domingo, 24 de janeiro de 2021

SOB A PROTEÇÃO DA SENHORA DO ROSÁRIO


Por MARIA INEZ MASARO ALVES

 


 


ANTONIO MARIA NARDI 

Aqui é preciso fazer um parêntese para falar do Prof. Nardi ¹, o artista escolhido para ornamentar a Matriz, e da importância que ele imprimiu na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, transformando-a em um monumento do patrimônio artístico religioso do Estado de São Paulo. 
 
 Crédito: Roberto Michelon
Antonio Maria Nardi nasceu em Ostellato na Itália em 1897. No ano de 1911 iniciou seus estudos na Accademia di Belle Arti di Bologna, diplomando-se em 1916, como o melhor aluno. Entre 1916 e 1919, convocado para lutar na Primeira Guerra Mundial, interrompeu suas atividades artísticas,   só retornando depois de sua baixa do exército.
Na pintura, dedicou-se às naturezas-mortas, paisagens e pinturas sacras. Ilustrou livros e revistas para crianças além de trabalhar com vitrais. Participou das exposições organizadas pela Sociedade Francesco Francia entre 1916 e 1935. Recebeu os prêmios da Sociedade Francesco Francia em 1917, o Prêmio Curlandese em 1928 e o 5º Prêmio Cremona em 1940. Em 1924 e 1925 dedicou-se mais intensamente à pintura trabalhando com temas sacros. Começou a se interessar pela pintura mural e particularmente pelo afresco. Trabalhou realizando pinturas importantes em igrejas das regiões de Emilia-Romagna e Veneto. No mesmo período e anos seguintes teve importantes trabalhos em várias cidades da Suíça, onde conheceu pessoas de relevo que convidaram-no a realizar uma Exposição de Pinturas no Rio de Janeiro. 
Após o sucesso da importante exposição de suas obras no Ministério da Educação e Cultura, resultando inúmeras encomendas no Rio de Janeiro, no ano de 1949, transferiu-se para o Brasil. 
A relação das obras produzidas por Nardi, no Brasil, impressiona pela dimensão e pela difusão pelas igrejas de muitas cidades das regiões sudeste, centro-sul e até da Capital da República. A lista inclui decoração do refeitório do Seminário Salesiano de Brasília; a construção de retábulos para a Capela do Colégio Pio XII, em Belo Horizonte; Igreja da Faculdade Padre Anchieta de Jundiaí (SP); a produção de vitrais para a Igreja do Coração de Jesus de S. Leopoldo, em Porto Alegre (RS), para a Igreja de São Judas Tadeu no Cosme Velho (RJ), para a Igreja São Sebastião, em Porto Ferreira (SP), para a Igreja de Nossa Senhora Aparecida em Pirajuí (SP), para o Santuário Nacional das Almas e para a Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora em Niterói (RJ), para a Igreja do Santíssimo Sacramento em Cantagalo (RJ), para a Igreja de Santa Maria Madalena, em Nova Friburgo (RJ), para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Vicente de Carvalho (RJ), para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, no Riachuelo (RJ) e para a Capela do Colégio Espírito Santo, em Bagé (RS); de quadros diversos para a Igreja de S. Francisco Xavier, na Tijuca (RJ), de quadros da Via Crucis para a Igreja da Sagrada Família, no Livramento (RJ) e para a Igreja de Santo Antônio, no largo da Carioca (RJ); da decoração da Igreja de Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado (RJ), da Capela do Seminário de Eugenópolis (MG), da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Grajaú (RJ); das esculturas, quadros e vitrais para a Capela da Casa de Saúde São José, em Macedo Sobrinho (RJ); e como destaque a beleza dos vitrais e dos mosaicos para a Igreja Nossa Senhora do Rosário de Serra Negra. 
Ao terminar seus numerosos trabalhos de pintura no Brasil, Antonio Maria Nardi foi agraciado pelo Vaticano com o Título de Cavaleiro da Ordem de São Silvestre Papa, título esse, dado aos mais famosos artistas que realizaram, desde a antiguidade, importantes obras religiosas. 
Com 68 anos de idade, retornou à Itália em abril de 1965, por estar com a saúde frágil, vislumbrando a possibilidade de trabalhos menos fatigantes. Em sua volta, foi eleito membro da Academia Clementina de Bolonha, cidade onde faleceu em 1973. 
Em 1986, foi realizada a retrospectiva "Antonio Maria Nardi: um descobrimento póstumo" na Galleria d'Arte Ponte Rosso, Milão. No centenário de seu nascimento, foi apresentada a Fate soavemente scarmigliate: Antonio Maria Nardi illustratore, 1897-1973, no Museo dell'Illustrazione, em Ferrara. 
O reconhecimento do povo serrano, pelo grande artista, foi demonstrado quando, no dia 21 de outubro de 2013, o vereador Celso Bruno Colchetti, através do ofício 994/2013 requereu na sessão da Câmara Municipal de Serra Negra uma Moção de Congratulações e Aplausos como medida de reconhecimento, prestando homenagem póstuma ao Prof. Antonio Maria Nardi. Moção que foi aprovada por unanimidade pelos vereadores presentes. 
Para as obras realizadas durante o paroquiato do Pe. João Baptista Lavello, conversei com o Sr. Durval Della Rosa, mestre das obras da reforma da Matriz. O Sr. Durval, com muita simpatia, acolhimento e memória excelente, lembrou-se de detalhes e através dele, pude saber como as reformas aconteceram. 
O projeto de Nardi para a Matriz do Rosário compunha-se da pintura dos 15 mistérios do Rosário, quatorze deles pintados no teto da nave central e um, o da Coroação de Nossa Senhora aos Céus, fazendo teto para o altar mor. As cenas do rosário seriam completadas com a Assunção de Nossa Senhora aos Céus, a ser pintada na parede que encima o altar. Nas janelas foram colocados vitrais com cenas representativas da vida de Jesus, de alguns santos de devoção do Pe. Lavello, dos fiéis da Paróquia e do próprio Nardi. O projeto contemplava ainda o frontão da Matriz com mosaicos de Ravena e a porta de entrada da nave, também executada em vitral. 
Antes do início das pinturas, o Prof. Nardi fez uma exposição no Salão de Festas do Educandário com os modelos, em tamanho natural, dos vitrais e dos quadros a serem pintados no teto e nas pareces da igreja. O que nos leva a crer que tanto a comissão da reforma, como o Pe. Lavello conheciam e aprovaram o projeto apresentado por Nardi. 
 
