quinta-feira, 25 de abril de 2019

MÉDICOS MINEIROS ESTIVERAM NOS CAMPOS DE BATALHA DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL


Por Arnaldo Viana



Missão médica brasileira enviada para a França durante o conflito contou com profissionais da Faculdade de Medicina (hoje da UFMG), que se destacaram em procedimentos cirúrgicos. (Matéria publicada em 02/08/2014 pelo jornal ESTADO DE MINAS)



Eduardo Borges da Costa, chefe da missão, à esquerda do governador Delfim Moreira (de terno). 
Atrás, José Camilo de Castro Silva e, à direita, Luiz Adelmo Lodi
(Foto: Centro de Memória de Medicina de MG/Divulgação)
Há exatos 100 anos, tropas de grandes potências do planeta, denominadas de forças aliadas, enfrentavam outra aliança, formada por Áustria-Hungria e Alemanha, no conflito conhecido como Primeira Guerra Mundial. Mais de 9 milhões de pessoas morreram em combate e tantos outros milhões sobreviveram aos ferimentos graças ao empenho dos aliados que, além de soldados armados, enviaram equipes médicas para trabalhar atrás das linhas de fogo.

Nas comemorações do centenário da vitória aliada sobre a Alemanha e a Áustria-Hungria, festeja-se também a marcante presença da missão médica brasileira nos últimos meses do conflito, da qual fazia parte um grupo de profissionais enviado pela então Faculdade de Medicina de Minas Gerais (hoje Faculdade de Medicina da UFMG). Os mineiros, sob o comando do doutor Eduardo Borges da Costa, se destacaram, principalmente em procedimentos cirúrgicos. E as façanhas desses homens estão bem guardadas e documentadas. 

Antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, conflito de origens não muito claras, que envolviam questões econômicas, culturais e territoriais, a Itália era aliada da Alemanha e do Império Austro-Húngaro. Quando a luta começou, os italianos pularam fora e se juntaram às forças aliadas. O Brasil tentou não se envolver, respaldado pela Convenção de Haia, e declarou neutralidade. O governo não se mexeu nem mesmo ao ver o navio mercante Paraná atacado por submarino alemão, com morte de três brasileiros. 

O povo, indignado, foi às ruas. As manifestações, tais quais às de junho de 2013, começaram pacíficas e depois se tornaram violentas, com depredação de propriedade de alemães no país. Houve até uma greve geral. A confusão aumentou quando grupos políticos contrários à entrada do país na guerra também começaram a se manifestar publicamente. Venceram os que queriam ir à luta e, em 11 de abril de 1917, o Brasil rompeu relações diplomáticas com o bloco germânico e, em 26 de outubro do mesmo ano, assinou a declaração de guerra. 

Houve outros ataques a navios brasileiros e, em apoio às forças aliadas, o país ficou responsável pelo patrulhamento do Atlântico sul. E, em vez de enviar tropa e armas para reforçar os 70 milhões de soldados que combatiam na Europa, decidiu mandar a campo missões médicas para curar os feridos em batalha. E no fim de 1917 embarcou o primeiro grupo de 96 profissionais, incluindo farmacêuticos, para hospitais da França, país que sofria assédio violento das tropas do bloco germânico. 

Em 1918, começou a ser formada a segunda missão. A Faculdade de Medicina de Minas Gerais se omitiu e em 2 de julho decidiu formar uma equipe, capitaneada pelo doutor Eduardo Borges da Costa, para se juntar ao grupo de 92 profissionais, comandados por Nabuco Gouveia, que embarcou em navio no Rio de Janeiro em 18 de agosto de 1918 e, em 24 de setembro, chegou ao porto de Marselha.


O grupo passeia por área de Paris devastada pela guerra em um dos raros momentos 
permitidos pelo trabalho no improvisado Hôpital Brésilien  
(Foto: Centro de Memória de Medicina de MG/Divulgação)
A viagem de 36 dias não foi tranquila. A missão deixou o Brasil assolado pela gripe espanhola, que matou, entre outras pessoas, o presidente Rodrigues Alves, pouco tempo depois de tomar posse. O vírus estava espalhado por quase todo o mundo e, evidentemente, também embarcou no navio e estava presente na França. E, além de tratar dos feridos de guerra, os médicos brasileiros tiveram de cuidar de enfermos vítimas da epidemia. 

ORGULHO ACADÊMICO 
 

Nomes, fotos e parte do equipamento usado pelos médicos mineiros na França fazem parte do acervo do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, unidade da Faculdade de Medicina de Minas Gerais. São mais que um troféu. São motivo de orgulho de toda a comunidade médica. Além de participar de um momento histórico do país, a façanha do grupo chefiado por Eduardo Borges da Costa foi importante instrumento de afirmação para a faculdade.

Homenagem aos mineiros que foram à guerra  
(Foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)
No início do século passado, só havia três escolas da medicina no país: no Rio de Janeiro, na Bahia e no Rio Grande do Sul. Quando um grupo de 13 profissionais, entre os quais Eduardo Borges da Costa e Alfredo Balena, decidiu fundar uma faculdade em Minas, houve forte reação contrária dos cariocas. Chegaram a publicar um artigo no jornal A notícia, do Rio, sob o título “Basta de doutores”. Isso instigou ainda mais os mineiros e em março de 1911, nascia a Faculdade de Medicina de Minas Gerais. 

Neste ano do centenário da Primeira Guerra Mundial, o tema das conversa na instigante sala de recepção do Centro de Memória, repleta de retratos, registros, quadros referentes à história acadêmica da faculdade, não poderia ser outro a não ser a aventura da missão médica mineira. Invariavelmente à mesa, o professor de clínicas médicas e diretor da unidade, João Amílcar Salgado, que, orgulhoso, conta: “Os europeus diziam que nossos médicos operavam com uma velocidade e elegância que eles não conheciam”.

Mural no Centro de Memória traz mais detalhes da participação dos mineiros na primeira grande guerra(Foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)
Para Ajax Pinto Ferreira, professor de cirurgia e coordenador do centro, a missão médica mineira reafirmou um compromisso da faculdade de estar sempre presente nos momentos em que o país precise de serviços médicos. O angiologista Márcio de Castro Silva é um dos entusiastas da divulgação do trabalho dos mineiros na guerra. E se emociona em lembrar que o tio, José Camilo de Castro Silva, integrou o grupo. 

Os profissionais brasileiros se espalharam por províncias francesas durante a guerra. Parte dos mineiros ficou em Paris, no hospital improvisado em um convento jesuíta. Borges da Costa atuou como braço direito de Nabuco Gouveia. A guerra terminou em 11 de novembro de 1918, mas a missão médica brasileira só foi oficialmente desfeita em fevereiro de 1919. Alguns profissionais ficaram por mais tempo na França e outros foram para outros países, inclusive da África. 

MÉDICOS COM PATENTE MILITAR 

Os integrantes da missão levaram para a França apenas seus jalecos e instrumentos de trabalho. Mesmo assim, trabalharam fardados e com patente de oficial. Antes do embarque do grupo para a França, a faculdade deliberou em reunião de conselho, com ata específica, fazer uma solenidade de despedida, na qual foi servido um lanche, regado a champanhe. A missão mineira foi formada por Eduardo Borges da Costa (tenente-coronel), Renato Machado (capitão), Abel Tavares de Lacerda (capitão), José Camilo de Castro Silva (tenente), Salomão de Vasconcellos (1º tenente), Luiz Adelmo Lodi (2º tenente) e Manoel Taurino do Carmo (2º tenente). 

LINHA DO TEMPO 

1914 – Em 28 de julho começa a Primeira Guerra Mundial, com a invasão da Sérvia pelo Império Austro-Húngaro, que formava aliança com Alemanha 

1914 – Em 4 de agosto, o Brasil declara neutralidade diante do conflito, respaldado pela Convenção de Haia 

1917 – O vapor brasileiro Paraná, carregado de café, é afundado por submarino alemão na costa francesa 

1917 – Em 11 de abril, depois de pressões populares e políticas, o Brasil rompe relações diplomáticas com o bloco germânico e tem outros navios atacados 

1917 – Em 26 de outubro, o Brasil declara guerra à aliança Alemanha e Império Austro-Húngaro 

1918 – Em 2 de julho, a Faculdade de Medicina de BH (hoje Escola de Medicina da UFMG) decide se juntar à missão médica brasileira que iria prestar serviço às forças aliadas na Europa 

1918 – Em 18 de agosto, 96 médicos, entre os quais os mineiros, embarcam rumo a França para se juntar aos 96 profissionais de saúde brasileiros que desde o ano anterior já estavam na Europa. Em 11 de novembro a guerra acabou

AGRADECIMENTO 


FRANCISCO OLIVEIRA, pesquisador e autor barbacenense, residindo atualmente em Belo Horizonte, tendo lido o artigo "NÓS TAMBÉM TEMOS HERÓIS", por Maria Tereza Mendes, publicado pelo Blog de São João del-Rei, escreveu-me o seguinte e-mail: 
"Xará, muito interessante o artigo sobre a participação de equipe médica brasileira na 1ª guerra. Estou enviando uma reportagem do ESTADO DE MINAS sobre a participação de médicos mineiros naquela equipe. Um grande abraço, 
Francisco.
Foi uma surpresa para mim constatar que, entre os heróis brasileiros de 1918, havia médicos mineiros na Missão Médica Militar Brasileira participando daquela ajuda do Brasil para o esforço de guerra voltada à causa humanitária.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

NÓS TAMBÉM TEMOS HERÓIS


Por Maria Tereza Mendes



Quando uma amiga francesa me disse que tinha visto uma placa alusiva à participação dos brasileiros na Primeira Guerra Mundial no jardim do Hôpital de Vaugirard em Paris, franzi a testa e a corrigi com um sorriso condescendente: “Segunda Guerra”. Ela me sorriu de volta: “Não, Primeira. Me lembro de ter visto as datas 1914-1918. Tenho certeza.” 

Oi??!!! Como assim? Nós não participamos da Primeira Guerra Mundial!!! Ou participamos?? Vasculhei todos os cantos da minha memória procurando uma referência sobre isso e não encontrei nenhuma. Só encontrei o sorriso dela de certeza absoluta. Constrangida com minha ignorância, me fingi de morta mas registrei mentalmente que ia checar aquela informação. 

Foi assim que desci na estação de metrô Convention (linha 12) e fui caminhando pela rue Vaugirad em direção à Porte de Versailles. Cinco minutos de caminhada e cheguei ao Jardim do Hôpital de Vaugirard. O lugar é um pequeno oásis verde com uma longa alameda ladeada por gramados verdinhos, muitos bancos e árvores. Flanei pelo lugar à procura da placa e depois de alguns minutos eu a encontrei. Sim, lá estava ela. Meu francês é bem meia-boca mas deu pra entender o que estava escrito: “Aqui se ergueu o hospital franco-brasileiro dos feridos de guerra criado e mantido pela colônia brasileira de Paris como contribuição na causa aliada (1914-1918). Placa inaugurada por ocasião do 80° aniversário da presença da Missão Médica Especial Brasileira.” 

Gelei. Uma Missão Médica Brasileira na França na Primeira Guerra Mundial? Como eu nunca ouvi falar sobre isso?!!!! Como é que eu conheço toda a história do American Field Service, uma organização voluntária de norte-americanos para tratar os feridos durante a Primeira Guerra e nunca sequer ouvi falar de uma Missão Médica do meu próprio país???!!!! Imperdoável!!! Com a ajuda do meu incansável amigo Google, sentei em um dos bancos e pesquisei sobre o assunto. Descobri uma história fantástica de coragem, sacrifício e competência quando um navio brasileiro (La Plata) saiu do porto do Rio de Janeiro em 1918, iniciando uma viagem que seria, difícil, perigosa e trágica. 

O perigo rondava os mares com a presença dos famigerados U-boats alemães, submarinos de alta tecnologia que afundavam qualquer barco (política da Guerra Submarina Irrestrita) militar, mercante ou de passageiros, mesmo de países neutros. Inicialmente neutro, o Brasil só se declarou em estado de guerra em outubro de 1917 posicionando-se com os Aliados (EUA, França, Grã-Bretanha) por ter tido vários navios mercantes civis brasileiros afundados pelos alemães. Sem uma marinha ou exército preparado para conflitos da envergadura de potências belicosas como Alemanha, Rússia, EUA e Grã-Bretanha, a ajuda do Brasil para o esforço de guerra foi muito mais voltada à causa humanitária. É aí que entra a Missão Médica Militar Brasileira (MMMB). O La Plata levava a bordo 168 brasileiros entre médicos, cirurgiões, enfermeiros e farmacêuticos voluntariados para a missão, além de alguns oficiais da marinha e exército, cujo objetivo era chegar a Marsellha e de lá seguir para Paris para instalar e operar um hospital com capacidade para 500 leitos para cuidar dos feridos da guerra. 

Os franceses cederam o belo prédio de um antigo convento jesuíta na rue Vaugirard e o hospital brasileiro foi instalado ali recebendo principalmente soldados franceses classificados como “grandes feridos”. Quando a Guerra terminou no final de 1918, o hospital, considerado pelos franceses como de ponta, ainda funcionou até 1919 atendendo a população civil francesa que ainda lutava contra a pandemia da gripe espanhola que varreu a Europa naquele ano. Com a desmobilização do hospital militar, alguns médicos foram convidados a permanecer na França, mas a maioria retornou ao Brasil. 

Os franceses jamais se esqueceram desse ato fraterno dos brasileiros e ali estava eu diante da prova, em frente àquela placa. Fiquei envergonhada por desconhecer essa história, que é muito mais emocionante do que vcs possam imaginar. Fiquei pensando: Pq não nos falam sobre isso na escola? Pq escondem de nós os nossos heróis? Pq nos autodenominamos “terra do samba e futebol” quando somos tão mais que isso? 

Estou escrevendo esse post por duas razões: a primeira é para mostrar como os franceses são gratos por nossa ajuda; a segunda é para desafiar vc a ir além da nossa mediocridade escolar. Se estiver em Paris, visite o Jardin Hôpital Vaugirard (metrô Convention), mas antes, para dar significado à sua visita, conheça essa história em detalhes em http://www.revistanavigator.com.br/navig20/art/N20_art2.pdf e também no livro “O Brasil na Primeira Guerra” de Carlos Darós (ed. Contexto). 

Sim, nós também temos nossos heróis... e não são aqueles q jogam bola ou participam de reality shows.




A imagem pode conter: árvore, grama, atividades ao ar livre e natureza

Esse depoimento foi publicado na página da Rede Social – Facebook da Maria Tereza Mendes em 19/05/2018.



CRÉDITO  PELO  ENVIO  DA  MATÉRIA


Agradeço ao Dr. Mário Pellegrini Cupello, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, de Valença-RJ, pelo envio da presente matéria com a sugestão de publicação no Blog de São João del-Rei, que imediatamente acolhi, em razão de ser uma página que valoriza os heróis anônimos do Brasil, que são tantos, e trazer o fato histórico às lentes do pesquisadores e historiadores que se interessam pelo assunto.

domingo, 21 de abril de 2019

POEMAS SELETOS DE "INFINITO INSTANTE"


Por  JOSÉ  CIMINO



UTOPIA


Vejo o sonho da pátria livre
subindo as ladeiras empinadas
de Vila Rica.
Sombras se esquivam pelas esquinas
na penumbra da lua.
A antevisão de um país soberano e forte
crepita nas mentes visionárias.
No silêncio das quebradas coloniais
maquinações ecoam.

Liberdade
é a ilusão fortemente almejada.

Um dia sem sol,
não seria a lenta agonia da Terra?
Uma veia sem o ritmo do sangue batendo,
não seria o doloroso elanguescer da vida?
Um pássaro sem asas,
não seria a fatalidade de viver ao rés do chão?
Uma voz sufocada na garganta,
não seria a tortura da mudez imposta?

Assim é um povo enclausurado
no círculo de ferro da dominação.

Assim é um povo
de mãos e pés acorrentados,
de olhos voltados para o chão,
privado das linhas
que lhe definem o contorno de uma pátria.
Os dias e as horas de Vila Rica
arrastam os sonhos
que bordaram nossa História
com as cores do Ouro Preto.

Nas noites silenciosas,
segredos serpeiam pelos meandros da urbe
e os cofres os escondem a sete chaves.

As inconfidências circulam
nos labirintos da trama.

