domingo, 14 de dezembro de 2008

São João del-Rei: a terra natal de Tiradentes >>> Parte 2

Por Francisco José dos Santos Braga*

- Artigo publicado originalmente na Revista de Cultura Vozes, ano LXXXVI, janeiro-fevereiro 1992, p. 80-91, nº 1, por ocasião do Bicentenário da Morte do Tiradentes, o qual deu origem a um discurso do Senador Alfredo Campos (PMDB-MG) em Plenário (11/03/1992) e a um opúsculo intitulado "Tiradentes, Cidadão Sanjoanense (uma contribuição ao restabelecimento da verdade histórica acerca do local de nascimento do Tiradentes)", editado pela Gráfica do Senado.

Basílio de Magalhães, natural de Barroso-MG, pela primeira vez ao que me consta, sustentou a tese da cidadania são-joanense do Alferes, em artigos que fez publicar no "Minas Gerais" em 1920, sob o nome singelo de "O Tiradentes é Sanjoanense", reproduzido na Revista do Arquivo Público Mineiro em 1933. Nele, o historiador mostra que "a povoação de S. João d'El-Rei fora elevada à categoria de villa em 8 de dezembro de 1713, de modo que a comarca, fundada no ano seguinte, lhe outorgou domínio e jurisdição sobre toda a vasta superfície territorial compreendida entre o ribeirão das Congonhas e das fronteiras de Guaratinguetá".

Desse ato de 6 de abril de 1714 consta que São João del-Rei já era "cabeça da comarca do Rio das Mortes", cabendo-lhe, por isso, a jurisdição sobre todo o território mineiro compreendido entre os limites de Vila Rica e Guaratinguetá.

Apenas a 19 de janeiro de 1718, o Conde de Assumar erigiu em vila o arraial Velho de Santo Antônio do Rio das Mortes, dando-lhe o nome de S. José d'El-Rey, sob os protestos da Câmara de S. João d'El-Rey.

A 7 de março do mesmo ano, o supracitado governador concedeu à novel vila meia légua de terras em quadra, mas, em face de representação da edilidade são-joanense pelo flagrante desrespeito à sesmaria anteriormente outorgada a esta, houve por bem admitir que "o termo da Villa de Sam Joseph fosse de meia légua em circunferência fazendo Piam na Villa" e subordinado-lhe também à jurisdição os distritos de Cattas Altas da Noruega e Ituberaba.

Com efeito, nem a primitiva sesmaria de meia légua em quadra, muito menos a confirmada de meia légua em circunferência, obtida pela Câmara da Vila de São José del-Rei, atingiam o sítio de Pombal.

A posse legítima de S. João del-Rei no tocante ao Pombal só foi abalada quando, por pressão da Câmara sanjosefense, o então ouvidor-geral da comarca do Rio das Mortes, em capítulo de correição, feito a 17 de dezembro de 1755, determinou que fosse o Rio das Mortes o limite de demarcação natural entre os municípios das duas vilas.

Como a fazenda do Pombal estivesse situada à direita do referido curso d'água, o ato do ouvidor-geral veio dar legalmente à Câmara da vila de São José del-Rei o povoado de Santa Rita do Rio Abaixo e, por conseqüência, o sítio em que nascera o Tiradentes.

No entanto, Basílio entendeu que essa decisão do ouvidor-geral não passou em julgado, porque, em documentos de 1760 e 1779, o Rio Abaixo e a Capela N. S. da Ajuda do Pombal já são tidos como pertencentes a S. João del-Rei, concluindo: "Si, nas relações entre as duas vilas limítrofes, houve um momento, embora ephemero, em que o local, depois celebrizado pelo martyrio do seu filho egrégio, vacillou entre as duas orbitas de posse e de jurisdição - os documentos particulares, sobretudo os existentes nos archivos ecclesiasticos, são accordes, são unanimes a favor de S. João del Rey".