Da esq. p/ direita: Prof. Antonio Maria Nardi, Durval Della Rosa, Irineu Beraldi e Pe. João Baptista Lavello, em frente à Matriz, durante sua reforma.

 

VITRAIS 

Os vitrais foram desenhados pelo Prof. Nardi ² e executados pela renomada Casa Conrado de São Paulo. A Casa Conrado foi fundada em São Paulo no ano de 1889 pelo alemão Conrado Sorgenicht. Ele importava vidros coloridos e os colocava com um filete de chumbo conforme o desenho de artistas consagrados, entre eles Tarsila do Amaral, Carybé, Lina Bo Bardi, Portinari, Tomie Ohtake. São da Casa Conrado os vitrais do Mercado Municipal de São Paulo, do Hospital da Beneficência Portuguesa, do Palácio das Indústrias, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da FAAP. No caso da Paróquia do Rosário, os desenhos eram de Antonio Nardi. Eis dois de seus lindos vitrais:
 
Vitral de São Jorge, executado pela Casa Conrado. Desenho de Nardi. Crédito pela foto: Tripadvisor.

 
Vitral de Cristo Redentor abençoando toda a cidade de Serra Negra, executado pela Casa Conrado. Desenho de Nardi. Laterais da Matriz. Foto: Gerson Cordeiro

 
Cada vitral teve o custo de CR$ 110.000,00 e foram doados por famílias serranas. São elas: Família Silveira, Família Edno Moscão, Família João Dib, Família Bruschini, Antonieta Ricci em memória de seus pais, Família Antonio Pavani, Filomena Rielli, Família Padula e Rodrigues, Antonio Jorge José, Família Antonio Stenghel, Cecília Rodovalho Cantinho Liziero, Osvaldo Castro Ramos e sua esposa Elvidge Canhoni Ramos, Edno Moscão em nome de amigos. Houve uma reunião com o prof. Nardi, autor dos desenhos dos vitrais, com a finalidade de escolherem os vitrais a serem doados e a forma de pagamento mais conveniente a cada um. Infelizmente não encontramos o resultado da distribuição dos vitrais. Na época, cada vitral recebeu uma placa de vidro com a identificação da família doadora, entretanto, na reforma feita pelo Pe. Nelson Demiciano, as placas foram retiradas e foram guardadas na sacristia. Continuam lá, mas não conseguimos saber a que vitrais pertencem. O que sabemos e temos documentado é que a porta corta-vento, na entrada, foi doação de Laura Zanini. 
 
Porta corta-vento, vitral executado pela Casa Conrado. Desenho de Nardi. Foto: Gerson Cordeiro.

Sobre os outros vitrais e quadros da Via-Sacra, fomos tendo a confirmação através dos paroquianos, descendentes dos doadores. 

BATISTÉRIO 

Vitral  no Batistério da Matriz, executado pela Casa Conrado. Desenho de Nardi. Crédito pela foto: TripAdvisor.

SACRISTIA 

Vitral na janela da Sacristia, executado pela Casa Conrado. Desenho de Nardi. Foto: Gerson Cordeiro.

 

MOSAICOS DO FRONTÃO 


Os dois mosaicos colocados na fachada da igreja, um no frontispício e outro em cima da porta principal, também foram obras de arte do Prof. Nardi. Foram encomendados em Ravena na Itália, com execução da técnica de Veneza, tiveram o custo de um milhão de cruzeiros. Quando ficaram prontos, por feliz coincidência, o Sr. Humberto Angeli e sua esposa D. Julia Ricci Angeli estavam em viagem de lazer pela Península Itálica e se ofereceram para trazer a tão preciosa carga. Os mosaicos formam as figuras de Nossa Senhora do Rosário e da Crucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Elaborado em pedras coloridas ou banhadas a ouro foram confeccionados pela Escola de Belas Artes de Verona, foram doados por Edno Moscão. Depois de assentados, o valor já era de oito milhões de cruzeiros. No Brasil, naquela época, só a Catedral de Nossa Senhora de Nazareth em Belém do Pará tinha obra semelhante. 

PINTURAS NO TETO: Mistérios do Rosário Gozosos, Dolorosos e Gloriosos 

Mistérios do Rosário: Apresentação de Jesus no templo. Pintura de Nardi no teto da Matriz. Foto: Gerson Cordeiro.

Abaixo dos mistérios do Rosário, entre os arcos da nave, foram pintadas estreitas faixas, como se fossem fitas, cada uma com uma invocação da Ladainha Lauretana. 
 
Invocações a Nossa Senhora da Ladainha Lauretana.
Pinturas de Nardi. Entrearcos da Matriz. Foto: Gerson Cordeiro. 
 
Teto da Capela Mor da Matriz. Coroação de Nossa Senhora/pintura de Nardi. Foto: Gerson Cordeiro.




 
 
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Crédito: Acervo do Jornal O Serrano.

 
Embora esta foto não esteja nítida, senti a importância de seu registro. É uma forma de sabermos o que Nardi havia idealizado, e o que está sob a pintura de Enrico Bastiglia. A pintura a seguir, da Assunção de Nossa Senhora aos Céus, seria o encerramento do projeto de Nardi para a igreja Matriz de Serra Negra, entretanto as coisas não saíram como se esperava. E Nardi, como todo artista que tem orgulho de sua obra, ficou imensamente frustrado. 
 