Ó sonhos de Minas,
irrompendo na aurora do Brasil-nação.

Altiva pomba da liberdade,
não saias ao claro,
que a cartucheira te aguarda
com certeiro tiro.

Um sopro rubro de traição
arrancou a pomba de seu ninho.
E abatida foi
muito antes do voo chegar ao zênite.

Emudeceram-se as vozes.
Os algozes ceifaram cabeças.

O pranto desceu dos olhos de Minas,
e até hoje suas gotas regam
as lavouras dos ideais libertários.
Teus ideais, ó Alferes,
são glória nativa destas montanhas.
Para ti,
os que florescemos neste alvorecer de milênio,
já somos o remoto futuro.
Mas a utopia de sermos o pombo livre
lá de longe ainda nos acena.

Tempos passados,
ainda vivos,
as verdades inconfidentes
nos ouvidos transeuntes
sussurram.
A História olha pelas janelas
e os lampiões dependurados
guardam na memória
os murmúrios das falas escondidas.


LIBERDADE 


Serás, tu, liberdade, uma luz etérea
perdida no imenso espaço
que minha vista não alcança?

Serás, porventura, a esfinge da felicidade
olhando impassível a humanidade
a caminhar no deserto do mundo?

Ou serás apenas a lâmpada do sonho,
que cada um trazemos às mãos,
mas que nenhum Aladim consegue acordar?

Percebo, agora, que essa luz está em mim
e que o sonho sou eu próprio,
mas quando eu acender essa chama
e quando despertar esse sonho de sua letargia,
a esfinge vai se levantar
e o deserto florir.


PÁTRIA MINHA 


Pátria minha
do ouro branco,
do ouro preto
e do ouro da cor do meu ideal.

Pátria minha
do pau-brasil,
do café,
da cana-de-açúcar,
do coco-da-bahia,
do cacau e do milho,
do arroz e do feijão.

Pátria minha,
do minério,
do diamante,
das esmeraldas
e de mil e uma pedras preciosas,
lapidadas em sonhos.

Pátria minha,
das vastas florestas,
dos vultosos rios,
serras e vales
e de terras que Ceres abençoou.

Se tão rica és,
ó Pátria minha,
por que nem de ouro
nem de prata são teus dias?
Por que tuas auroras amortalhadas?
Por que teus montes pelados
gemem no assobio dos ventos?
Por que deixam rasgar-te o ventre
e a serpente dos comboios
a riqueza do teu povo
para outras plagas levar?

Por que a corrente da usura
os teus pés ata
e põe freio à tua caminhada?
Pátria minha,
desperta,
pois teu presente é o agora
das gerações que vivem
sob o sol do novo tempo.
Mas, se nele tropeças,
o desejo de ver-te grande e soberana
o vento do tempo
para cada vez mais longe o arrasta
e quimera vira.


DESCONCERTO 


Roda gigante de minério-economês
sufoca a raiz dos ideais. Sobre a lousa
dos patriotas pousam coroas de cravos
e a Nação ostenta um rosto frio e pálido.

O horizonte é fechado e obtuso.
Um vento corrosivo talha a verde planta.
O ímpeto alado de ousadas aves
maça na fonte os anseios do homem ético.

O povo é tesouro soterrado. Dores
impostas do alto descem e os que beijam
o Pendão de outras terras suas entranhas
alienam na arena do festim global.

No campo e na cidade, donos do poder
costuram a política de linhas tortas.
Baixa sobre a Pátria a sombra do desânimo,
que imêmore vive à margem da sua história.


TIA INÊS


1940...
Uma voz antiga
fala macio e terno
no tosco casebre.

Vem da selva da liberdade degolada
da terra de Santa Cruz,
de Senhores rangendo dentes,
de chicotes oblíquos,
de vendaval varrendo o amor negro.

Ó Inês,
flor escura em dia claro
no jardim da minha infância,
que de ternura teu avantajado corpo inspira!
As dores lembradas do tronco
não te acendem o ódio,
que teu espírito já habita a esfera do divino.

1940...
O corpanzil de Inês
chega ao 105º degrau
de seu tempo na Terra.

Olhos grandes
de reluzentes jabuticabas,
vivos, quase hipnotizantes,
vogam no rosto redondo.

Um nariz achatado
de fartas narículas,
sobre os grossos lábios.

Dois cachos de uvas pretas
os seios pendem.

Os ombros oscilam
no andar lento
e pelo chão os chinelos chiam.

O tempo parou
na memória de Inês
que em ordem a corrente dos fatos
com perfeição desfaz.

Crianças felizes de nada fazer
íamos a sua casa ouvir histórias.

O vermelho da lamparina
doura os toscos móveis.
A chama bruxuleia.
Elfos fantasmagóricos,
em ritmo lúgubre,
dançam na parede ao fundo.

Concentrada como estátua,
Inês as formas do outro século
para nós desenha.

Oh! Deixem que Inês passe:
ela conhece os segredos
do fubá de fazer cubo.

Deixem que Inês passe:
é ela que torra o café.

Deixem que Inês passe:
ela soca o arroz no pilão.

Deixem que Inês passe:
ela engoma a roupa alva.

Deixem que Inês passe:
É artista do tear.

Deixem que Inês passe:
ela faz o melado
e o arroz doce com folhas de laranjeira,
adoçado com rapadura.

Numa noite quieta,
Inês morreu.
A vida a trouxe,
a vida a levou.
De relíquia, restaram as lembranças.
Marcas suaves
do raiar do dia da existência.


Nota: Inês, que viveu em Desterro do Melo e que as crianças da época tratavam por Tia Inês, foi uma ex-escrava. Todos a veneravam como relíquia viva de tempos longínquos.


O TEMPO


Onde está o tempo?
Na gota d'água
que vai no caudal do rio
ou na vegetação da margem
que assiste ao rio passar?
Onde o tempo?
Nas cãs que prateiam a cabeça do ancião
ou no sorriso esperançoso da criança?
Onde o tempo?
Perdido na ciranda dos astros
ou guardado na pequenez do átomo?
Onde o tempo?
Na translação
ou na rotação da terra?
Onde o tempo?
Na flor que fenece?
Na nuvem que se esvai?
No cometa que passa?
Na estrela cadente?
Na chama que se apaga?
Na vida que morre?

Mas tempo em marcha lenta ou célere,
tempos nublados ou ensolarados,
tempos tristes ou alegres,
tempos inúteis ou fecundos,
são criações do espírito,
se grande ou pequeno.

Tempo,
viagem de só ir,
saudade.
Tempo: saudade?
Saudade não é verbo
mas se conjuga no imperfeito:
era, amava, sorria.

O pretérito perfeito
tombou definitivamente morto.

O imperfeito é presença-ausência dos fatos
póstumos.
Espinho que ferroa a alma,
passado meio vida e meio morte,
o inquietante tormento.
A chama de Cronos
as lembranças suscita,
atrizes redivivas
de drama imaginário,
de repente soerguidas do Hades.
Incansavelmente
vou subindo e descendo a montanha,
a carregar o fardo da vida,
olhando o que me espera
e revivendo o que já não é.
Seria também o meu destino
a condição de Sísifo?

O olhar retrospectivo
faz renascer a dor e a alegria.

Entretanto, nenhuma será como fora,
nem tal qual eu sentira.

A memória é uma peregrina viageira
na direção do nada,
porque o que se vive
ou se viveu
passa
e passando,
finda.
São vozes,
rostos, sentimentos e lugares.
São obras, guerras,
construções e ruínas,
gente em frenético vaivém,
sons e ecos que se congelaram
em efêmeras páginas.

Inevitável medida do devir
pelo ser-tempo do homem,
só ele lhe rompe a planura,
pois do deserto
faz primaveras;
pássaro pairando no alto,
o longínquo descortina;
cavalga o dorso das ondas,
em suas mãos,
cinzas viram sementes,
ponteia a rotina de estrelas,
livre, singra pelo imenso éter.
Hércules pigmeu,
soergue para o alto
o peso que o arrasta para o chão.
Caminha no rumo por ele próprio eleito,
doridamente consciente do não-retorno.

Só ele é tempo.
Fora dele,
o que há
é um agora do ser fluindo
sempre para o novo.
Ou não seria
também ele,
um "instante"
passageiro do imenso comboio
da evolução do cosmos?


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 


CIMINO, José: INFINITO INSTANTE, Belo Horizonte: Edições AMEF, 2001, 158 p.

Colaborador : JOSÉ CIMINO


Por Francisco José dos Santos Braga


Crédito das fotos: Rute Pardini Braga
JOSÉ CIMINO nasceu em Desterro de Melo, MG. Com uma vida dedicada ao magistério, foi professor de filosofia no ensino superior, principalmente na Faculdade Dom Bosco de São João del-Rei e na Fundação de Ensino Superior de Rio Verde (Fesurv), Goiás, com rápida passagem pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) de Barbacena. Admitido no Serviço Público Federal, por concurso, foi Assessor para Assuntos Educacionais do MEC, Diretor da Escola Agrotécnica Federal de Rio Verde, onde recebeu o título de Cidadão Honorário Rioverdense. 
A partir de 1992, fixou residência em Barbacena, onde, em 1997, fundou a Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos-AMEF, da qual é seu atual presidente. 

Seu livro "INFINITO INSTANTE" é composto de três partes bem distintas: 
1) Meu Ser no Mundo, donde tirei "Tia Inês" (p. 24-26)
2) Marcas Humanas, de que extraí os poemas "Utopia" (p. 102-3), "Liberdade" (p. 99), "Pátria Minha" (p. 107-8) e "Desconcerto" (p. 109)
3) Mundividência, da qual retirei o poema "O Tempo" (p. 137-139), com o qual o livro "Infinito Instante" e o post com os poemas seletos se encerram.

Foto durante evento comemorativo dos 108 anos de Plínio Alvarenga, fundadador da Academia Barbacenense de Letras-ABL. Da esq. p/ dir.: José Cimino e Francisco Braga. Da dir. p/ esq.: presidente da ABL, Mário Celso Rios e Rute Pardini Braga.

Para o autor dos poemas, José Cimino, "Infinito Instante (meio poesia e meio metafísica) foi escrito aos poucos, à margem do rio da alegria, tentando ver o encoberto. (...) O encoberto revelado é meu modo de ver o mundo e as coisas. Infinito Instante vem compartilhar com o leitor uma nesga daquilo que é o caleidoscópio da visão de mundo. Está dividido em três partes: A primeira, Meu Ser no Mundo, enfoca lembranças e fatos vivenciados e ainda nítidos na memória, no que toca a pessoas e detalhes aparentemente banais da vida cotidiana, principalmente o impacto causado por aquilo que ela tem de essencial. Na segunda, Marcas Humanas, põe-se em destaque o momento em que se vive, com sua problemática existencial e ética, procurando-se dar um cunho lírico e concomitantemente crítico às questões abordadas. A última, Mundividência, inclui poemas de cunho mais especificamente filosófico. (...)"

A ideia da capa do livro "Instante Infinito" sugere a transmutação de um botão de rosa numa rosa plenamente desabrochada, segundo o autor, deve a Edson Brandão; igualmente dá crédito ao Prof. Mário Celso Rios por observações e críticas construtivas durante a preparação do livro.

Capa do livro "Infinito Instante" de J. Cimino
Com a temática da metamorfose do botão em rosa, a capa nos leva a Barbacena, no sopé da Mantiqueira, cidade das rosas, centro cultural de grande importância em Minas Gerais, terra natal de Honório Armond, considerado o "Príncipe dos Poetas Mineiros" (escolhido numa eleição realizada por um jornal de Belo Horizonte, pleito que teve à frente o poeta Carlos Drummond de Andrade), e do poeta satírico Padre Mestre Correia de Almeida.

No Preâmbulo do livro, J. Cimino presta uma "homenagem à cidade em que atualmente vive e onde foi fundada a Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos - AMEF, em 06 de junho de 1997", espécie de dedicatória do livro a Barbacena, cidade que viu a obra nascer. Então, o eu lírico do poeta levou-o a inspirar-se no panorama privilegiado barbacenense para compor o poema "Barbacena" (p. 19), do qual retiro os seguintes versos: "Por sobre as montanhas / a gente espia longe / e estende as mãos / para buscar o futuro além das nuvens."

O Blog do Fernando Augusto da Cunha, em Aracaju-SE, reproduziu o que foi publicado pelo Jornal Folha do Sudoeste, ou seja, um registro histórico a respeito da comemoração do 35º aniversário da Escola Agrotécnica Federal de Rio Verde de 6 a 8 de junho de 2002. No dia 7 de junho, uma sexta-feira, registrou a seguinte encenação do livro "Infinito Instante": 
"(...) A cultura foi o fundamento das comemorações da sexta-feira: o Grupo Teatral Boca de Cena, apresentou o espetáculo Infinito Instante, peça baseada na obra literária de José Cimino, ex-diretor da Escola Agrotécnica de Rio Verde. O livro de poemas de Cimino, que também foi lançado em Rio Verde na mesma ocasião, faz uma crítica pesada às crises sociais, problemas ambientais e a perda da identidade cultural de nosso povo, consequências do capitalismo selvagem. Temas muito bem encenados, através de poesia e música, pelos artistas do grupo de Congonhas-MG, a chamada “Cidade dos Profetas”. (...)" 

Também, o crítico literário Luiz Paiva de Castro in Prosas II (Infinito Instante) comenta alguns poemas do filósofo-poeta J. Cimino que hoje reproduzo no Blog de São João del-Rei. Eis alguns de seus comentários: 
"O autor de Infinito Instante, o professor J. Cimino, conheci pessoalmente durante as festividades dos 50 anos da EPCAer, de Barbacena, em maio de 1999. (...) 
J. Cimino está atento a seu passado, à Tia Inês posta em sossego (“Estavas, linda Inês, posta em sossego, de teus anos colhendo doce fruito...”). Doce como a Inês camoniana, a Inês, Tia Inês, é bela: “As dores lembradas do tronco não te acendem o ódio.” (p. 24). 
Como Camões lírico aparece com enorme força no épico Os Lusíadas, J. Cimino alcança estas alturas de por a Pátria em versos libertários, que Cecília Meireles trouxe em “Romanceiro da Inconfidência”. Em “Desconcerto” (p. 109), o filósofo-poeta se apruma na concisa defesa da Pátria brasileira, terra e gente: 
“Roda gigante de minério-economês/ sufoca a raiz dos ideais. Sobre a lousa/ dos patriotas, pousam coroas de cravos/ e a Nação ostenta um rosto frio e pálido.// O horizonte é fechado e obtuso./ Um vento corrosivo talha a verde planta./ O ímpeto alado de ousadas aves/ maça na fonte os anseios do homem ético.// O povo é tesouro soterrado. Dores/ impostas do alto descem e os que beijam/ o Pendão de outras terras suas entranhas/ alienam na arena do festim global.// No campo e na cidade, donos do poder/ costuram a política de linhas tortas./ Baixa sobre a Pátria a sombra do desânimo/ que imêmore vive à margem de sua história.//”. 
Mas o filósofo não está determinado pela História. Isto acabou: “O Tempo”, poema final do livro, p. 139 - final do poema: “Só ele é tempo./ Fora dele,/ o que há/ é um agora de ser fluindo/ sempre para o novo./ Ou não seria/ também ele,/ um 'instante'/ passageiro do imenso comboio/ da evolução do cosmos?”. 

domingo, 14 de abril de 2019

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA


Por Francisco José dos Santos Braga



Palestra proferida originalmente no IHG de São João del-Rei em 07/04/2019 em comemoração aos 227 anos da morte do Alferes Tiradentes (21/04/1792-2019) e celebração do 305º aniversário da assinatura de termo de ajuste que erigiu a Vila de São João del-Rei como cabeça da Comarca do Rio das Mortes (06/04/1714-2019).





... Liberdade, essa palavra 
que o sonho humano alimenta 
que não há ninguém que explique 
e ninguém que não entenda... 
In: Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles 


Liberdade, essência de Minas. 
Minas Gerais, este Estado quase nação, sempre se faz presente na vanguarda libertária nacional, desde as origens da civilização brasileira. Cultuando perenemente a liberdade, aqui nasceram vários movimentos, ações e reações marcantes na vida nacional, dentre os quais se destacam a Guerra dos Emboabas (1707-1709), de Manuel Nunes Viana (aclamado Governador das Minas), Ambrósio Caldeira Brant, José Matol e José Álvares de Oliveira, criadores do conceito da mineiridade; a Conjuração Mineira (1789-1792), de Tiradentes; A Revolução Liberal (1842), de Teófilo Otoni; o Manifesto dos Mineiros em 24/10/1943, de lúcidos cidadãos contra a ditadura de Getúlio Vargas no Estado Novo; o movimento das “Diretas Já” em 1984, cuja efetiva consolidação em Minas permitiu a irradiação e expansão por todo o Brasil. 

