quinta-feira, 25 de maio de 2023

CORAGEM SOB FOGO: Testando as Doutrinas de Epicteto num Laboratório Comportamental Humano

Por JAMES BOND STOCKDALE *

Tradução do inglês e Notas por Aldo DINUCCI & Joelson NASCIMENTO 

 

INVICTUS 

Por WILLIAM E. HENLEY
   (Trad. Aldo Dinucci)
 
Fora da noite que me cobre 
Negra como carvão de polo a polo 
Agradeço a quaisquer deuses que houver 
Por minha alma invencível. 
 
No feroz aperto das circunstâncias 
Não tremi nem lamentei em voz alta. 
Sob os golpes de clava da fortuna 
Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada. 
 
Para além desse lugar de cólera e lágrimas 
Nada se insinua senão o Horror da sombra, 
E, apesar da ameaça dos anos, 
Encontra-me e haverá de encontrar-me destemido. 
 
Não importa quão estreita seja a passagem, 
Quão carregada de punição a sentença. 
Eu sou o mestre do meu destino: 
Eu sou o comandante de minha alma.
 

Estátua de James Bond Stockdale, US Naval Academy, Annapolis, Maryland, EUA
 

I. CORAGEM SOB FOGO: Testando as Doutrinas de Epicteto num Laboratório Comportamental Humano  ¹
 
Ingressei na vida filosófica como um piloto naval de trinta e oito anos de idade, quando cursava a graduação da Universidade de Stanford. Eu estivera na Marinha por vinte anos e raramente fora de uma cabine de piloto de caça. Em 1962 comecei meu segundo ano como estudante de Relações Internacionais, podendo me estabelecer como um estrategista do Pentágono. Mas meu coração não estava ali. Eu estava ainda para ser inspirado em Stanford, e me via meramente manipulando um tedioso material sobre como as nações haviam se organizado e se governado. Eu estava velho demais para isso. Sabia como os sistemas políticos operavam; os havia derrotado por anos. 
Então, no que podemos chamar de uma acrobacia aérea, cruzei pelos lados do Departamento de Filosofia da Stanford em uma manhã de inverno. Eu tinha cabelos grisalhos e usava roupas civis. Uma voz estrondou de um escritório: “Posso ajudá-lo?” A voz era de Philip Rhinelander, decano de Ciências e Humanidades, que ensinava Filosofia VI: Os Problemas do Bem e do Mal
Primeiramente ele pensou que eu era um professor, mas nós rapidamente descobrimos na Marinha um ponto em comum, porque ele servira durante a Segunda Guerra Mundial. No espaço de quinze minutos concordamos que eu entraria no meio do seu curso de dois períodos e, para compensar minha falta de conhecimento, teríamos de nos reunir por uma hora semanal para aulas particulares em sua casa no campus
Philip Rhinelander abriu-me os olhos. Nesse estudo tudo aconteceu para mim – minha inspiração, minha dedicação à vida filosófica. Daí em diante, eu estava fora de Relações Internacionais – já tinha créditos suficientes para o Mestrado – e entrei para a Filosofia. Começamos a trabalhar de Sócrates a Aristóteles e Descartes. E então passamos para Kant, Hume, Dostoiévski e Camus. Enquanto isso, Rhinelander estava me analisando, tentando descobrir o que eu procurava. Ele percebeu que meu interesse nos Diálogos sobre a Religião Natural de Hume era bastante intenso. Na minha última sessão, ele alcançou o alto de sua estante de livros e me trouxe uma cópia do Encheirídion e disse: “Creio que você se interessará por isso”. 
Encheirídion significa “à mão”. Em outras palavras, é um Manual. Rhinelander explicou que seu autor, Epicteto, era um homem de inteligência e sensibilidade bastante incomuns, que, a partir de sua precoce e direta exposição à extrema crueldade e direta observação do abuso de poder e auto-indulgente libertinagem, amealhou sabedoria ao invés de amargura. 
Epicteto nasceu escravo por volta do ano 50 e cresceu na Ásia Menor falando a língua grega de sua mãe escrava. Por volta dos quinze anos de idade foi despachado para Roma acorrentado, numa caravana de escravos, tendo sido tratado com selvageria por meses durante a viagem. Vendido em Roma como um inválido (seu joelho havia sido despedaçado e deixado sem tratamento), acabou sendo “comprado barato” por um liberto chamado Epafrodito, um secretário do imperador Nero. Foi levado para viver no palácio de Nero num período em que o imperador tratava com negligência o seu império por causa de viagens frequentes à Grécia como ator, músico e condutor de bigas de corrida. Quando em casa, em seus alojamentos em Roma, Nero se ocupava matando seu meio-irmão, sua esposa, sua mãe, sua segunda esposa. Finalmente, foi o senhor de Epicteto, Epafrodito, quem cortou a garganta de Nero, quando este se atrapalhou em seu suicídio enquanto os soldados derrubavam a porta para prendê-lo. 
Isso pôs Epafrodito em maus lençóis, e o agora cauteloso escravo Epicteto percebeu que tinha livre acesso a Roma. Sendo um jovem sério e indubitavelmente desgostoso, gravitou para as magnânimas aulas públicas dos professores estóicos, que eram os filósofos de Roma naqueles dias. Epicteto eventualmente tornou-se aprendiz do melhor professor de Estoicismo do império, Musônio Rufo e, depois de dez anos ou mais de estudo, alcançou, por seus próprios méritos, o status de filósofo. Com isso lhe adveio a verdadeira liberdade em Roma, e a preciosidade desse acontecimento foi devidamente celebrada pelo ex-escravo. Estudiosos afirmam que, em suas obras, a liberdade individual é elogiada seis vezes mais que no Novo Testamento. Os estóicos sustentam que todos os seres humanos são iguais aos olhos de Deus: homem e mulher, negro e branco, escravo e livre. 
Li cada um dos escritos de Epicteto que nos chegaram duas vezes, através de duas traduções. Mesmo nos tradutores mais conservadores Epicteto nos fala como um contemporâneo nosso. Isso é “palavra viva”, não o grego ático literário ao qual estamos habituados em homens dessa língua. O Encheirídion não foi realmente escrito por Epicteto, que era acima de tudo um professor determinado e um homem modesto que nunca usaria seu tempo para transcrever suas próprias aulas, mas por um de seus mais meticulosos e determinados alunos. O nome desse aluno é Arriano, um grego de origem aristocrática muito inteligente, com cerca de vinte anos. Depois de ouvir suas poucas primeiras aulas, tem-se notícia de que Arriano exclamou algo como: “Filho da mãe! Temos de passar esse cara para o papiro!” 
Com o consentimento de Epicteto, Arriano anotou suas palavras de modo literal, e as reuniu através de uma espécie de frenética taquigrafia que inventou. Ele organizou as palestras em livros; nos dois anos em que esteve matriculado na escola de Epicteto, Arriano preencheu oito livros. Quatro deles desapareceram em algum momento antes da Idade Média. Foi aí que os quatro livros restantes foram reunidos sob o título Diatribes de Epicteto. Arriano organizou o Encheirídion de Epicteto depois de completar os oito livros. Trata-se tão somente dos melhores momentos destes oito livros “para os homens atarefados”. Rhinelander disse-me naquela última manhã: “Como um militar, penso que você terá um interesse especial nisso. Frederico, o Grande, nunca saía em campanha sem uma cópia desse livro de bolso em sua bagagem”. 
Jamais esquecerei aquele dia, e a essência do que esse extraordinário homem disse, quando nos despedimos, ficou profundamente marcada em minha mente. Foi algo muito próximo disso: o Estoicismo é uma filosofia nobre que provou ser mais praticável do que um cínico moderno poderia esperar. O ponto de vista estóico é frequentemente mal interpretado, porque o leitor casual não compreende que tudo gira em torno da “vida interior” do homem. Os estóicos fazem parecer pouco importante a dor física, mas isso não é fanfarronice. Eles estão falando dela comparando-a com a devastadora agonia de vergonha que eles concebem que homens bons experimentam quando sabem em seus corações que deixaram de cumprir seu dever diante de seus companheiros ou de Deus. Embora pagãos, os estóicos possuíam uma religião natural monoteística, e muito contribuíram para o pensamento cristão. A paternidade de Deus e a irmandade dos homens eram conceitos estóicos antes do cristianismo. De fato, um dos primeiros teóricos estóicos, Crisipo, concebeu a primeira analogia entre o que se pode chamar de alma do universo e o alento de um ser humano, pneuma em grego. Diz-se que essa concepção estóica de um pneuma celestial é a bisavó do Espírito Santo cristão. São Paulo, um judeu helenizado criado em Tarso, uma cidade estóica na Ásia Menor, sempre usou o termo grego pneuma, ou sopro, para “alma”. 
Rhinelander disse-me que a exigência estóica de se ter um pensamento disciplinado era, naturalmente, cumprida por apenas uma pequena minoria de vencedores, mas esses eram em todos os lugares os melhores. Como os seus correlatos cristãos, o calvinismo e o puritanismo, ele produziu os mais fortes caracteres de seu tempo. Em teoria, uma doutrina de impiedosa perfeição, produziu de fato homens de coragem, piedosos e de boa vontade. Rhinelander selecionou três exemplos: Catão, o jovem, o Imperador Marco Aurélio e Epicteto. Catão foi o maior republicano de Roma que fez oposição a Júlio César. Ele foi evidentemente o herói de George Washington: estudiosos encontram citações de Catão nos discursos de despedida de Washington – citações sem aspas. O Imperador Marco Aurélio levou o império romano ao auge de sua força e influência. E Epicteto, o grande mestre, fez sua parte na mudança do comando de Roma, do refugo que esta conhecera no palácio de Nero ao poder e à decência que a mesma testemunhou sob Marco Aurélio. 
Marco Aurélio foi o último dos cinco imperadores (todos com ligações com o Estoicismo) que sucessivamente governaram durante o período que Edward Gibbon descreveu em seu Declínio e Queda do Império Romano da seguinte forma: “Se se pedir a alguém para determinar o período da história do mundo no qual a raça humana foi mais feliz e próspera, ele, sem hesitação, poderá mencionar o período que vai da ascensão de Nerva (ano 96) à morte de Marco Aurélio (ano 180). Os reinos reunidos dos cinco imperadores dessa era são possivelmente o único período da história no qual a felicidade de um grande povo foi o único objetivo de governo”. 
Epicteto recebeu o mesmo tipo de ouvintes que Sócrates recebera cinco séculos antes – jovens aristocratas destinados às carreiras nas áreas das finanças, das artes, do serviço público. As melhores famílias lhe enviavam seus melhores filhos na faixa dos vinte anos para ouvirem-no falar sobre a vida feliz, de modo a se desfazerem da ideia de que eles mereciam se tornar playboys, para se conscientizarem de que sua função era servir aos seus semelhantes. 
Em sua inimitável e franca linguagem, Epicteto explicou que seu curso não era sobre “lucros ou rendimentos, paz ou guerra, mas sobre a felicidade e a infelicidade, o sucesso e o fracasso, a escravidão e a liberdade”. Seu aluno ideal não era alguém capaz de “falar fluentemente sobre princípios filosóficos como um tagarela inútil, mas falar sobre coisas que te farão forte se teu filho morrer, se teu irmão morrer, ou se tu mesmo tiveres de morrer ou ser torturado”. “Que uns pratiquem ações judiciais, outros, problemas, outros, silogismos; aqui tu praticarás como morrer, como ser acorrentado, como ser torturado ou exilado”. Um homem é responsável por seus próprios “juízos, mesmo em seus sonhos, na embriaguez ou na loucura da melancolia”. Cada um produz seu próprio bem e seu próprio mal, sua boa fortuna, sua má fortuna, sua felicidade e sua desgraça. E, para completar tudo isso, ele sustentava que é impensável que o erro de um homem possa ser a causa do sofrimento de outros. O sofrimento, como tudo mais no Estoicismo, está todo aqui: arrependimento por destruir a si mesmo. 
Assim, o que Epicteto disse aos seus alunos foi que não pode haver coisa tal como ser “vítima” de outro homem. Você só pode ser “vítima” de si mesmo. Tudo está em como você disciplina a sua mente. Quem é o seu senhor? “Quem controla cada uma das coisas nas quais você pôs seu coração”. “Qual é o objetivo que toda virtude almeja? Serenidade”. “Mostra-me um homem que, embora doente, é feliz; que, embora em perigo, é feliz; que, embora na prisão, é feliz, e te mostrarei um estóico”. 
Quando me formei, Sybil e eu tomamos nossos quatro filhos e nossos pertences e rumamos para o sul da Califórnia. Eu estava para assumir o comando do esquadrão de combate 51, que utiliza Cruzaders supersônicos F8, primeiro na estação naval de Miramar, perto de San Diego, e depois, é claro, no mar, a bordo de vários porta-aviões no Pacífico Ocidental. Exatamente três anos depois de irmos para o nosso novo lar perto de San Diego fui derrubado e capturado no Vietnã do Norte. 
Durante aqueles três anos, fui enviado a três missões de sete meses cada através da costa do Vietnã. Na primeira, nos dedicamos a supervisionar as lutas que estavam irrompendo no sul; na segunda, comandei a primeira incursão de bombardeio contra o Vietnã do Norte; e, na terceira, estava voando em combate quase diariamente como comandante aéreo do USS Oriskany. Mas, na minha cabeceira, não importa em que transporte eu me encontrasse, estavam meus livros de Epicteto: o Encheirídion, as Diatribes, As Memorabilia de Xenofonte, a Ilíada e a Odisseia (Epicteto supunha que seus alunos estivessem familiarizados com as obras de Homero). Não tive tempo para ser um leitor assíduo, mas passava várias horas por semana me aprofundando nessas leituras. 
Eu pensava que era óbvio para meus amigos mais íntimos, como certamente o era para mim, que eu era um homem mudado, e digo mais, um homem melhor por ter sido introduzido à Filosofia e especialmente a Epicteto. Eu estava trilhando um caminho diferente – certamente não uma via antimilitarista, mas, em alguma medida, uma via antiorganizacional. Contra o pano de fundo das imposturas e trapalhadas dos tempos de paz que as organizações militares parecem ter de atravessar, exige-se um caráter reflexivo para aceitar a necessidade de um elegante e conscientemente altruísta improviso sob pressão, para quebrar procedimentos padronizados e estabelecer uma nova maneira de operar. Eu tinha me tornado um homem imparcial – não indiferente, mas imparcial – capaz de lançar fora o livro de normas sem a menor hesitação quando ele não mais fizesse frente às circunstâncias externas. Fui capaz de colocar oficiais jovens acima de experientes, sem embaraço, quando os instintos daqueles para os tempos de guerra eram mais confiáveis que os destes. Esse novo desapego e essa nova flexibilidade que eu adquirira me foram cobrados mais tarde, na prisão. 
Mas, subjazendo à minha confiança renovada, havia a percepção de que encontrara a filosofia própria para as artes militares, tais como eu as praticava. Os estóicos romanos cunharam a fórmula Vivere Militare! – “Viver é ser um soldado!”. Epicteto diz nas Diatribes: “Não sabes que a vida é um serviço militar? Um deve montar guarda, outro deve sair em patrulha de reconhecimento, outro deve ir à batalha. Não percebes a que condição miserável levarás o exército, na medida em que ele contar contigo, se negligenciares as tuas responsabilidades quando alguma ordem severa recair sobre ti?” Manual de Epicteto: “Lembra que és um ator no drama teatral que o Dramaturgo escolher. Se Ele o quiser breve, breve será o drama, se longo, longo; se quiser que cumpras o papel de mendigo, cumpre também este papel de modo digno. E, da mesma forma, se coxo, se magistrado, se simples cidadão. Pois isto é teu: encenar belamente o papel que te é oferecido. Mas cabe a outro escolhê-lo”. “Cada um de nós, escravo ou homem livre, veio a esse mundo com concepções inatas sobre o que é bom e mau, nobre e vergonhoso, decente e indecente, felicidade e infelicidade, apropriado e inapropriado”. “Se considerares a ti mesmo como um homem e como parte de um todo, será apropriado para ti que ora estejas doente, ora viajes e corras riscos, ora passes necessidade, e que eventualmente morras antes da tua hora. Por que, então, te atormentas? Querias que outro estivesse doente e com febre agora, que outro viajasse, que outro morresse? Pois é impossível, num corpo tal como o nosso, isto é, nesse universo que nos envolve, entre criaturas irmãs, que tais coisas não aconteçam, umas a um homem, outras a outro.” 
Em 9 de setembro de 1965, voei a quinhentos nós direto para uma armadilha de fogo antiaéreo, em um pequeno avião A4 – as paredes da cabine não distavam sequer noventa centímetros uma da outra – que eu não conseguia mais controlar depois que irrompeu em chamas e seus sistemas se apagaram. Após a ejeção eu tinha cerca de 30 segundos para fazer minha última declaração em liberdade, antes de cair na rua principal de uma pequena aldeia à frente. Que então me resgatem, e murmurei para mim mesmo: “Cinco anos aqui, pelo menos. Estou deixando o mundo da tecnologia e entrando no mundo de Epicteto”. 
 