 
O jornal O Serrano comentou em uma de suas edições que todos os quadros murais de cenas sacras, pintados no teto abobadado da Igreja Matriz, pelo exímio pintor Antonio Nardi, encantavam por sua beleza artística, cores harmoniosas e naturalidade de expressão. Entretanto, a pintura de fundo do Altar Mor que o Prof. Nardi estava executando, ficou inacabada. Uns dizem que foi (por) desentendimentos com o Padre Lavello, que não ficou satisfeito com o estilo da pintura da Padroeira; outros, como o Sr. Durval Della Rosa, acham que este não foi o motivo, uma vez que o padre acompanhava diariamente o progresso da pintura e já tinha aprovado as pinturas no teto. O que pudemos concluir é que ninguém sabe ao certo a razão, mas a pintura foi abandonada e o Prof. Nardi deixou a cidade não conseguindo concluir seu projeto dos mistérios do Rosário. A pintura apoteótica, que era a Assunção, ficou inacabada. 
Se os desenhos apresentados por Nardi, antes do início dos trabalhos, foram aprovados, por que a insatisfação? Talvez porque o Pe. Lavello desejasse a própria Senhora do Rosário como pintura do altar, e o que Nardi estava pintando era a Assunção da Senhora. As causas apontadas são desencontradas, mas o certo é que houve algum problema, e o Pe. Lavello houve por bem buscar outros pintores para terminarem a pintura do altar mor e dos quadros da Via Sacra. 
No quadro a seguir podemos ver a Senhora do Rosário de Enrico Bastiglia ³, pintada sobre a Assunção de Nardi. Como também temos a Coroação de Nossa Senhora, obra de Nardi. Assim podemos perceber a diferença da pintura dos dois artistas. 
 
Capela Mor da Matriz. Coroação de Nossa Senhora/pintura de Nardi e Nossa Senhora do Rosário/pintura de Enrico Bastiglia.

  

IRMÃOS BASTIGLIA 

Depois do desentendimento com Nardi, foram contratados dois irmãos, também destacados artistas, vindos de São Paulo, Enrico e Ferdinando Bastiglia. Os irmãos eram brasileiros, nascidos no Brás. Enrico nasceu em 1905 e faleceu em 1973 e Ferdinando nasceu em 1913, tendo falecido em 2001. Eram filhos de Umberto Bastiglia, italiano de Modena, que chegou ao Brasil na adolescência. Enrico Bastiglia, Mestre de Pintura, foi premiado inúmeras vezes pela Associação Paulista de Belas Artes. Vencedor do Prêmio Fernando Costa e de uma infinidade de concursos de Arte. Sua arte está revelada em muitas das igrejas da capital e do interior paulista. Em 1952, entre oito concorrentes nacionais e estrangeiros, venceu o concurso para decorar toda a Catedral Nossa Senhora do Carmo da cidade de Santo André, uma das mais belas do Estado. Seu indispensável auxiliar era seu irmão Ferdinando Bastiglia também pintor e regente do famoso Coral da Igreja São Rafael da capital paulista. Quanto a suas formações artísticas, o que sabemos é que Enrico foi aluno do pintor italiano Barchitta. 
 
Crédito: Acervo Flávio Bastiglia
 
 
O jornal O Serrano descreveu os Irmãos Batiglia como profissionais honestos e zelosos que aliavam predicados artísticos às qualidades morais com reputação firmada pela modéstia, hombridade, moral e fina educação. 
Para os Irmãos Bastiglia foram designadas a pintura do Altar Mor, as pinturas das capelas laterais e os quadros da Via-Sacra. 

VIA SACRA 
 
Quadros da Via Sacra. Paredes laterais da Matriz. VI Estação: A Verônica enxuga a face de Jesus. Pintura de Enrico Bastiglia. Foto: Gerson Cordeiro.

 
Os quadros da Via-Sacra (14) no valor de CR$ 50.000,00 cada um, pintados por Enrico Bastiglia, foram doados por Romeu Marcha, Edgar Lima e sua esposa Emilce Lima, Pia União Filhas de Maria, Marta Nacif Neder e irmão, Arquiconfraria Nossa Senhora das Dores, Apostolado da Oração, Manoel Luiz Caldas e Família, Antonio Pedro Jorge em memória de sua tia Sra. Rosa Inácio Nunes, Tereza Granziera em memória de seu esposo Nicolau Granziera, Irmãs Gravelina Porto Siqueira e Ana Pinto da Cunha, Firmino Cavenaghi e Família, Antonio Catini e Congregação Mariana. 

PINTURAS NAS CAPELAS LATERAIS 

Segundo declarações de Therezinha Possagnollo, sua irmã Maria Eleonora Possagnollo serviu de modelo para Enrico Bastiglia no momento de pintar os pés e as mãos do quadro da Assunção de Nossa Senhora e do Bom Pastor. Naquela ocasião, Maria Eleonora tinha o pé direito inflamado e com uma cicatriz, resultado de um transplante sofrido por intervenção cirúrgica. Se observarmos os dois quadros, o do Bom Pastor, na Capela do Santíssimo, e o da Assunção, no lado esquerdo do altar, veremos as imagens com os pés bastante inchados. 
 

 