De Guimarães Rosa vem esta boa definição de Minas Gerais: 
(...) sendo a vez, sendo a hora, Minas entende, atende, toma tento, avança, peleja e faz.” 

Inicialmente vejamos a inadequação da expressão que pegou: Inconfidência Mineira. Verificando no Aurélio o significado de Inconfidência, encontra-se: “falta de fidelidade a alguém, particularmente para com o soberano do Estado”. Inconfidente é aquele que trai o seu Rei. Mas fidelidade é um conceito que não existia àquela época. Mas também inconfidência lembra a revelação de um segredo confiado, uma delação. Portanto, era muito importante para a Coroa portuguesa chamar o movimento libertário de inconfidência, já que para ela o importante era o fato da delação e não mostrar como o movimento estava bem articulado. Os autos de Devassa referem-se reiteradamente à Inconfidência Mineira como “sublevação, motim” ou “sedição, levante”. Acho mais conveniente falarmos de uma conjuração ou uma conspiração contra a autoridade constituída (Coroa portuguesa). 

Quanto à face de Tiradentes, estamos de acordo com Herbert Sardinha Pinto, Presidente Emérito do IHGMG, in [FERRAZ (org.), 2014, 7]: “Somos de parecer que Tiradentes, a partir de 1775 – quando ingressou na carreira militar – nunca usou barba, seja durante a conspiração, seja durante os anos de prisão, seja durante o ato de enforcamento.” 

Tiradentes por José Wasth Rodrigues (1940)
O pintor Pedro Américo, no seu famoso quadro Tiradentes Esquartejado, coloca no herói uma longa barba, buscando a sua semelhança com Jesus Cristo, a que não faltam símbolos religiosos no seu cadafalso. A história das primeiras imagens de Tiradentes feitas na segunda metade do século XIX mostra que a sua retratação com barba atendia a interesses republicanos de identificar o herói com ideais de sofrimento, estoicismo e idealismo.
 

[COELHO, 2009, 87-88] recomenda conspiração mineira” em vez de Inconfidência Mineira: “Portanto, a conspiração mineira, sem nenhum tiro disparado, foi mais uma revolta contra a extorsão tributária em tempos coloniais. As outras, com muito mais violência, sem, no entanto, os cabeças se fazerem heróis.” Rememora a revolta de Felipe dos Santos de 1720, em Vila Rica que foi rapidamente sufocada, os revoltosos, todos pobres, tiveram suas casas incendiadas e o Felipe dos Santos brutalmente executado. Considera ainda a Conjuração Baiana (chamada por alguns de Conspiração dos Alfaiates) em 1798 na Bahia a Primeira Revolução Social Brasileira. 
“Enquanto isso, a conjuração mineira, tão propagandeada pelos republicanos, realmente só veio se dar importância, no Brasil, no final do século XIX, com os ideais republicanos que precisavam de um herói. Capistrano de Abreu, autor do Capítulos de História Colonial, de 1907, alfineta a conjuração mineira dizendo que era uma reunião dos oligarcas mineiros que não tinham como objetivo a criação da república brasileira e explicita: “A Conjuração Mineira nunca adquiriu uma arma, queria a desmembração do Brasil e não sua unidade”. Caio Prado Junior em História Econômica do Brasil e em outro clássico (resumo do primeiro), Formação do Brasil Contemporâneo, não há qualquer comentário à conjura. Oliveira Martins em História de Portugal não escreve uma só linha a respeito da Conjuração Mineira. O brazilianista Charles Boxer no conhecido “O império marítimo português 1415-1825”, no original The Portuguese seaborne empire 1415-1825, de 1969, desconhece a figura de Tiradentes e refere-se à Inconfidência Mineira (sic) assim: “... uma tentativa abortada e mal organizada para libertar o país ou parte dele, do domínio português, e estabelecer a república. (...) No final, apenas um dos onze homens que foram condenados à morte foi realmente executado.” 

[VILLALTA, 2013, 1-3] acrescenta mais dois movimentos de oposição ao poder constituído (Coroa portuguesa) no Brasil-colônia, que ele também qualifica de “motins”: no Rio de Janeiro (1794) e em Pernambuco (1801). Para ele, “a Inconfidência Mineira foi uma conspiração abortada, protagonizada por membros das elites intelectual, política, social e econômica, quase todos brancos (a única exceção foi um mulato, sem importância no movimento). Com a intenção de reter em suas mãos as riquezas geradas na capitania, combatiam o monopólio da Coroa sobre o comércio e sobre a extração de diamantes, pediam o perdão de dívidas e defendiam a liberdade para estabelecer manufaturas. O que os inconfidentes queriam era participar do poder e de oportunidades de lucro, fossem elas lícitas ou ilícitas (o contrabando). Para isso, cogitaram diferentes soluções: implantar uma República (sua proposta predominante), ou que a família real (ou um de seus membros) viesse para o Brasil, ou que se fizesse alguma negociação com a Coroa portuguesa. Falavam na transferência da capital para São João del‐Rei, na criação de uma Universidade em Vila Rica e na criação de milícias formadas pelos cidadãos, no lugar de um exército permanente. Sonhavam com apoios da França e dos Estados Unidos. Pensavam em alforriar mulatos e crioulos (escravos nascidos na colônia), mas houve oposição à ideia. A Restauração Portuguesa (1640) e a Independência dos Estados Unidos (1776) foram as fontes inspiradoras do movimento, além das ideias dos pensadores iluministas Raynal (1713‐1796) e Montesquieu (1689‐1755).” 
O mesmo autor vê uma característica distintiva em relação a outros “motins”, mineiros ou não: “Pasquins foram utilizados nos motins locais, enquanto a Inconfidência Mineira, mais ampla por reunir homens de várias comarcas, teve como base a comunicação oral e textos impressos, juntando a discussão literária ao debate político. Os inconfidentes falaram explicitamente em República e em ruptura dos laços com a mãe‐pátria. Nenhum motim ou inconfidência anterior fez este tipo de proposição, talvez sendo exceção o tentado em Pernambuco em 1710. No máximo afrontaram o rei, sem defender a separação da América ou de parte dela do resto do império português.” (grifo nosso)

Segundo o colaborador Dr. Auro Aparecido Maia de Andrade in [FERRAZ (org.), 2014, 9-10], Tiradentes, o grande herói mineiro, chegou a ter sua estatura contestada. A tese do magistrado, com a qual este autor concorda, é de que “alguns autores tentam subestimar o movimento de 1789, qualificando-o de simples “conspiração de poetas” (numa referência à participação dos poetas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa e Inácio José de Alvarenga Peixoto) e diminuindo de todas as formas possível o papel relevante de articulador e propagandista desempenhado pelo Tiradentes, limitando-se a chamá-lo pelo apelido de “o Tiradentes” e omitindo outras alcunhas como “o Liberdade” e “o República” (também constantes dos Autos de Devassa) e a importância da Conjuração Mineira no processo de preparação de nossa emancipação política. Já se chegou ao absurdo de alardear que Tiradentes não morreu e que outro maçon foi enforcado em seu lugar, simplesmente porque uma assinatura parecida com a dele foi encontrada na lista de presentes a uma sessão da assembleia durante a Revolução Francesa. Mas em nenhum momento se ofereceu qualquer prova, sendo que a comprovação histórica confirma o enforcamento. Acrescente-se a isso que à época vigoravam as Ordenações Filipinas que puniam com as mesmas penas do condenado quem tentasse dar-lhe fuga. Saliente-se ainda que, por ocasião de seu enforcamento, foi exigido um cortejo cuja caminhada durasse cerca de duas horas desde o local da prisão até o local da execução, tendo sido, inclusive, obrigatória a presença da população da cidade do Rio de Janeiro, com discursos e sermões, buscando-se fixar na mente da assistência que Tiradentes era merecedor da execração pública, na esperança de que sua morte servisse de exemplo para todos os súditos. 
Como o consideravam militar de bravura, foi designado para várias missões que requeriam especial coragem, dentre as quais o confronto com quadrilhas que assolavam a Serra da Mantiqueira, como também no comando do chamado Caminho Novo, onde foi designado para construir uma nova variante, e também no comando da escolta da família do Visconde de Barbacena da cidade do Rio de Janeiro até Vila Rica. Entendia de mineralogia, porquanto assim foi referido ao ser designado para integrar comitiva constituída pelo Governador à época para mapear as áreas de minério da Capitania. Era tido como dinâmico empreendedor: construiu a sede do quartel em Sete Lagoas, portal dos Sertões, e dominava elementos de engenharia, na medida em que fez projetos de canalização e abastecimento de água para a cidade do Rio de Janeiro – que na época contava apenas com serviço de distribuição de água por pipas ou tonéis vendidos na rua –, bem como ainda projetos de construção de moinhos, com as forças das águas dos rios Laranjeiras, Andaraí e Maracanã, além dos projetos da construção de armazéns e currais no porto. Tiradentes dominava também medicina fitoterápica, o que possivelmente lhe tenha sido passado por seu primo, Frei (José Mariano da Conceição) Veloso (1742-1811), que era a maior autoridade em botânica na época, ressaltando que ele tinha, juntamente com um frade amigo seu, ainda uma botica destinada à assistência aos pobres na Rua do Carmo, em Vila Rica. Saliente-se que com Tiradentes foram apreendidos dois livros de medicina quando ele foi preso na cidade do Rio de Janeiro, a partir da carta-denúncia de Joaquim Silvério dos Reis.” 

Por sua vez, um auto de Devassa é uma peça produzida no decorrer do processo judicial, como as petições, termos de audiências, certidões, entre outras.
No caso, os Autos de Devassa da Inconfidência Mineira (ADIM) são um texto que fala pela voz do opressor (a Coroa portuguesa), portanto retratam a opressão, o medo e as fraquezas humanas, diante das delações de Joaquim Silvério dos Reis, o principal delator dos conjurados.
Na leitura dos ADIM é importante ter em conta que nos interrogatórios estão sendo ouvidos homens arrasados, tentando fazer o possível para salvarem-se a si mesmo de uma morte cruel esmagamento dos ossos com o réu vivo , de acordo com a legislação da época, como tinha então acontecido no processo recente dos revoltosos contra Pombal.
Informados pelo "embuçado", na noite de 17 de maio de 1789, da prisão do Tiradentes no Rio, os demais conjurados, com pleno conhecimento do crime de lesa-majestade que haviam cometido, determinaram-se a destruir todos os traços materiais da conspiração e combinaram optar pela negativa de qualquer culpa. Essa opção, que decepcionou alguns historiadores puristas, era o que a sensatez lhes indicava fazer.
No Brasil, os ADIM foram os autos do processo judicial movido pela Coroa portuguesa contra Tiradentes e demais inconfidentes, para apuração de crime de lesa-majestade (traição ao Rei), previsto nas Ordenações Filipinas.
Os autos de Devassa relativos à Inconfidência Mineira foram publicados no Brasil em duas ocasiões: na década de 1930 pela Biblioteca Nacional do Brasil e entre 1976 e 1984 pela Câmara dos Deputados, em parceria com o Governo do Estado de Minas Gerais.

Por um lado, os ideais do Tiradentes eram liberais, frutos do Liberalismo do final do século XVIII, todos de fundamentos iluministas: a Independência do Brasil do jugo português, a República, melhor aproveitamento das nossas riquezas, construir uma universidade, promover a implantação da imprensa, além de hospitais, escolas, bibliotecas, indústrias têxteis, etc. Muitas mudanças estavam em curso na Europa, lideradas pela Revolução Industrial na Inglaterra e agitações burguesas que culminaram na Revolução Francesa em 1789. Os Estados Unidos já tinham declarado sua independência em 1776 sob esses ideais liberais. Para as colônias do além-mar, essas ideias chegavam através dos poucos jovens que estudavam na Europa e que traziam debaixo do braço os livros que as divulgavam, como algumas obras de Jean-Jacques Rousseau e Montesquieu, ajudando para divulgar o Liberalismo e contribuindo para aumentar o descontentamento das elites. Como na época não existia imprensa, tipografia ou biblioteca no Brasil, muitas dessas ideias eram passadas de boca-a-boca, em conversas informais. 
Por outro lado, como a sociedade, em grande parte, era constituída de pessoas incultas, negros e índios, certa elite precisava assumir a iniciativa de implantação de projetos civilizatórios em prol do país. Era o que acontecia com o grupo de inconfidentes, composto de muita gente ilustre (ouvidor Alvarenga Peixoto, juiz Tomás Antônio Gonzaga), militares graduados (Ten Cel Francisco de Paula Freire de Andrada, Coronéis Domingos de Abreu Vieira e Joaquim Silvério dos Reis, Sargento-mor Luiz Vaz de Toledo Pisa e Alferes Tiradentes), químico (José Álvares Maciel), 5 membros do clero, etc.), muitos deles pressionados por dívidas e impostos em atraso, que acabavam por se envolver na Inconfidência Mineira, descontentes que se encontravam com os rumos do país como nação. O ideário dos inconfidentes de 1789 passa praticamente a ser o programa dos republicanos de 1889, ou seja um século depois, que, por isso mesmo, elege o Tiradentes como o seu herói, cuja admiração permanece incólume ou cada vez mais crescente por parte da caserna e do povo.

Ao tratar do Caso Tiradentes e Repressão Penal, [FERREIRA, 2009, 79] escreve:
Foram os iluministas que trouxeram as primeiras bases para construir a ciência penal nos moldes de hoje; antes disso, como se pode verificar, o indivíduo estava submetido à opressão estatal, sem que nenhuma garantia lhe fosse reservada. Para RENATO DE MELLO JORGE SILVEIRA, 'reagindo às arbitrariedades sentidas no ancien régime, a vertente jurídica do Iluminismo tencionou traçar limites definidos para o exercício do ius puniendi estatal, firmando, pois, um conceito material de delito'. Alguns aspectos criticados pelos iluministas e que puderam ser facilmente localizados na presente análise são: a declaração de infâmia extensiva aos parentes, a negação do direito à sepultura, a punição para além da pessoa do delinquente, a violação do princípio da reserva legal, a opressão ideológica e religiosa, a proibição da liberdade de expressão do pensamento e das ideias, a inflicção de penas corporais e outras sanções.
Se, por um lado, tínhamos a figura dos governantes sem legitimidade e escrúpulos, preocupados apenas com a preservação de seus privilégios, sem nenhuma possibilidade de serem amados, usando amplamente do terror para manter o povo submisso, por outro, os próprios cidadãos, em razão de sua ignorância, fomentaram essa dominação.
Atualmente, face aos problemas criminais de nossa complexa sociedade, não é incomum a busca de soluções no recrudescimento do Direto Penal e estímulos à criação de um Direito Penal simbólico e emergencial, esquecendo-se que esta postura somente servirá para incentivar o retorno ao tempo de arbítrio e de completa desconfiança e temor a justiça penal.
Muitos padeceram até a passagem de um Direito Penal primitivo para um Direito Penal civilizado e garantista, focado na razão e afastado das superstições; no entanto, em que pese tal evolução, a ignorância popular ainda nos assombra e intenciona predominar.” (grifo nosso)

Tinham os inconfidentes alguns sonhos, dentre os quais se destacavam os seguintes: 
‐ Fundar em Minas Gerais um governo republicano independente de Portugal; 
‐ Construir e manter uma universidade em Vila Rica, além de hospitais e escolas; 
‐ Permitir e incentivar a implantação de manufaturas no Brasil, proibidas na colônia por decreto da rainha D. Maria I em 1785; 
‐ Transformar São João del-Rei na capital do novo país ¹
‐ Nova bandeira nacional proposta por Alvarenga Peixoto, contendo o lema político da Inconfidência Mineira: “Liberdade ainda que tardia”, tradução mais comumente dada ao dístico em latim, “libertas quæ sera tamen (respexit inertem)” (Virgílio: Bucólicas, 1.27), para marcar a bandeira da República que idealizou, na Capitania de Minas Gerais.
A expressão em latim acabou sendo aproveitada para adornar a bandeira do estado em que a capitania das Minas Gerais se tornou, já no século XIX, e foi isso que manteve a frase viva até os tempos atuais.
A bandeira de Minas Gerais deriva da bandeira dos inconfidentes. Diversas incertezas decorrem da leitura dos ADIM. Parece que os inconfidentes ainda não tinham chegado a um consenso e algumas propostas têm sido relatadas por alguns historiadores. Segundo o historiador Waldemar de Almeida Barbosa, a bandeira seria branca com um triângulo verde e ao centro um índio quebrando grilhões.
Segundo relato de Tiradentes nos
[ADIM, 1982, tomo 5, 37], durante a sua 4ª inquirição em 18/01/1790, temos: “Assentou-se mais na dita conversação, que José Álvares MacieI faria a pólvora, e estabeleceria algumas manufaturas pelo tempo adiante, que o vigário da Vila de S. José capacitaria gente para entrar na sedição, e motim, e o mesmo havia de fazer ele Respondente por onde pudesse, que o Coronel Inácio José de Alvarenga daria gente da Campanha, e o Padre José da Silva e Oliveira Rolim do Serro do Frio, no que convieram os sobreditos: E falando ele Respondente, em que a nova República que se estabelecesse devia ter bandeira, disse que, como Portugal tinha nas suas armas as cinco chagas, deviam as da nova República ter um triângulo, significando as três pessoas da Santíssima Trindade; ao que o Coronel Inácio José de Alvarenga disse que não, e que as armas para a bandeira da nova República deviam ser um índio desatando as correntes com uma letra latina, da qual ele Respondente se não lembra, e que tudo ficasse sopito, e em suspenso até se lançar a derrama, se achassem que com ela ficava o povo disposto para seguir a sedição, e motim; estando ele Respondente, e os sobreditos nesta conversação chegou o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e com a sua vinda todos se calaram, e se foram embora”. 
Observe-se que Tiradentes não fez qualquer menção à cor do triângulo da bandeira. O Governo de Minas Gerais é que oficializou a cor vermelha na bandeira do Estado, no art. 2º da Lei nº 2.793, de 8 de janeiro de 1963.
Considera-se que a bandeira idealizada pelos conspiradores mineiros possui muitos elementos maçons. Há quem acredite ser o triângulo uma conexão com a maçonaria e, conforme os ideais iluministas – Liberdade, Igualdade e Fraternidade –, representar uma forte ligação com os ideários dos revoltosos da Revolução Francesa.