Stockdale descendo de seu caça no Vietnã. Ele seria abatido no voo subsequente.

 
Do Manual de Epicteto, quando fui ejetado da aeronave, eu tinha “na ponta da língua” a compreensão de que um estóico sempre mantém arquivos separados em sua mente para (A) as coisas que “dependem dele”, e (B) as que “não dependem dele”. Outra maneira de dizer isto é (A) as coisas que “estão sob seu controle”, e (B) as que “não estão sob seu controle”. Outro modo ainda de dizer o mesmo é (A) as coisas que estão no âmbito de “sua vontade, de seu livre arbítrio”, e (B) as que estão além. Todas as que estão na categoria “B” são externas, além de meu controle, condenando-me em última análise ao medo e à ansiedade se cobiçá-las. Todas as coisas da categoria “A” dependem de mim, estão sob meu controle, estão no âmbito de minha vontade, e são propriamente temas com os quais devo me ocupar e me envolver totalmente. Elas incluem minhas opiniões, meus anseios, minhas aversões, minha própria aflição, minha própria alegria, meus juízos, minha atitude em relação aos acontecimentos, meu próprio bem e meu próprio mal. 
Para explicar a expressão “meu próprio bem e meu próprio mal”, cito um trecho de Alexander Solzhenitsyn de seu livro Gulag. Ele escreve sobre o momento na prisão em que percebeu a força dos poderes residuais, e começou, como qualifiquei para mim mesmo, a “ganhar alavancagem moral”, experimentando picos de ocasional euforia ao compreender que estava conhecendo a si mesmo e o mundo pela primeira vez. Ele chama isso de “ascender”, e intitula o capítulo no qual trata disso de “A Ascensão”: 
Foi somente quando estava sobre o apodrecido catre da prisão que percebi dentro de mim mesmo o primeiro despontar do bem. Gradualmente manifestou-se a mim que a linha que separa o bem do mal não passa entre Estados, nem entre classes, nem entre partidos políticos, mas diretamente através de cada coração humano, através de todos os corações humanos. E é por isso que me volto para os meus anos de encarceramento e digo, algumas vezes para espanto dos que estão ao meu redor, “Bendita sejas, prisão, por teres sido uma parte de minha vida”. 
Compreendi isso muito antes de lê-lo. Solzhenitsyn entendeu, como eu e outros entendemos, que o bem e o mal não são simples abstrações que você discute, dá aulas sobre e atribui a essa ou àquela pessoa. O único bem e o único mal que significam alguma coisa estão exatamente em seu próprio coração, em sua vontade, sob seu controle, onde depende de você. Manual de Epicteto, 32: “Se é algo que não está sob nosso controle, é absolutamente necessário que não seja nem um bem nem um mal”. Diatribes: “O mal reside no mau uso da intenção moral, e o bem, no contrário. O curso da vontade determina a boa e a má fortuna, e o equilíbrio entre a infelicidade e a felicidade”. Em resumo, o que os estóicos dizem é “Trabalhe com o que está sob seu controle e terá muito que fazer”. 
O que não depende de você? O que está fora de seu controle? O que não está sujeito a você em última análise? Para começar, vamos tomar o “seu posto na vida” ². Ao cair em direção àquela pequena aldeia, em minha curta viagem de paraquedas, eu estava a ponto de aprender quão insignificante era o meu controle sobre o “meu posto na vida”. Isso não depende absolutamente de mim. Estava então deixando de ser o líder de mais de cem pilotos e uns mil homens e, sabe Deus, todo tipo de status simbólico e reputação, para me tornar um objeto de desprezo. Seria então conhecido como um “criminoso”. Mas isso não é nem metade da compreensão que é a percepção da própria fragilidade. Que se pode, pelo vento, pela chuva, pelo gelo, pela água do mar ou por homens, ser levado ao desamparo e a uma situação desesperadora, tornando-se incapaz de controlar até mesmo os próprios intestinos – e em questão de minutos. E, ainda mais que isso, vai se deparar com fragilidades que nunca se permitiu crer possuir. Como, por exemplo, depois de alguns minutos, num frenesi de ação, sendo cuidadosamente amarrado, por um profissional, com cordas apertadas como torniquetes, com as mãos postas para trás, ameaçado por baionetas postas à frente e abaixo, próximas dos tornozelos presos em alças atadas a uma barra de ferro. E, num furor de ansiedade, sentir cessar a circulação da parte superior do corpo, a crescente dor provocada e a progressiva claustrofobia. Tudo isso pode fazer com que você deixe escapar respostas, algumas vezes respostas corretas, para questões sobre qualquer coisa que os torturadores saibam que você saiba (Daqui em diante, me referirei a essa situação apenas como “tortura nas cordas”). 
O “posto na vida”, então, pode ser mudado, em questão de minutos, de um honrado, competente e educado gentleman para o de um homem tomado de pânico, soluçando e amaldiçoando a si mesmo. E qual é o sentido de se dizer tudo isso? Viver com a falsa pretensão de que você sempre controlará seu posto na vida é desafiar o perigo; você está pedindo para sofrer uma desilusão. Assegure-se então de que, no fundo de seu coração, no seu eu interior, você trata seu posto na vida com indiferença, não com desprezo, mas apenas com indiferença
E o mesmo vale para uma longa lista de coisas que algumas pessoas que não refletem crêem ter o controle garantido em última instância: o próprio corpo, propriedades, riqueza, saúde, vida, morte, prazer, sofrimento, reputação. Considere a “reputação”, por exemplo. Faça o que fizer, a reputação é tão instável quanto o posto na vida. São os outros que decidem sobre qual é a sua reputação. Tente torná-la tão boa quanto possível, mas não se prenda a ela. Não seja ávido por ela nem a persiga através de labirintos. Como diz Epicteto: “Que são as tragédias senão o retrato em versos trágicos dos sofrimentos de homens que admiraram as coisas externas?” No âmago de seu coração, quando você conseguir a chave e abrir a velha escrivaninha onde realmente estão guardadas as suas coisas, não permita que a “reputação” se misture com o seu anseio moral ou com a sua vontade — estas duas coisas são demasiado importantes. Assegure-se de que a “reputação” esteja numa gaveta de baixo com a etiqueta “questões indiferentes”. Como Epicteto diz: “Quem almeja ou evita as coisas que não estão sob seu controle não pode ser confiável nem livre, mas ele mesmo deve ser arrastado, atirado de um lado para o outro e terminar submetendo-se aos outros”. 
Sei das dificuldades de aceitar isso até o fim. Você continua pensando em questões práticas. Todos têm de jogar o jogo da vida. Você não pode simplesmente andar por aí dizendo: “Não dou a mínima para a riqueza, a saúde ou se eu for mandado para a prisão ou não”. Epicteto levou tempo para explicar melhor o que quis dizer. Ele diz que todos devem jogar o jogo da vida – que os melhores o jogam com “habilidade, estilo, presteza e graça”. Mas, como a maioria dos jogos, você o joga com uma bola. Seu time intensamente se esforça para fazê-la atravessar a linha de fundo. Mas, depois do jogo, o que se faz com a bola? Ninguém se importa. Não vale a pena se importar com ela. A competição, o jogo, foi a coisa propriamente dita. A bola foi “usada” para tornar o jogo possível, mas em si mesma não tem valor algum que justifique que se lute por ela. 
Uma vez terminado o jogo, a bola é uma questão indiferente. Epicteto, em outra ocasião, usa o exemplo do jogo de dados. Os dados, uma vez exibidos seus números, são uma questão indiferente. Mas decidir se é preciso aceitar os números ou lançar os dados novamente é um ato voluntário e, portanto, não é uma questão indiferente. O ponto de Epicteto é que o nosso uso das coisas externas não é questão indiferente, porque nossas ações são produtos de nossa vontade e nós temos total controle sobre ela, mas os dados por si mesmos, como a bola, são coisas sobre as quais não temos controle algum. São coisas externas que não podemos nos permitir cobiçar ou levar a sério, sob pena de colocarmos nossos corações nelas e nos tornarmos escravos dos que as controlam. 
As explicações desse conceito parecem tão modernas e, no entanto, tão somente lhes ofereci citações praticamente literais das observações feitas há dois mil anos por Epicteto para seus alunos na colônia grega de Nicópolis. 
Retomei esses pensamentos essenciais na prisão; relembrei também várias observações que modelam atitudes. Aqui está Epicteto, ensinando a escapar dessas armadilhas: “O senhor de alguém é quem possui o poder para conservar ou suprimir as coisas desejadas por esse alguém. Portanto, quem ansiar ser livre não deve desejar nem evitar coisa alguma que esteja sob o controle de outro. Caso contrário necessariamente será escravo” (Manual de Epicteto, 14). E aqui está a razão de porque nunca se deve suplicar: “Pois é preferível teres de morrer sem aflição e sem medo que viveres inquieto na abundância” (Manual de Epicteto, 12). Suplicar implica negociar, fazer tratos, acordos, retaliar, disputar. 
Se você quiser estar livre de “aflição e culpa”, que são os torniquetes cruciais, os reais destruidores a longo prazo da vontade, você tem de se livrar de todos os seus instintos de negociar, de comprometer-se com os outros. Você tem de aprender a manter-se reservado, nunca dar margem para acordos, nunca se nivelar aos seus adversários. Você tem de tornar-se o que Ivan Denisovich chamou de um “prisioneiro enjaulado movendo-se lentamente.” 
Tudo isso, ao longo dos três anos anteriores, eu tinha sem saber guardado para o futuro. Agora, para voltar à minha ejeção do A-4, posso ainda ouvir os gritos ao entardecer, os tiros de pistola e o uivo das balas rasgando meu paraquedas, e ver punhos se elevando na rua abaixo enquanto meu paraquedas se prendia numa árvore, pondo-me, porém, são e salvo no chão. Com dois estalidos dos fechos de rápida soltura eu estava livre do paraquedas, e comecei imediatamente a ser linchado por dez ou quinze brutamontes que eu percebera, com minha visão periférica, andando pesadamente a partir da minha direita. 
Não quero exagerar ou mostrar que me surpreendi por minha recepção. Quando o linchamento e o espancamento acabaram (e duraram dois ou três minutos, até que um homem com um capacete escuro lá chegasse para soprar o seu apito de policial), eu estava com uma perna gravemente ferida, e tive a certeza de que carregaria as sequelas disso por toda a vida. Meu pressentimento acabou se revelando verdadeiro. Mais tarde senti algum alívio – mínimo – a partir de uma advertência de Epicteto da qual me recordei: “Claudicar é um impedimento para a perna, mas não para a vontade. Diz isso, portanto, para cada uma das coisas que acontecem contigo. Com efeito, descobrirás que o impedimento é próprio de alguma outra coisa, mas não teu” (Manual de Epicteto, 9). 
Mas, durante o intervalo de tempo entre o puxar da alavanca de ejeção do aeroplano e a minha chegada à rua, tinha-me tornado um homem com uma missão. Não posso explicar isso sem descarregar uma pequena bagagem emocional que foi parte do legado de minha geração de militares em 1965. 
Em consequência da guerra da Coreia, apenas dez anos antes, todos nos lembrávamos de ter lido sobre e ter visto notícias televisivas acerca de investigações do governo quanto à conduta de alguns prisioneiros de guerra norte-americanos na Coreia do Norte e na China. Havia uma famosa série de artigos na revista New Yorker que mais tarde tornou-se um livro intitulado In Every War but One. Esse título fazia referência ao fato de que, nos campos de prisioneiros de norteamericanos, era cada um por si. Desde aqueles dias tenho conhecido oficiais que foram prisioneiros nessa guerra, e agora vejo em muitas dessas reportagens seleção de observações e conversa fiada. Contudo, houve casos de jovens soldados que foram confundidos pelas circunstâncias, amedrontados até a morte, em clima frio, tratando-se como cães lutando por restos, atirando uns aos outros na neve para morrer, e ninguém fazendo nada a respeito. 
Isso não podia continuar, e Eisenhower nomeou uma comissão para criar o texto do código de conduta dos combatentes norteamericanos. O texto reflete uma forma de compromisso pessoal. Artigo 4: “Se me tornar um prisioneiro de guerra, serei leal aos meus colegas prisioneiros. Não darei informações nem tomarei parte em ação alguma que possa comprometer meus camaradas. Se eu for o mais antigo, ficarei no comando. Se não, obedecerei às ordens de meu superior em todos os sentidos”. Em outras palavras, a partir do momento em que Eisenhower assinou o documento, os prisioneiros de guerra norteamericanos nunca mais puderam escapar das linhas de comando; a guerra continua por trás das grades. Como eu estava bem informado, sabia de tudo o que se passava – que os norte- vietnamitas já mantinham cerca de vinte e cinco prisioneiros, provavelmente em Hanói, que eu era o único comandante aéreo que sobrevivera a uma ejeção, e que eu seria o mais antigo entre eles, o oficial em comando, e assim continuaria a ser, muito provavelmente, por toda essa guerra (que eu estava certo de que iria durar no mínimo mais outros cinco anos). E aqui estava eu começando estropiado e atirado ao chão. 
Epicteto mostrou-se correto. Depois de uma intervenção cirúrgica muito precária, usei muletas durante dois meses, e a perna deformada, curando-se por si mesma, estava forte o suficiente para sustentar-me sem as muletas depois de um ano. Tudo o que relatei até aqui foi apenas um revés temporário em relação às coisas que eram importantes para mim. E me era muito importante ter sido designado para desempenhar o papel de soberano de uma colônia norteamericana expatriada que fora destinada a permanecer autônoma e sem comunicação com Washington por anos a fio. Eu tinha quarenta e dois anos (ainda com muletas, arrastando uma perna, consideravelmente abaixo do peso, com cabelos chegando aos ombros, sem um banho e com uma barba que não tinha visto uma navalha desde que fora capturado do Oriskany) quando assumi o comando (clandestinamente, é claro, os norte-vietnamitas nunca reconheceriam nossa hierarquia) sobre cerca de cinquenta norte-americanos. A colônia de exilados cresceria para mais de quatrocentos – todos oficiais graduados, pilotos ou especialistas em eletrônica. Eu estava determinado a “bem interpretar o papel que me fora destinado”. 
A palavra-chave inicial para todos nós era “fragilidade”. Cada um de nós, nunca antes a tão grande distância de outro norteamericano, era então submetido à tortura nas cordas. Isso foi um verdadeiro choque para as nossas mentes – e, como todo choque, seu impacto em nosso próprio íntimo foi muito mais impressionante, durável e significativo que em nossos membros e torsos. Era nessas sessões que éramos levados à submissão, e que nos faziam deixar escapar insípidas confissões de culpa e cumplicidade norteamericana em antigos gravadores. E então éramos colocados no que eu chamava de “banho de água fria” por um mês ou mais em total isolamento para “contemplarmos nossos crimes”. O que nós, na verdade, contemplávamos era o que mesmo o norte-americano mais acomodado via como uma traição a si mesmo e a tudo mais que significasse algo para ele. Foi nesse lugar que aprendi o que significava o “dano estóico”. Um ombro quebrado, um osso quebrado em minhas costas, uma perna quebrada por duas vezes eram bagatelas se comparados a isso. Epicteto: “Não busques um dano pior do que este: destruir o homem leal, que respeita a si próprio e que se comporta com dignidade que há dentro de você”. 
Quando posto em cela comum, dificilmente um norte-americano vindo dessa experiência deixava de responder algo como o seguinte ao primeiro murmúrio do prisioneiro da cela ao lado: “Você não quer falar comigo; sou um traidor”. E, porque estávamos igualmente fragilizados, parecia ser de praxe que todos respondêssemos alguma coisa assim: “Escute, amigo, não há virgens aqui. Você deveria ter ouvido o tipo de declaração que fiz. Deixe isso pra lá! Estamos todos juntos nisso. Qual é o seu nome? Fale-me sobre você”. Ouvir isso era, para a maioria dos novos prisioneiros que acabavam de sair da agitação inicial e do “banho de água fria”, um ponto de virada em suas vidas. 
Mas o processo de aprendizagem dos novos prisioneiros estava apenas começando. Em pouco tempo eles perceberiam que as coisas não eram exatamente como alguns lhes tinham contado nos campos de treinamento de sobrevivência. Que, se você se mostrasse inflexível, oferecendo resistência desde o princípio, os interrogadores perderiam o interesse em você, e você se veria apenas relegado ao tédio, como estivesse “fora da guerra”, “definhando em sua cela”, como os romancistas ignorantes do assunto adoram descrever a situação. Não, a guerra ia para trás das grades – não existia isso de os carcereiros desistirem de você por o considerarem um caso perdido. As crenças políticas deles faziam com que acreditassem que você poderia enxergar as coisas do jeito deles e que isso era só questão de tempo. E então você era levado inúmeras vezes à sala de interrogatório, particularmente nas ocasiões em que fosse pego quebrando alguma das inúmeras normas colocadas na parede de sua cela – regras traiçoeiras que pagavam dividendos ao comissário se seu interrogador conseguisse que você fosse vitimado pela humilhação. A moeda corrente para a mesa de jogo, onde você e o interrogador estão frente a frente em um duelo de sagacidade, é a vergonha. Aprendi que, a menos que ele impusesse a vergonha sobre mim, ou a menos que eu a impusesse sobre mim mesmo, ele nada tinha em seu favor (o uso da força estava disponível, mas era preciso a concordância do comissário). 
Para Epicteto, emoções são atos da vontade. O medo não é algo que venha das sombras da noite e envolva você. Epicteto incumbe você da total responsabilidade por despertar o medo, detê-lo e controlá-lo. Essa foi uma das maiores exigências do Estoicismo sobre o indivíduo. É possível fazer os estóicos parecerem animais preguiçosos quando são descritos simplesmente como indiferentes a quase tudo senão o bem e o mal, e como sendo parcimoniosos em relação a emoções tais como pena e simpatia. Mas junte a isso a exigência de total responsabilidade por cada uma de suas próprias emoções, e você está falando de uma pessoa cheia do que fazer. Eu murmurava um mantra quando a caminho de meu interrogatório diário: “Controle o medo, controle a culpa, controle o medo, controle a culpa”. E inventava métodos para desviar meu olhar de modo a ocultar o medo ou a culpa que certamente emergiam em meus olhos quando temporariamente perdia o controle sob interrogatório. Havia a possibilidade de ficar intimidado ao olhar a face do interrogador, e por isso eu me concentrava no lóbulo de sua orelha esquerda, e ele pareceu se acostumar com isso– pensou provavelmente que eu fosse um pouco estrábico. Controlar as emoções é difícil, mas pode ser fortalecedor. 
Epicteto: “Porque é dentro de ti que tanto a tua destruição quanto a tua salvação residem”. 
Epicteto: “O assento no julgamento e uma prisão são cada qual um lugar, um alto, outro baixo, mas a atitude de tua vontade pode manter-se a mesma, se quiseres mantê-la a mesma, em ambos os lugares”. 
 