PINTURAS NAS PAREDES LATERAIS


 
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Com tantas obras artísticas, ricas e caras, as necessidades foram crescendo e a criatividade para conseguir fundos e doações foi aumentando. O Deputado Estadual Roberto Brambilla fez a doação de CR$ 600.000,00 divididos em 3 parcelas anuais, depois fez mais uma doação no valor de CR$ 300.000,00. O Sr. Herculano Augusto de Assunção, no mês de agosto, fez a doação de um terreno em Águas de Lindóia que foi rifado com a renda para as obras da Matriz. O deputado Ângelo Zanini fez a doação de CR$ 160.000,00 e, depois, mais CR$ 200.000,00. 
Durante a obra, à medida que se fazia necessário, novos eventos eram programados, como foi o "Concurso Brotinho Serrano". 
Para o Concurso Brotinho Serrano, foram escolhidas várias candidatas, cada uma representando uma entidade ou clube social. Eram elas: Marilucy Demattê, Lilia Bruschini Silveira, Marilena Vicalvi, Ely Patrício, Leonor Pelissoli, Henriqueta Ciambelli, Luiza Helena Faleiros, Maria Inês Salomão, Maria Aparecida Beghini, Silvia Maria Oliva. As apurações, que foram muitas, eram disputadíssimas. Henriqueta Ciambelli, que ficou em segundo lugar, representava o Portuguesa Atlético Club que se empenhou para angariar o maior número de votos e, consequentemente, ter a maior arrecadação. Cada candidata ao título "Brotinho Serrano" tinha sua flâmula que era também fonte de renda. Um de seus grandes colaboradores, contou Henriqueta, foi o Sr. Juca Rielli, proprietário da Mercearia Para Todos, que ficava na Rua Monsenhor Manzini. O primeiro lugar ficou com Lilian Silveira, filha do Dr. Jovino da Silveira. O Pe. Lavello se envolvia tanto com os eventos que participou da coroação das escolhidas em baile acontecido no dia 1º de julho de 1960 às 20 horas no Estância Clube. Além do baile, foi organizada uma festa para entrega de medalhas de ouro maciço às candidatas. 
Preocupado com as despesas, Pe. Lavello foi sendo cada vez mais inovador e mandou fazer termômetros, dirigidos principalmente aos turistas que procuravam uma lembrança de Serra Negra. Foi criado também o movimento "Festeirinhos de Nossa Senhora do Rosário", em que cada família doava CR$ 100,00 em nome de seu filho. 
As voluntárias que faziam parte da comissão das senhoras, como Elza Jorge, Ada Angeli, Wanda Córsica, Julia Ricci, Altimira Froes se organizavam por ruas e visitavam todas as casas pedindo contribuição. Com raras e tristes exceções, eram recebidas de boa vontade. As contribuições podiam ser feitas em prestações facilitando a participação de todos. 
Depois, foi proposta a campanha dos bancos da igreja, no valor de CR$ 12.000,00. Os bancos foram encomendados no Paraná. Quando chegaram, não estavam de acordo com o pedido do padre. Foram devolvidos e substituídos por outros, encomendados de Fioritti & Galvão. Entretanto, o preço era outro (CR$ 32.000,00) e os doadores tiveram que completar o valor da doação. 
O relógio da torre foi levado para a Casa Michelini em São Paulo para total restauração e a colocação de mais dois mostradores. Reforma que durou dois meses. Sessões de cinema tiveram o objetivo específico de pagar a reforma do relógio. As sessões de cinema aconteciam no Cine Rádio, gentilmente cedido pelo Sr. Paulo Mangeon. Shows de música no Instituto de Educação com a colaboração da diretora Profª Corina Falleiros, como, também, jogo de futebol feminino, eram formas de divertimento para os jovens e de arrecadação para as obras da Matriz. Segundo Carlos Rischiotto, esse relógio é um dos mais antigos do Brasil e no País só existem mais três iguais a ele. 
A Porta Principal foi doação do Sr. Humberto Córsica, no valor de CR$ 150.000,00. 
A campanha do piso romano, em caco de mármore Itamaraty, contou com a participação de muitos paroquianos. Eram 600 m² de piso, que poderiam ser doados em metros quadrados, de acordo com a possibilidade de cada doador. O valor de cada metro que era de CR$ 3.000,00 no início das obras, com a inflação galopante, em 1963 havia passado para CR$ 8.000,00. A professora Benedita Rosa, "Ditinha", conta que fez uma campanha com seus alunos da Escola Mista da Fazenda São Luiz no Bairro dos Leaes, e puderam doar um metro de piso. Há um fato engraçado, conforme conta Yolete Córsica Moreira: 
Doei um metro quadrado de piso e o Pe. Lavello, muito brincalhão, durante o Sermão da missa das dez, falou que eu fiz a doação porque eu ia me casar, seria uma forma de agradecimento.
As Filhas de Maria fizeram a doação do Sacrário com porta de Prata. No valor de CR$ 80.000,00. 
Em abril de 1962 foi finalizada a agulha da torre em cobre oxidado, trabalho executado pelo Sr. Hermínio Marchi. 
Mais uma invenção do Pe. Lavello foi o "Bando Precatório Monstro". Uma caravana, formada por jovens, saiu pela cidade com a Fanfarra do Colégio Estadual com moças carregando a Bandeira Papal; acompanhadas por um caminhão iam arrecadando prendas e dinheiro no comércio e nas residências. Isso aconteceu no dia 31 de outubro, véspera da Festa da Padroeira daquele ano. No dia da festa houve um leilão de garrotes ganhos dos sitiantes. 
Quando os lustres com pingentes de cristal tcheco-eslovaco com a parte metálica revestida de cristal espanhol foram colocados, a igreja adquiriu mais brilho e esplendor. Mais uma aquisição para valorizar ainda mais o patrimônio artístico da Matriz. 
A imagem de nossa Senhora do Rosário foi restaurada e o terço colocado em suas mãos, segundo Therezinha Possagnollo, com contas de cristal, trabalho que foi elaborado pelo Sr. Sílvio Gallo. 
O Altar Mor, peça central da igreja, foi executado em mármore travertino com filetes de ouro. 
Os púlpitos foram executados em mármore e doados o do lado direito pela Irmandade de São Benedito e o do lado esquerdo pela Pia Associação Santo Antonio. 
Na última fase do acabamento foram feitos os capitéis das colunas, as escadas laterais, finalizada a pintura das paredes laterais, a colocação dos altares, dos púlpitos e da mesa da comunhão. 
A mesa da comunhão foi feita em mármore, nos intervalos vidros trabalhado; ficou belíssima, afirmou Ditinha Rosa. Entretanto, com as mudanças propostas pelo Concílio, ela foi retirada quando era vigário o Pe. Geraldo Gomes. Durval Della Rosa, como mestre de obras, era o responsável pelo pagamento dos profissionais que trabalhavam na reforma, pelo pagamento do material utilizado e pela venda das sucatas. Para isso, Pe. Lavello dava-lhe total autonomia, desde que as notas fossem apresentadas a ele para seus vistos e pareceres. A folha de pagamento era feita por Umberto Pinton, funcionário do Banco de Artur Scatena. 

O MONUMENTO QUE FALA EM SERRA NEGRA 

Monsenhor Mustschele, em um artigo do mês de novembro de 1963, no jornal Correio Popular de Campinas com o título "O Monumento que fala em Serra Negra", enaltece o trabalho artístico que estava sendo realizado na Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Assim começa Monsenhor Mustschele: 
Ver - enxergar - admirar, que cousa admirável! É um dom concedido à criatura e que deve ser bem usado. Sempre que se nos oferece alguma coisa bonita para ver, gostamos depois de contar para outros, para que fiquem sabendo e possam também admirar. Foi o que sentimos quando pela primeira vez visitamos a Matriz de Nossa Senhora do Rosário de Serra Negra, recentemente terminada nas suas radicais reformas.
A Matriz foi reinaugurada no dia 21 de janeiro de 1965 com Missa Solene concelebrada por três sacerdotes acompanhados pelos Coros Santa Cecília e São Luiz que cantaram a Missa Tercia de Haller sob a regência de Antoine Bouthos Darhouni com as vozes de seis sopranos, nove contraltos, três tenores e cinco baixos, um violinista e a organista Henni Hein. 
Graças à colaboração e empenho de todos os paroquianos, a CASA DA SENHORA DO ROSÁRIO encantava a todos. Estava linda e rica! 
Caravanas da capital e de muitas cidades do interior vinham a Serra Negra para conhecer as belezas da Matriz. Pe. João Baptista Lavello faleceu, a Paróquia recebeu e recebe novos párocos que se sucedem com a preocupação constante em deixar sempre bela e digna a Casa da Senhora do Rosário, embora as dificuldade estejam cada vez maiores. (...) 