Tomás Antônio Gonzaga seria o primeiro presidente da República e eleições para a escolha do novo presidente seriam marcadas três anos após a posse. O movimento revolucionário estava marcado para acontecer no mesmo dia da derrama, e os conspiradores seriam avisados nas vésperas com a senha “Dia tal é o batizado” (ADIM-Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, 1981, Tomo 4, p. 26), substituindo “tal” pelo dia da derrama ².

Em 21 de abril de 1792, quase ao completar-se os 3 anos do processo-crime iniciado a 7 de maio de 1789, subiu os degraus da forca o Alferes da Cavalaria Regular de Minas, após o que sofreu morte e esquartejamento. Soldado heróico de muitas campanhas em defesa de sua terra, foi considerado Réu do crime da Liberdade. O Governo brasileiro, pela Lei nº 4.897, de 9/12/1965, atribuiu àquele Herói o título de Patrono Cívico da Nação Brasileira.

O dito réu (Tiradentes) foi o primeiro que foi preso no Rio de Janeiro, a 10 de maio de 1789 no sótão de uma casa da Rua dos Latoeiros, onde se achava refugiado dos emissários do Vice-Rei que estavam no seu encalço; foi achado com um bacamarte carregado e trazia consigo um exemplar escrito em francês da Constituição da Independência dos Estados Unidos. Conservou-se preso na Fortaleza da Ilha das Cobras. A confissão de Tiradentes só ocorreu no quarto interrogatório (de um total de 11 interrogatórios) a que foi submetido, na Fortaleza da Ilha das Cobras, a 18/01/1790, a mando do 12º Vice-Rei do Brasil, Luiz de Vasconcelos e Sousa, a quem coube determinar a prisão de Tiradentes e a detenção e transporte para o Rio de Janeiro dos outros conjurados que foram recolhidos a estabelecimentos militares, com exceção de Luiz Vaz de Toledo Piza, que fugiu e só se apresentaria mais tarde. Também, encarregou o Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres de tirar a Devassa no Rio de Janeiro. O processo, porém, se desenrolou sob o governo do seu sucessor, o 13º Vice-Rei do Brasil, José Luiz Martinho de Mello e de Castro, e que foi quem fez executar a sentença do Tiradentes, pelo crime de lesa-majestade, que não poderia ser outra senão a forca. Apesar de o poeta Cláudio Manoel da Costa ter sido encontrado morto na prisão, tendo sua morte declarada como suicídio, apenas Tiradentes foi executado, tendo os demais sobrevivos a pena comutada para degredo perpétuo por D. Maria I. Foram 5 os réus clérigos que tiveram a sentença sigilosa e autos apartados, tendo todos sido levados para Lisboa: Cônego Luiz Vieira da Silva, Pe. José da Silva e Oliveira Rolim, Pe. Manuel Rodrigues da Costa, Pe. Carlos Correia de Toledo e Melo e Pe. José Lopes de Oliveira. Após o degredo, os inconfidentes que voltaram ao Brasil foram os 3 primeiros sacerdotes e José de Resende Costa, filho.

[HENRIQUES, 2015, 122] registra: “Na defesa dos inconfidentes atuou o advogado carioca, formado em Coimbra, Dr. JOSÉ DE OLIVEIRA FAGUNDES, pago pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, que muito colaborou para amenizar as penas impostas aos réus, bem como trabalhou na condução de que metade dos bens pertencentes aos inconfidentes fossem propriedade das esposas, como mandava a lei, em casos de herança e partilha e, nesse caso, obteve sucesso. Alvarenga Peixoto, o mais rico deles, teve sequestrado um montante de 42:063$155 correspondente à metade dos bens, já que a outra metade ficou com Bárbara Eliodora. Outros parentes recorreram quanto ao sequestro de bens, tendo alguns deles não aparecido em leilões, o que também causou muita suspeita de desvios, como foi o próprio caso dos bens sequestrados de Alvarenga, cujo valor depositado inicialmente foi apenas aquele do momento da sua prisão 636$793, como montaria, apetrechos e pertences.”

Quando uma pessoa era presa por se rebelar contra a Coroa, o Livro V das Ordenações Filipinas estabelecia o confisco de todos os seus bens, para o qual era preciso a cuidadosa descrição das posses e dívidas do preso: fazendas, animais, equipamentos, residências, utensílios domésticos, móveis, roupas, escravos e livro, bem como dívidas a pagar e a receber. Por isso, as famílias dos envolvidos na conspiração, que tinham que declarar seus bens à Coroa, enganavam as autoridades o quanto podiam para não perderem tudo, é o que afirma o pesquisador [RODRIGUES, 2011, 17-25] in Inconfidência, que bom negócio. Para esse autor, na hora desses confiscos é que se ficou sabendo que o Tiradentes era muito abastado, possuidor de sítios, várias cabeças de gado, sesmarias e escravos. Em 1781, o Alferes comandou a construção do Caminho do Meneses, que atravessava a Serra da Mantiqueira. Ao perceber que os rios e córregos da região estavam cheios de riquezas minerais, pediu autorização para explorar 80 jazidas, mas só conseguiu o direito de explorar 43 delas, o que fez até ser preso como inconfidente. Quase um mês depois do sequestro dos bens do Alferes, a devassa descobriu que ele era dono de um sítio de aproximadamente 50 km quadrados na Rocinha Negra, no porto de Meneses, no Rio Paraibuna. Possuía também fazendas na freguesia de Nossa Senhora da Glória de Simão Pereira, no Caminho Novo, que ligava o Rio a Minas. Ali mantinha atividades de mineração e práticas agrícolas, além de criar gado. Mas, no início do processo de confisco, todo esse patrimônio passou para as mãos de seu sócio Jerônimo da Silva Ferreira. As terras que haviam pertencido ao Alferes tinham sido transferidas, no século XIX, para um dos maiores cafeicultores da Zona da Mata mineira, o capitão José de Cerqueira Leite. Já o gado sequestrado do inconfidente, de acordo com um recenseamento feito na Intendência de Sabará em abril de 1811, gerou lucros para Antônio Álvares de Araújo, que passou a administrar este bem, quer na condição de comprador quer de fiel depositário. Mas o Alferes não foi o único que teve seus bens ocultados da Coroa portuguesa. O coronel e fazendeiro José de Resende Costa, pai (1730-1798), residente no arraial da Laje (atual Resende Costa) foi preso em maio de 1791, mas, pressentindo esse desfecho, ele criou uma estratégia para que parte de sua fortuna ficasse com a família: casou sua única filha com um sócio que tinha no negócio do ouro, o capitão-mor Gervásio Pereira de Alvim que herdou oito escravos, oitenta cabeças de gado, trinta éguas, a Fazenda do Rio dos Bois, localizada no Curato do Passatempo (atual Entre Rios de Minas), e mais 800$000 em dinheiro, quantia que daria para comprar oito escravos. Lembre-se de que o coronel já estava exilado em Cabo Verde desde 1794; lá, ele foi nomeado contador, distribuidor e inquiridor da Ouvidoria, funções que exerceu até sua morte. Na prestação de contas apresentada à Fazenda Real em 1799, consta que todos os bens de Resende Costa foram arrematados em leilões, ao todo 465 bens do sequestro. Entre eles constam utensílios domésticos, ferramentas, 26 escravos, 2 fazendas, 155 áreas de mineração, 175 animais, peças de vestuário e móveis. Depois de resolvidas as pendências pessoais, apareceram outras 2 cobranças que incidiram sobre o patrimônio do inconfidente. Para saldá-las, Gervásio separou 92 bens que não tinham entrado na primeira avaliação, como livros, escravos, roupas, móveis e terras. Da dívida de 1.116$637, cobrada pelo tenente Pedro Teixeira de Carvalho, o genro pagou quase 1.000$000, ficando a casa do coronel em débito. Caso semelhante ocorreu com a fortuna do fazendeiro e coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes (1750-1794), que vivia com a esposa, Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, na Fazenda da Ponta do Morro. Quando ele foi preso em 1789, como inconfidente, a Coroa apreendeu sua fazenda, 430 animais de criação e 74 escravos, assim como utensílios e rendimentos das extrações de ouro. Na ocasião, Hipólita lançou mão de uma estratégia arriscada: declarou à Justiça bens que em grande parte eram de sua sogra, Bernardina Caetana, e não os que pertenciam ao seu patrimônio. Inconformado por ver o patrimônio de sua mãe apreendido pela Coroa – e sem ter como recebê-lo como herdeiro, – seu cunhado, sargento-mor Manuel Caetano Lopes de Oliveira tomou uma decisão: denunciou a artimanha articulada por Hipólita, que havia conseguido evitar o confisco de 74 escravos, 2 propriedades, bois, vacas e cavalos, além de muitas bugigangas de casa, como jarros, bacias, louças, faqueiros, baús, cadeiras e armários. Em abril de 1795, foi chamada pela Justiça para prestar esclarecimentos. Mesmo reconhecendo os atos de sonegação, Hipólita não foi penalizada. A fortuna que havia sido ocultada permaneceu nas mãos da família, sem que sofresse nova apreensão. Seu cunhado recebeu a parte que lhe cabia da herança, subtraindo-a dos bens que foram confiscados. Quanto à Fazenda da Ponta do Morro – como está claro em um documento encaminhado ao secretário do Ultramar em Lisboa, D. Rodrigo de Souza Coutinho , tratava-se de herança paterna, e por isso não poderia ficar nas mãos da Justiça. No fim das contas, a estratégia de D. Hipólita tinha sido inteligente. Resumo da ópera: a Coroa pouco lucrou com o confisco de bens dos inconfidentes; outras pessoas acabaram lucrando com o patrimônio pertencente a eles.

In Rico e Revoltoso: o líder máximo e suas posses, artigo de 2011 publicado na revista Memória Cult, [RODRIGUES, 2011, 40] mostra que, diferentemente do imaginário atual, Tiradentes era um homem de posses e com incomum influência para um “simples alferes”: “... apesar de ser o personagem com maior número de estudos da Inconfidência Mineira, muito pouco se conhece de sua trajetória e sobre o destino de seus bens. Em 1781, por exemplo, Tiradentes comandou a construção do Caminho do Meneses, na serra da Mantiqueira. Em petição ao comandante daquela área, informou que se achava com escravos e que estava interessado em minerar no local. No despacho, com data de 22 de setembro de 1781, o escrivão Antônio Tavares da Silva confirmou-lhe a concessão e a medição de 43 pontos de mineração, localizados no porto do Meneses e nos córregos da Vargem e do Convento. No dia 24 daquele mesmo mês, o comandante do distrito, o tenente-coronel Manuel do Vale Amado confirmou-lhe as datas minerais, entregando-lhe a “posse corporal e atual e individual” das terras. O exemplo das 43 datas que Tiradentes explorava permite constatar que ele não era um homem com poucas posses, como se afirma, e que sua ligação com o poder era maior do que se tem dito, pois do ponto de vista legal não seria possível explorar os pontos de mineração que estavam sob sua posse. Até ser preso pela devassa da Inconfidência, em 1789, Tiradentes explorava aquelas terras. Foi possivelmente com os lucros obtidos nessa mineração que pôde emprestar ao cadete José Pereira de Almeida Beltrão 200 mil réis e a Luís Pereira de Queirós a quantia de 220 mil réis, encontrados no sequestro de seus bens. Não seria, por conseguinte, somente com o soldo de militar (142 mil e 350 réis anuais) que Tiradentes se sustentaria. Em 1757, recebeu de sua mãe, Antônia da Encarnação Xavier, herança no valor de 965 mil e 774 réis. A devassa descobriu, quase um mês após a apreensão de seus bens, que Tiradentes era dono de um sítio com casas de vivenda, senzalas e monjolo, de aproximadamente 50 quilômetros quadrados, compreendidos em oito sesmarias, na Rocinha Negra, no porto do Meneses, o que confirma a sua ligação com o poder, pois não se podia doar mais que uma sesmaria a uma única pessoa. Praticamente nada sabemos sobre esta propriedade, apenas que no dia 17 de setembro de 1783, Tiradentes apareceu medindo e demarcando essas terras, e que elas não foram sequestradas pela devassa, porque o ferreiro João Alves Ferreira, que dizia ser seu sócio, arranjou comprovante de tê-las comprado antes da prisão do alferes. Na freguesia de Nossa Senhora da Glória de Simão Pereira, na região de São João del-Rei, Tiradentes também tinha fazendas em três sesmarias, que passaram por arrematação ao capitão Jerônimo da Silva Ferreira. Os exemplos das 11 sesmarias e das 43 datas exploradas por Tiradentes nos permitem inseri-lo entre os grandes proprietários de terras da região, na segunda metade do século XVIII. O maior proprietário da região da Mantiqueira, o Inconfidente e coronel José Aires Gomes, que tinha mais de 22 fazendas, não possuía a mesma quantidade de terras com título de sesmaria de Tiradentes. A diferença entre as posses de Aires e Tiradentes está no tamanho das propriedades: as terras de Tiradentes eram todas de meia légua em quadra (pouco mais de 10 quilômetros quadrados), enquanto as pertencentes a Aires Gomes variavam de meia a três léguas quadradas.”

