quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A ARTE DE ARMAR BOAS RESPOSTAS

Entrevista concedida por Gilberto Mendonça Teles a Danilo Gomes, publicada no Suplemento Literário de Minas Gerais, nº 569, Belo Horizonte-MG, em 27 de agosto de 1977. Transcrita, mais tarde, em O Popular, Goiânia, aos 18 de setembro do mesmo ano. Publicada, ainda, em Escritores brasileiros ao vivo, por Danilo Gomes, Belo Horizonte, Ed. Comunicação/INL, 1979. In TELES, Gilberto Mendonça: MEMÓRIAS/ENTREVISTAS: O livro das 111 entrevistas  – volume I, 1917, p. 149-152.
Poeta, crítico e professor de literatura, Gilberto Mendonça Teles é um nome em plena ascensão, já consagrado e respeitado. Moço ainda, na casa dos 40 anos, Gilberto é – segundo me diz Bernardo Élis (seu coestaduano), durante um café – um homem dinâmico, madrugador e metódico. 
Recentemente, ele arrebatou o Prêmio Banco Bandeirantes, da Sociedade Amigas da Cultura, de Belo Horizonte, pelo seu livro Arte de Armar, já em segunda edição, pela Imago Editora. A comissão julgadora, composta por Henriqueta Lisboa, Antônio Houaiss e José Geraldo Nogueira Moutinho, afirma, em seu voto: “A firmeza da expressão ressalta da densidade estilística e da secura rítmica, quando se condensam as estrofes e os versos, e apertadamente se juntam as palavras, núcleo fundamental e centralizante desta criação, tornando-se objeto sagrado para o poeta, que de todos os ângulos a observa amorosamente, para dela usufruir os melhores efeitos semânticos e fonológicos. Trabalho de método, consciência e valor, tanto literário como linguístico.
Tornou-se especialista na obra de Carlos Drummond de Andrade, tendo, em 1970, publicado o livro Drummond, a estilística da repetição
Há sete anos encontra-se Gilberto Mendonça Teles no Rio, lecionando Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica e teoria da literatura na Faculdade Santa Úrsula, como titular. Seus vinte anos de criação poética serão comemorados pela José Olympio com a publicação de seus poemas reunidos (seis livros), ainda este ano. 
Nossa conversa realiza-se no saguão do Hotel Nacional, em Brasília, durante um dos intervalos do XI Encontro Nacional de Escritores. Numa sala ao lado, Alceu Amoroso Lima, na lucidez de seus 84 anos, concede uma entrevista coletiva a inúmeros jornalistas – no dia seguinte, o grande crítico e ensaísta iria receber da Fundação Cultural do Distrito Federal o prêmio de 90 mil cruzeiros pelo conjunto de suas obras. 
Mas vamos ao bate-papo com o poeta goiano. 

Gilberto, o que você acha da poesia brasileira de hoje? 

Depois da ênfase no experimentalismo agressivo, chegou-se hoje à ênfase no experimentalismo que eu diria, paradoxalmente, tradicional, isto é, noto que os oito principais livros de poemas dos últimos tempos, de velhos e novos, estão sendo construídos numa direção que tanto pode levar à automatização das formas do discurso, como pode estar conduzindo a poesia brasileira no sentido de um reencontro consigo mesma, querendo dizer, com isto, que eu vejo aí as soluções para a evolução de um discurso poético próprio desta época no Brasil. Parece enigmático e ambíguo, mas você quer coisa mais ambígua e enigmática do que a literatura, que se volta para o exterior sem se esquecer de si mesma? 

O que você chama de experimentalismo agressivo? 

Em 1973, numa conferência na Fundação Cultural do Distrito Federal, durante o Encontro Nacional de Escritores, defendi a ideia de que o modernismo tinha que ser visto, em termos de história literária, como uma permanente vanguarda, cujos pontos de ruptura se situam no ideal de evolução de cada obra e de cada conjunto de obras de seus principais poetas. Esta, para mim, seria uma vanguarda natural. E disse também que a essa vanguarda natural se opunha uma vanguarda provocada e provocante, que é constituída pelos movimentos ditos poesia concreta, poema-processo e outros. Hoje, acrescentaria apenas que isto não deve ser visto separadamente, mas numa dialética em que a primeira vanguarda, a natural, está continuamente gerando a segunda, pois, no momento em que a primeira se automatiza, se torna comum nos seus processos de expressão, a segunda tende a aparecer. Mais cedo ou mais tarde, dependendo, às vezes, de forças exteriores, mas nem por isso distantes do fenômeno literário.