 

I. NOTAS EXPLICATIVAS DO GERENTE DO BLOG

 

¹  O presente post é constituído de um excerto do livro "Sob a proteção da Senhora do Rosário", São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2016, p. 205-240, acompanhado de algumas imagens selecionadas atuais e contemporâneas dos fatos relatados constantes do capítulo III, intitulado "A Casa da Senhora do Rosário". 
 
²  Num dos vitrais da igreja pode-se ver a assinatura de Nardi:
 
 
 ³ Pode-se ver a assinatura de Enrico Bastiglia no retábulo do Altar Mor, deixado semi-acabado por Nardi, sob os dois anjos do lado direito inferior:
 

 
 
 

II.  NOTA DE AGRADECIMENTO DO GERENTE DO BLOG 

 

Gostaria de agradecer à minha amada esposa Rute Pardini Braga, que tem especial carinho pelo acervo artístico e religioso desta Matriz de Nossa Senhora do Rosário, por sua indispensável contribuição ao formatar as imagens do livro e de outras fontes para abrilhantar este trabalho editorial.

Colaboradora: MARIA INEZ MASARO ALVES

Crédito: jornal O Serrano, de Serra Negra-SP
A escritora, MARIA INEZ MASARO ALVES, é paulista de Andradina. É cidadã italiana por ser descendente de italianos da região do Vêneto, todavia sua cidadania foi concedida pela Comuna de Castelnuovo de Garfagnana, Província de Lucca, região da Toscana. Casada, mãe de cinco filhos, tem oito netos e um bisneto. Professora universitária aposentada, é graduada em Letras, licenciada em Pedagogia, Mestre em Educação e Doutora em Sociologia pela UNICAMP. Reside em Serra Negra desde 2002, onde no ano de 2007 fundou o Círculo de Leitura que se tornou o idealizador e organizador das Feiras do Livro da cidade. 

Pelos serviços prestados à Comunidade nas áreas da educação, benemerência e cultura , em 2009, recebeu o Titulo de Cidadã Serrana outorgado pela Câmara Municipal de Serra Negra. 

Associada da União Brasileira de Escritores - UBE, escreveu em 2009 “Pulseira de Berloques”, livro de contos, quase memória, lançado em sua cidade natal, Andradina, e também na Livraria Cultura de Campinas. 

Em 2010 organizou a “Antologia Andradina - Prosa e Verso” com autores conterrâneos. 


 

 

 

 

 

 

 

 

Em 2012, lançou o livro “Raízes da Ramalhada - Histórias da Serra Negra Rural”, livro de pesquisa enquanto pesquisadora do Centro de Memória da Unicamp. 

Em 2014, juntamente com Rosângela Mendes Simões, organizou a “Antologia Serra Negra”.

Em 2016, lançou o livro “Sob a Proteção da Senhora do Rosário”, resultado da pesquisa sobre a história da primeira Paróquia de Serra Negra, que tem suas origens nas primeiras décadas do século XIX. Trabalho premiado com o Troféu Literatura 2018 pela ZL Editora, na categoria Pesquisa. 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ainda em 2019 apresentou seus trabalhos no V Salão do Livro de New York e do IV Salão do Livro de Portugal, na cidade de Covilhã. 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Participou de várias antologias paulistas escrevendo poesias e contos. Foi premiada no Concurso Cecília Meirelles, na Feira do Livro de Ribeirão Preto com o conto “Convite do Baile”. Com o título” A Borboleta Tatuada” participou da antologia “crônicas para a Liberdade”, comemorativa dos setenta anos de fundação da UBE-União Brasileira de Escritores. 
 
Escreveu em jornais das cidades onde residiu, como Andradina, Umuarama, Amparo e no “O Correio Popular” da cidade de Campinas. Com artigos científicos participou de várias revistas acadêmicas. 

Os livros sempre foram uma de suas paixões. Como leitora voraz, sempre teve o incentivo de seus familiares, especialmente suas irmãs mais velhas e de Cora Coralina, frequentadora assídua de sua casa de infância. Assim tornou-se, ainda criança, frequentadora assídua de livrarias e bibliotecas. Paixão que procura passar para as novas gerações. (...)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A ARTE DE ARMAR BOAS RESPOSTAS

Entrevista concedida por Gilberto Mendonça Teles a Danilo Gomes, publicada no Suplemento Literário de Minas Gerais, nº 569, Belo Horizonte-MG, em 27 de agosto de 1977. Transcrita, mais tarde, em O Popular, Goiânia, aos 18 de setembro do mesmo ano. Publicada, ainda, em Escritores brasileiros ao vivo, por Danilo Gomes, Belo Horizonte, Ed. Comunicação/INL, 1979. In TELES, Gilberto Mendonça: MEMÓRIAS/ENTREVISTAS: O livro das 111 entrevistas  – volume I, 1917, p. 149-152.
Poeta, crítico e professor de literatura, Gilberto Mendonça Teles é um nome em plena ascensão, já consagrado e respeitado. Moço ainda, na casa dos 40 anos, Gilberto é – segundo me diz Bernardo Élis (seu coestaduano), durante um café – um homem dinâmico, madrugador e metódico. 
Recentemente, ele arrebatou o Prêmio Banco Bandeirantes, da Sociedade Amigas da Cultura, de Belo Horizonte, pelo seu livro Arte de Armar, já em segunda edição, pela Imago Editora. A comissão julgadora, composta por Henriqueta Lisboa, Antônio Houaiss e José Geraldo Nogueira Moutinho, afirma, em seu voto: “A firmeza da expressão ressalta da densidade estilística e da secura rítmica, quando se condensam as estrofes e os versos, e apertadamente se juntam as palavras, núcleo fundamental e centralizante desta criação, tornando-se objeto sagrado para o poeta, que de todos os ângulos a observa amorosamente, para dela usufruir os melhores efeitos semânticos e fonológicos. Trabalho de método, consciência e valor, tanto literário como linguístico.
Tornou-se especialista na obra de Carlos Drummond de Andrade, tendo, em 1970, publicado o livro Drummond, a estilística da repetição
Há sete anos encontra-se Gilberto Mendonça Teles no Rio, lecionando Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica e teoria da literatura na Faculdade Santa Úrsula, como titular. Seus vinte anos de criação poética serão comemorados pela José Olympio com a publicação de seus poemas reunidos (seis livros), ainda este ano. 
Nossa conversa realiza-se no saguão do Hotel Nacional, em Brasília, durante um dos intervalos do XI Encontro Nacional de Escritores. Numa sala ao lado, Alceu Amoroso Lima, na lucidez de seus 84 anos, concede uma entrevista coletiva a inúmeros jornalistas – no dia seguinte, o grande crítico e ensaísta iria receber da Fundação Cultural do Distrito Federal o prêmio de 90 mil cruzeiros pelo conjunto de suas obras. 
Mas vamos ao bate-papo com o poeta goiano. 