Tomo a liberdade de, consultando a Ata nº 498 do IHG de São João del-Rei, do dia 2 de novembro de 2014, reproduzir aqui trecho de palestra intitulada "A Devassa da Inconfidência Mineira - Breves considerações gerais", proferida pelo Juiz Dr. Auro Aparecido Maia de Andrade, ou seja, [ANDRADE, Ata nº 498 do IHG-SJDR em 02/11/2014], em que ele vê qualidades excepcionais no Dr. José de Oliveira Fagundes, defensor dos inconfidentes, sob a ótica de um juiz, a saber: (...) A seguir, tendo já falado sobre o ordenamento jurídico da época e do processo, o palestrante abordou a biografia do Dr. JOSÉ DE OLIVEIRA FAGUNDES, o advogado dos Inconfidentes. Tendo nascido na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1752, matriculou-se em Coimbra em 1773. O palestrante informou uma curiosidade: segundo Laurentino Gomes, autor de 1808, entre 1772 e 1800 523 brasileiros se formaram em Coimbra, aproximadamente numa média de 19 por ano. Oliveira Fagundes formou-se em 26/07/1778. Exerceu a advocacia nos anos de 1779 a 1781 em Lisboa, após o quê retornou ao Brasil e continuou na advocacia. Era advogado autônomo, liberal. Ele atuava na 1ª instância (ou seja, no fórum e não no tribunal). Foi contratado pela Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, passando a integrar a sua irmandade em 1790. Era um irmão da referida Santa Casa e não advogado contratado, chamado “advogado de partido”. Nesta altura, introduziu dois princípios: o da mordomia dos presos e o dos padrinhos da morte. A mordomia dos presos referia-se à ajuda que os irmãos da Santa Casa deveriam prestar aos presos e às famílias dos presos carentes. Quanto ao padrinho da morte, tratava-se daquele instituto belíssimo em que, em toda condenação à pena de morte por enforcamento, os irmãos da Santa Casa iam à frente da comitiva do enforcamento. Nos Autos de Devassa eles também tinham ido. Se a corda arrebentasse, por sorte do enforcado, ou se o enforcado fosse muito vigoroso a ponto de sobreviver ao enforcamento, os irmãos da Irmandade jogavam sobre o corpo daquela pessoa no cadafalso o manto da misericórdia, como se estivesse sob a proteção da Santa Casa. Esse costume vigorou em homenagem à rainha Dª Leonor que criou as Santas Casas, havendo uma espécie de cavalheirismo entre o Estado e as Santas Casas. Aproveitou a oportunidade para elogiar o belíssimo trabalho das Santas Casas que surgiram em Portugal no final do século XV, graças à rainha Dª Leonor (viúva de D. João II, falecido em 1495). A Santa Casa do Rio de Janeiro foi fundada/ampliada em 1582 pelo Pe. José de Anchieta. Voltando ao Dr. Oliveira Fagundes, ele foi contratado para ser o advogado da Inconfidência em 1791. Quanto às defesas dele, Dr. Auro considerou belíssimas. Segundo o palestrante, os da área do Direito encantam-se com as defesas dele, apesar de injustiçado. Alguns acham que ele se acovardou, ao fazer suas defesas. Dr. Auro discorda, ao dizer que, pelo contrário, quem fala isso não conhece a História e o Direito. Na primeira defesa dele, José de Oliveira Fagundes começou a invocar o lado humanitário dos juízes, inclusive elogiando os pais de Dª Maria I e também os ascendentes, inclusive D. Manuel, o Venturoso, porque ele queria sensibilizar os juízes, levando-os pelo lado humano, pelo lado da misericórdia. Entre a justiça e a misericórdia, optou por esta última. Buscou lições do jurisconsulto romano e praxista do século XVI, Prospero Farinacci, e adquiriu conhecimentos técnicos da melhor qualidade. Também utilizou o Direito comparado, invocando legislação comparada em leis romanas (Teodósio I, rei de Roma (346/395), e seus filhos Arcádio e Honório que usavam e permitiam que se utilizasse, em vez das severas leis romanas da época do Império Bizantino, uma lei extra-território) buscando a aplicação de leis benéficas aos réus. Guardadas as proporções, este princípio existe hoje: reformatio in bona parte (reformar para melhor, mudar a lei, adequar a lei). Oliveira Fagundes utilizava argumentos com precisão técnica e habilidade na busca da harmonização das provas dos autos com os argumentos de defesa. Defendia que aquele “conluio” (movimento) não passava de discussões e planos extraordinários, sem terem sido postos em prática (defesa do crime impossível). Foi pioneiro nesta área, pois hoje no Brasil não se pune a cogitação; punem-se tão somente os atos de preparação quando estes fazem parte de um tipo penal. Ou seja, a sua defesa baseava-se no fato de que a Inconfidência Mineira, por não ter-se materializado (será?), estava abrangida na área do crime impossível por impossibilidade absoluta do objeto. Oliveira Fagundes, sem conhecer essas teorias do Direito Penal, já as aplicava na época. Viu-se que ele tentava diminuir Tiradentes, o único réu confesso, o único em risco de perder a vida (como de fato perdeu), porque Oliveira Fagundes sabia que as leis da época iam levá-lo à morte. Alguns incautos acham que Tiradentes foi condenado injustamente na nossa ótica hoje. Mas na ótica das Ordenações, ele foi condenado na medida. Infelizmente. A sua defesa buscava desqualificar o principal implicado e, reflexamente, buscava desnaturar o delito. Diminuindo o agente principal antes, ele buscava desqualificar o crime em seguida. Objetivava desmerecer a idoneidade do Movimento. O iluminista Marquês de Beccaria, contemporâneo de Oliveira Fagundes, defendia que não importava a gravidade da pena mas a sua efetividade para se reeducar a pessoa. Não adiantava aplicar penas altas, mas penas efetivas. Logo, combatia o rigor da punição em relação à sua efetividade. A seguir, Dr. Auro projetou em uma tela a imagem ampliada do rascunho feito por Oliveira Fagundes pessoalmente ou por algum dos advogados que o assistiam nessa defesa, onde estava escrito: “O Dr. José de Oliveira Fagundes nomeado advogado ex-officio defensor de 29 réos... 1º Alferes Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes, auctor e cabeça, fallador, inimigo de Gonzaga, preterido 4 vezes, sendo bom militar pobre tudo confessou, entusiastha pela America Ingleza chegara da Europa ha pouco tempo e occupava-se em um trapiche em Andaray...” Então o palestrante indagou porque Oliveira Fagundes não usou esta anotação (entusiastha pela America Ingleza) para defender Tiradentes. Se sua argumentação era que Tiradentes era um pobretão, insano, irresponsável e falador, inimigo de Gonzaga, alegar que ele chegara da Europa entusiasta da America Inglesa só iria implicá-lo ainda mais e levar a Rainha a querer a cabeça do réu. Ele precisava diminuir a pessoa do réu. Ele anota nos rascunhos, mas não nos provarás (primeiro instituto de defesa que ele fez). O confrade José Antônio indagou de Dr. Auro se “a chegada da Europa” se somava à tese de Dra. Isolde Helena Brans. O palestrante confirmou que a Dra. Isolde defende documentalmente que Tiradentes de fato foi à Europa. Tiradentes tinha pedido uma primeira vez para se ausentar, mas não foi; na segunda vez ele foi. Disse que todos os que chegavam deviam estar registrados no Livro do Tombo da Torre de Lisboa e a chegada de Tiradentes estava de fato lá. Dr. Auro informou que Tiradentes, como alferes licenciado da cavalaria há um ano e tanto, estava licenciado 'para conspirar mesmo'. Oliveira Fagundes teve cinco dias para a primeira defesa (54 folhas e 121 itens) de 29 leigos e 5 sacerdotes, cuja sorte já estava selada: no mínimo, degredo. Certamente ele sabia, por conhecer as leis da época, que alguns iam “dançar”. Fez primeiro uma defesa geral e, depois, defendeu cada um dos réus, um por um, colocando as circunstâncias individuais. A defesa maior, que já era de esperar aí, foi feita pelo próprio punho de Tomás Antônio Gonzaga, conhecedor de Cânones como ninguém. Indagou, porque a historiografia reconhecia ser aquela a defesa dele? Porque o estilo de Tomás era único. Mais tarde também Tomás seria autor de embargos, obrigatoriamente assinados pelo advogado que foi Oliveira Fagundes também. Dr. Auro lembrou como foi apertado o calendário de Oliveira Fagundes: em 17/18 de abril de 1792: lavratura e leitura do acórdão (18 horas); 19/04/1792 (manhã): intimação dos 11 réus condenados à pena de morte e, na mesma manhã, nova defesa (“embargos”) no prazo de 24 horas apenas. Invocou o Tribunal do Santo Ofício como defesa e requereu a transformação da pena de morte em cárcere perpétuo para todos os condenados. Rejeitados os embargos. Novos embargos em 8 itens: prazo meia hora. Nova rejeição. Dr. Auro explicou que, na vigência das leis da época, aqui terminavam todos os recursos. Nesta altura, ele explicou que, quando os devassantes vieram de Portugal, para se somarem a alguns outros e comporem a chamada Alçada Régia aqui no Brasil, trouxeram já feitas duas Cartas Régias enviadas pela Rainha, escritas quase dois anos antes da solução formal da Devassa (15/10/1790). Uma delas dizia respeito aos réus clérigos e outra, aos réus leigos. Eram sigilosas e lacradas. Diferentemente de alguns historiadores irresponsáveis que falam, sem o menor conhecimento de causa, que Tiradentes era para morrer na forca. Não é verdade. As Cartas Régias, abertas e lidas após a condenação dos Inconfidentes, falavam o que o palestrante iria mostrar a seguir. Não traziam nomes e não se referia a um líder ou chefe Tiradentes, mas a chefes e cabeças da conspiração. Foram juntadas as Cartas Régias. E quando se juntaram as Cartas Régias, aí é que veio a salvação dos outros dez, que tiveram seu pescoço livre e salvo por conta da Carta Régia, porque eles não confessaram. Segundo Dr. Auro, o detalhe se chama confissão. Só se compreende bem a Inconfidência Mineira, quando se junta a História com a área jurídica. “Quanto aos outros réus, e entre eles os reputados por chefes, e cabeças da conspiração, havendo algum, ou alguns, que não só concorressem com os demais chefes nas assembleias e conventículos, convindo de comum acordo nos pérfidos ajustes que ali se tratavam, mas que além disto, com discursos, práticas e declamações sediciosas, assim em público, como em particular, procurassem em diferentes partes fora das ditas assembleias introduzir no ânimo de quem os ouvia o veneno da sua perfídia, e dispor e induzir os povos, por estes e outros criminosos meios a se apartarem da fidelidade que me devem; não sendo esta qualidade de réu ou de réus pela atrocidade e escandalosa publicidade do seu crime revestido de tais e tão agravantes circunstâncias dignos de alguma comiseração; ordeno que a sentença que contra ele, ou contra eles for proferida, segundo a disposição das leis, se dê logo a sua devida execução.” E agora, o que falava a mesma Carta Régia que salvou os dez, num outro trecho: “Quanto porém aos outros réus também chefes da mesma conjuração que se não acharem em iguais circunstâncias, querendo usar com eles da minha real clemência e benignidade, ordeno, pelo que respeite tão-somente à pena capital em que tiverem incorrido, que esta lhes seja comutada na imediata de degredo por toda a vida, para os presídios de Angola e Benguela, com pena de morte se voltarem para os domínios da América.” Dr. Auro explicou que Tiradentes não era o único chefe. Os outros chefes eram Luis Vieira, Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel, etc. Tiradentes era um dos líderes, mas foi o maior herói porque sacrificou a própria vida. O processo, segundo o palestrante, estava tecnicamente irreparável. Disse que divagavam e erravam aqueles que ficavam inventando teorias paralelas. Nesta altura, Dr. Auro retornou ao Dr. Fagundes. Após três dias do enforcamento de Tiradentes (que tinha de ser cumprido de imediato), sendo que os outros teriam que ser desterrados nos dias seguintes por causa daquele segundo trecho da Carta Régia, Dr. Fagundes ainda vislumbrou uma saída (“embargos”). Ele teria pensado que agora iria melhorar a vida de quem ficou, papel de um diligente e combativo advogado. Interpôs novo recurso que foi acolhido em parte, tendo conseguido mudança de locais do degredo em benefício dos réus e redução das penas de vários condenados. O artifício utilizado foi falar da idade e da saúde de alguns. Por exemplo, Domingos de Abreu Vieira era doente, e só conseguia andar a cavalo. Citando o seu escravo Nicolau, Dr. Auro considerava a amizade e lealdade do escravo pelo amo uma das histórias mais belas da Inconfidência Mineira. O escravo abriu mão de sua liberdade (que o tribunal já havia reconhecido), quis acompanhar o seu amo na prisão no Rio, no degredo de Angola e morrendo ao lado dele. Dr. Auro ainda citou o total de páginas escritas por Dr. Fagundes em todos esses recursos: 86. Dr. Auro ainda apresentou algumas curiosidades: total das custas (555$288). Para sabermos quanto significava esse montante na época, uma camisa de brim custava 1$000. Logo, as custas correspondiam 555 camisas de brim. Uma ceroula custava 480 réis. Os honorários foram pagos ao Dr. Fagundes exatamente após um ano da data do enforcamento de Tiradentes (ou seja, em 21/04/1793). Pagamento de despesas de “comedorias”: 400 réis cada réu. Ou seja, o réu pagava sua própria comida e suas vestes. Dr. Auro observou que naquela época havia um sistema bem mais ético do que hoje. Sobre o pagamento de honorários do Dr. Fagundes, Dr. Auro relatou que o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Dr. Zarur, tem em sua sala o recibo original que Dr. Fagundes assinou no valor de 200$000 (correspondentes a 200 camisas de brim, nem metade das custas originais), bem como o crucifixo que foi beijado por Tiradentes no momento do cadafalso e levado pelo seu confessor, frei Francisco de Penaforte, o qual deixou páginas celebres sobre Tiradentes falando sobre seu talento, sobre o cortejo, sobre a forma como Tiradentes se comportou. Ambos (recibo e crucifixo) foram projetados pelo palestrante para comprovar o que estava dizendo. (...) (grifo nosso)

[NEVES, 2018] escreve a respeito do Inquérito e do Processo nos Autos da Devassa:
A apuração do crime de lesa-majestade cometido pelos inconfidentes foi feita por meio de rito processual cujo objetivo era o de realizar a mais completa investigação sobre o movimento. Eram os Autos de Devassa (cuja versão impressa foi publicada pela Câmara dos Deputados e pelo governo de Minas Gerais, em edições de 1936, 1978 e 1982). Esse rito, a devassa, tinha por principal objetivo o exame de documentos, inquirição de testemunhas, interrogatório de acusados, acareações, enfim, a verificação de todos os indícios e provas que pudessem definir os fatos configuradores do crime em questão e formar o juízo de convencimento de culpabilidade de Tiradentes e dos demais inconfidentes. Era, portanto, um rito processual previsto nas Ordenações do Reino, de natureza criminal, cujo objetivo era realizar verdadeira inquisição, em que – pasme o leitor – não se asseguravam aos acusados o direito de defesa e o exercício do contraditório.
Nos dias de hoje, em que prevalece o princípio do due process of law (devido processo legal), a investigação criminal, sempre acompanhada por advogados regularmente constituídos pelas partes envolvidas, é realizada por inquéritos policiais, cujos resultados são encaminhados ao Ministério Público para que este tome uma de três providências: solicite o aprofundamento das investigações, requeira o arquivamento do inquérito ou, se for o caso, ofereça a denúncia ao Poder Judiciário. Em regra, somente a partir desse momento o juiz passa a atuar, podendo receber, ou não, a denúncia, tudo sempre realizado com absoluta imparcialidade e com mandatório atendimento ao princípio do contraditório.
No processo Auto de Devassa, as regras eram bem diferentes. Inquérito e processo eram conduzidos pelos próprios juízes e escrivães, permanecendo os acusados incomunicáveis e sem que os seus advogados pudessem atuar enquanto não finalizado todo o procedimento investigatório. Esses profissionais somente poderiam atuar e apresentar suas defesas quando a devassa fosse concluída, sem que tivessem tido contato, de qualquer espécie, com aqueles cuja defesa estivesse sendo por eles patrocinada.

