terça-feira, 30 de julho de 2019

Colaborador: CARYL CHESSMAN


Por Francisco José dos Santos Braga


I.  INTRODUÇÃO

 
Recentemente, fomos informados que o governo dos Estados Unidos tem anunciado sua intenção de retomar a execução de condenados à pena de morte por tribunais federais e que há cinco presos que deverão ser executados a partir de dezembro próximo.

No ano passado, ocorreram 25 execuções nos Estados Unidos, mas todas foram levadas a cabo por autoridades estaduais. A última execução pelo governo federal ocorreu em 18 de março de 2003.

Execuções em nível federal são raras nos EUA. Desde a restauração da pena em 1988, o governo executou apenas três condenados. Apesar de legal no país, vários estados americanos declararam tal prática como ilegal ou adotaram moratórias.

Atualmente, há 61 pessoas no corredor da morte a nível federal. Entre os condenados estão o autor do atentado à Maratona de Boston em 2013, Dzhokhar Tsarnaev, e o atirador de Charleston, Dylann Roof, que matou nove pessoas no ataque à Igreja Metodista Episcopal Africana Emanuel, que aconteceu em junho de 2015.

De acordo com o procurador-geral do país, William Barr, o retomada das execuções visa "fazer justiça às vítimas dos crimes mais horríveis. O Departamento de Justiça respalda o Estado de direito e devemos às vítimas e às suas famílias levar adiante a sentença imposta pelo nosso sistema de justiça", acrescentando ainda que "sob Governos de ambos os partidos, o Departamento de Justiça buscou a pena de morte para os piores criminosos, incluindo estes cinco assassinos, cada um dos quais foi condenado por um júri após o devido processo legal completo e justo".

O procurador transmitiu sua decisão ao FBI e pediu ao diretor interino, Hugh Hurwitz, que programe as execuções de cinco presos que foram condenados à morte por assassinato, por crimes de tortura e estupro contra crianças e idosos. As execuções não são praticadas em nível federal desde 2003.

O presidente americano, Donald Trump, é defensor da pena de morte e já chegou a sugerir que os Estados Unidos deveriam adotar leis mais severas sobre o tráfico de drogas, citando como exemplo as Filipinas, onde, desde a eleição de Rodrigo Duterte, milhares de suspeitos de tráfico estão sendo executados pela polícia.