Gilberto, o que você acha da poesia brasileira de hoje? 

Depois da ênfase no experimentalismo agressivo, chegou-se hoje à ênfase no experimentalismo que eu diria, paradoxalmente, tradicional, isto é, noto que os oito principais livros de poemas dos últimos tempos, de velhos e novos, estão sendo construídos numa direção que tanto pode levar à automatização das formas do discurso, como pode estar conduzindo a poesia brasileira no sentido de um reencontro consigo mesma, querendo dizer, com isto, que eu vejo aí as soluções para a evolução de um discurso poético próprio desta época no Brasil. Parece enigmático e ambíguo, mas você quer coisa mais ambígua e enigmática do que a literatura, que se volta para o exterior sem se esquecer de si mesma? 

O que você chama de experimentalismo agressivo? 

Em 1973, numa conferência na Fundação Cultural do Distrito Federal, durante o Encontro Nacional de Escritores, defendi a ideia de que o modernismo tinha que ser visto, em termos de história literária, como uma permanente vanguarda, cujos pontos de ruptura se situam no ideal de evolução de cada obra e de cada conjunto de obras de seus principais poetas. Esta, para mim, seria uma vanguarda natural. E disse também que a essa vanguarda natural se opunha uma vanguarda provocada e provocante, que é constituída pelos movimentos ditos poesia concreta, poema-processo e outros. Hoje, acrescentaria apenas que isto não deve ser visto separadamente, mas numa dialética em que a primeira vanguarda, a natural, está continuamente gerando a segunda, pois, no momento em que a primeira se automatiza, se torna comum nos seus processos de expressão, a segunda tende a aparecer. Mais cedo ou mais tarde, dependendo, às vezes, de forças exteriores, mas nem por isso distantes do fenômeno literário.

Gilberto Mendonça Teles não quis mencionar poetas, uma vez que os melhores, diz ele, "estão badalados pela imprensa", ou o que ele acha mais certo, "estão escondidos". A crítica de Gilberto Mendonça Teles - ele mesmo o afirma - tem sido da natureza histórica e estilística. Nesse sentido, tem cinco livros publicados: A poesia em Goiás (1964), O conto brasileiro em Goiás (1969), Drummond, a estilística da repetição (1970), Vanguarda europeia e modernismo brasileiro (1972) e Camões e a poesia brasileira (1974). É ele, assim, um sério pesquisador literário. Por isso pergunto-lhe: 

O que acha da pesquisa literária que se executa atualmente em nosso país? 

Acho que se discute muito teorias, às vezes estranhas ao estágio atual de nossa cultura, e se investiga pouco; e – o que é pior – chegou-se a propalar a inocuidade das pesquisas literárias, quando se sabe que o acervo literário brasileiro nem de leve foi ainda bastante explorado. Veja o exemplo do modernismo: o Brasil inteiro repete as conclusões que me parecem totalmente discutíveis, à luz de critérios e documentos novos. 

Traduza isso em miúdos. 

Ainda não foram estudadas as transformações que as várias séries de discursos tiveram, de 1922 aos nossos dias. O que se estuda está sempre em torno da Semana de Arte Moderna, sem que se dê conta de que ela foi apenas uma das forças motivadoras do processo. Quer dizer, para mim, até agora, todos os estudiosos da História Literária Modernista viram de fora e não de dentro. 

Que autores você indicaria para estudos? 

Para mim, isto é muito pessoal. Eu indicaria para meus alunos de Mestrado autores como Augusto Frederico Schmidt, Emílio Moura e Mário Quintana, para citar apenas três modernistas. 

Gilberto, o conhecimento crítico prejudica ou ajuda a criação literária? 

Acho que quanto mais o escritor tem conhecimento dos instrumentos linguísticos e retóricos, tanto mais ele terá possibilidade de associá-los à sua experiência e à cultura em que vive, para extrair daí o que se costuma chamar hoje de originalidade criadora. O mais são nuvens, repetindo Drummond... 

E por falar no menino italiano que foi ser gauche – e grande – na vida, pergunto a Gilberto Mendonça Teles se estaria ele estudando algum aspecto novo da obra do esquivo mago que tanto admiramos. A resposta é pronta

A obra de Drummond, como a de todo grande poeta, é inesgotável para a crítica. Eu, por exemplo, além do livro, do estudo na Seleta e de artigos em jornais, estou desenvolvendo algo relativo a toda sua poesia e que não havia sido bem explorado nos meus trabalhos. No meu próximo livro de ensaios, A retórica do silêncio - I, vou publicar um artigo de cerca de cinquenta páginas, em que procuro ver todos os livros de Drummond em relação a um sistema, que será a própria concepção literária do poeta.