[HENRIQUES, 2015, 93-96] fez as seguintes considerações a respeito dos 3 delatores dos inconfidentes: "Joaquim Silvério dos Reis, morador e proprietário da Fazenda da Caveira, situada na Borda do Campo, foi um dos primeiros a se revoltar dado às constantes cobranças que lhe fazia o Visconde. Silvério dos Reis entrou para o grupo dos revoltosos e, posteriormente, foi o primeiro grande traidor, e pior ainda, denunciou seus dois cunhados, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes e o Padre José de Oliveira Lopes, e, ainda, Domingos Vidal Barbosa, que era primo de sua mulher. Outro devedor de impostos e de entradas de mercadorias era o também português Basílio de Brito Malheiro do Lago, Tenente Coronel do Regimento Auxiliar de Paracatu, que acabou sendo o segundo delator e prestou serviços de informante ao governador, ao ficar coletando conversas nas tabernas e estalagens. João Rodrigues de Macedo, o mais rico e o maior devedor da Fazenda, era também contrabandista de ouro por prata argentina, que se fazia em alto mar, na altura do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Também contrabandeava escravos por mercadorias. Era suspeito de ser inconfidente, mas, como a maioria dos portugueses suspeitos, foi ignorado. (...) Os grupos de São João e Vila Rica usavam Tiradentes nas suas andanças, para aliciar pessoas importantes, influentes e ricas, que poderiam ajudar o movimento com suas inteligências e dinheiro. (...) O grupo de Vila Rica, secretariado pelo maçom José Álvares Maciel, tinha em Cláudio Manuel da Costa e Tomás Gonzaga os elementos que estavam escrevendo as novas leis republicanas do Brasil, adaptadas das leis americanas, elaboradas por Thomas Jefferson, para a recente independência dos Estados Unidos da América.
Alvarenga Peixoto e Tiradentes em São João del-Rei já tinham delineado a nova bandeira brasileira, com um triângulo ao centro e com os escritos “Libertas Quae Sera Tamen” (liberdade ainda que tardia) nas cores azul, vermelha e branca, tudo copiado das cores francesas que representavam a liberdade, a fraternidade e a igualdade. Domingos de Abreu Vieira, Tenente Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Minas Novas e contratador de dízimos, era um dos poucos portugueses no movimento, o qual também devia muito à Coroa. Ele, o mais velho dos inconfidentes, nascido em 1724, daria a pólvora e bestas. Foi atribuído a Abreu Vieira o aliciamento do padre Rolim, natural do Serro Frio, líder da região do Tejuco, onde juntamente com seu pai, o Sargento Mor José da Silva Oliveira, traficavam ouro e diamantes. Alvarenga Peixoto, o mais rico dos inconfidentes, daria 200 homens armados e 200 cavalos. Tomás Antônio Gonzaga, depois de muita insistência, conseguiu convencer o velho advogado de Vila Rica, Cláudio Manoel da costa, a entrar no movimento. O aliciamento mais difícil e mais arriscado ficou por conta de Tiradentes. Depois de um trabalho minucioso e persistente, conseguiu aliciar seu próprio chefe, o comandante do Regimento Pago de Cavalaria de Minas Gerais, o carioca Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, filho do 2º Conde de Bobadela. Em 27/12/1788 voltaram a se reunir praticamente todos os inconfidentes na casa do Tenente Coronel Freire de Andrada, em Vila Rica, para combinares o dia do levante.
Lá ficou resolvido que as cabeças do Governador, do Subcomandante do Regimento de Cavalaria de Minas Gerais, localizado em Vila Rica, e do Administrador de Contratos e Administrador Real da Fazenda, Carlos José da Silva, seriam cortadas, respectivamente por Tiradentes, Comandante Freire de Andrada e Luiz Vaz, eexpostas em praça pública para mostrarem aos conterrâneos que o comando português não mais existia.
Outros acordos foram selados, como definida a capital em São João del-Rei, a bandeira em forma de triângulo com os dizeres “Libertas Quae Sera Tamen” (Liberdade ainda que tardia), a universidade foi definido que seria em Vila Rica, e não em São João del-Rei, que José Álvares Maciel seria o comandante da fábrica de ferro, que seria solicitado à SS. Papa Pio VI a condição de o padre Toledo promover-se em bispo da diocese de Mariana e que haveria uma Junta para comandar o novo país, por um militar graduado, um diocesano, um magistrado e um coronel da cavalaria auxiliar não paga. Decidiram também que a confecção de têxteis voltaria, que as comarcas seriam dirigidas por um presidente da Câmara e três vereadores, todos votados pelo povo, dois Juízes de Fora, um escrivão e um procurador escolhido entre os homens bons da vila. O presidente da Câmara teria, se necessário, o voto de desempate em quaisquer decisões.” Todos os conspiradores – exceto os três citados que denunciaram a conspiração – foram condenados por crime de lesa-majestade, definidos como “traição ao Rei”. Mais tarde, por clemência de D. Maria I, todas as sentenças, exceto a do Tiradentes que tinha assumido toda a culpa pela “inconfidência”, tiveram a sentença de morte natural mudada para degredo na África, ou degredo em Portugal, no caso de membros do clero.

[HENRIQUES, 2015, 86-92 e ADIM, 1977, tomo 8, 19-35], com base no tomo 8 e em palestra da historiadora Dra. Isolde Helena Brans ao IHG de São João del-Rei, fala de uma iniciativa discretíssima dos conspiradores constituída por emissários ou delegados que atuavam junto a Thomas Jefferson, quando ministro americano na França, conforme [ADIM, 1977, 8, 19-35]. Eram eles José Joaquim da Maia, ocultado sob o codinome Vendek, Domingos Vidal Barbosa e José Álvares Maciel. Houve correspondências entre Vendek e Thomas Jefferson, amplamente documentadas, e, inclusive, pelo menos um encontro entre os dois “em Nîmes, a poucos quilômetros de Montpellier, reunião da qual saiu um extenso relatório de Jefferson para John Jay, Secretário de Estado dos Estados Unidos em Filadélfia.” (vide ADIM: 1977, 8, p. 28-35) E continua na p. 88: “Até mesmo Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, em março de 1787 fez requerimento para viajar ao Reino, com desculpas de consertar uma sua propriedade em Lisboa, o que foi aceito ajudado também por um projeto que, inteligentemente, Tiradentes também propôs e que estava preocupando a Corte, que era abastecer o Rio de Janeiro de águas tiradas do Rio Maracanã, projeto esse muito reclamado por proprietários de moinhos de trigo e milho, naquela parte do Rio de Janeiro, que contava com 50 mil habitantes. Com os afazeres que Tiradentes se incumbia, ficou inviável a sua ida para o Reino, já que o movimento crescia a cada instante. (...)"  E “quanto à ida de Tiradentes a Lisboa a partir de setembro de 1787, defendida pela respeitável Dra. Isolde Helena Brans, de naturalidade gaúcha e moradora na cidade de Campinas (SP), parece difícil defender sua tese na qual afirma que o Alferes Joaquim José esteve em Lisboa a partir de 04 de setembro de 1787. (...) Por outro lado, como afirma Tarquínio José Barbosa de Oliveira, em nota de rodapé à p. 26 do mencionado volume 8 do ADIM, o Alferes teve diversos compromissos comprovadamente no Brasil. (...) Também em nota de rodapé (ADIM, 1977, 8, p. 106), Rodrigues Lapa, um dos maiores pesquisadores da Inconfidência Mineira, diz ser impossível a ida do Alferes a Lisboa, mesmo quando da renovação do pedido, já que em princípio de agosto de 1788 Tiradentes voltava a Vila Rica escoltando o Des. Pedro J. A. Saldanha, nomeado para suceder a Tomás Antônio Gonzaga. (...)”

Vimos acima que o Juiz Dr. Auro Aparecido Maia de Andrade se convenceu de que a Dra. Isolde Helena Brans possui argumentos fortes com os quais defende documentalmente que Tiradentes de fato foi à Europa. Tiradentes tinha pedido uma primeira vez para se ausentar (março de 1787), mas não foi; na segunda vez (setembro de 1787), entretanto, ele foi, segunda ela. Disse que todos os que chegavam a Portugal deviam estar registrados no Livro do Tombo da Torre de Lisboa e a chegada de Tiradentes estava de fato lá. Por isso, estou convencido de que o livro Tiradentes Face a Face, da pesquisadora Dra. Isolde Helena Brans, que estuda especificamente a relação dos conjurados com Thomas Jefferson, por meio de encontros e correspondências deste com estudantes de Coimbra que tentavam o apoio dos Estados Unidos para a revolução que se preparava no Brasil, contém elementos que os historiadores precisam ter em conta. A autora apresenta um conjunto de "novos" documentos descobertos no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa que levam a interessantes constatações, até mesmo da participação do Tiradentes nesses episódios, o que merece atenção especial dos pesquisadores que se interessam pelo tema. Tendo já proferido palestras a convite do IHG de São João del-Rei (em 1º de dezembro de  2002 e no ano de 2007), Dra. Isolde Brans abriu a programação do "3º Ciclo de Estudos do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei e Seminário Liberdade e Cidadania" com uma Mesa redonda sobre suas novas descobertas acerca de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. O importante evento (3º Ciclo de Estudos), que era promovido pelo IHG local e pela Chancelaria da "Comenda da Liberdade e Cidadania", ocorreu do dia 9 ao dia 12 de novembro de 2011, data da comemoração do batizado do Tiradentes. Em sua exposição, Dra. Isolde projetou na tela a imagem ampliada de documentos que ela colecionava comprovando a presença do Tiradentes na Europa, provenientes: 
1. do "Livro da Porta" onde se registravam as pessoas que chegavam à Corte portuguesa , ela descobriu o nome do Alferes, com a data de 4 de setembro de 1787.
2. da Torre do Tombo, encontrou referência à estada do Tiradentes em Lisboa no livro 30 da Chancelaria da Rainha D. Maria I.
Justificou a viagem do Alferes à Europa através das suas petições de licença à Rainha e o consequente deferimento delas e de um salvo-conduto concedido pela Rainha.
Por fim, como reforço da fundamentação da ida do Alferes à Euopa, Dra. Isolde citou uma anotação em que o advogado de defesa dos conjurados, Dr. José de Oliveira Fagundes, em 18 de abril de 1792, após ter vista do processo, redigiu um rascunho pessoalmente ou por algum dos advogados que o assistiam nessa defesa, onde estava escrito: “O Dr. José de Oliveira Fagundes nomeado advogado ex-officio defensor de 29 réos... 1º Alferes Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes, auctor e cabeça, fallador, inimigo de Gonzaga, preterido 4 vezes, sendo bom militar pobre tudo confessou, entusiastha pela America Ingleza chegara da Europa ha pouco tempo e occupava-se em um trapiche em Andaray...
Nos seus diversos e valiosos livros, ela defende que Tiradentes era muito mais que um mártir, como tem sido sempre retratado; era um ativista de primeira linha, um estadista que, àquela época, em 1797, estabeleceu contatos pessoais com Thomas Jefferson, então embaixador dos Estados Unidos na França, o que foi feito através da operação "Vendek", em que atuou como emissário e interlocutor.

Darcy Ribeiro, em histórica entrevista a Ângela Regina Cunha (Jornal do Brasil, edição de 21 de abril de 1992, no caderno Cidade, p. 2), intitulada "A história oficial é anti-Tiradentes", quando indagado sobre o que pretendia falar num seminário que trataria de heróis nacionais de vários povos, respondeu que falaria sobre Tiradentes. Eis a parte final da matéria: 
“(...) J.B. Qual a programação do seminário em que o senhor falará sobre Tiradentes? 
Darcy Ribeiro:  Serão três conferências no Museu Nacional de Belas Artes. Quem vai abrir o ciclo é o secretário nacional de Cultura, Sérgio Paulo Rouanet. Vários oradores falarão sobre os heróis de seus respectivos países. Haverá palestras sobre Juarez, Bolívar, Toussant Louverture, Tupac Amaru, San Martin, José Martí e Artigas.
J.B. O senhor poderia adiantar alguns pontos de sua palestra? 
Darcy Ribeiro: Pretendo dar ênfase ao revisionismo histórico. Por exemplo, há documentos e anotação nos Autos da Devassa que mostram Tiradentes como "recém-chegado" da Europa. Vou mostrar como se fez uma profunda investigação sobre os encontros de brasileiros com Thomas Jefferson no sul da França. Jefferson mandou um documento muito extenso ao governo norte-americano, com muitas informações sobre o Brasil e falando favoravelmente à hipótese do governo americano ajudar a independência do Brasil. 
J.B. Mas há provas do encontro de Tiradentes com Thomas Jefferson? 
Darcy Ribeiro: Nesse momento, o desafio mais forte à historiografia brasileira é para que ela tome vergonha e examine esse tema. Dada a quantidade de provas cumuladas, não há dúvida de que Tiradentes esteve na Europa e seja um dos vendeks, pseudônimo dos brasileiros que estiveram com Jefferson. Há uma documentação grande sobre isso nos arquivos de Jefferson. A historiadora Helena Brans fez o levantamento de vários documentos e publicou um livro sobre isso. 
A leitura da sentença de Tiradentes (óleo sobre tela de Leopoldino Faria)
J.B. Por que isso nunca veio à tona? 
Darcy Ribeiro: Porque sempre houve grande má vontade histórica. A história foi toda deformada e estamos falando de fatos que aconteceram há 200 anos. E se uma coisa ocorrida há 20 anos tem muitos testemunhos e diferentes versões, o que houve há 200 anos é muito mais difícil. Mas, nesse caso, embora não haja uma prova completa, há uma série de indícios muito importantes. Espero que essa conversa de eruditos chegue aos livros mas é muito difícil lutar contra o chumbo da tradição histórica. 
J.B. Que outras injustiças a história comete em relação a Tiradentes? 
Darcy Ribeiro: Historiadores imbecis dizem que Tiradentes não era médico, era um curandeiro. Ora, como se pode exigir que ele fosse médico, se a primeira faculdade de Medicina só foi criada muitas décadas depois? Também dizem que ele, embora um especialista em mineração que dava pareceres a governos locais sobre os pontos mais propícios a ter minérios ou ouro, não era geólogo. Nem podia, pois a primeira escola de geologia só veio a ser criada por D. Pedro II. (...)

Tendo abordado os principais elementos do ADIM, que espero o leitor tenha acompanhado até aqui, é preciso ressaltar que a Devassa da Inconfidência Mineira ou o processo judicial movido pela Coroa portuguesa contra os conjurados para apuração do crime de lesa-majestade, foi o mais importante processo de nosso País. Finalmente, vou tentar concatenar a linha do tempo com o progresso dos fatos jurídicos ocorridos durante o período de 1789-1792, com a finalização com a sentença lida em 19/04/1792. 


Relembrando, as duas primeiras Devassas começaram uma no Rio de Janeiro em maio/1789 (sob a jurisdição do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Souza) e a outra, em MG em 12/06/1789 (sob a jurisdição do Visconde de Barbacena). Mas tio e sobrinho, respectivamente Luis de Vasconcelos e Souza e o Visconde de Barbacena, por vaidade, interesses pessoais ou medo por “terem culpa no cartório” (em especial, neste último caso, o Visconde de Barbacena), ambos se desentenderam. Houve ainda uma terceira Devassa, que foi aberta pelo Conselho Ultramarino, que, por ter vindo da parte da Rainha, se chamava Alçada Régia, ou seja, da competência da Rainha (tendo começado a atuar em janeiro/1791). 