Gilberto Mendonça Teles não quis mencionar poetas, uma vez que os melhores, diz ele, "estão badalados pela imprensa", ou o que ele acha mais certo, "estão escondidos". A crítica de Gilberto Mendonça Teles - ele mesmo o afirma - tem sido da natureza histórica e estilística. Nesse sentido, tem cinco livros publicados: A poesia em Goiás (1964), O conto brasileiro em Goiás (1969), Drummond, a estilística da repetição (1970), Vanguarda europeia e modernismo brasileiro (1972) e Camões e a poesia brasileira (1974). É ele, assim, um sério pesquisador literário. Por isso pergunto-lhe: 

O que acha da pesquisa literária que se executa atualmente em nosso país? 

Acho que se discute muito teorias, às vezes estranhas ao estágio atual de nossa cultura, e se investiga pouco; e – o que é pior – chegou-se a propalar a inocuidade das pesquisas literárias, quando se sabe que o acervo literário brasileiro nem de leve foi ainda bastante explorado. Veja o exemplo do modernismo: o Brasil inteiro repete as conclusões que me parecem totalmente discutíveis, à luz de critérios e documentos novos. 

Traduza isso em miúdos. 

Ainda não foram estudadas as transformações que as várias séries de discursos tiveram, de 1922 aos nossos dias. O que se estuda está sempre em torno da Semana de Arte Moderna, sem que se dê conta de que ela foi apenas uma das forças motivadoras do processo. Quer dizer, para mim, até agora, todos os estudiosos da História Literária Modernista viram de fora e não de dentro. 

Que autores você indicaria para estudos? 

Para mim, isto é muito pessoal. Eu indicaria para meus alunos de Mestrado autores como Augusto Frederico Schmidt, Emílio Moura e Mário Quintana, para citar apenas três modernistas. 

Gilberto, o conhecimento crítico prejudica ou ajuda a criação literária? 

Acho que quanto mais o escritor tem conhecimento dos instrumentos linguísticos e retóricos, tanto mais ele terá possibilidade de associá-los à sua experiência e à cultura em que vive, para extrair daí o que se costuma chamar hoje de originalidade criadora. O mais são nuvens, repetindo Drummond... 

E por falar no menino italiano que foi ser gauche – e grande – na vida, pergunto a Gilberto Mendonça Teles se estaria ele estudando algum aspecto novo da obra do esquivo mago que tanto admiramos. A resposta é pronta

A obra de Drummond, como a de todo grande poeta, é inesgotável para a crítica. Eu, por exemplo, além do livro, do estudo na Seleta e de artigos em jornais, estou desenvolvendo algo relativo a toda sua poesia e que não havia sido bem explorado nos meus trabalhos. No meu próximo livro de ensaios, A retórica do silêncio - I, vou publicar um artigo de cerca de cinquenta páginas, em que procuro ver todos os livros de Drummond em relação a um sistema, que será a própria concepção literária do poeta.

5 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

É com enorme satisfação que o Blog de São João del-Rei dá as boas vindas a GILBERTO MENDONÇA TELES, autor goiano de nomeada que dispensa apresentação. Embora isso seja verdadeiro, entretanto, para não prejudicar o formato desse blog, será também apresentada uma breve notícia sobre o autor, como se costuma fazer com todo novo colaborador.
Para inaugurar nessa sua primeira participação, achei por bem escolher uma entrevista ao cronista Danilo Gomes em 1977, em que o entrevistado dá um amplo panorama de suas pesquisas que ele expanda nos livros Arte de Armar (1977) e Retórica do silêncio (1986).

Entrevista de Gilberto Mendonça Teles a Danilo Gomes: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/01/a-arte-de-armar-boas-respostas.html

Breve biografia do entrevistado: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/01/colaborador-gilberto-mendonca-teles.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Prezado Braga, é bom reler esta entrevista de Gilberto Mendonça Teles, um dos mais lúcidos ensaístas e críticos que pude ler. Sua obra, inclusive a poética, merece ser revisitada. Entendo como presente de seu blog esta entrevista a Danilo Gomes. Abraço amigo para você e Rute. Fernando Teixeira

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Prezado mestre Braga,
Boa noite!
Gilberto Mendonça Teles é um dos poucos que sobraram da seleta plêiade de críticos literários brasileiros.
O Brasil está cada vez mais se empobrecendo culturalmente, pois os grandes homens são poucos e estão se despedindo desta vida transitória. Uma onda avassaladora de qualidades duvidosas invade as universidades,
onde deveriam fincar os postes contendo luzes que não se apagam. O grande e experiente poeta e crítico terá muito a nos ensinar. Parabéns!

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Essa entrevista proporciona uma "mini aula" de teoria literária e lança uma outra questão; o que estará pensando hoje o entrevistado, após 45 anos de tamanhas mudanças no País e prestes ao centenário da Semana de Arte Moderna que nos convida à sua reavaliação.
Muitíssimo grato.
Cumprimentos
Cupertino

Pe. Sílvio Firmo do Nascimento (professor, escritor e editor da Revista Saberes Interdisciplinares da UNIPTAN e membro da Academia de Letras de SJDR) disse...

Gratidão pela remessa das matérias contidas no Blogspot 2021/01.