Colaborador: GILBERTO MENDONÇA TELES

Por Francisco José dos Santos Braga


GILBERTO MENDONÇA TELES (Bela Vista de Goiás, 30 de junho de 1931) é um poeta e crítico literário brasileiro, conhecido, tanto pela sua produção poética como pelos seus importantes estudos sobre o modernismo e a vanguarda na poesia, tendo produzido trabalhos de pesquisa que apresentaram em ordem cronológica, inclusive, absolutamente todos os chamados "ismos" europeus e seus respectivos manifestos, desde o final do século XIX até 
os estudiosos e escritores brasileiros do século XX. Por trabalhos como esse, assumiu importante função na difusão das ideias de vanguarda nas letras brasileiras, não possuindo, no entanto, na sua poesia, uma obra que possa caracterizá-lo como vanguardista, no sentido da vanguarda europeia do início do século XX. Na sua Retórica do silêncio (1986), vê-se que, para ele, existem dois tipos de vanguarda: uma natural, que provém do experimentalismo tradicional; outra provocada, que, com os seus manifestos, procura destruir a tradição. 
No poema "Prece", de Arte de armar (1977), Gilberto brinca com essa diferença entre a teoria e a prática: "Ah! Meu anjo bom,/ meu anjo da guarda,/ livrai-me do mal.../ dos maus da vanguarda". 
 
Gilberto formou-se em Direito e Letras Neolatinas pela Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Goiás e em Direito pela UFG, sendo professor-fundador dessas duas universidades. Após isso, concluiu o seu doutorado em Letras e Livre-docente em Literatura Brasileira pela PUC-RS. Nessa mesma época, forma-se como professor de Língua Portuguesa pela Universidade de Coimbra, em Portugal. Gilberto é o ocupante, desde 11 de março de 1962, da cadeira de número 11 da Academia Goiana de Letras, que fora originalmente destinada ao Príncipe da Poesia Goiana, Leo Lynce. Por grata coincidência, o próprio Gilberto Mendonça Teles foi eleito como atual Príncipe dos Poetas Goianos. 
Em 1970 foi contratado como professor titular de Literatura Brasileira e de Teoria da Literatura pela PUC-Rio, da qual se aposentou em 2005 como professor de graduação, embora ainda se mantenha ministrando aulas de pós-graduação na PUC-Rio e Goiás. 
É professor catedrático visitante de literatura brasileira nas universidades de Lisboa, de Haute Bretagne (Rennes) e de Nantes, na França; de Chicago, nos EEUU; e de Salamanca, na Espanha. 
Como poeta e crítico literário pertence a várias instituições especializadas, dentre elas, Société de Linguistique Romane, em Paris; Sociedade de Língua Portuguesa, em Lisboa; Asociación de Estudios Lingüísticos, em Montevidéu; Academia Goiana de Letras (em Goiânia), Academia Brasileira de Filologia, Academia Carioca de Letras e PEN Clube do Brasil (no Rio de Janeiro). 
É também membro da Academia Brasileira de Filosofia, cujo patrono da cadeira é Gustavo Corção. 
Entre os seus prêmios literários contam-se: o “Álvares de Azevedo” [Poesia], da Academia Paulista de Letras, 1971; o “Olavo Bilac” [Poesia], da Academia Brasileira de Letras, 1971; “Sílvio Romero” [Ensaio], da A. B. L., 1971; “IV Centenário de Os Lusíadas” [Literatura Comparada], da Comissão do IV Centenário de Camões, 1972; “Prêmio de Ensaio”, da Fundação Cultural do Distrito Federal, 1973; “Prêmio Banco Bandeirantes, de Minas Gerais, 1976; “Brasília de Poesia”, do XII Encontro Nacional de Escritores, 1978; “Cassiano Ricardo” [Poesia], do Clube de Poesia de São Paulo, 1987; “Machado de Assis” [Conjunto de Obras], da Academia Brasileira de Letras, 1989; “Juca Pato”, da UBE de São Paulo, 2003; “Jabuti”, 2011; e “Fundo de Cultura de Goiás”, 2015. 
A 26 de Novembro de 1987 foi feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique de Portugal. 
Sua vasta produção literária (livros de poesia e de ensaios críticos) o credencia ao título de escritor goiano mais famoso na Europa, tendo os seus livros traduzidos para diversas línguas. 
 
 
No prefácio ao livro Memórias/Entrevistas, o prefaciador Rogério Pereira Borges, jornalista de O Popular, de Goiânia, e professor de Jornalismo na PUC de Goiás, escreve: 
Levar dois 'dedos de prosa' com alguém é um exercício fundamental para nós, humanos. Na conversa, exercitamos algo que nos é fundamental: a linguagem. E, por meio da linguagem, alcançamos o conhecimento. Alcançando o conhecimento, chegamos a outros horizontes. E sobre os novos horizontes podemos conversar com outras pessoas, revalidando esse ciclo virtuoso que embasa o convívio social, que deixa legados e registros para a posteridade, que areja as ideias e impulsiona a criatividade. E uma forma de conversa é a entrevista...
E o próprio Gilberto Mendonça Teles arremata, logo após o citado Prefácio, no seu texto introdutório "Para uma teoria da entrevista": 
A pouco e pouco, a entrevista tende a adquirir seu status de forma dialógica (...) Bakhtin, com a sua concepção de dialogismo, muda o conceito de sujeito, descentralizando-o e vendo-o agora como vozes sociais, como 'sujeito ideológico'. Assim, o sujeito deve ser concebido em relação com a sociedade, com a ética e a estética, visão que revolucionou a análise dos textos literários. (...)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

DONA SINHÁ NEVES, UMA VIDA PARA EXEMPLO!


Por GENTIL PALHARES

 

Acompanhei o cortejo fúnebre de DONA SINHÁ NEVES ¹ — o maior que já vi nesta cidade — com o pensamento no passado. Um passado de 48 anos, quando estaria a veneranda extinta com 39 anos. No atropêlo daquela enorme multidão que seguia o corpo querido, eu fazia, pois, um retrospecto no Tempo. Senti que os insondáveis desígnios do CRIADOR modificaram, lentamente, a contextura da tradicional família, em todos os ângulos da vida, desde quando, meninos, unidos pelos nossos folguedos infantis, abrigávamos sonhos e ideais. Indiscutivelmente todos se projetaram tangidos pela força da inteligência, para que pudessem ser úteis à sociedade, servindo à Pátria. 

Durante a marcha fúnebre eu meditava sobre tudo isso e revi, num relance, o antigo sobrado da rua Direita com suas janelas laterais muito altas, em número de dôze. E dôze seriam os filhos de DONA SINHÁ, daí uma versão, lenda inocente, segundo a qual cada uma daquelas janelas representava um filho. ²

Solar dos Neves contendo 12 janelas e 3 portas
E foi essa ninhada de moços vivendo naquele casarão alegre e feliz, que a estimada JOSINA, velha governanta, ajudara a criar, aliviando os encargos daquela que, agora, seguia ali à minha frente, depois do seu dever cumprido aqui na Terra. 