Stockdale, o de cabelos grisalhos, entre outros prisioneiros norte-americanos.

 
Nós organizamos uma sociedade clandestina através de batidas na parede que serviam de código – uma sociedade com nossas próprias leis, tradições, costumes, até mesmo heróis. Para explicar como pudemos ordenar uns ao outros para mais torturas, ordenar uns aos outros a nos recusar a seguir certas ordens, intencionalmente desafiar nossos carcereiros a provarem que não estavam blefando e, num sentido real, forçá-los a repetir o processo de tortura para outra falsa submissão, citarei uma declaração que poderia ter vindo de pelo menos metade desses excelentes e competitivos jovens pilotos com os quais me encontrei trancafiado: “Estamos num lugar onde nunca estivemos antes. Mas merecemos manter nossa dignidade e nos sentir contra-atacando. Não podemos nos negar a fazer cada coisa degradante que eles nos exigem, mas depende de você, que está no comando, escolher as coisas que todos nós devemos nos recusar a fazer a menos e até que eles nos façam passar novamente pela tortura. Nós merecemos dormir à noite. Merecemos, pelo menos, ter a satisfação de saber que estamos executando a duras custas as ordens de nosso comandante. Dê- nos a lista; pelo que seremos torturados agora?” 
Sei que isso soa como uma lógica estranha, mas, em certo sentido, era o primeiro passo para reclamarmos o que era legitimamente nosso. Epicteto disse: “O juiz fará algumas coisas a ti que são tidas como aterrorizantes; mas como ele pode te impedir de receber o castigo com o qual ele te ameaçou?” Esse é o meu tipo de Estoicismo. Você tem o direito de fazer com que o firam, e eles não gostam de fazer isso. Quando meu companheiro de prisão Ev Alvarez, o primeiro piloto capturado por eles, foi liberado com o resto de nós, o comissário da prisão disse a ele: “Vocês norteamericanos são muito diferentes dos franceses; nós podíamos considerar estes últimos razoáveis.” Ah! 
Refleti muito sobre como essas primeiras ordens deveriam ser. Era preciso que fossem ordens que pudessem ser obedecidas, não subterfúgios astuciosos para se safar de modo a reiterar alguma ordem do governo dos Estados Unidos que não podia ser mantida numa sala de tortura, como “nome, posto, identificação e data de nascimento”. Minha opinião era que “Nós, nesse lugar, sob pressão, somos os experts, os senhores do nosso destino, vamos ignorar os ecos dos decretos ocos que nos induzem culpa, vamos lançar fora o livro de normas e escrever o nosso próprio”. Minhas ordens saiam como acrônimos fáceis de lembrar. A principal era “BACK US: Não se curvar (Bow) em público; ficar fora do Ar (Air); não admitir Crimes (Crimes); nunca se despedir deles (never Kiss them goodbye). “US” poderia significar o nosso país, os Estados Unidos ³, mas realmente significava Unity over Self (unidade acima da individualidade). Os solitários produzem uma prisão de inimigos, eis porque minha primeira regra em prol da união naquele lugar era que cada um de nós tinha de trabalhar pelo denominador comum, nunca negociando para si mesmo, mas apenas para todos. 
A vida na prisão tornou-se uma louca mistura de um velho e um novo regime. O velho era a rotina política da prisão, principalmente para os dissidentes e os inimigos domésticos do Estado. Esse regime foi concebido e posto em prática por comunistas antiquados do Terceiro Mundo do talhe de Ho Chi Min. Girava em torno da ideia de “arrependimento” por seus “crimes” causados por comportamento antissocial. Prisioneiros norteamericanos, criminosos de rua e inimigos políticos do Estado estavam todos na mesma prisão. Nunca vimos um campo de prisioneiros de guerra como nos programas de TV. A prisão comunista era um misto de clínica psiquiátrica e reformatório escolar. O protocolo norte-vietnamita fora criado para fazer com que todos os internos demonstrassem vergonha curvando-se diante de todos os guardas, de cabeças baixas, nunca olhando para o céu, com frequentes sessões com seu interrogador, se não por nenhuma outra razão, para verificar sua atitude, caso esta fosse considerada “errada”. E então, talvez, a mesa de tortura para a confissão de culpa, para o pedido de perdão e o inevitável desfecho da expiação de culpa. 
O novo regime, imposto sobre o anterior, era somente para norteamericanos. Era uma fábrica de propaganda, supervisionada por jovens oficiais burocratas do exército fluentes em inglês com quotas a atingir estabelecidas pelo braço político do governo: entrevistas de imprensa com visitantes norteamericanos de esquerda, filmes de propaganda a serem gravados (estrelando intimidados “piratas aéreos norteamericanos”), e assim por diante. 
Uma resumida história de como essa bifurcada filosofia de prisão terminou é que a filmagem da propaganda e das entrevistas começou a se voltar contra os vietnamitas. Inteligentes universitários norteamericanos estavam interpretando seus papéis com frases de duplo sentido, gestos ao mesmo tempo engraçados e obscenos para o público ocidental e piadas. Um de meus melhores amigos, torturado para dar nomes de pilotos que ele sabia que tinham se oposto à guerra, disse que eram somente dois: os tenentes Clark Kent e Ben Casey (então, personagens populares de ficção nos Estados Unidos). A piada foi manchete de primeira página do San Diego Union, e alguém enviou uma cópia para o governo de Hanoi. Como resultado desse amigável gesto de um colega americano, Nels Taner foi submetido a três dias sucessivos de tortura nas cordas, seguidos por 123 dias com as pernas algemadas. Tudo em isolamento, é claro. 
Então, depois de várias dessas peripécias, que custaram aos vietnamitas muitos embaraços, o Vietnã do Norte resolveu fazer sua propaganda com apenas uma pequena parte (menos de cinco por cento) dos norteamericanos nos quais eles podiam confiar não estar interpretando: verdadeiros solitários que, por razões diversas, nunca se juntaram à organização dos prisioneiros, nunca desejaram entrar em nossa rede de códigos, conhecidos desgraçados a quem começamos a chamar de “pelegos”. A grande maioria de meus companheiros estava furiosa com os atos desses indivíduos e chamaram para si a responsabilidade de memorizar dados com os quais se poderia condená-los numa corte marcial norteamericana. Mas, quando chegamos aos EUA, o governo se colocou contra as acusações que eu organizara. 
A esmagadora maioria dos outros norteamericanos em Hanói era, sob todos os aspectos, de “honrados prisioneiros”, mas isso não é o mesmo que dizer que havia algo como um regime homogêneo de prisão que todos nós compartilhávamos. As pessoas gostam de pensar que, porque estávamos todos no sistema prisional de Hanói, tínhamos experiências comuns. Não era assim. Esses regimes divergentes se acentuaram quando a nossa organização prisional ridicularizou a tentativa de propaganda deste monstro de duas cabeças que eles chamavam de “Autoridade Prisional”. Eles começaram a se vingar da liderança de minha organização e tentavam quebrar o moral dos demais enganando-os com um programa de anistia, no qual eles competiriam para ver quem era libertado mais cedo através de submissão aos desejos do Vietnã do Norte. 
Em maio de 1967, o sistema de som da prisão bradou: “Aqueles de vocês que verdadeiramente se arrependerem estarão aptos para voltar para casa antes do fim da guerra. Aqueles poucos duros de matar que insistem em incitar os outros criminosos a se opor à autoridade do campo serão enviados a um lugar escuro especial”. Imediatamente proibi que qualquer norteamericano aceitasse a libertação antecipada, mas isso não quer dizer que eu era o único homem a pensar dessa forma. Eu não teria conseguido vender essa ideia: ela foi aceita com evidente alívio e espontâneo júbilo pela esmagadora maioria. 
Adivinhem quem foi para o “lugar escuro”. Eles isolaram minha equipe de líderes – eu e minha coorte de dez homens de elite – e nos enviaram para o exílio. Os vietnamitas tinham trabalhado duro para entender nossos hábitos, e sabiam quais entre nós eram os causadores de problemas e quais eram os que “não criavam caso”. Eles isolaram aqueles em que eu mais confiava: todos tinham passagens pela solitária e pela tortura. Não éramos todos veteranos: tivemos veteranos na prisão que não se comunicariam com o homem da porta ao lado. Um de meus dez homens tinha apenas vinte e quatro anos – nasceu depois de eu já estar na marinha. Ele era um dos resultados das minhas recentes tendências no comando: “Quando os instintos e a patente estão fora de sintonia, escolha o cara com os instintos”. Todos nós ficamos na solitária por tempo indeterminado, começando com dois anos com as pernas algemadas em uma pequena prisão de alta segurança do lado direito do “Pentágono” do Vietnã do Norte – seu Ministério de defesa, uma típica construção francesa antiga. Existem capítulos e mais capítulos depois disso, mas, em meu caso, era uma luta tensa por vingança por parte da “Autoridade Prisional” sobre aqueles de nós que perseveraram tentando ser nossos irmãos guardiões. As apostas cresceram a proporções de alquebrar os nervos. Um, dos onze que éramos, morreu naquela pequena prisão que chamávamos Alcatraz, mas, mesmo incluindo ele, não havia um homem sequer com menos de três anos e meio de solitária, e quatro de nós tínhamos mais de quatro anos. Para se ter uma ideia da medida em que nós quatrocentos ficávamos isolados, destes, apenas cem não tinham ficado na solitária, mais da metade dos outros trezentos tinham menos de um ano de solitária, e metade desses com menos de um ano tinham menos de um mês. Assim, a média para os quatrocentos era consideravelmente menos de seis meses. 
Howie Rutledge, um dos quatro de nós com mais de quatro anos, retornou aos estudos e conquistou um mestrado depois de voltarmos para casa, e sua dissertação se concentrava sobre a questão de se a vontade humana era dobrada com mais eficácia por tortura ou por isolamento. Ele enviou questionários a nós (que tínhamos todos sido torturados pelo menos dez vezes) e a outros que haviam passado por extremos maus tratos na prisão. E descobriu que os que tinham mais de dois anos de isolamento e haviam sido muito torturados diziam que o isolamento era o modo de se obter a mudança de comportamento a longo prazo. Mas os que tinham menos de dois anos de isolamento e muitos de tortura diziam que a tortura era o meio. No meu ponto de vista, alguém pode se acostumar a ser torturado repetidamente – existem alguns truques para minimizar suas perdas nesse jogo. Mas, ao manter um homem, mesmo um homem com muita força de vontade, em isolamento por três anos ou mais, ele começa a buscar por um amigo – qualquer amigo – sem levar em conta a nacionalidade ou a ideologia. 
Epicteto, uma vez, deu uma aula em sua escola queixando- se da tendência habitual dos novos professores para suavizar o rígido realismo dos desafios do Estoicismo e dar aos estudantes uma enaltecida e rósea imagem de como eles poderiam cumprir sem dor as duras exigências da boa vida. Epicteto disse: “Homens, a sala de aula do filósofo é um hospital: os estudantes devem sair dela não com prazer, mas sofrendo”. Se a sala de aula de Epicteto era um hospital, minha prisão era um laboratório – um laboratório comportamental humano. Escolhi testar os postulados de Epicteto quanto às exigências da vida real de meu laboratório e, como vocês podem ver, penso que Epicteto foi aprovado com louvor. 
É difícil falar em público sobre os desafios da vida real nesse laboratório porque as pessoas fazem todas as perguntas erradas: “Como era a comida?” Essa é sempre a primeira. Em relação ao lugar em que estive, essa pergunta é tão irrelevante que dá vontade de gritar. “Eles feriram você?” “Qual era a natureza do instrumento que eles usaram para feri-lo?” Sempre o instrumento ou o soro da verdade ou o tratamento de choques elétricos – todos os que errariam por completo o alvo quanto ao propósito de dobrar a sua vontade. Todas essas coisas dariam a você um sentimento de superioridade moral, que é a última coisa que um interrogador deseja. Não estou falando de lavagem cerebral, não existe tal coisa. Estou falando que, tendo olhado sobre a borda e visto o fundo do precipício, percebi a verdade desse fundamento do pensamento estóico: o que derruba um homem não é a dor, mas a vergonha
Por que aqueles homens, no “banho de água fria”, após a sua primeira experiência de tortura, sentiam-se tão inferiores e indignos quando o primeiro norte-americano entrava em contato com eles? Epicteto conheceu bem a natureza humana. Naquele laboratório prisional, eu não soube de um único caso em que um homem tenha sido capaz de aplacar as suas dores de consciência angustiada com alguma teoria de psicologia popular de causa e efeito. Epicteto enfatiza o tempo e, novamente, que um homem que apresenta como causas de suas ações terceiros ou forças externas não está à altura de si mesmo. Deve-se conviver com os próprios juízos se se deseja ser honesto consigo mesmo (e o “banho de água fria” tende a fazer você honesto). “Mas se alguém me submete ao medo da morte, ele me constrange,” diz um estudante. “Não”, diz Epicteto, “não é a morte, nem o exílio, nem o sofrimento, nem coisa alguma, a causa de estares fazendo ou não algo, mas apenas a tua opinião e as decisões de tua vontade”. “O que se colhe seguindo a tua doutrina?”, alguém perguntou a Epicteto. “Tranquilidade, destemor e liberdade”, ele respondeu. Você só pode ter essas coisas se for honesto consigo mesmo e se assumir a responsabilidade pelas suas próprias ações. Você tem de compreender isso retamente! Você está no comando de si mesmo. 
Eu pregava essas coisas na prisão? Decerto que não. Logo se aprende que, se o sujeito da cela ao lado está indo bem, isso significa que ele tem uma filosofia de vida adequada ao seu modo de ser. Logo se percebe que, quando se ousa lançar elevadas sugestões filosóficas através da parede, sempre se obtém respostas muito relutantes. 
Não. Nunca preconizei ou mencionei uma só vez o Estoicismo. Mas alguns sujeitos mais agudos leram os sinais em minhas ações. Depois de um de meus longos isolamentos fora do bloco de celas da prisão fui levado de volta ao alcance de nossa rede de comunicação, e meu ponto de contato foi um homem chamado Dave Hatcher. Como era o procedimento padrão num primeiro contato após um longo período de isolamento, não começamos a conversa com notícias em profusão, mas com um acordo sobre os sinais de alarme. Em segundo lugar, estabelecendo uma história para cada um de nós caso fôssemos pegos e, por fim, estabelecendo um sistema de comunicação alternativo, caso aquele vínculo fosse comprometido – precauções de um “prisioneiro enjaulado movendo-se lentamente”. O sistema alternativo de comunicação de Hatcher comigo era uma mensagem deixada em uma pia velha perto de um lugar que chamávamos “Mint”, a ala do bloco de celas de isolamento que Hatcher chamava de “Las Vegas”- um lugar para o qual ele achava, com razão, que eu iria em breve. Todos os dias trocávamos sinais por quinze minutos sobre um muro entre o seu bloco de celas e a minha “terra de ninguém”. 
Então voltei a me encrencar. Naquela altura o comissário da prisão tinha me isolado e me colocado sob vigilância praticamente constante até o fim do ano por eu ter encenado um motim em “Alcatraz” para que nos tirassem as algemas das pernas. Fui isolado de todos os prisioneiros. Eu recebera um vigilante especial que me pegara com uma mensagem antiga que dava evidências que eu sabia que os interrogadores explorariam através de tortura. O resultado poderia ser implicar meus amigos em “atividades obscuras” (como os norte-vietnamitas as chamavam). Eu passara pelas cordas mais de doze vezes, e sabia que podia reter informação – na medida em que eles não soubessem disso. Aquela mensagem poderia abrir as portas para que mais pessoas morressem naquele lugar. Tínhamos perdido uns poucos nas grandes expiações – penso que em torturas que se excederam – e eu estava ficando farto disso. Era outono de 1969, eu cumprira esse papel por quatro anos e nada parecia me aguardar senão a morte. Eu estava só na sala principal de tortura em uma parte isolada da prisão, na noite anterior ao dia em que eles me disseram que eu iria pôr tudo para fora. Havia um clima misterioso na prisão. Ho Chi Minh morrera, e um canto fúnebre especial era irradiado. Eu deveria ficar a noite toda sentado sobre grilhões de ferro. Minha cadeira estava perto da única janela com vidros da prisão. Consegui me mover e quebrar a janela furtivamente. Tentei cortar as artérias de meu pulso com grandes estilhaços de vidro. Eu havia apagado a luz, mas aconteceu de o vigilante me encontrar desacordado em uma poça de sangue, ainda respirando. Os vietnamitas soaram o alarme, chamaram o médico deles e me salvaram. 
Por quê? Não foi senão vários anos após ter sido libertado que compreendi que, naquela mesma semana, Sybil estivera em Paris exigindo tratamento humano para os prisioneiros. Ela era notícia no mundo todo, uma figura pública, e a última coisa que os norte-vietnamitas precisavam era que eu morresse. Uma multidão solene de altos oficiais norte-vietnamitas estivera naquela sala enquanto eu era reanimado. 
A tortura na prisão, como soubemos em Hanói, terminou para todos naquela noite. 
É claro que isso aconteceu meses antes que pudéssemos estar certos disso também. Tudo o que eu sabia naquela ocasião era que, naquela manhã, depois de meus braços serem cobertos e enfaixados, o próprio comissário trouxe uma ótima xícara de chá quente, disse ao guarda prisional para me retirar as algemas das pernas e me pediu que sentasse à mesa com ele. “Por que você fez isso Sto-Dale? Você sabe que convivo com os generais do exército. Eles me pediram um relatório completo esta manhã” (Não era algo incomum falarmos assim naquele tempo). Mas ele jamais mencionou a mensagem, nem ninguém mais depois disso. Isso não tinha precedentes. Depois de dois meses isolado em uma minúscula cela que chamávamos “Calcutá” para que meus braços sarassem, eles me vendaram e me levaram para “Las Vegas”. O isolamento e a vigilância especial tinham terminado. Fui colocado só, claro, no “Mint”. 
Dave Hatcher sabia que eu estava de volta porque passei sob sua janela e, embora ele não pudesse espiar, podia ouvir, e através dos anos tinha habituado os seus ouvidos a reconhecer o meu caminhar, o meu modo manco de andar. Bem depressa um fio enferrujado no fundo da pia do banheiro estava virado para o norte – o sinal de Dave Hatcher para “uma mensagem no fundo da garrafa debaixo da pia para Stockdale.” Como um velho piloto de guerra, olhei à volta, observei rapidamente a mensagem e cuidadosamente a escondi em minhas calças do pijama prisional. De volta para a cela, depois que o guarda fechou a porta, sentei sobre o vaso sanitário (onde eu poderia disfarçadamente lançar a mensagem se o orifício de observação da porta da cela se movesse). E desdobrei a folha de toalha de papel ordinário, na qual Hatcher, com excrementos de rato, escrevera, sem comentário ou assinatura, a última estrofe do poema de Ernest Henley, Invictus:
 
Não importa quão estreita seja a passagem, 
Quão carregada de punição a sentença. 
Eu sou o mestre do meu destino: 
Eu sou o comandante de minha alma.
 
Fonte: STOCKDALE. CORAGEM SOB FOGO: Testando as Doutrinas de Epicteto num Laboratório Comportamental Humano. Trad. Aldo Dinucci, Joelson Nascimento. São Cristóvão: EdiUFS, 2009. 
 
* Vice-almirante e aviador da Marinha dos Estados Unidos, premiado com a Medalha de Honra na Guerra do Vietnã, durante a qual foi prisioneiro de guerra por mais de sete anos. Stockdale era o oficial naval mais graduado mantido em cativeiro em Hanói, Vietnã do Norte; pós-graduado pela Universidade de Stanford, onde obteve o Mestrado em Relações Internacionais em 1962; candidato independente à Vice-Presidência dos Estados Unidos na chapa do candidato à Presidência, Ross Perot, na campanha eleitoral de 1992.
 
II. NOTAS EXPLICATIVAS
 
 
¹  Discurso pronunciado no Great Hall do King's College de Londres, em 15 de novembro de 1993. 
 
²  N.T.: Esta analogia entre o posto que é atribuído por Deus a cada um de nós e o posto que é designado por um general a seus soldados é um tema recorrente entre os estóicos. Cf. Epicteto, Manual, cap. LIII; Sêneca, Cartas a Lucílio, CVII. 
 
³ O autor usa o terno “US” (que, traduzido para o português, significa “Nós”) para fazer uma analogia com a sigla U.S. (United States). 
 
Em inglês: POW (Prisioner of War) 
 
It matters not how strait the gate/ How charged with punishment the scroll/ I am the master of my fate/ I am the captain of my soul.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

A TRÍADE DO GUERREIRO ESTÓICO: TRANQUILIDADE, DESTEMOR E LIBERDADE

Por JAMES BOND STOCKDALE *

Tradução do inglês por Aldo DINUCCI & Alexandre CABECEIRAS e autoria de alguns comentários 

