Por Francisco José dos Santos Braga *
Este artigo apareceu originalmente no JORNAL DE MINAS, publicado em São João del-Rei, Ano XV, nº 253, 12 a 18/12/2014, p. 2.
No Dia de Finados fui ao
Cemitério das Mercês rememorar e homenagear meus saudosos entes queridos,
quando lá me deparei com o amigo e confrade Nêudon Bosco Barbosa, editor do Jornal de Minas, que para ali também se dirigira para prantear seus pais e irmãos já
falecidos. Convidei-o a me acompanhar ao túmulo de uma das maiores glórias
musicais são-joanenses, o Maestro "Guaraná”, que ele ainda não conhecia.
Relatei-lhe o que vai abaixo e, profundamente motivado, incentivou-me a
escrever o que se segue.
Gustavo Nogueira de Carvalho,
conhecido como Maestro "Guaraná” pelos entendidos ou “Nhonhô Guaraná” pelos
familiares e pessoas mais chegadas, nasceu na Rua de São Roque, na cidade de São João del-Rei, em 16
de abril de 1911, filho de Alfredo Ferreira de Carvalho e Henriqueta de
Carvalho Nogueira. Foi batizado exatamente um ano depois na Paróquia da
Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei.
Em sua juventude, compôs inúmeras
peças para revistas encenadas no “Clube Artur Azevedo” em sua cidade
natal. Antônio (“Niquinha”) Guerra, em seu livro “Pequena História de
Teatro, Circo, Música e Variedades em São João del-Rei -1717 a 1967”, cita, pelo
menos, as seguintes revistas teatrais e outras obras que “Guaraná” musicou: “A
Mina de Brugudum” (1931), de Agostinho Azevedo; “S. João del-Rei” (1934), do
Dr. José Viegas, “com 31 encantadores números de música do jovem e inspirado
maestro conterrâneo”, alcançando 8 récitas; opereta “Rosa Branca” (1934), do
Capitão Mendes de Holanda; “Cruzeiro do Sul” (1935), do Dr. José Viegas;
burleta regional em 2 atos, “Cabocla Bonita” (1935), de Marques Porto e Ari
Pavão (musicada por Assis Pacheco e inspirada instrumentação de "Guaraná"); e
“Terra das Maravilhas” (1938), em 3 atos, de Antônio Guerra e Alberto Nogueira.
O saudoso e querido maestro são-joanense, festejado compositor das partituras "S. João del-Rei" — "Terra das Maravilhas" e da opereta "Rosa Branca" (GUERRA, 1968: 192) |
Parece que de 1939 a meado de 1945, esteve afastado do “Clube Artur Azevedo”, período durante o qual ele estudou com o maestro João Cavalcante, companheiro de farda e regente da Banda do 11º Regimento de Infantaria, sediado em São João del-Rei, tendo sido seu assistente, colaborando com ele devido à sua habilidade de compor arranjos e de tocar, além do violino, alguns instrumentos de sopro. “Guaraná”, além de ter feito muitos arranjos para essa banda, ainda participou como violinista, também sob a regência de seu professor, na Sociedade de Concertos Sinfônicos de São João del-Rei.
De
acordo com sua ficha funcional na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, “Guaraná” foi
contratado pela emissora no dia 1º de julho de 1945 como violinista e em 4 de
julho de 1949 foi promovido para a função de arranjador. Em 1º de outubro de
1954 o nome do cargo passa para maestro e arranjador. Em 1º de agosto de 1955,
outra mudança, agora para orquestrador, e a 1º de setembro de 1960 a última
mudança de cargo, de orquestrador para maestro arranjador nível 20. Na Rádio Nacional, trabalhou ao lado de muitos ilustres
compositores e arranjadores brasileiros, dentre os quais destaco: Radamés
Gnattali, Lyrio Panicali, César Guerra-Peixe e Lindolfo Gomes Gaya. O Maestro aposentou-se da Rádio Nacional em 6 de
novembro de 1967. Exatamente no dia 24 de fevereiro de 1968, quando estava
se dirigindo a São João del-Rei, onde seria jurado no carnaval de 1968, Guaraná sofreu um acidente rodoviário na Rio-Petrópolis,
vindo a falecer no Hospital de Petrópolis.