Mas um dia a JOSINA também partiu para a verdadeira vida e aquela mocidade tôda chorou. 

Eu ia pensando em tudo isso, enquanto o enterro prosseguia a sua marcha, levando naquele caixão muito prêto um coração tão alvo, que passou pelo Mundo serenamente, mansamente, o qual teve alegrias e tristezas, risos e lágrimas, que a vida é mesmo assim... 

Como os pássaros que se emplumam e voam para regiões distantes, os filhos de DONA SINHÁ, na sua totalidade, na luta pela vida, foram deixando, um a um, o seu BERÇO, que fôra, em tempos recuados, um NINHO ruidoso, referto de alegria, de paz e de bênçãos. 

Já o esposo, o chefe da casa, partira desta existência. Já um rebento querido e sempre chorado atingira em cheio o coração materno naquele trágico mergulho para a eternidade ³, que a ampulheta do Tempo já consigna 31 anos! Já um dos filhos, todos ilustres, todos prestantes, fôra destinado por Deus para dirigir o País. Já uma filha, na flor da idade, deixara as tentações do século e se fizera religiosa, fervorosa na sua fé. 

As famílias numerosas, como essa da nossa estima e do nosso acatamento, têm sempre, no LIVRO DA VIDA, página mais longa, formando como que uma perpetuação. E foi assim que, se os filhos partiram para o desempenho digno de seus misteres, na engenharia, na medicina, na cátedra, no Exército, na advocacia, e na vida do claustro, Deus, todavia, enviou a DONA SINHÁ NEVES uma doce consolação: os netos, que vieram enfeitar com a sua mocidade e o perfume de sua alegria uma existência que, por isso, nunca ficou inteiramente vazia. 

Dos galhos, dos ramos, surgiram, pois, as flôres e algumas com os mesmos nomes: Francisco, Tancredo, Roberto e até — bela homenagem — uma JOSINA a nos lembrar, numa evocação das mais gratas, a saudosa governanta! 

O enterro seguia a sua marcha e nós conduzíamos aquela que passou pela Terra 87 anos numa existência exemplar, porque isenta de sentimentos negativos, desprezando as ostentações, as vaidades, as divergências, alheia às contendas. Recebendo de Deus a grande graça de ver um filho CHEFE DE ESTADO, preferiu o anonimato, como que se ocultando, como que fugindo às exteriorizações, aos aparatos naturais da situação. Dentro de uma vida faustosa, foi DONA SINHÁ NEVES uma contemplativa, chegando à humildade! 

À sombra da GRANDE ÁRVORE que plantara, adotara uma norma de vida tôda sua, plasmando uma filosofia de conduta digna de ser imitada, nessa sublime missão de ser espôsa e mãe. Riu e chorou, amou e foi amada. 

O entêrro se abeirava do Campo Santo, depois de tocante cerimônia do Templo Franciscano. Era o final da marcha! 

A noite já vinha descendo, triste, negra, formando um paradoxo das coisas, porque havia, de fato, tristeza nos corações, mas o coração que baixava à garganta de terra era belo e alvo!  

Fonte: jornal Ponte da Cadeia, São João del-Rei, Ano II, 25 de agosto de 1968, nº 64, p. 3 

 

I. NOTAS EXPLICATIVAS POR FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA

  

¹  São João del-Rei, a cidade natal de Antonina de Almeida Neves, conhecida por "Dona Sinhá Neves", homenageia a memória de sua filha ilustre dando seu nome a duas instituições: a) uma Escola de Educação Básica e Profissional, inaugurada em 03/03/1985 e localizada no bairro da Cohab; b) uma Clínica Infantil que faz parte do complexo da Santa Casa da Misericórdia, inaugurada em 1961 e localizada na rua Maria Teresa. 

²  Tancredo de Almeida Neves era o quinto dos 12 filhos do comerciante Francisco de Paula Neves (✰ 1878 ✞ 1922), apelidado "Seu Chiquito", e de Antonina de Almeida Neves (✰ 1881 ✞ 1968), conhecida por "Dona Sinhá". Seus 11 irmãos eram: Octávio, Roberto, Francisco, Maria Josina Neves Resende, Esther, Gastão, Mariana, Paulo, Jorge, Antônio e José.

³  Em 27 de novembro de 1936, quintanistas do Ginásio Santo Antônio faziam uma excursão à Usina de Carandaí quando uma ponte caiu, resultando em muitas mortes e feridos.  
[CINTRA, 1967, 227] descreveu o acontecimento trágico da seguinte forma: "os bacharelandos do Ginásio Santo Antônio de S. João del-Rei, acompanhados pelo Pe. frei Norberto Beaufort, realizavam um passeio à usina hidroelétrica do Rio Carandaí. Postaram-se numa ponte, nas proximidades da usina, pedindo ao citado franciscano que batesse uma fotografia. Após a execução da fotografia, a ponte desabou, perecendo no Rio Carandaí os jovens seguintes: Gastão de Almeida Neves, Humberto Álvares da Silva Campos, Geraldo Castanheira de Carvalho, João de Oliveira Resende, José Darci dos Reis Meireles, José Rivadávia Estêves Guedes e Raimundo Moreira Guimarães.
 
Fonte: CINTRA, Sebastião de Oliveira: Efemérides de São João del-Rei, 2º volume, Juiz de Fora: Ofic. Gráf. da Sociedade Propagadora Esdeva (edição do autor), 1967, 288 páginas 
 
Consta ainda, agora na tradição oral são-joanense, que, após a foto, todos os alunos saltaram sobre a ponte pênsil, o que ocasionou a forte distensão dos cabos ou tirantes que, não suportando o empuxo, romperam-se. Praticamente, todos se feriram no acidente: uns, devido à queda violenta sobre pedras, sete, em razão da fatalidade da morte súbita devido à violência da queda ou afogamento. 
O autor do elogio fúnebre refere-se a esse trágico acontecimento, em que sete ginasianos perderam a vida, entre eles, Gastão de Almeida Neves, filho de Dona Sinhá Neves.