Estátua de James Bond Stockdale, US Naval Academy, Annapolis, Maryland, EUA
 

I. A TRÍADE DO GUERREIRO ESTÓICO: TRANQUILIDADE, DESTEMOR E LIBERDADE  ¹
 
Sinto-me em casa aqui. Realizei voos de combate com os fuzileiros navais em seus próprios aviões VFM212 decolados de Kaneohe. Eu era comandante de ala ² do porta-aviões Oriskany em seu cruzeiro de 1965. Um de nossos esquadrões de combate estava fazendo a transição entre os Crusaders F8 para os F4. O intervalo foi preenchido pelo esquadrão de fuzileiros navais F8. O skipper ³ era o tenente-coronel Chuck Ludden; o oficial executivo era o major Ed Rutty, anteriormente Blue Angel. E meu wingman no esquadrão era um primeiro-tenente chamado Duane Wills (mais tarde tenente-general e comandante da Marine Cows Aviation). Passei sete anos e meio na prisão com meu colega de bordo capitão fuzileiro Harley Chapman, que foi derrubado dois meses depois de mim. Portanto, sinto-me em território familiar, e muito satisfeito em ter passado 37 anos no serviço naval com caras como vocês. 
Então, dito isso, tenho que escolher bem minhas palavras e ir direto ao ponto, se quisermos fazer alguma coisa útil esta manhã. 
Vamos dar alguns passos largos imediatamente. Que tipo de negócio é o ofício militar? Vamos direto ao velho mestre, Clausewitz . Ele disse: 
“A guerra é um ato de violência para compelir o inimigo a fazer a sua vontade”. 
A sua vontade, não a dele. Nosso negócio é dobrar a vontade alheia. Isso resume o que a guerra é; feito isso, a guerra acabou. E qual é a principal arma para se dobrar a vontade alheia? Isso pode surpreendê-los, mas estou convencido de que manter o moral elevado é mais importante que poder de fogo. Para Clausewitz, a guerra não é uma atividade governada por leis científicas, mas um choque de vontades, de forças morais. Ele escreveu: 
Não se deve levar em consideração a perda de homens, cavalos ou armas, mas a ordem, a coragem, a confiança, a coesão e o planejamento para se saber se um conflito pode ainda ser sustentado; é principalmente a força moral que decide aqui”.
Força moral! Convicção! Jogos mentais! 
A sabedoria da posição de Clausewitz sobre integridade moral me foi demonstrada ao longo de uma guerra perdida, enquanto eu estava atrás das linhas inimigas em uma prisão em Hanói. 
Levar uma nação à guerra, com base em qualquer provocação que cheire a fraude, é se arriscar a comprometer a liderança nacional quando as coisas ficam difíceis. Quando os corpos de nossos soldados começam a chegar em casa em grandes números, e revezes no campo de batalha são desencorajadores, uma consciência culpada em uma liderança destacada se torna o calcanhar de Aquiles de toda uma nação. Homens de caráter que sabem que nosso caminho para uma guerra não foi desleal são os poucos com quem podemos contar para manter com firmeza o seu curso. 
Como alguns de vocês sabem, eu liderei todas as três ações aéreas nos eventos do golfo de Tonkin na primeira semana de agosto de 1964. 
Questões morais foram ignoradas em Washington na interpretação dos nossos líderes dos eventos de 4 de agosto, de modo a fazer passar a resolução do golfo de Tonkin pelo congresso às pressas. 
Eu não fui somente a única testemunha de todos os eventos e o líder das forças americanas que os iniciaram – eu também era conhecedor de uma mensagem confidencial quanto a isso. Eu sabia com certeza que nossas forças morais foram desperdiçadas em objetivos menores; outros envolvidos, no mínimo, suspeitavam o mesmo. 
Jogos mentais são importantes, e devemos jogá-los honesta e seriamente nesse ofício. O inimigo de campo de batalha de Clausewitz, Napoleão, não apenas concordou com seu adversário, mas fez a mesma observação sobre ética em termos ainda mais vívidos. 
Napoleão disse: 
“Na guerra, o moral está para o físico na proporção de três para um”. 
Vou me concentrar num grande jogo mental hoje: Estoicismo. Suas sementes foram plantadas em Atenas no século IV a.C., como uma reação contra a preocupação de Platão em preparar a todos para a sociedade perfeita. Diógenes de Sínope, um amigo tanto de Aristóteles quanto de Alexandre o Grande, (eles todos se conheciam e morreram no mesmo período de dois anos), lançou-se em campanha, não para conquistar o Oriente como o fez Alexandre, nem para eliminar a ignorância como o fez Aristóteles, mas para fazer algo acerca da condição do homem enquanto parte do rebanho de uma Cidade-Estado, que pudesse neutralizar os temores e desejos interiores que continuamente o obsedavam. O homem tinha que assumir comando e controle de si mesmo. A meta estóica não era a boa sociedade, mas o homem bom! 
E muitos movimentos surgiram, a maioria no Oriente, depois do prematuro colapso do império de Alexandre o Grande na Ásia, após sua morte na juventude; dúzias de cultos propostos para aperfeiçoar as almas dos homens se organizaram e, de Atenas, foram para o Ocidente: entre outros, epicuristas, estóicos (é claro) e, na retaguarda, os cristãos. 
Para compreenderem minha mensagem de hoje, vocês têm apenas de ter uma compreensão geral da mensagem de um homem: o filósofo estóico Epicteto, um proeminente moralista pagão do Império Romano. Farei o melhor para lhes dar essa compreensão em duas falas de cinquenta minutos separadas por um intervalo. 
No tempo restante, sobretudo por meio de perguntas e respostas, discutiremos o valor do que eu chamarei de "código de conduta" de Epicteto para nos integrar como guerreiros. Código de conduta? Vocês pensam o estoicismo como uma filosofia completa, com certa cosmologia, uma lógica particular, uma física, uma teoria do conhecimento e todo o resto? Se é assim, vocês estão certos; o estoicismo tem todos os aparatos de uma filosofia; mas o velho Epicteto ignorou tudo acerca disso exceto o que tem a ver com a conduta pessoal, como um homem bom deve pensar e se comportar. 
“O que me importa, Epicteto perguntou, se todas as coisas existentes são compostas de átomos, ou indivisíveis, ou de fogo e terra? Não é o suficiente aprender a natureza verdadeira do bem e do mal?
O primeiro princípio do estoicismo é viver em harmonia com a natureza – a natureza humana e a natureza física. Meu amigo geneticista em Harvard, E. O. Wilson, disse-me que a diferença entre homens e animais não é a razão, mas a natureza humana. A natureza humana consiste sobretudo em paixões geneticamente direcionadas, paixões configuradas para nos dar a capacidade de sobreviver e reproduzir. Foi David Hume quem disse: 
“A razão não só é, mas também deve ser escrava das paixões”.
A natureza física, a outra metade, é o universo físico e todas as suas interações. Para os estóicos, a natureza física é o corpo de Deus. Olhem a si mesmos e vejam onde se encaixam no esquema natural das coisas. E desempenhem bem o seu papel. 
Epicteto não tolerava a vida indolente e largada. Seu sarcasmo desmascarava esses maus hábitos. Ele tinha uma ardente franqueza, cujos golpes expunham a vileza deles. Sua mensagem: 
“Um homem deve pensar com rigor e viver com simplicidade para agir bem”.
Eu conheci o velho Epicteto na universidade em 1962. Essa foi a minha grande sorte; de fato, foi um feliz acaso que nos uniu. Meu professor (de filosofia) favorito me deu um dos livros de Epicteto como presente de despedida quando eu saí da universidade de volta para o mar. Ele nunca o havia mencionado em sala de aula. Phil Rhinelander simplesmente pensou que Epicteto e eu poderíamos fazer um bom par, e ele estava certíssimo. Eu nunca tinha ouvido falar de Epicteto; de fato, hoje o reconhecimento de seu nome está no terceiro escalão dos filósofos. Mas sua mente é de primeiro escalão. 
Tudo o que sei de Epicteto eu desenvolvi por mim mesmo ao longo dos anos. Tem sido uma relação direta. Ele esteve em combate comigo; com as pernas algemadas comigo; ficou, por meses, de olhos vendados comigo; foi torturado comigo; ensinou-me que meu verdadeiro negócio é manter controle sobre meu propósito moral, o qual, de fato, é o que sou. Ele me ensinou que eu sou totalmente responsável por tudo que faço e digo; e que sou eu quem decide e controla minha própria destruição e libertação. Nem mesmo Deus irá interceder se me vir desperdiçar minha vida. Ele me quer autônomo. Ele me pôs no comando de mim mesmo.
Não importa quão estreita seja a passagem
Quão carregada de punição a sentença
Eu sou o senhor do meu destino
Eu sou o comandante de minha alma.
Não se perturbem com minhas referências ocasionais ao modo como os estóicos vêem Deus. Ele é o que há de mais próximo do Deus cristão, de acordo com Paul Tillich, um renomado teólogo protestante. Epicteto ouvira sobre os cristãos, mas jamais conheceu um, nem estavam os estóicos e os cristãos em competição durante a sua vida. Não foi até a última parte do segundo século d.C. que um credo cristão coerente começou a emergir. Antes disso, ninguém poderia afirmar uma tese cristã que fosse inteligível para um intelectual pagão. Os estóicos praticaram uma religião monoteística da qual a cristandade muito tomou – a paternidade de Deus e a irmandade dos homens eram conceitos estóicos bem estabelecidos antes que Cristo tivesse nascido; o Espírito Santo era uma idéia estóica antes que Cristo nascesse. 
 
Eis um rápido resumo da vida de Epicteto: ele nasceu de uma escrava de língua grega em uma pequena cidade da Ásia Menor, cerca de cem milhas nas montanhas depois de Éfeso. No tempo em que nasceu, 50 d.C., aquela parte do mundo era uma colônia romana guarnecida por tropas. A cidade de sua mãe, Hierápolis, era então, e ainda o é, renomada por suas fontes e banhos de águas termais, e penso nela como um provável ponto R & R (de repouso e relax) para as tropas romanas. (Visitei o lugar, é claro). Nascido para a escravidão, Epicteto foi automaticamente um escravo; ele teve uma vida dura. Mutilado por um senhor cruel, tinha uma perna ruim, como a minha perna esquerda, na altura do joelho. Com cerca de quinze anos, foi acorrentado e levado para Roma numa caravana de escravos. Foi comprado num leilão por um ex-escravo, um “liberto” chamado Epafrodito , secretário do imperador de Roma, o jovem (com 27 anos de idade) Nero. Nero era mau e ficou pior no tempo em que Epicteto, ainda moço, se mudou para a “Casa Branca” romana. Aos 30, Nero havia matado seu meio-irmão, suas primeira e segunda mulher e sua mãe. E estava deixando o Império gerir-se por si mesmo. O Senado Romano o declarou inimigo público, e Epafrodito estava ao lado de Nero quando o exército derrubava a porta para prendê-lo. Nero tentou cortar a própria garganta. Falhou. E Epafrodito terminou o trabalho. Epafrodito desde então passou a viver na obscuridade, e Epicteto ganhou as ruas de Roma. Jovem de elevada mentalidade, inteligente e falante de grego, começou a frequentar aulas de filosofia oferecidas em parques públicos. E naqueles dias, em Roma, “filosofia” era sinônimo de estoicismo. O ponto de virada de sua vida foi sua adoção por Musônio Rufo, o melhor professor de filosofia do primeiro século em Roma. 
Embora Epicteto fosse ainda tecnicamente um escravo, Rufo, um cavaleiro etrusco, tomou-o como estudante. Rufo era fluente em grego como Epicteto o era em latim, e ele e Epicteto entenderam-se bem. Numa passagem, Epicteto fala sobre a maestria da instrução de seu tutor nos seminários: 
Rufo falava de tal modo que cada um de nós, enquanto estávamos lá sentados, imaginávamos que alguém tinha ido a ele e contado as nossas faltas, tão efetiva era sua compreensão do que os homens realmente fazem e pensam. Com intensidade, exibia diante dos olhos de cada homem sua fraqueza particular.
A tutela de Epicteto durou pelo menos dez anos, e então Rufo o lançou numa carreira como um filósofo bona fide em Roma. Epicteto, como todos os filósofos em Roma, foi exilado pelo imperador Domiciano no ano 89, e ele escolheu a pequena cidade de Nicópolis (onde também estive), na costa grega do Adriático, como um lugar para fundar uma escola. Minhas autoridades favoritas colocam a data de sua morte em 138, aos 88 anos. 
 
Epicteto (✰ Hierápolis, 50 d.C. ✞ Nicópolis, 138 d.C.)

 
Nada sei sobre sua "aposentadoria"; penso, portanto, que ele inaugurou sua escola por volta do ano 90, aos 40 anos, e ensinou aí por outros 40 ou 50 anos. Esse pequeno livro, como aquele que ganhei de meu professor em 1962, é chamado Encheirídion, significando em grego "Manual". São apenas excertos selecionados de oito volumes das aulas e conversas de Epicteto, ocorridas, pensamos nós, no ano 108. Ele falava basicamente para homens jovens e ricos de famílias destacadas, a maioria de Atenas e Roma. Era o cenário de Sócrates novamente, 500 anos depois. Os mesmos estudantes, da mesma idade, em torno dos vinte anos, os mesmos tipos de diálogo. 
Epicteto, solteiro até os seus últimos anos, quando tomou uma esposa de sua idade para ajudá-lo a cuidar de uma criança recatada da morte por abandono, era um mestre natural, extraordinariamente dotado. Era sociável - nunca faltou aos jogos Olímpicos que ocorriam a apenas 50 milhas de sua escola. Ele fala sobre os jogos Olímpicos daqueles anos no capítulo 29 do Encheirídion
XXIX. (1) Considera o que antecede e o que sucede a cada tarefa, e então a empreende. Caso contrário, como não terás refletido sobre nenhuma dessas coisas, primeiro te entusiasmarás, depois, quando aparecerem algumas dificuldades, abandonarás a tarefa de modo vergonhoso (2) Queres vencer em Olímpia? Também eu, pelos Deuses! Pois é uma bela coisa. Mas considera o que antecede e o que sucede , e então põe mãos à obra. É preciso que sejas disciplinado, que cumpras rigorosa dieta, que te abstenhas de guloseimas, que obrigatoriamente te exercites na hora determinada, no calor, no frio, que não bebas de modo algum coisas geladas nem vinho, não importa quando; em suma: que te confies ao treinador como a um médico. É preciso, então, que te fatigues nos jogos, que algumas vezes lances as mãos, que torças o calcanhar, que engulas muita areia, que algumas vezes sejas fustigado e, depois de todas essas coisas, podes ser vencido. (3) Considerando essas coisas, se o ainda desejares, torna-te atleta. ¹
As possibilidades religiosas do estoicismo foram desenvolvidas por Epicteto mais que por qualquer um de seus predecessores estoicos dos 400 anos precedentes. Mas seu modo de falar não era o de um moralista puritano. Ele frequentemente exprimia suas observações incisivas em metáfora atlética: "São as dificuldades que mostram o caráter dos homens. Assim, quando te deparares com uma séria dificuldade, lembra que és como o jovem cru, com quem Deus-o-treinador está disputando". E numa prece a Deus ele usa a metáfora militar: 
Se Tu me enviaste a um lugar onde os homens não têm como viver de acordo com a natureza, devo partir dessa vida, não em desobediência a Ti, mas como se estivesses soando a retirada.
Os estóicos aceitavam o suicídio sob certas condições. 
E Epicteto era divertido. Divertido mesmo quando interpretava o papel de psicólogo de choque! Ele faz e responde à seguinte questão: 
O que fazes com teus amigos enquanto sobes na escala da sofisticação intelectual? Tu acompanhas teus velhos camaradas ou discutes questões intelectuais? Se não bebes com velhos amigos como costumavas beber, não podes ser tão amado por eles. Escolhe então se desejas ser ou bêbado e apreciado por eles ou sóbrio e não apreciado.
Então ele tornou claro em sua mente que satisfação e auto-respeito são melhor atendidos ao escolher amizades condizentes com sua educação. 
Mas se isso não te agrada, coloca-te na posição inversa; torna-te um dos viciados contra a natureza, um dos adúlteros, e age do modo correspondente. E levanta-te para aplaudir o dançarino!
Ao estudante penosamente tímido e reticente: 
Assim como os bons cantores de coro não fazem solos, mas cantam perfeitamente bem com outras vozes, também alguns homens não podem caminhar por si mesmos. Homem, se és alguém, caminha e fala por ti mesmo, e não te escondas no coro. Deixa que riam de ti algumas vezes, observa-te e atua em ti mesmo, de modo a, pelo menos, descobrires quem realmente és!
 
