel al-Qafzeh", literalmente  "Monte do Salto"). Quando estive em Israel em jan/fev de 1990, visitei Nazaré, em companhia de meu saudoso amigo Jacob Ancelevicz (1948-2015), "sabra", isto é, um judeu nascido em Israel. Ouvimos de um habitante de Nazaré que a tradição local é que uma multidão enfurecida tentou jogar Jesus de cima desse monte, depois de sua autoproclamação verdadeira, embora ousada para seus ouvintes na sinagoga de Nazaré, narrada por [Lucas 4: 21]. Segundo essa mesma tradição, porque não era chegada a hora de sua morte, Jesus teria escapado da multidão enfurecida, saltando do referido monte, pousando a 9 km de distância no Monte Tabor; daí o nome árabe para o primeiro monte, Jebel al-Qafzeh, que significa "monte do salto ou do pulo".
 
  Quando estivemos em Israel, visitamos o kibutz "Bror Khail". Ali comparecemos também à Sala de Cultura "Osvaldo Aranha" em homenagem e em memória ao diplomata brasileiro que teve influência fundamental na fundação do Estado de Israel em 1948, tendo dirigido a reunião histórica da ONU em 29/11/1947 que decidiu pela criação do Estado de Israel, assunto que pode ser confirmado no vídeo abaixo. 
 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

LIMA, Newton Siqueira de Araújo: Crônicas de Viagem, 1990, produção de Eloar S. Silva, pp. 92-131.