No final de seu artigo, o eminente historiador requer ao governo mineiro se digne reparar a clamorosa usurpação feita a S. João del-Rei, pois foi com base em elementos probantes de evidente precariedade (o processo de inventário da mãe do Tiradentes aforado em 1756 perante a justiça de S. José del-Rei), que o Governo de Minas Gerais "tão levianamente enxertou em S. José del Rei, pela simples virtude de um decreto, o berço de Tiradentes".

Cabe a mim e a todos os brasileiros perguntar, em consonância com Basílio de Magalhães: "E quem é que melhor que o próprio Tiradentes, poderia saber a quem pertencia o pedaço de terra onde viera à luz e que ele havia de santificar pelo mais glorioso martírio?"

Outro historiador, desta feita um sanjoanense, Luís de Melo Alvarenga, supracitado, em artigo manuscrito denominado "Tiradentes é Sanjoanense", a respeito do flagrante equívoco do governo mineiro, entende "que o principal causador foi o ilustre historiador Xavier da Veiga, quando deu favorável a mudança do nome de São José del-Rei, para Tiradentes, por ser, segundo ele, Pombal pertencente a São José. Baseou sua argumentação no inventário da mãe de Tiradentes efetuado em São José, em 1756. Mas, como já vimos, nesta época estava em vigor o ato de correição de 17 de dezembro de 1755, de valor um tanto quanto duvidoso...".

Anteriormente, no mesmo artigo, Melo de Alvarenga já afirmara categoricamente. "Acontece ainda que esta correição só poderia ter valor na parte administrativa interna da ouvidoria, por faltar autoridade legal a um simples ouvidor mudar a demarcação de uma vila, tanto assim que já em 1760 voltava esta região a pertencer a São João del-Rei".

Outro historiador sanjoanense, Fábio Nélson Guimarães, publicou na Revista de História e Arte nº 6 (1964) artigo denominado "Onde Tiradentes Nasceu", no qual lamenta que "a partir de 1963, ano em que São João del-Rei comemorou 250 dezembros de sua autonomia municipalista, com incontido pesar, ela aceitou a perda constitucional da fazenda do Pombal, que se integrou aos destinos de outra cidade, recém-criada. A 1º de março de 1963, Pombal, termo do município são-joanense, vetusta e inquebrantável terra que hospedou na via terrena o primeiro gemido de Joaquim José da Silva Xavier, fixou-se, legalmente, ao patrimônio de Ritápolis ...".

Outro artigo do mesmo pesquisador intitulado "O Local Onde Nasceu o Alferes", editado em 1972 pelo Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, em comemoração ao sesquicentenário da Independência do Brasil, ressalta que, na ocasião da medição e demarcação das divisas da recém-criada vila de São José del-Rei (6 a 8 de fevereiro de 1719) se entendeu que seria "o distrito da vila, limitado pela serra de seu nome..." Ora, esse limite natural - a Serra de São José - interpõe-se entre a Vila de São José e a fazenda do Pombal. O autor deixou explícito que a referida fazenda, não pertencendo à Vila de São José, automaticamente faria parte da jurisdição territorial da Vila de São João, por ser esta, cabeça de comarca. Para comprovar sua tese, acrescenta: "Em 1724, o capitão Francisco Viegas Barbosa (o construtor inicial da então matriz do Pilar são-joanense) obteve licença para edificar a ermida de N. Sra. da Ajuda, no Pombal, ocasião em que declarou que aquele sítio pertencia a São João del-Rei. Foi também o que afirmou o padre Alexandre Marques do Valle, Vigário da Vara, no termo da bênção da ermida, a 15 de julho de 1729". O autor municiou o seu artigo com essas e outras informações, para concluir que "a fazenda do Pombal, até 1755, pertenceu ao termo e jurisdição da Vila de São João del-Rei, quando o Alferes já contava com pouco mais de 9 anos".

Continua...

* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, além da Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do patrimônio histórico nacional.Mais...

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