Encheirídion,  traduzido pela primeira vez para o latim por Angelo Poliziano (ed. Basileia, 1554)

 
Ora, nem os oito volumes das “aulas” de Epicteto, conversas particulares e de corredor, nem o “resumo prático” delas, o Encheirídion, foram compilados por Epicteto. Ele não se importou minimamente em escrevê-los. Tudo foi anotado por um tipo de frenética estenografia por um estudante de 23 anos, um homem notável, Flávio Arriano, comumente conhecido apenas como Arriano. Ele era um grego aristocrático nascido em uma província da Ásia Menor no mar Negro. Não há como não pensar no que lhe custou improvisar essa estenografia, seguir o velho por toda parte e anotar todo o material. Depois de um bom tempo ouvindo Epicteto e seu discurso estimulante, ele deve ter dito algo como: “Uau, precisamos pôr esse cara no papiro!” Na dedicatória, a um amigo, do manuscrito final, ele escreve: 
Quantas coisas o ouvi dizer, essas mesmas tentei, escrevendo como me era possível, guardar com cuidado para mais tarde para mim mesmo as lembranças de seu pensamento e de sua franqueza ao falar [...] Saibam os que se depararem com esses discursos que o próprio Epicteto, quando os pronunciava, necessariamente comovia o ouvinte, precisamente porque ansiava comovê-lo. ¹¹
Essa é a marca do bom mestre! Arriano foi escritor ao longo de sua vida. Seu último e maior livro foi seu texto definitivo sobre a expedição ao Oriente de Alexandre o Grande: A Anabasis de Alexandre. Algum tempo após sua morte, quatro dos oito volumes de Epicteto desapareceram. Durante a Idade Média, os quatro remanescentes foram unidos sob o título Diatribes de Epicteto. Como eu disse, o Encheirídion foi uma amostragem de todos os oito volumes, de modo que se acharão no Encheirídion coisas que não estão nas Diatribes
A história nos dá flashes das outras atividades em sua ilustre carreira. Após deixar a escola de Epicteto, e um período como um bem-sucedido oficial do exército romano, o achamos lecionando em Atenas, cerca de 120 d.C., onde encontra o imperador Adriano, que estava para começar um tour de cinco anos pelo império após sua investidura em 117 d.C.. 
Epicteto figurou em dois resquícios da presença de Arriano em Atenas nos anos seguintes. Adriano, em 130 d.C., nomeou Arriano cônsul por um ano, seguido por seis anos como governador da grande província da Capadócia na Ásia Menor. Arriano apresentou Epicteto ao imperador Adriano, e eles se tornaram amigos até o fim da vida. Posteriormente, quando Arriano deixou sua docência em Atenas pela política, ele foi substituído por certo Q. Júnio Rústico ¹², que depois se tornou o tutor do jovem Marco Aurélio. Mais tarde, em suas Meditações, um livro sobre estoicismo, o imperador Marco Aurélio reconheceu seu débito com Epicteto pela sabedoria que ele adquiriu com o estudo dos seus oito volumes quando jovem. (Rústico tinha algumas cópias que Arriano lhe deixara e deu uma ao seu aluno, o jovem Aurélio). 
Assim, esse menino escravo, que se tornou um diretor de escola, ganhou fama como respeitado estudioso nos mais altos círculos da única superpotência do mundo antigo. E aqueles eram anos importantes na história do mundo. Eram os anos de que o historiador Edward Gibbon falou na famosa afirmação em seu livro A História do Declínio e da Queda do Império Romano
Se um homem fosse convidado para apontar o período na história do mundo durante o qual a condição da raça humana foi mais feliz e próspera, ele sem hesitação designaria aquele que ocorreu entre a ascensão de Nerva e a morte de Marco Aurélio.
É um período de 84 anos, de 96 d.C. a 180 d.C. “Seus reinados reunidos são possivelmente o único período da história no qual a felicidade de um grande povo foi o exclusivo objeto de governo”. O eminente filósofo Will Durant, no volume intitulado De César a Cristo, de sua série sobre a história da civilização, chama os cinco imperadores que cobrem a era admirada por Gibbon de “os reis filósofos”. Todos eram estóicos ou lhes tinham forte simpatia: Nerva perdoou estóicos exilados por Domiciano. Trajano tinha um tutor estóico em seus quartéis. Adriano era amigo íntimo de Epicteto. Antonino Pio, um "produto da escola estóica", insistiu que princípios legais estóicos fossem seguidos nas cortes de justiça romanas, isto é, que (1) em todos os casos de dúvida, o veredicto fosse declarado em favor do acusado; e (2) um homem deveria ser considerado inocente até que se provasse a sua culpa. E o último dos reis filósofos, Marco Aurélio, provavelmente o melhor de todos os imperadores romanos, secretamente escreveu suas meditações estóicas à luz de velas em sua tenda armada em uma ou outra encosta das montanhas da Germânia, onde, nos últimos 12 anos de sua vida, esteve em campanha como general comandante dos exércitos romanos, continuamente engajado em defender as fronteiras do norte do Império contra os ataques tribais. 
O estóico romano era mais um homem de ação que de contemplação, mas ouçam um parágrafo do velho soldado Marco Aurélio sobre como morrer: 
Passa esse pequeno espaço de tempo tua vida confortavelmente com a natureza e termina tua jornada em contentamento, como a oliva madura que cai, louvando a terra que lhe deu nascimento e agradecendo à árvore que a fez crescer”. (I. 48) 
Sobre a questão do pós-morte, Marco Aurélio seguiu e enfatizou os ensinamentos de Epicteto. Somente eles, entre os estóicos, eram muito cuidadosos no que diziam sobre a morte. Não há prova de vida após a morte e, para evitar a possibilidade de iludir as pessoas, eles se abstiveram da linguagem mais ampla de seus prececessores. Matthew Arnold descreveu Marco Aurélio como "talvez a mais bela figura na história". 
Os cinco reis filósofos foram o tipo de homens que vocês apreciariam como comandantes do Corpo de Fuzileiros Navais. Umas poucas notas de meus livros de história: o segundo dos cinco, Trajano, era o general comandante do exército romano em Colônia, quando foi notificado que o imperador Galba morrera, e que ele fora escolhido para sucedê-lo. Trajano foi imperador por 19 anos, durante os quais habitualmente usava seu uniforme militar. Alto e robusto, desejou marchar a pé com suas tropas e passar a vau, com equipamento completo, as centenas de rios que eles atravessavam. 
Deixem-me contar sobre a viagem de cinco anos feita por seu sucessor, o imperador e general Adriano, após encontrar Adriano em Atenas. Acompanhado por peritos, arquitetos, construtores e engenheiros, deixou Roma em 121 d.C. para inspecionar as defesas na Germânia. Ele viveu como seus soldados, comendo com eles, nunca usando um veículo, caminhando com equipamento militar completo a cada 20 milhas. O exército romano nunca esteve em melhor condição que em seu reinado. Ele viajou pelo Reno até sua foz, embarcou para a Bretanha, ordenou a construção de uma muralha de Solway Firth até a foz do Tyne "para separar os bárbaros (escotos) dos romanos na Inglaterra" - "A muralha de Adriano". Voltou para a Gália; foi para a Espanha; e depois para o noroeste da África, onde conduziu as legiões romanas de ocupação contra os mouros que assaltavam cidades romanas da Mauritânia. Feito isso, foi a Éfeso a bordo de um de seus navios de guerra do Mediterrâneo; mais adiante, inspecionou os portos do Mar Negro; voltou para Rodes; e, ainda curioso aos 50 anos, parou na Sicília e escalou o monte Etna para ver o nascer do Sol desde um penhasco a 11.000 pés acima do mar Mediterrâneo. 
  
 
O intervalo entre o fim de minha graduação e meu aprisionamento foi quase exatamente três anos, setembro de 1962 a setembro de 1965. Esse foi um período de minha vida muito cheio de acontecimentos. Comecei uma guerra (liderei o primeiro ataque de bombardeio americano no Vietnã do Norte), comandei bons homens em cerca de 150 missões de combate sob fogo antiaéreo. E, ao longo de três missões de sete messes no Vietnã, eu tinha não apenas o Encheirídion, mas as Diatribes em minha mesa de cabeceira em cada um dos três porta-aviões de que decolei. E os li. 
Em 9 de setembro de 1965, voei direto para uma emboscada antiaérea, ao nível dos topos das árvores, a quinhentos nós, em um pequeno avião A4 – paredes de cabine afastadas menos de três pés – que eu não conseguia mais controlar depois que irrompeu em chamas e seus sistemas se apagaram. Após a ejeção eu tinha cerca de 30 segundos para dizer minhas últimas palavras em liberdade, antes de cair na rua principal de uma pequena aldeia à frente. Desamparado, murmurei para mim mesmo: “Cinco anos aqui, pelo menos. Estou deixando o mundo da tecnologia e entrando no mundo de Epicteto”. 
Quero parar o cronômetro por um momento e explicar que lembranças do Encheirídion e das Diatribes eu tinha “prontas à mão” quando me ejetei do avião. O que eu tinha à mão era o entendimento de que o estoico, particularmente o discípulo de Epicteto que desenvolveu essa explicação, sempre mantém arquivos separados em sua mente para (A) as coisas que “lhe cabem”, e (B) coisas que “não lhe cabem”. Outra maneira de dizer isso: (A) coisas que “estão sob seu poder”, e (B) as que “não estão sob seu poder”; ou ainda outro modo de dizer o mesmo: (A) coisas que estão no âmbito de “sua vontade livre”, e (B) as que estão além. Entre as relativamente poucas coisas que “me cabem, que estão sob meu poder, sob o alcance de minha vontade”, estão minhas opiniões, minhas metas, minhas aversões, minha própria aflição, minha própria alegria, meu propósito moral ou vontade, minha atitude diante dos acontecimentos, meu próprio bem, meu próprio mal. Notem por favor: tudo, enquanto tem real importância para o estoico, aplica-se à sua “interioridade”, onde vocês vivem. 
Agora estou falando um pouco como um pregador. Por favor, entendam que não estou tentando vender coisa alguma. Esse é apenas o modo mais eficiente de explicar. O estoicismo é uma dessas coisas que, quando descritas analiticamente, soa horrível para alguns ouvintes modernos. Estudiosos do estoicismo concordam que, para descrevê-lo efetivamente, o mestre deve “se tornar, pelos menos por alguns momentos”, um estóico. 
Por exemplo, para lhes dar uma ideia melhor de por que “seu próprio bem e seu próprio mal” estão na lista, quero citar uma passagem de Alexander Solzhenitsyn, de seu livro Arquipélago Gulag ¹³, quando ele fala sobre isso na prisão, enquanto se recompõe, percebe suas forças residuais, e começa o que conheço como ascensão, experimentando picos de ocasional euforia ao compreender que estava conhecendo a si mesmo e o mundo pela primeira vez. 
Foi somente quando eu jazia sobre o apodrecido catre da prisão que percebi dentro de mim o primeiro despontar do bem. Gradualmente se manifestou a mim que a linha que separa o bem do mal não passa entre Estados, nem entre classes, nem entre partidos políticos, mas diretamente através de cada coração humano, através de todos os corações humanos. Eis porque retorno aos meus anos de encarceramento e digo, algumas vezes para espanto dos que me cercam: “Bendita sejas, prisão, por teres sido uma parte de minha vida”. 