Cronologia dos acontecimentos anteriores à execução do Tiradentes

29/01/1788: Nas Instruções do Ministro Martinho de Melo e Castro ao Visconde de Barbacena, Lisboa: “(...) Entre todos os povos de que se compõem as diferentes capitanias do Brasil, nenhuns talvez custaram mais a sujeitar e reduzir à devida obediência e submissão de vassalos ao seu Soberano, como foram os de Minas Gerais. (...)”
11/07/1788: Observe que o Tomo I, p. 54-55 dos ADIM traz a seguinte informação:
“a 11 de agosto de 1786 era nomeado Luiz Antônio Furtado de Mendonça, Visconde de Barbacena, para substituir Luís da Cunha Meneses, o detestado “Fanfarrão Minésio” das Cartas Chilenas, no posto de Governador e Capitão-General da Capitania de Minas Gerais. A posse do novo titular só ocorreria dois anos depois, a 11/07/1788. (...) Convém lembrar que o Doutor José Álvares Maciel chegou ao Rio de Janeiro na mesma época que o Governador de Minas e foi por ele, de fato, encarregado de proceder ao levantamento dos recursos naturais da Capitania. Residiu durante algum tempo no palácio de Cachoeira do Campo, onde habitava o Visconde. Ao instaurar-se a Devassa contra os Inconfidentes em Vila Rica, não foi incomodado, tanto assim que uma Portaria da Junta da Real Fazenda, datada de 15/07/1789, ordenava que lhe fosse fornecido material destinado a trabalhos de pesquisa mineralógica. Somente em outubro do mesmo ano seria preso, juntamente com o cunhado, o Tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, Comandante do Regimento de Cavalaria Regular de Minas Gerais, de cuja 6ª Companhia fazia parte, desde 01/12/1775, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier. Condenado à morte, teve Maciel a pena transformada em degredo para Angola, onde alguns anos mais tarde seria encarregado da instalação de uma fábrica de ferro. Em ofício de 19/09/1799, o Governador de Angola comunicava a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, sucessor no Ministério da Marinha e Ultramar de Martinho de Melo e Castro, falecido em 1795, que José Álvares Maciel me certificou ter descoberto em Vila Rica nas fraldas do Seramenha, junto ao rio que ali passa, no Distrito da Freguesia de Antônio Dias, vitríolo de cobre, o qual corre dentre um banco de xisto e nos tempos de seca costuma cristalizar-se em pequenas pirâmides. Que no mesmo sítio achou uma argila micácia semelhante a mica e de cor verde, que exposta ao fogo perde em breve espaço a cor e se liquefaz como o vidro. Que no Morro das Lajes há abundância de arsênico, de ouro pimenta e de ferro, e na minha chamada do Gontijo, enxofre. E finalmente, que desde a Cachoeira do Campo até São João do Morro Vermelho, há um banco de pedras agregadas que tem uma braça de largo e outra de alto no qual descobriu grande riqueza de cobre puro.”
Teria o Visconde de Barbacena tido conhecimento destas descobertas quando José Álvares Maciel ainda residia em Minas Gerais?
15-26/12/1788: período mais intenso das reuniões dos inconfidentes
Jan 1789: Joaquim Silvério dos Reis contrata Cláudio como advogado
Fev 1789: lançamento programado da derrama

14/03/1789: Visconde de Barbacena comunica por ofício à Câmara de Vila Rica que está suspensa a Derrama (dispositivo fiscal aplicado em Minas Gerais a partir de 1751 a fim de assegurar o teto de cem arrobas anuais na arrecadação do quinto do ouro, direcionadas diretamente à Coroa Portuguesa)
15/03/1789: Joaquim Silvério dos Reis visita o Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General da Capitania de Minas Gerais, em sua residência de Cachoeira do Campo
23/03/1789: Visconde comunica por ofício às demais Câmaras Municipais sua decisão de suspender a cobrança do vultoso débito
25/03/1789: Visconde escreve a seu tio, Luiz de Vasconcelos e Sousa, 12º Vice-Rei do Brasil, dando-lhe as primeiras notícias da conspiração e pedindo socorro militar
11/04/1789: Silvério dos Reis entrega ao Visconde de Barbacena sua denúncia, por escrito
19/04/1789: Visconde de Barbacena despacha Joaquim Silvério dos Reis para o Rio de Janeiro para repetir a denúncia ao Vice-Rei e seguir os passos do Alferes que, devidamente licenciado, deixara a 6ª Companhia do Regimento de Cavalaria Regular e seguira para a capital brasileira para se informar sobre umas petições que endereçara, nos anos anteriores, às autoridades do Reino. Também aproveitaria a ocasião para “sondar os ânimos” de moradores da capital sobre o levante premeditado em Vila Rica e para conseguir a adesão das Capitanias do Rio de Janeiro e de São Paulo.
07/05/1789:  Vice-Rei assina Portaria, instaurando a 1ª Devassa para apuração do premeditado crime de rebelião, aberta portanto no Rio de Janeiro. O Vice-Rei designou como juiz o desembargador (José Pedro Machado Coelho) Torres e como escrivão, o ouvidor Marcelino Pereira Cleto. Nessa portaria, foi determinada a prisão de Tiradentes, que se encontrava foragido desde o dia anterior ao da sua publicação.
10/05/1789: Tiradentes preso no sótão de uma casa da rua dos Latoeiros; na mesma ocasião, foi também detido Silvério dos Reis, a bem das diligências para investigação e comprovação dos fatos alegados em sua denúncia.
20/05/1789: Visconde de Barbacena ordena prisões do Pe. Carlos Correia de Toledo e Melo, Alvarenga Peixoto e Luiz Vaz de Toledo Piza (este fugiu e só se apresentaria mais tarde), todos residentes na Comarca do Rio das Mortes
22/05/1789: 1ª inquirição do Tiradentes, na Fortaleza da Ilha das Cobras
“(...) E sendo perguntado como se chamava, de quem era filho, donde era natural, se tinha algumas ordens, se era casado, ou solteiro, e que ocupação tinha. Respondeu que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos, e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal, termo da Vila de S. João del-Rei, Capitania de Minas Gerais, que tinha quarenta e um anos de idade, que era solteiro, que não tinha ordens algumas, e com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça, vi que não tinha tonsura alguma, e que era Alferes do Regimento de Cavalaria paga de Minas Gerais. (...)” (grifo nosso)
23/05/1789: idem para Tomás Antônio Gonzaga, morador em Vila Rica
27/05/1789: 2ª inquirição do Tiradentes, na Fortaleza da Ilha das Cobras
30/05/1789: 3ª inquirição do Tiradentes, na Fortaleza da Ilha das Cobras
02 a 03/06/1789: os primeiros presos chegam ao Rio
12/06/1789: Visconde de Barbacena assina Portaria ordenando instalação de uma 2ª Devassa na Capitania de Minas Gerais, conhecida como Devassa Mineira, com base na denúncia por escrito feita por Silvério dos Reis em 11/04/1789, contrariando os interesses do tio que queria reunir num só processo as investigações incorporadas à Devassa de Minas Gerais. Nomeia juiz Pedro José Araújo de Saldanha e escrivão José Caetano César Manitti.
Sobre essa disputa de poder entre tio e sobrinho, [NEVES, 2018] escreve: “Dessa dualidade de ritos processuais sobre o mesmo tema, decorreu um conflito de jurisdições e o consequente tumulto das investigações, que culminaram com o envio de duas devassas sobre a Inconfidência Mineira diretamente para Martinho de Melo e Castro, ministro de Portugal.
Constatado esse conflito, o ministro decidiu enviar ao Brasil o denominado Tribunal de Alçada para representar a Casa de Suplicação, a mais alta Corte da Coroa de Portugal.
A vinda desse tribunal pôs fim ao conflito de jurisdições que se instalara no Brasil, entre a devassa de Minas e a da capital do Vice-Reino do Brasil, mas, por outro lado, imprimiu extremo rigor no julgamento em si.” Logo depois, as devassas são unificadas no Rio.
22/06/1789: prisão do cônego Luiz Vieira da Silva em Mariana
25/06/1789: prisão de Cláudio Manoel da Costa
02/07/1789: inquirição de Cláudio Manoel da Costa na Casa dos Contos
04/07/1789: Cláudio Manoel da Costa é encontrado morto, sob a escada da Casa dos Contos de propriedade do contratador João Rodrigues de Macedo. O fato é que Cláudio Manoel estava na casa de um dos maiores devedores da Fazenda Real. Não foi um suicídio, como o próprio governador tentou passar. Provavelmente, a confissão de Cláudio Manoel feriu o pacto de silêncio entre os conjurados e, então, houve a queima de arquivo.
18/01/1790:  4ª inquirição do Tiradentes, na Fortaleza da Ilha das Cobras, em que o Respondente trouxe para si a integral responsabilidade pela organização do movimento.
Lê-se no Tomo 5, p. 31-33 nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira:
“(...) E sendo-lhe instado, que dissesse a verdade, à qual tinha faltado em todo o sentido (...). Respondeu, que ele até agora negou por querer encobrir a sua culpa, e não querer perder ninguém; porém que à vista das fortíssimas instâncias com que se vê atacado, e a que não pode responder corretamente senão faltando clara, e conhecidamente à verdade, que se premeditava o levante, que ele Respondente confessa ter sido quem ideou tudo, sem que nenhuma outra pessoa o movesse, nem lhe inspirasse coisa alguma, e que tendo projetado o dito levante, o que fizera desesperado, por ter sido preterido quatro vezes, parecendo a ele Respondente, que tinha sido muito exato no serviço, e que achando-o para as diligências mais arriscadas, para as promoções e aumento de postos achavam a outros, que só podiam campar por mais bonitos, ou por terem comadres, que servissem de empenho (...) que a primeira pessoa a quem falou, propondo-lhe o intento da sublevação, e motim foi nesta cidade o qual aprovou o projeto da premeditada sublevação, e motim, e nesta Cidade do Rio de Janeiro, onde nesta ocasião se encontrou com o dito José Álvares Maciel ³ não falou a pessoa alguma mais, e o modo por que falou ao dito José Álvares Maciel foi; porque tendo ele chegado da Inglaterra, e indo ele Respondente visitá-lo em razão de ser cunhado do seu tenente-coronel, falaram sobre os conhecimentos, que o dito José Álvares Maciel tinha adquirido a respeito de manufaturas e mineralogia, dizendo que os nacionais desta América não sabiam os tesouros que tinham, e que podiam aqui ter tudo se soubessem fabricar, passou depois o Respondente a falar dos governos, e como vexavam os povos, e que também ele era um dos queixosos, ao que o dito José Álvares Maciel disse, que pelas nações estrangeiras por onde tinha andado, ouvira falar com admiração de não terem seguido o exemplo da América inglesa; com este dito entrou o Respondente a lembrar-se da independência, que este País podia ter, entrou a desejá-la, e ultimamente a cuidar no modo, por que poderia isso efetuar-se (...)

Récueil des Loix Constitutifes des États-Unis, importante raridade bibliográfica, presenteado por José Álvares Maciel a Tiradentes, ao chegar da Europa. Em 1860 o exemplar foi dado por Alexandre José de Mello Moraes, Diretor da Biblioteca Nacional, à Biblioteca Pública de Santa Catarina. Em 1984, durante o governo de Tancredo Neves em Minas, o Governador catarinense Espiridião Amin veio a Ouro Preto na cerimônia de 21 de abril e devolveu a relíquia a Minas Gerais, onde se encontra no Museu da Inconfidência.
Em consequência do ajuste, de que ele Respondente capacitasse, e seduzisse as pessoas que pudesse, para entrarem na sublevação, e motim, procurou ele Respondente falar a algumas pessoas, usando da arte, que lhe parecia necessária conforme os caracteres delas, e aproveitando as ocasiões, que se lhe ofereciam para isso (...)”
E, ao final da inquirição, vem a seguinte observação: “E declaro que o Respondente esteve a estas perguntas livre de ferros, e em liberdade (...).
Desembargador e juiz da devassa (José Pedro Machado Coelho) Torres
Ouvidor e Corregedor da Comarca do Rio de Janeiro e escrivão Marcelino Pereira Cleto
Joaquim José da Silva Xavier (Alferes, inquirido)
José dos Santos Roiz e Araújo (tabelião)
14/07/1789: sequestro dos bens de Cláudio Manoel da Costa, incluindo a fazenda do Fundão
16/07/1789: Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Sousa escreve ao ministro da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro, falando da Conjuração de Minas Gerais
28/07/1789: início da Devassa no Rio de Janeiro
31/07/1789: novo sequestro dos bens de Cláudio Manoel da Costa, incluindo a casa de Vila Rica
01/08/1789: novo sequestro dos bens de Cláudio Manoel da Costa, incluindo o sítio e lavras do Canela nos arredores de Mariana
04/02/1790: 5ª inquirição do Tiradentes, na Fortaleza da Ilha das Cobras
11/02/1790: Visconde de Barbacena envia uma cópia dos autos da Devassa mineira diretamente ao Ministro Martinho de Melo e Castro, primeiro-ministro da Rainha D. Maria I em Portugal
20/02/1790: segue uma segunda cópia para o Governador da Bahia com pedido de que a pusesse em navio seguro para o Reino
set-out/1790: ministro Martinho de Melo e Castro dá diretrizes para MG; institui tribunal de alçada para investigar especificamente os assuntos relacionados à Inconfidência Mineira
24/12/1790: Alçada chega ao Rio de Janeiro
[ADIM, 1977, tomo 1, 26] registra: “(...) Em Portugal, recebendo todos esses documentos, o Ministro Martinho de Melo e Castro tomava conhecimento amplo dos fatos e do conflito de jurisdição resultante de duas devassas sobre o mesmo delito, e solucionou de vez a questão despachando para o Brasil um tribunal de Alçada, destinado a avocar a si todo o procedimento judicial. Designou, como Chanceler, o Conselheiro Sebastião Xavier de VASCONCELOS COUTINHO, Chanceler nomeado para a Relação do Rio de Janeiro, e como Juízes-Adjuntos, os Desembargadores da Suplicação, Doutores Antônio Dinis da Cruz e Silva, Agravante, e Antônio Gomes Ribeiro, Agravista. Completar-se-ia o seu número com ministros da Relação do Rio de Janeiro em 1791.”
14/04/1791: 6ª inquirição do Tiradentes, na Fortaleza da Ilha das Cobras
20/06/1791: 7ª inquirição do Tiradentes, na Fortaleza da Ilha das Cobras
22/06/1791: 8ª inquirição do Tiradentes, na Fortaleza da Ilha das Cobras: acareação com Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Domingos de Abreu Vieira
04/07/1791: 9ª inquirição do Tiradentes, nas Cadeias da Relação, Rio
07/07/1791: 10ª inquirição do Tiradentes, nas Cadeias da Relação, Rio: acareação com Francisco de Paula Freire de Andrada e Pe. Carlos Correia de Toledo
15/07/1791:  11ª inquirição do Tiradentes, nas Cadeias da Relação, Rio
Lê-se no Tomo 5, p. 73-74: “(...) Foi novamente perguntado pelas mais pessoas, que elle Respondente sabe, que entravam no Levante, e a quem tinha induzido para o dito fim; porquanto consta, que além das pessoas que tem declarado, havia outras, a quem ele Respondente tinha induzido para o partido do levante; tanto nesta cidade, como em Minas Gerais, e em São João del-Rei; o que agora deve declarar sem reserva alguma como era obrigado.
Respondeu, que nem nesta cidade, nem em Minas Gerais, em São João del-Rei, induziu pessoa alguma para entrar no levante, nem sabe que para isso fossem por outros convidados; nem em São João del-Rei tem amizade com alguém; e suposto que nesta terra conheça algumas pessoas, por conta da sua habilidade de pôr e tirar dentes, com nenhuma tem amizade particular, e a nenhuma falou para o levante além do Ajudante João José Nunes Carneiro, como já tem dito.
Foi perguntado, quem eram as pessoas de maior representação que conhecia nesta cidade?
Respondeu, que eram Possidônio Carneiro, e Antônio Ribeiro de Avelar, por ter ido à casa dos mesmos por conta da dita habilidade de pôr e tirar dentes.
Foi mais perguntado, se algum deles falou em alguma ocasião sobre a riqueza, e preciosidade do país de Minas; que era a forma com que ele Respondente principiava a sondar os ânimos para falar depois no levante?
Respondeu, que nunca falou aos ditos em nada disso.
Foi instado, que dissesse a verdade, porquanto constava que ele Respondente tinha em Minas Gerais, em São João del-Rei, sessenta pessoas prontas para auxiliarem o levante; e que assim o dissera ele Respondente a alguns dos seus sócios?
Respondeu, que não os tinha, nem disse tal a pessoa alguma. (...)”
19/04/1792: Leitura da sentença dos réus, no Rio de Janeiro
Sentença de Tiradentes, na íntegra, dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira:
“(...) Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre e que depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde em o lugar mais público dela será pregada em um poste alto até que o tempo a consuma; o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregado em postes, pelo caminho de Minas, no sitio da Varginha e das Sebollas, aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sitios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma. Declaram ao réu infame, e infames seus filhos e netos, tendo-os, e seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, e que nunca mais no chão se edifique, e não sendo próprias, serão avaliadas e pagas ao seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu (...)”.
A Sentença do Tiradentes
21/04/1792: Execução de Tiradentes


Execução de Tiradentes (1961), por Alberto da Veiga Guignard
Cecília Meireles, na obra poética Romanceiro da Inconfidência, assim descreve os poderosos de Tiradentes:
Onde estão os poderosos?
Eram todos eles fracos?
Onde estão os protetores?
Seriam todos ingratos?
Mesquinhas almas, mesquinhas,
Dos chamados leais vassalos!

Tudo leva nos seus olhos,
Nos seus olhos espantados,
O Alferes que vai passando
para o imenso cadafalso,
onde morrerá sozinho
por todos os condenados.