Segundo o musicólogo são-joanense
Aluízio José Viegas, após a aposentadoria, "Guaraná" pretendia voltar
definitivamente para sua cidade natal, onde sonhava continuar a exercer suas
atividades musicais e tinha alguns planos para a vida musical de São João
del-Rei, que infelizmente não chegou a concretizar por superveniente golpe do
destino: a fundação de um grupo de música de câmara, para a gravação de músicas
de compositores populares são-joanenses, entre os quais se destacam: José Lino,
João da Mata, João Feliciano de Souza, José Cantelmo Júnior e José Raimundo de
Assis. Na Sociedade de Concertos Sinfônicos, popularmente conhecida por "Sinfônica",
contaria com a colaboração do teatrólogo Dr. José Viegas, onde aquele
desenvolveria arranjos de operetas. Devido a seus contatos com gravadoras e
meios de comunicação na Capital Federal, esperava divulgar e receber apoio para
esses projetos. Sonhava também com uma melhor qualificação dos músicos
instrumentistas são-joanenses e se propunha a habilitá-los para enfrentarem os
grandes palcos nacionais ou estrangeiros.
Sobre sua personalidade nos fala
Gentil Palhares em crônica com seu nome: “Sempre modesto, simples, não
alardeava os seus conhecimentos e a sua ascensão artística e aqui nos vinha
visitar periodicamente. Jamais olvidou, pois, no apogeu da glória, a sua Terra
Natal, para onde, dizia-nos sempre, tinha o seu coração voltado. Para os
festejos do Carnaval era um visitante assíduo de sua Terra e dizia mesmo:
"Estou fugindo do Rio" ― falava e sorria.”
Os arranjos do Maestro
"Guaraná" eram arrojados, bem como primavam pela qualidade, bom gosto
e singularidade, podendo-se dizer que se destacavam das versões de outros
arranjadores para as mesmas músicas. Além de produzir 1.015
arranjos/composições para diversos programas da Rádio Nacional, “Guaraná”
também desenvolveu uma carreira bem sucedida como dirigente de sua própria
orquestra. O que será enumerado
abaixo constitui o que já consegui descobrir de sua atividade como
regente/orquestrador, outra vertente de sua capacidade criadora.
Foi ele quem teve a feliz ideia
de reunir os instrumentistas associados ao Sindicato dos Músicos Profissionais
do Rio de Janeiro e de produzir o LP de 10 polegadas intitulado "Pérolas
da Música Brasileira", lançado com o selo Copacabana em 1955. Partiu
dele a ideia de produzir esse LP, ficando também responsável pela regência de
todas as peças e por todos os arranjos. As faixas desse LP são as seguintes:
Despertar da Montanha, Carinhoso, Linda Flor, Feitiço da Vila, Do Sorriso da
Mulher nasceram as Flores, Bentevi Atrevido, Na Baixa do Sapateiro e Tico-tico
no Fubá.
Além disso, "Guaraná e Sua
Orquestra” participou da gravação de um vinil lançado pela Polydor em 1956,
intitulado "Recordando...",
com oito faixas dedicadas a clássicos da música popular brasileira.
"Guaraná e Sua
Orquestra" ainda participou com o acompanhamento da música
"Caminhemos" num disco com 8 faixas que podemos considerar histórico
dentro da indústria fonográfica brasileira, "Quando os Maestros se encontram com ÂNGELA MARIA" (1957), por
ter sido um dos primeiros discos de 12 polegadas lançado pela Copacabana. Os
outros Maestros que participaram da antológica gravação foram: Severino Araújo,
Lindolfo Gaya, Renato de Oliveira, Léo Peracchi, Lyrio Panicalli, Gabriel
Migliori e Sylvio Mazzucca.
“Guaraná” foi ainda o arranjador
de todas as faixas do LP Isto é
Lamartine (1963) interpretadas pelo grupo vocal Os Rouxinóis, com
composições de Lamartine Babo.
A Câmara Municipal de São João del-Rei houve por bem homenagear o Maestro Guaraná, aprovando denominação de "Gustavo de Carvalho (Guaraná)" à travessa que liga a Praça Francisco Neves à Rua José Mourão.
A Câmara Municipal de São João del-Rei houve por bem homenagear o Maestro Guaraná, aprovando denominação de "Gustavo de Carvalho (Guaraná)" à travessa que liga a Praça Francisco Neves à Rua José Mourão.
Por todas essas realizações no
campo musical, Maestro "Guaraná", são-joanense dos mais
ilustres, que dignificou e engrandeceu sua cidade natal com sua divina música,
faz-se merecedor de que nós são-joanenses reverenciemos a sua memória,
tributando-lhe nossa gratidão e eterno reconhecimento.