Eu entendo isso. Ele aprendeu, como eu e muitos outros aprenderam, que o bem e o mal não são apenas abstrações que se discutem, sobre as quais se dá aulas e se atribui a esta ou àquela pessoa. O único bem ou mal que significam alguma coisa estão exatamente em seu próprio coração, sob sua vontade, sob seu poder, no que está ao seu alcance. O que os estóicos dizem é: “Cuide disso e terá as mãos cheias”. 
O que não está ao seu alcance? Além de seu poder? Não sujeito à sua vontade em última instância? Para começar, considerem “seu posto na vida”. Enquanto eu plano rumo à pequena cidade em meu breve voo de paraquedas, estou prestes a aprender quão insignificante é meu controle sobre “meu posto na vida”. Não é absolutamente encargo meu. Claramente estou, neste exato momento, deixando de ser comandante de ala, encarregado de umas mil pessoas (pilotos, tripulantes, pessoal de manutenção), responsável por cerca de cem aviões, e beneficiário de Deus sabe que tipo de status simbólico e atenção, para ser um objeto de desprezo. “Criminoso”, assim serei conhecido. Mas isso não revela metade da percepção de nossa própria fragilidade. Podemos ser reduzidos, pelos elementos naturais ou pelos homens, a um destroço, desamparado e lamentável, incapaz de controlar suas próprias entranhas – e em questão de minutos. E, ainda mais, podemos enfrentar fragilidades que nunca nos permitimos crer serem reais. É o que acontece, alguns minutos depois de ser, numa sequência de ações, derrubado, cuidadosamente amarrado por um profissional com cordas apertadas como torniquetes, ter as mãos algemadas atrás, ser ameaçado por baionetas à frente, ter a cabeça empurrada para baixo entre seus tornozelos presos em alças atadas a uma pesada barra de ferro, ser assaltado pela ansiedade, sentir cessar a circulação da parte superior do corpo, sentir a crescente dor e a progressiva claustrofobia, enquanto alguém por trás, com o calcanhar, empurra sua cabeça para baixo mais uma vez, e você começa a ofegar e vomitar. Então podem escapar respostas, provavelmente corretas, para perguntas acerca de qualquer coisa que sabem que você sabe. Não irei impor-lhes essa descrição de novo. Chamarei isso apenas de “tortura nas cordas”. 
Não, o “posto na vida” pode ser mudado, em menos de uma hora, de um digno, competente e educado gentleman para o de um lamentável destroço amedrontado e com aversão a si mesmo, talvez um permanente destroço, se você é desprovido de vontade. E então? Assim, após o trabalho de uma vida para estabelecer seu posto, se vocês se iludem pensando que têm algum direito de propriedade sobre ele, vocês estão se dirigindo para uma queda. Estão pedindo para se desapontar. Para evitar isso, parem de se enganar, tão somente façam o melhor que puderem de acordo com o senso comum para tornar seu posto na vida o que vocês querem que ele seja, mas não fiquem presos a ele. Assegurem-se então de que, no fundo de seu coração, em seu interior, vocês tratem seu posto na vida com indiferença, não com desprezo, mas apenas com indiferença. 
E o mesmo vale para uma longa lista de coisas que algumas pessoas irrefletidas afirmam que estão seguras de controlá-las totalmente – reputação, por exemplo. Façam o que fizerem, ela é tão instável como o seu posto na vida. São os outros que decidem qual é a sua reputação. Tentem torná-la o melhor possível, mas não se prendam a ela. Em seu coração, quando se abre aquela velha escrivaninha na qual realmente são mantidas as suas coisas, não deixem que a "reputação" se misture com o que está submetido à sua vontade, o que está sob o controle de sua vontade, em outras palavras, o que é encargo seu. Tenham certeza que a reputação esteja na última gaveta, arquivada sob a etiqueta "questões indiferentes". E o mesmo para a saúde, a riqueza, o prazer, a dor, a fama, a infâmia, a vida e a morte. Tudo isso é externo, tudo isso está em última análise fora de seu controle, fora do poder de onde realmente se vive. E onde realmente se vive é confinado ao regime de seu propósito moral, confinado a coisas que podem ser projetadas por seus atos de vontade – como desejos, metas, aversões, juízos, atitudes e, é claro, seu bem e seu mal. Para um estóico, o propósito moral, a vontade é o único repositório de coisas de valor absoluto. 
Se elas são projetadas sabiamente ou tolamente, para o bem ou para o mal, é encargo seu. Quando sua vontade é disposta no curso correto, um homem se torna bom; quando num curso tolo, ele se torna mal. Com o curso correto vem boa sorte e felicidade, e com o curso tolo, má sorte e miséria. 
Para um estóico, a má sorte é culpa dele mesmo; vocês tornaram-se presos a exterioridades. Epicteto: 
O que são as tragédias, senão o retrato em versos trágicos dos sofrimentos dos que admiraram as coisas externas?
Nem mesmo Deus irá interceder em suas decisões. Epicteto: 
Deus te dá atributos, como caráter magnânimo, coragem e perseverança, para tornar-te capaz de suportar tudo que aconteça. Essas coisas são dadas livres de qualquer restrição, compulsão ou impedimento; Ele pôs tudo isso sob teu controle sem reservar nem para si próprio qualquer poder para impedir-te ou obstar-te.
Como eu disse, sua libertação ou sua destruição são 100% suas. Sei das dificuldades de engolir tudo isso de uma vez. Vocês se mantêm pensando em problemas práticos. Todo o mundo tem dee jogar o jogo da vida. Vocês não podem simplesmente andar por aí dizendo: "Não me importo sobre minha saúde ou riqueza, ou minha reputação, ou se eu form mandado para a prisão ou não". Epicteto foi um grande mestre porque podia traçar com as palavras um quadro que clareava aquilo sobre o que ele falava. 
Nesse caso, Epicteto disse que todo o mundo deve jogar o jogo da vida – que os melhores o jogam com "habilidade, elegância, velocidade e graça". Mas, como na maioria dos jogos, joga-se com uma bola. Seu time devota todas as suas energias para fazer a bola atravessar a linha. Mas, depois do jogo, o que se faz com a bola? Ninguém se importa muito. Ela não vale coisa alguma. A competição, o jogo, era o negócio. 
Vocês jogam o jogo com cuidado, tendo a certeza de nunca fazer do externo uma parte de si mesmos, mas meramente exercitando habilidade. A bola foi apenas "usada" para tornar o jogo possível, então apenas a larguem no vestiário e a esqueçam, deixem-na esperando pelo próximo jogo. Acima de tudo, não a desejem, não a busquem, não coloquem o coração nela. É essa última rota que torna as exterioridade perigosas, que as torna a rota para a escravidão. Primeiro se anseia ou se abomina "coisas", e então vem aquele que pode conferi-las ou removê-las. Eu cito o Encheirídion, capítulo 14: 
O senhor de alguém é quem possui o poder para conservar ou suprimir as coisas desejadas ou não desejadas por esse alguém. Então, quem anseia ser livre não deve desejar nem evitar alguma das coisas sob o controle de outro. Caso contrário, necessariamente, será escravo. 
Diatribes 1.12.1: 
“Quem é teu senhor? Aquele que tem autoridade sobre qualquer coisa que enlaça o teu coração”. 
Essas últimas citações constituem o real núcleo do que uma pessoa precisa para compreender a situação de um prisioneiro de guerra. E assim levei esses pensamentos centrais para a prisão. Também recordei, do Encheirídion, várias notas sobre mudança de atitudes, sobre como não se enganar pensando que se pode, de algum modo, se manter à parte, ser um “mero expectador”, separado da organização clandestina dos prisioneiros.  
Encheirídion, capítulo 17: 
Lembra que és um ator na peça teatral que o Dramaturgo [27] quiser: se Ele a quiser breve, breve será; se longa, longa será; se Ele desejar que interpretes o papel de mendigo, é para que interpretes esse papel com habilidade. E, da mesma forma, se coxo, se magistrado, se homem comum. Pois isso é teu: interpretar belamente o papel que te é dado. Mas cabe a Outro escolhê-lo.
As iniciais maiúsculas em Dramaturgo e Outro são o código estóico para “outro nome de Deus”. Nossas mentes são partes da Mente Divina; ela é como uma chama, e as consciências individuais, suas faíscas. Do mesmo modo, somos fragmentos de Deus; cada um de nós tem dentro de si uma parte dele. Somos parte de Deus e Ele é parte de nós. 
Outra observação sobre mudança de atitude: quando em situações difíceis, deve-se reprimir o que se tem de personalidade de presidente de centro acadêmico: dar e receber, abertura, compreensão, oferecer alternativas ao invés de direta recusa em colaborar. Na prisão, chamávamos os que agiam como presidentes de centros acadêmicos de “jogadores”, e tentávamos impedi-los de cavarem suas próprias sepulturas. 
Se alguém entregasse teu corpo ao primeiro que aparecesse, te indignarias. E não te envergonhas se entregas teu pensamento ao primeiro que apareça, para que, se ele te insultar, teu pensamento se inquiete e se confunda? (Encheirídion, capítulo 28) 
Tudo isso, ao longo desses três anos (entre a graduação e ser abatido), eu deixei guardado para o futuro. Agora, volto à cronologia. Está bem calmo no paraquedas, e posso ouvir os rifles dispararem abaixo e associá-los aos furos de balas no velame do paraquedas acima de mim. Então, ouço o toque do meio-dia e vejo os punhos se elevando na cidade enquanto meu paraquedas se prende numa árvore, mas me deposita numa rua principal em bom estado. Com dois estalidos dos fechos de rápida soltura eu estava livre do paraquedas, e comecei imediatamente a ser linchado por dez ou quinze brutamontes que eu percebera, com minha visão periférica, chegando pesadamente à minha direita. Isso me pareceu como o saque de quarterback do século. Não quero fazer disso uma grande coisa, nem sugerir que me surpreendi com minha recepção, mas quando o ataque, a surra, as torções e as pancadas acabaram, e isso durou três minutos ou mais, antes que o cara com um capacete escuro chegasse apitando, eu estava com uma perna gravemente ferida, cujas sequelas tive a certeza de que carregaria pelo resto da vida. Esse pressentimento se mostrou correto. E terei de dizer que senti apenas pequeno alívio quando imprecisamente lembrei da admoestação do manco Epicteto no Encheirídion, capítulo 9: 
Claudicar é um impedimento para a perna, mas não para a vontade. Diz isso, portanto, para cada uma das coisas que acontecem contigo. Com efeito, descobrirás que o impedimento é próprio de alguma outra coisa, mas não teu.
Como eu estava bem informado, sabia de tudo o que se passava – que os norte-vietnamitas já mantinham cerca de trinta prisioneiros no início de setembro de 1965, provavelmente em Hanói; que eu era o único comandante de ala da Marinha ou Força Aérea que sobrevivera a uma ejeção; e que eu seria o mais antigo entre eles, seu oficial em comando, e assim continuaria a ser, muito provavelmente, por toda essa guerra, a qual eu estava certo de que duraria pelo menos cinco anos. E lá estava eu começando estropiado e atirado ao chão. 
Bem, Epicteto se mostrou correto. Depois de uma operação rudimentar, que tão somente fechou meu joelho e estendeu minha perna, usei muleta por dois meses. E a perna quebrada, curando-se em poucos meses mais, ficou forte o suficiente para me sustentar. Assumi o comando (clandestinamente, é claro) dos então 75 pilotos – que deveriam chegar a 466 em sete anos e meio – determinado a “cumprir o papel que me fora dado”.
 