Da legislação aplicável

O crime de lesa-majestade, supostamente cometido por Tiradentes e demais inconfidentes, estava previsto no item quinto do Título VI das Ordenações Filipinas, abaixo transcrito, que abordava práticas que caracterizariam a Inconfidência Mineira:
“ORDENAÇÕES FILIPINAS
TÍTULO VI
Do crime de Lesa Magestade [em português arcaico] 
Lesa Magestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rey, ou seu real Stado, que he tão grave e abominável crime que os Sabedores tanto estranharão, que o comparavão à lepra, porque asi como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar; o empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que com ele conversão, pólo que he apartado da comunicação da gente; assi o erro da traição condena o que a commette, e impece a infama os que de sua linha descendem, postoque não tenhão culpa (...)
5. O quinto, se alguém fizer conselho ou confederação contra o Rey ou seu Estado, ou tratar de se levantar contra ele, ou para isso der ajuda, conselho ou favor.”

A pena estabelecida para o crime de lesa-majestade, em todas as suas tipificações, era a seguinte:
“E em todos estes casos, e cada um deles, tem-se como cometido crime de Lesa Majestade, e havido por traidor o que cometer. E sendo o cometedor convencido por qualquer um deles será condenado que morra morte natural cruelmente; e todos os seus bens, que tiver ao tempo da condenação, serão confiscados para a Coroa do Reino, ainda que tenha filhos, ou outros descendentes, ou ascendentes, nascidos antes ou depois de terem cometido tal malefício (...). E, sendo tal crime notório, serão seus bens confiscados por este mesmo feito sem outra alguma sentença.”

No caso dos inconfidentes, sem qualquer processo formado, procedeu-se também ao imediato sequestro dos bens dos presos. A casa do réu (executado) era, em regra, destruída por completo, e o solo, salgado para que dele nada mais brotasse com vida.




A Conjuração Mineira deu ao Brasil a consciência política de nacionalidade. Não há de se falar de um movimento territorial circunscrito, estritamente mineiro, ou seja, de uma elite, eis que a Capitania das Minas era a mais rica da constelação colonial lusitana. Ao lado de heróis mineiros, houve outros de outras origens: carioca era Inácio José de Alvarenga Peixoto; fluminense era Salvador Carvalho do Amaral Gurgel; paulistas eram os irmãos Carlos Correia de Toledo e Luiz Vaz de Toledo; eram portugueses: Domingos de Abreu Vieira, Vicente Vieira da Mota e Antônio de Oliveira Lopes; era irlandês Nicolau Jorge Gwerck.

No seu conteúdo humano, podemos identificar todas as classes irmanadas no holocausto: o negro Nicolau, voluntário no degredo a que foi condenado o seu ex-senhor e amigo, Domingos de Abreu Vieira; os mulatos Vitoriano Gonçalves Veloso, Alexandre Silva, Manuel da Silva Capanema; os sábios cônego filósofo Luiz Vieira da Silva e químico José Álvares Maciel; os fazendeiros José Aires Gomes, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Alvarenga Peixoto, Luiz Vaz de Toledo Piza e os dois José de Resende Costa, pai e filho; o estalajadeiro João da Costa Rodrigues e o agrimensor Antônio de Oliveira Lopes; os profissionais liberais advogado Cláudio Manoel da Costa, médico Domingos Vidal, o naturalista e metalúrgico José de Sá Bittencourt; no clero afazendado, os padres Manuel Rodrigues da Costa, José de Oliveira Lopes, José da Silva e Oliveira Rolim; os sitiantes João Dias da Mota e Francisco José de Melo.

Na sentença mencionava-se o destino que teriam, após o enforcamento, os restos mortais do Alferes: por ordem da rainha dona Maria I, o corpo do mártir deveria ser  esquartejado, salgado e as partes espalhadas ao longo do Caminho Novo, que ligava o Rio a Vila Rica, onde o herói tinha feito “as suas infames práticas ou pregações pela independência”. A cabeça deveria ser levada a Vila Rica e colocada num poste alto “no lugar mais público”, até que o tempo a consumisse. O corpo seria dividido em quatro quartos pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e de Sebollas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma” para desencorajar novos aventureiros.
 

NOTAS  EXPLICATIVAS

 


¹  Por ocasião das comemorações dos 300 anos da cidade de São João del-Rei, Dr. Auro Aparecido Maia de Andrade assim se expressou em artigo intitulado "São João del-Rei: uma breve abordagem histórica", publicado na Gazeta de São João del-Rei em 17/08/2013, ao mostrar a importância da cidade no contexto do Brasil Colônia: "(...) Merece destacar também que no ano de 1755, quando um forte terremoto assolou Lisboa, capital do império português, o então Primeiro-Ministro do rei D. José I, o Marquês de Pombal, que era um sábio administrador, cogitou de transferir a capital daquele reino para São João del-Rei, isto considerando obviamente a expressão desta localidade na mais importante colônia portuguesa de antanho que era o Brasil. (...) 
Através da leitura dos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, colhe-se, em várias ocasiões, referências expressas à cidade de São João del-Rei e sobre sua importância no contexto do referido movimento. Aqui moravam os Inconfidentes Inácio José de Alvarenga Peixoto e sua esposa Bárbara Eliodora, e o Sargento-Mor Luis Vaz de Toledo Piza (irmão do também Inconfidente Pe. Toledo). Na vasta dimensão territorial da Comarca do Rio das Mortes (criada no ano de 1714), cuja cabeça-de-Comarca era São João del-Rei, moravam 15 dos 29 Inconfidentes implicados finalmente nos Autos da Devassa. Nos projetos da Inconfidência Mineira, São João del-Rei seria a capital do Brasil. Foi de Tiradentes, segundo os referidos Autos da Devassa, a propositura de que São João del-Rei seria a capital daquele tão sonhado e merecido Brasil independente da metrópole lusitana. (...) "


²  Esta senha mereceu o título de um romance de ficção de Gilberto de Alencar, denominado “Tal Dia é o Batizado: o romance de Tiradentes”, publicado pela Editora Itatiaia em 1959, abrindo a coleção “Grandes Homens da História”. 

A derrama estava prevista para fevereiro de 1789, contudo os planos não foram à frente, pois a derrama, exigida pela Coroa, teve sua ordem suspensa no dia 14 de março de 1789 pelo governador de Minas, o Visconde de Barbacena, e o grupo conspirador foi denunciado no dia 15 de março por Joaquim Silvério dos Reis, Basílio de Brito e Inácio Correia de Pamplona, em troca do fim de suas dívidas para com a Coroa portuguesa. Silvério dos Reis ainda foi enviado em 19/04/1789 ao Rio de Janeiro, aonde Tiradentes tinha viajado com licença do serviço, a fim de encontrá-lo e entregá-lo ao Vice-Rei Luiz de Vasconcelos e Sousa, tio do Visconde de Barbacena.


[TEODORO, 2014, 31] descreve o que significava a derrama. “A quantidade de 100 arrobas havia sido proposta, por iniciativa das câmaras municipais, na primeira metade do século (XVIII), com a produção de ouro em franca ascensão. Na segunda metade da centúria, como afirma Hélio Viana (in História do Brasil), começaram a acentuar-se os sinais da decadência da mineração de ouro na referida Capitania. Consequentemente começaram os moradores a faltar o compromisso do pagamento anual de 100 arrobas de ouro, destinado à Real Fazenda. Já em 1765 fora aprovada a derrama, isto é, a cobrança forçada e geral, de 13 arrobas deste déficit. Em 1789, ano da conspiração, o total em atraso era de 596 arrobas e, para cobrá-las, o impolítico Secretário de Estado Martinho de Melo e Castro havia enviado enérgicas instruções. O alto déficit orçamentário e uma balança comercial portuguesa desfavorável obriga a Coroa a exigir que o tributo fosse mantido e que se impusesse a derrama para cobrir a diferença anual até 100 arrobas. (...) Podemos acrescentar a essa causa econômica principal, o mau governo que recentemente haviam tido as Minas Gerais, entre 1783 a 1788, dirigidas por Luiz da Cunha Meneses ou o “Fanfarrão Minésio”, contra o qual escreveu alguém o famoso poema satírico das Cartas Chilenas, de autoria fundamentalmente atribuída ao Ouvidor e poeta Tomás Antônio Gonzaga, um dos membros da elite mineira. A hipótese de uma possível mudança do sistema tributário e político não poderia desinteressar aos ricos proprietários de minas, comerciantes e intelectuais residentes na Capitania, poetas de reconhecido mérito, muitos diplomados em Coimbra.


[HENRIQUES, 2015, 93] registra que “a derrama, também conhecida por cobrança dos impostos atrasados, foi a faísca para botar fogo nos grupos de São João del-Rei e de Vila Rica. Pelo fato de o Visconde de Barbacena ter acenado com a cobrança, o descontentamento cresceu, e em consequência também aumentou o número de revoltosos, que foram aos poucos, aderindo aos dois grupos. Os grupos de São João e Vila Rica usavam Tiradentes nas suas andanças, para aliciar pessoas importantes, influentes e ricas, que poderiam ajudar o movimento com suas inteligências e dinheiro. (...)

O grupo de Vila Rica, secretariado pelo maçom José Álvares Maciel, tinha em Cláudio Manuel da Costa e Tomás Gonzaga os elementos que estavam escrevendo as novas leis republicanas do Brasil, adaptadas das leis americanas, elaboradas por Thomas Jefferson, para a recente independência dos Estados Unidos da América.

Alvarenga Peixoto e Tiradentes em São João del-Rei já tinham delineado a nova bandeira brasileira, com um triângulo ao centro e com os escritos “Libertas Quae Sera Tamen” (liberdade ainda que tardia) nas cores azul, vermelha e branca, tudo copiado das cores francesas que representavam a liberdade, a fraternidade e a igualdade.
Domingos de Abreu Vieira, Tenente Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Minas Novas e contratador de dízimos, era um dos poucos portugueses no movimento, o qual também devia muito à Coroa. Ele, o mais velho dos inconfidentes, nascido em 1724, daria a pólvora e bestas. Foi atribuído a Abreu Vieira o aliciamento do padre Rolim, natural do Serro Frio, líder da região do Tejuco, onde juntamente com seu pai, o Sargento Mor José da Silva Oliveira, traficavam ouro e diamantes. Alvarenga Peixoto, o mais rico dos inconfidentes, daria 200 homens armados e 200 cavalos. Tomás Antônio Gonzaga, depois de muita insistência, conseguiu convencer o velho advogado de Vila Rica, Cláudio Manoel da costa, a entrar no movimento.
O aliciamento mais difícil e mais arriscado ficou por conta de Tiradentes. Depois de um trabalho minucioso e persistente, conseguiu aliciar seu próprio chefe, o comandante do Regimento Pago de Cavalaria de Minas Gerais, o carioca Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, filho do 2º Conde de Bobadela.
Em 27/12/1788 voltaram a se reunir praticamente todos os inconfidentes na casa do Tenente Coronel Freire de Andrada, em Vila Rica, para combinares o dia do levante.
Lá ficou resolvido que as cabeças do Governador, do Subcomandante do Regimento de Cavalaria de Minas Gerais, localizado em Vila Rica, e do Administrador de Contratos e Administrador Real da Fazenda, Carlos José da Silva, seriam cortadas, respectivamente por Tiradentes, Comandante Freire de Andrada e Luiz Vaz, e  expostas em praça pública para mostrarem aos conterrâneos que o comando português não mais existia.
Outros acordos foram selados, como definida a capital em São João del-Rei, a bandeira em forma de triângulo com os dizeres “Libertas Quae Sera Tamen” (Liberdade ainda que tardia), a universidade foi definido que seria em Vila Rica, e não em São João del-Rei, que José Álvares Maciel seria o comandante da fábrica de ferro, que seria solicitado à SS. Papa Pio VI a condição de o padre Toledo promover-se em bispo da diocese de Mariana e que haveria uma Junta para comandar o novo país, por um militar graduado, um diocesano, um magistrado e um coronel da cavalaria auxiliar não paga.
Decidiram também que a confecção de têxteis voltaria, que as comarcas seriam dirigidas por um presidente da Câmara e três vereadores, todos votados pelo povo, dois Juízes de Fora, um escrivão e um procurador escolhido entre os homens bons da vila. O presidente da Câmara teria, se necessário, o voto de desempate em quaisquer decisões.


[ANDRADE, Ata nº 498 do IHG-SJDR em 02/11/2014] explicou que "Devassa era um processo como o que teríamos hoje, com uma diferença: no processo criminal atual vem primeiro o inquérito policial que busca levantar informações, sem caráter de judicialidade, sem contraditório. O delegado de polícia passa essas informações ao juiz criminal, que as passa para o promotor que, se vê elementos, faz uma representação chamada denúncia; se não os vê, pede seu arquivamento, porque o juiz pode arquivar ou não. Dr. Auro explicou que, naquela época, bastava uma notícia de um delito para virar devassa. Comentou um detalhe curioso: durante a produção de provas, não havia a presença de um advogado. Só após a coleta de provas, é que entrava o advogado. Valia a tortura, valia a pressão, valia uma pessoa falar e outra escrever. (...) Em seguida, continuou a palestra dizendo que a confissão, hoje, é um meio de defesa. O réu pode confessar, mas não é obrigado a confessar. Se confessar, tem uma atenuante. Naquela época, a confissão era chamada a rainha das provas. Era mais ou menos como na época da Inquisição. Alegava-se que a pessoa sob tortura confessava. Lembrou o detalhe de que o sistema jurídico não era semelhante ao atual. Alertou que falava do sistema de leis e não do sistema judiciário (que também não era igual ao de hoje). Hoje, a prova tem que ser harmonizada com os outros meios de prova do processo, com as demais provas dos autos, como a testemunha, o documento, etc. Nesta altura, elogiou o garantismo penal que vivemos nos dias atuais. O que isso quer dizer? Se o réu é confesso, mas se só tem a confissão dele, ele não é condenado, porque ele pode estar protegendo o amigo, a esposa, etc. Naquela época, se havia uma confissão, o resto ia. Indagou: qual, na Inconfidência Mineira, foi o único que confessou dos vinte e nove leigos e mais cinco sacerdotes? A resposta da assembleia foi Tiradentes. Então, Dr. Auro continuou: os outros negaram, exculparam-se. Indagou então se era para Tiradentes ser condenado. Em se vigorando as Ordenações daquela época, sim; mas, se vigorasse o sistema de hoje, seria absolvido. Na ótica das Ordenações daquela época, o processo de Tiradentes, diferentemente de alguns incautos que o consideram errado, estava correto. O sistema era autoritário, inquisitorial. Explicou que nas escolas, e até nas faculdades, muitos professores ensinam que só Tiradentes foi condenado à morte. Nada mais incorreto. Dr. Auro citou um programa humorístico que se chamava “Cadê os onze?” De fato, Tiradentes foi condenado à morte, mais outros dez. O palestrante deu a relação completa – todos gente graúda – dos líderes da Inconfidência: 01) Alferes Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes; 02) Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade; 03) José Álvares Maciel; 04) Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto; 05) Tenente-Coronel Domingos de Abreu Vieira; 06) Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; 07) Sargento-mor Luiz Vaz de Toledo Piza; 08) cirurgião Salvador Carvalho do Amaral Gurgel; 09) Capitão José de Resende Costa, pai; 10) José de Resende Costa, filho; 11) Domingos Vidal de Barbosa Laje." 

³  José Álvares Maciel era cunhado do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, comandante do Tiradentes.

  Tomás Antônio Gonzaga o cita na Lira nº 22, uma das liras de Marília de Dirceu, escritas durante o período em que esteve preso na Cidade do Rio de Janeiro, antes da condenação ao degredo em Moçambique:
“(...) Já Torres se assenta;
carrega-me o rosto;
do crime suposto
com mil artifícios
indaga a razão.
Mas ah! que não treme,
não treme de susto
o meu coração. (...)”


  Por morte natural, deve-se entender aquela que fosse executada sem o uso de tortura. A morte natural equivale a uma morte rápida. O enforcamento, neste caso, era considerado um meio rápido com o mínimo de sofrimento.







REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 



ANDRADE, Dr. Auro Aparecido Maia: palestra intitulada "A Devassa da Inconfidência Mineira - Breves considerações gerais", transcrita na Ata nº 498 do IHG de São João del-Rei de 2 de novembro de 2014
                                                              — São João del-Rei: uma breve abordagem histórica, in Gazeta de São João del-Rei, edição de 17/08/2013
Disponível em: https://saojoaodelreitransparente.com.br/works/view/1072
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ARAÚJO, Robson Jorge & FILGUEIRAS, Carlos A.L.: O Visconde de Barbacena e o químico José Álvares Maciel: encontro na ciência e desencontro na política, Química Nova, Volume 40, Number 5, 2018, p. 602-612

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