 
Encerrarei a cronologia da prisão bem aqui, e me concentrarei em trazer à luz mais dicas interessantes de Epicteto e seu estoicismo, quantas o tempo permitir. 
Gostaria de dizer de imediato que li e estudei as Diatribes pelo menos 10 vezes, sem mencionar minhas incursões pelo Encheirídion, e jamais achei uma simples inconsistência no código de princípios de Epicteto. É um pacote fechado, livre de contradições. O velho cara pode não instigá-los, mas se ele não o faz, não o censurem por incoerência; Epicteto não tem problemas com a lógica. 
Penso que é mais necessário se falar sobre o bem e o mal. Afinal, o estoico é indiferente a tudo a não ser o bem e o mal. No pensamento estoico, nosso bem e nosso mal vêm do mesmo lugar. “Vício e virtude residem unicamente na vontade”. “A essência do bem e do mal repousa numa atitude da vontade”. Solzhenitsyn a localiza no coração, e Epicteto aceitaria isso, ou vontade, ou propósito moral, ou caráter, ou alma, ele não era dado a disputas verbais. O que ele enfatiza é que o bem e o mal de vocês são a essência de vocês. Vocês são propósito moral. Vocês são vontade racional. Vocês não são cabelo, vocês não são pele, vocês são propósito moral – entendam bem isso, e vocês estarão bem. 
Isso foi revelado a Solzhenitsyn quando ele sentiu dentro de si a primeira inspiração do bem. E, nesse capítulo, o velho russo elaborou outras verdades sobre o bem e o mal. Não apenas a linha que os separa não passa entre grupos étnicos, políticos ou culturais, mas exatamente através de cada coração humano, através de todos os corações humanos, acrescenta ele que, para qualquer indivíduo ao longo dos anos, essa linha de separação dentro do coração se desloca, de algum modo oscila. Que mesmo nos corações subjugados pelo mal, uma pequena cabeça de ponte para o bem se mantém. E até no melhor dos corações permanece enraizado algum mal. Há algum bem e algum mal em todos nós, e essa é a doutrina estóica. 
Nesse mesmo capítulo, Solzhenitsyn comenta: 
Ah! se apenas houvesse pessoas más em alguma parte cometendo insidiosamente atos maus, e fosse preciso somente separá-las do resto de nós e destruí-las. Mas a linha que divide o bem e o mal é traçada ao longo do coração de cada ser humano, e quem deseja destruir uma parte do próprio coração?
Só quero que saibam que estou ciente disso. Em uma provação como uma tortura na prisão, reflete-se, silenciosamente se estuda o que fazem aqueles com que se lida. Assim que tinha medido o meu torturador, visto os seus olhos enquanto trabalhava, visto se movendo, sentido mover-se enquanto ficava por trás de minhas costas curvadas e apertava as cordas fazendo meus ombros se juntarem, percebi que havia algum bem nele. Isso foi irônico, porque quando ele veio pela primeira vez com o novo comissário para instalar a tortura após minha chegada, eu o havia apelidado de "Pigeye" ¹, por causa do total vazio do seu olhar fixo, enquanto espreitava pelo visor da porta da cela. Ele era de minha idade, calvo e rijo, rápido, flexível e forte, como um treinador atlético. Era desprovido de emoções, daí seus olhos sem emoção. Quase totalmente ignorante do inglês, apenas gestos e grunhidos. Sob ordens, torturou-me nas cordas 15 vezes ao longo dos anos, e em determinada ocasião quebrou mais uma vez minha perna, tenho certeza que inadvertidamente. Numa cena de corte marcial, ele tinha que me torturar diante de um comitê de oficiais norte-vietnamitas. Os oficiais sentaram a uma longa mesa diante de Pigeye e mim, e atrás de nós estava um semicírculo de soldados segurando rifles que oscilavam enquanto apontavam, com suas baionetas afixadas, para o assoalho de cimento diante deles. Isso foi na sala de tortura dos Botões ¹ da New Guy Village, na prisão de Hoc Lo, em agosto de 1967 - assim chamada porque suas paredes tinham sido toscamente salpicadas com bolotas de cimento do tamanho de uma bola de sorvete, numa tentativa de torná-la "à prova de som". Eu podia dizer que Pigeye estava nervoso por causa daqueles oficiais que eu jamais vira antes, e penso que ele também não, e ele pressionou minha perna ruim ao invés da boa sobre a qual ele sempre pusera tensão antes. A cartilagem convalescente cedeu com um agudo "pop", e os oficiais se entreolharam e então se levantaram e saíram. Eu ficaria sem poder andar com meus pés por quase dois meses. 
Em todos esses anos, nós provavelmente não tivemos mais que 24 horas juntos. Mas nenhum de nós jamais quebrou o código de uma invariavelmente estrita relação na "linha do dever". Ele nunca me enganou, sempre jogou corretamente, e jamais pedi misericórdia. Eu admirei aquilo nele, e poderia dizer que ele admirou isso em mim. E quando as pessoas dizem: "Ele era um torturador, você não o odeia?" Eu digo, como Solzhenitsyn, para o espanto daqueles que estão à minha volta: "Não, ele era um bom soldado, nunca ultrapassou sua linha do dever." 
Naquele tempo eu aprendi que medo e culpa são os reais torniquetes que quebram a vontade dos homens. Eu poderia entoar sob minha respiração enquanto marchava para o interrogatório, sabendo que devia me recusar a colaborar e optar pelas cordas: “Seus olhos não devem mostrar medo; não devem mostrar culpa”. Os norte-vietnamitas tinham aprendido a jamais levar um prisioneiro “à cidade” – para subornar o nosso regime com aquilo que ele sempre tinha que lidar: exploração da propaganda pública – a menos que ele estivesse realmente intimidado, a menos que tivessem certeza de que ele sentisse medo. Suas ameaças não faziam sentido a menos que se sentisse medo. Eles haviam sofrido o dano político de vários, incluindo eu mesmo, que haviam reagido, falado e deixado a verdade à mostra para uma audiência de estrangeiros selecionados a dedo numa conferência de imprensa. Livro IV das Diatribes
“Quando um homem, que determinou sua vontade nem em morrer nem em viver a todo custo, vai à presença de um tirano, o que há para impedir que ele não sinta medo? Nada”. 
Medo é uma emoção, e controlar suas emoções pode ser fortalecedor. 
Penso que mencionei todas as coisas que os estoicos pensaram que estavam verdadeiramente “em nosso poder”, dentro do domínio de nosso propósito moral, sob o controle de nossa vontade livre, salvo uma categoria. Essa requer um modo de pensar um pouco diferente, e assim a guardei para o fim. Eu já a mencionei, em parte. Os estoicos acreditavam que as emoções humanas são atos de vontade. Vocês estão felizes porque querem estar felizes, vocês estão esgotados ou tristes quando querem estar tristes, e medo não é algo que o perigo impõe sobre alguém. Quando se tem medo, é hora de perceber que foi decidido, desejado, querido ter medo. Como eu disse acima, sem que vocês tenham medo, ninguém pode significativamente ameaçá- los. Nas Diatribes há um diálogo como este, e isso me era familiar: 
Quando questionado, tive de informar a ele nossos planos de fuga; ele me ameaçou com a morte; eu fui compelido, eu não tive escolha... Isso não está certo; você teve uma escolha e você a fez. Ela pode ter sido justificada, não quero discutir isso agora. Mas seja honesto consigo mesmo. Não diga que você teve de fazer algo apenas porque eles o ameaçaram com a morte. Você simplesmente decidiu que era melhor colaborar. Foi a sua vontade que o compeliu.
Recusem-se a querer o medo e vocês começarão a adquirir uma constância de caráter que impossibilita que outro lhes faça mal. Ameaças não têm efeito se não se temer. Epicteto diz: 
“Não irás perceber que a personificação de todos os males que recaem sobre o homem, de seu espírito ignóbil, de sua covardia, não é a morte, mas antes o medo da morte?” 
Como eu disse, aprender a comandar suas emoções é fortalecedor. 
Quando se chega a esse ponto, o capítulo 30 do Encheirídion se aplica: “Se não quiseres, outro não te causará dano”. E por “dano” Epicteto quer dizer, como os estóicos sempre o fizeram, danificar seu eu interior, seu auto-respeito, e sua obrigação de ser leal. Podem quebrar seu braço ou sua perna, mas não se preocupem. Eles sararão. 
Quais são algumas das diretrizes para identificar o bem e o mal no pensamento estoico? Bem, em primeiro lugar, o estoicismo retoma a ideia de que a Natureza é o corpo de Deus, e que ela não tenta melhorar. De fato, Deus e Natureza são dois aspectos da mesma coisa. A alma de Deus é a Mente do universo, e a Natureza é o seu corpo. Assim como a mente é a parte ativa, e a Natureza é a parte passiva, do mesmo modo nossas mentes são ativas e nossos corpos passivos. Mente sobre matéria; tudo ocorre em sua cabeça, assim não se preocupem com o corpo. O homem perfeito modela a si mesmo nessa operação do universo. Nada jamais se perde. Tudo permanece aos cuidados da Providência. Assim como o universo, no qual a Mente de Deus é imanente e habita e se move de um modo auto-suficiente e autárquico, do mesmo modo o homem bom é independente, autônomo, lei para si mesmo e seguidor da eterna orientação do dever e da consciência. Isso é chamado a coerência do Estoicismo, e Cícero a usou como o fundamento da Lei Natural e da Lei Internacional. “A verdadeira lei é a razão reta de acordo com a natureza”. 
Os estóicos eram bons cidadãos. Na política, o estóico deveria amar seu país e se conservar pronto para morrer a qualquer momento para evitar a desgraça deste ou de sua própria. Mas a consciência de um homem devia ser mais elevada que a lei. Um homem tem o direito de ser responsável, autárquico, autônomo. 
Quanto ao bem e o mal, aonde isso nos leva? Nada que seja natural pode ser um mal. A morte não pode ser um mal. A doença não pode ser um mal. Desastres naturais não podem ser um mal. Nada inevitável pode ser um mal. O universo, como um todo, é perfeito, e tudo nele tem um lugar no projeto geral. A inevitabilidade é produzida pelas operações desse mecanismo. Eventos não acontecem por acaso, chegam por desígnio. Há uma causa para tudo, e “acaso” é simplesmente um nome para causas não descobertas. 
Nem o bem nem o mal podem ser abstrações. Epicteto diz: 
Onde eu busco o bem e o mal? Dentro de mim, no que me é próprio”. 
Mas para aquilo que vem de outro nunca empregue as palavras “bem” ou “mal”, ou nada do tipo. Bens e males nunca podem ser coisas que outros façam a vocês nem por vocês. Por que não fazer da saúde ou da vida um bem? Porque o homem merece o bem, e é melhor que ele não “mereça” algo que ele não controle; de outro modo, ele irá atrás do que não é dele, e esse é o princípio do crime, das guerras, dê o nome que quiser. 
Outra coisa. Não se controla Deus. Não se deve referir a Ele como “bom” ou “mal”. Por que não? Ao aplicarem esses termos mundanos a Ele, recitando “Deus é bom”, as pessoas podem ficar tentadas, quando as coisas que Deus controla vão contra o que eles tentam fazer – como o clima desfavorável para os fazendeiros ou o vento em direção errada para os marinheiros— a começar a chamá-lo “mau” também. E isso é ímpio. 
“Lembra”, diz Epicteto, que a piedade deve ser preservada. A menos que piedade e interesse se unam, a piedade não pode ser mantida em homem algum. 
Agora algumas outras coisas que seguem dos pressupostos do estoicismo, sobre as quais vocês podem não ter pensado. Os estóicos dizem que o homem invencível não pode ser decepcionado por qualquer acontecimento fora do âmbito de seu controle, fora de sua vontade, fora de seu propósito moral. 
Isso soa irresponsável para vocês? Aqui vocês têm um homem que não se incomoda enquanto o mundo desfere golpes ao seu redor, na medida em que ele não tem participação em causá-los. A resposta a isso depende de se acreditar ou não em culpa coletiva. Os estóicos não acreditam. Eis o que a Enciclopédia de Filosofia diz sobre "culpa coletiva": 
Se a culpa, no sentido próprio, volta-se para o deliberado agir incorreto, parece que ninguém pode ser culpado pelo ato de outra pessoa não pode haver culpa compartilhada nem coletiva ou universal. Incorre-se em culpa pela livre escolha do indivíduo [...] Mas muitos têm questionado isso. Entre eles alguns sociólogos que fantasiam desse modo a dependência do indivíduo em relação à sociedade. Mas a localização principal da ideia de culpa coletiva é a religião muitas formas de doutrinas sobre pecado original ou pecado universal encaram a culpa como um estado difuso pela humanidade como um todo.
Falando por mim mesmo, penso a culpa coletiva como uma ferramenta manipulava. Ela me lembra a técnica comunista "crítica/autocrítica". ¹ Muitos dos preceitos dos estóicos dependem de uma rejeição do conceito de culpa coletiva. Os estóicos crêem que cada homem tem exclusiva responsabilidade por seu próprio bem e seu próprio mal — e isso leva à conclusão posterior de que é impossível imaginar uma ordem moral na qual uma pessoa faz o mal, e outra, o inocente, sofre. Agora adicionem tudo isso à firme crença de Epicteto de que todos somos nascidos com uma concepção inata do bem e do mal, do nobre e do vergonhoso, do conveniente e do inconveniente, do apropriado e do inapropriado, do certo e do errado; e, além disso, lembrando que todo o discurso estóico se refere ao homem interior, ao que está acontecendo "aí dentro". Segue-se que o perpetrador do mal paga o preço total por seu mau ato sofrendo o dano de saber que ele destruiu o homem bom dentro de si. O homem tem "senso moral", e colhe os benefícios e paga o preço por essa herança. Esse autoconhecimento de ter se traído e se destruído é o pior dano que pode ocorrer a um estóico. Epicteto diz: 
Ninguém cai por causa do ato de outro.Ninguém é mau sem perda ou dano.Ninguém pode fazer o mal impunemente. 
Eu chamo esse pacote de culpa pessoal, no qual Epicteto confiava, "a certeza na retribuição da consciência culpada". Como eu digo às vezes: "Não pode haver algo como uma 'vítima', pode-se apenas ser uma 'vítima de si mesmo'. 
 
Lembrem-se: 
Controlar suas emoções pode ser fortalecedor. 
Seu interior é o que você faz dele. 
Recusem-se a querer ter medo, e vocês começarão a adquirir uma constância de caráter que torna impossível que outros lhes causem dano. 
 
Alguém perguntou a Epicteto: "Qual é o fruto dessas doutrinas?" Ele respondeu com três palavras incisivas: 
Tranquilidade, Destemor e Liberdade. 
Obrigado. 
 
 
* Vice-almirante e aviador da Marinha dos Estados Unidos, premiado com a Medalha de Honra na Guerra do Vietnã, durante a qual foi prisioneiro de guerra por mais de sete anos. Stockdale era o oficial naval mais graduado mantido em cativeiro em Hanói, Vietnã do Norte; pós-graduado pela Universidade de Stanford, onde obteve o Mestrado em Relações Internacionais em 1962; candidato independente à Vice-Presidência dos Estados Unidos na chapa do candidato à Presidência, Ross Perot, na campanha eleitoral de 1992.
 
II. NOTAS EXPLICATIVAS

¹  Conferência proferida diante do Corpo Discente da Escola de Guerra do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha Anfíbia dos EUA, Quantico, Virgínia, 18 de abril de 1995. 
²  N. T.: WingCommander: título de direito, não uma posição; equivale à patente de tenente-coronel , normalmente tendo sob seu comando um esquadrão. 
³ N. T.: Skipper: Na gíria da Marinha Norte-Americana, é o termo usado ao se referir ao oficial comandante de qualquer navio, base ou comando a despeito da patente. Tal termo é usado apenas com a permissão do comandante em questão.
N. T.: Wingman (ou wingmate): um piloto que apoia outro num voo potencialmente perigoso. Wingman originalmente se referia ao avião que voava ao lado e ligeiramente atrás do avião-líder numa formação.
Carl Philipp Gottfried von Clausewitz (1780-1831): militar alemão do exército prussiano, famoso por sua obra Von Kriege (Da guerra), da qual Stockdale cita algumas passagens no presente texto.
Primeiro professor de filosofia de Stockdale em Stanford. Rhinelander se tornou famoso por seu curso intitulado "Problemas do Bem e do Mal", a que Stockdale assistiu. Rhinelander publicou Is Man Incomprehensible to Man?, editado pela W.H. FREEMAN & Company, 1974.
Versos do poema de William E. Henley (It matters not how strait the gate/ How charged with punishment the scroll/ I am the master of my fate/ I am the captain of my soul.). Para a tradução completa do poema, cf. Stockdale. Coragem Sob Fogo: Testando as doutrinas de Epicteto num laboratório comportamental humano. Trad. Aldo Dinucci, Joelson Nascimento. São Cristóvão: EdiUFS, 2009, p. 3 (disponível para download em: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/05/coragem-sob-fogo-testando-as-doutrinas.html)
Epafrodito: Liberto e favorito do imperador Nero, que o empregou como seu secretário. Durante a conspiração que pôs um fim ao mandato de Nero, Epafrodito acompanhou seu mestre em sua fuga e, quando Nero tentou se matar, Epafrodito o auxiliou. Por esse serviço, entretanto, ele teve depois de pagar com sua própria vida, pois Domiciano primeiro o baniu e depois ordenou que fosse executado, porque ele não se empenhara para salvar a vida de Nero. O filósofo Epicteto era um liberto desse Epafrodito; mas se esse é o mesmo Epafrodito ao qual Josefo dedicou suas Antiguidades Judaicas, e sobre o qual ele pronuncia em seu prefácio um grande elogio por seu amor pela literatura e pela história, é muito incerto. É geralmente aceito que Josefo está falando de um Epafrodito que viveu no reinado de Trajano e era um liberto e procurador deste imperador. (cf. Tácito, Anais. xv. 55; Suetônio. Nero, 49, Domiciano. 14; Dion Cássio Ixiii. 27, 29, Ixvii. 14; Arriano, Diatribes Epict. i. 26; Suidas). Deve-se distinguir de todas essas pessoas que têm o nome Epafrodito aquele a quem o apóstolo Paulo menciona como seu companheiro (cf. Cartas aos Filipenses. ii. 25, iv.18). (Essa e demais referências biográficas a personagens históricos dos tempos romanos traduzidas pelos organizadores da presente edição a partir da obra: SMITH.W. Dictionary of Greek and Roman antiquities)
Caio Musônio Rufo: um célebre filósofo estoico do primeiro século da era cristã, filho de um romano da classe equestre de nome Capito, nascido  em Volsinii na Etrúria, no fim do reinado de Augusto ou no princípio do de Tibério. Como conseqüência de sua prática e assimilação dos princípios do Pórtico, tornou-se objeto de suspeita e descontentamento na corte de Nero, e foi por isso banido para a ilha de Giaros, em 66, sob o pretexto de ter ocultado a conspiração de Pisão. A afirmação de Suidas de que ele fora condenado à morte por Nero é inquestionavelmente errônea. Retornou do exílio com a ascensão de Galba e, quando Antonino tomou o poder, Musônio se distinguiu por acusar Públio Celer, por intermédio de quem Barea Sorano fora condenado, e obteve a condenação de Públio. Musônio parece ter sido muito estimado por Vespasiano, tendo-lhe sido permitido permanecer em Roma quando os outros filósofos foram banidos da cidade. A data de sua morte não é mencionada, mas ele não mais vivia no reinado de Trajano, quando Plínio fala de seu filho adotivo Artemidoro. (cf. Tácito. Anais. xiv. 59, xv. 71, História. iii. 81, iv. 10, 40 ; Dion Cássio Ixii. 27, Ixvi. 13; Plínio Ep. iii. 11 ; Filostrato, Vida de Apolônio de Tiana, iv. 35, 46, vii. 16 ; Temístio, Orat. xiii. p. 173, ed. Hard.). O poeta Rufo Festo Avieno era provavelmente um descendente de Musônio. Musônio escreveu várias obras filosóficas, que são chamadas por Suidas de Logoi Diaphoroi Philosophias Echomenoi. Além dessas, Suidas menciona cartas dele a Apolônio de Tiana, que são espúrias. Suas opiniões sobre temas filosóficos foram também publicadas num trabalho chamado Apomnemoneumata Mousoniou tou Philosophou, o qual Suidas atribui a Asínio Pólio de Trales, mas que deve ter sido obra de um escritor posterior com este nome, pois Asínio Pólio foi contemporâneo de Pompeu. A obra de Pólio parece ter sido uma imitação das Memorabilia de Xenofonte, e é provavelmente da obra de Pólio que Estobeu (Floril. xxix. 78, Ivi. 18), Aulo Gélio (v. 1, ix. 2, xvi. 1), Arriano e outros escritores fizeram uso, quando citam as opiniões de Musônio. Todos os fragmentos restantes de seus escritos e opiniões foram cuidadosamente coletados por Peerlkamp em sua C. Musonii Rufi Reliquiae, Harlemi, 1822).
¹Todos os textos do Encheirídion citados de ARRIANO, Flávio. O Manual de Epicteto. Tradução, comentário e notas de Aldo Dinucci. São Cristóvão, EdiUFS, 2008.
¹¹  Essa carta de Arriano abre as Diatribes de Epicteto e teria sido adicionada por Arriano como dedicatória ao manuscrito que enviara a Lúcio Gélio, manuscrito esse que é o paradigma de todos os outros que nos chegaram.
¹²  Q. Júnio Rústico foi um dos professores do imperador Marco Aurélio e o mais distinto filósofo estoico de seu tempo. Recebendo as maiores honras da parte de Marco Aurélio, que constantemente o consultava sobre todos os assuntos públicos e privados, foi duas vezes promovido por ele ao consulado e, após sua morte, obteve do Senado estátuas erguidas em sua honra (cf. Dion Cássio l. XXI. 35; Capitolino. Marcos Aurélio Antonino, 3; Marcos Aurélio. i. 7).
¹³  Livro no qual Solzhenitsyn fala de sua experiência nos campos de prisioneiros soviéticos.
¹Literalmente: "olho de porco".
¹Os prisioneiros de Hoc Lo davam nomes aos cárceres e salas da prisão, de modo a indicar uns aos outros suas respectivas posições. Proibidos de se comunicarem, transmitiam mensagens uns aos outros através de um código que consistia em toques quase imperceptíveis nas paredes.
¹Trata-se de técnica utilizada por vários governos comunistas segundo a qual num grupo cada indivíduo deve expor suas ideias sobre determinado tópico de modo a se chegar a uma decisão de caráter coletivo, eliminando-se por aí decisões e posicionamentos "egoístas" e "individualistas".