II. A PENA DE MORTE PARA CARYL CHESSMAN E SUA REPERCUSSÃO MUNDIAL

No Brasil, Afanásio Jazadji, jornalista, radialista, advogado e deputado estadual (PFL-SP), em 5 de julho de 2001, no site da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, manifestou sua opinião defendendo também a pena de morte no Brasil na matéria de sua autoria intitulada "Pena rigorosa inibe a prática do crime", argumentando que
"Já disse e repito que sou a favor do uso da pena de morte como punição contra os que praticam crimes hediondos, cruéis. Deixo bem claro que não defendo o linchamento ou a justiça com as próprias mãos, mas sim o castigo a quem fez um grande mal, sendo submetido a julgamento, com amplo direito de defesa. Aquele que mata pessoas inocentes, recorrendo a requintes de perversidade, merece ser banido, executado. Além de tudo, esse tipo de castigo serve de exemplo, atemorizando criminosos em potencial.
No Brasil, a pena de morte já vem sendo aplicada todos os dias, principalmente nas grandes cidades paulistas: é só abrir os jornais e ler o último caso de mulher ou homem assassinado num semáforo por assaltantes que não respeitam a vida. Os bandidos possuem o monopólio da pena de morte. Eles não usam câmara de gás ou cadeira elétrica, nem mesmo a forca ou a injeção letal: apelam para o revólver, sob o pretexto de que precisam roubar porque são vítimas da crise social. Roubar para matar a fome significa o direito de matar um pai de família, uma mulher indefesa? Isso não justifica. Essa crueldade dos bandidos precisa ser contida.
Os criminosos, que saem matando por aí, acabam ficando em liberdade por causa da fragilidade do poder das autoridades, da ineficácia da polícia e das limitações das leis. Esses bandidos têm legítimos defensores nos parlamentos, nas igrejas, no crime organizado. Alguns advogados são contrários à pena de morte, pois, uma vez aplicado esse tipo de castigo, eles perderiam boa parte de sua clientela. Por isso muitos defendem direitos humanos só para bandidos.
Sou a favor da pena de morte, sim: contra facínoras que não merecem viver."
Apud FONSECA, in "A execução de Caryl Whittier Chessman: uma (re)leitura sobre a pena de morte", lemos que Dr. Clemente Hungria (1921-2018), filho do renomado criminalista e ministro do STF, Dr. Nélson Hungria, teria afirmado que
"O réu californiano Caryl Chessman, em verdade, praticou vários delitos desde sua puberdade até aos 27 anos: furtos de automóveis e estelionatos, agressões, desordens e contravenções, mas sempre negou a autoria dos supostos estupros que o levaram a ser condenado à morte – por um júri composto de 11 mulheres e 1 homem – bem como ser o red light bandit."
Idem apud FONSECA, tomamos conhecimento de que, segundo René Ariel Dotti, em seu livro Casos Criminais Célebres,
"ao ser preso e ter lhe sido atribuído o título de maníaco sexual, Chessman, em um primeiro momento, chegou a achar graça e se divertir da acusação. Todavia, esse divertimento não durou muito tempo, pois, em vista de uma série de coincidências infelizes, como, por exemplo, as características físicas semelhantes à do bandido procurado, um passado desordenado em torno da criminalidade, as palavras categóricas dos policiais responsáveis pela prisão e um veredicto de um grupo de jurados parciais, Chessman foi sentenciado à morte. A partir desse momento, começava então para ele uma odisséia, no intuito de demonstrar sua inocência e anular o julgamento."
O jornalista português David Pereira, na edição de 06 de novembro de 2018 do Diário de Notícias, deu o seguinte relato a respeito de Caryl Chessman, dentro do artigo intitulado "Duplo suicídio na prisão que tem o maior corredor da morte dos EUA":
"(...) Um dos seus prisioneiros mais famosos foi Caryl Chessman, conhecido como o Bandido da Luz Vermelha (The Red Light Bandit em inglês), executado a 2 de maio de 1960 numa câmara de gás depois de ter sido condenado a pena de morte em 1948, acusado de crimes de roubo, rapto e violação cuja prova sempre foi disputada. Foi o último morto na Califórnia por um crime sexual que não resultou na morte da vítima. Mais do que pelos seus crimes, ficou famoso pela forma como dispensou o advogado, estudando Direito para se defender, e sobretudo pelos livros que escreveu, a dar conta da sua causa.
Dentro da cadeia, escreveu três obras biográficas, 2455-Cela da Morte (1954), A Lei Quer Que Eu Morra (1955) e A Face Cruel da Justiça, e um romance, O Rapaz Era Um Assassino. Os seus livros levaram o seu caso ao público, correram mundo e a sua luta fez o estado da Califórnia, assim como o resto do mundo, refletir sobre a pena de morte. O primeiro foi o mais conhecido, tornou-se um best-seller e foi transformado em filme no ano seguinte. Nele, Chessman contou como o diretor da prisão, Hardley Teets, o convenceu a lutar pela sua vida.
Devido à repercussão da obra, o escritório do então governador da Califórnia, Pat Brown, foi inundado por pedidos de clemência, incluindo os de autores e intelectuais como Aldous Huxley, Ray Bradbury, Norman Mailer, Dwight MacDonald e Robert Frost e figuras públicas como a antiga primeira-dama Eleanor Roosevelt e o evangelista cristão Billy Graham. Numa situação difícil, Brown adiou a execução inicialmente agendada para 19 de fevereiro de 1960 por temer que pudesse ameaçar a segurança do presidente Dwight D. Eisenhower durante uma visita oficial à América do Sul, onde o caso inflamou o sentimento antiamericano.
De acordo com algumas fontes, o governo californiano tentou promover novo adiamento nos minutos finais, mas um secretário de justiça terá digitado mal o número da central telefônica da prisão. Ainda assim, os onze anos e dez meses que Chessman passou no corredor da morte foi, na altura, o mais longo de sempre nos Estados Unidos."
O Promotor de Justiça do MPDFT, Dr. Rogério Schietti Machado Cruz, escreveu:
"De fato, foi incomum a peregrinação de Chessman. Portador apenas de curso primário, os milhares de livros lidos lhe renderam um conhecimento profundo da criminologia e do sistema penitenciário americano. Tornou-se poliglota (aprendeu a língua portuguesa em poucos meses), e, mesmo com punições disciplinares partidas da direção do presídio, que via suas feridas expostas ao mundo, publicou 4 livros, um dos quais ("2455 - Cela da Morte") tornou-se best seller no Brasil.
Nada, porém, se compara ao seu derradeiro escrito, "um documento para a posteridade" na expressão de RENÉ ARIEL DOTTI ("Chessman: crônica de uma morte anunciada" in Revista Brasileira de Ciências Criminais", RT, nº 20 - out/dez/97, de onde se extraíram as informações para este texto) a carta manuscrita por Chessman horas antes de sua morte e endereçada a um repórter do jornal San Francisco Examiner. Publicada na edição do dia seguinte à execução de Chessman, a carta-testamento se firmou como um dos mais vigorosos libelos contra a pena de morte. 

III.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 
CRUZ, Rogério Schietti Machado: Chessman: um assassinato oficial, METAJUS: Casos Históricos
http://www.metajus.com.br/casos-historicos/caso_historico3.html (carta-testamento de Caryl Chessman disponível na íntegra)

DEUTSCHE WELLE: EUA retomarão pena de morte em presídios federais, in g1.globo.com

FONSECA, Ricardo Coelho Nery da. A execução de Caryl Whittier Chessman: uma (re)leitura sobre a pena de morte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 899, 19 dez. 2005.
https://jus.com.br/artigos/7732/a-execucao-de-caryl-whittier-chessman

JAZADJI, Afanásio: Pena de morte, só para bandidos - Opinião, in site da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

PEREIRA, David: Duplo suicídio na prisão que tem o maior corredor da morte dos EUA, publicado no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Lisboa, edição de 06/11/2018. 

CARYL CHESSMAN, O CONDENADO DO CORREDOR DA MORTE


Por Francisco José dos Santos Braga



I.  A FACE OCULTA DA JUSTIÇA, por Caryl Chessman

Caryl Chessman (1921-1960) em momento de descontração

PREFÁCIO


Todos conhecem a emocionante história de Caryl Chessman, o escritor condenado do Corredor da Morte, autor de “2455, CELA DA MORTE”, “A LEI QUER QUE EU MORRA” e do livro que ora é lançado: “A FACE CRUEL DA JUSTIÇA”.



Chessman desde o dia três de julho de 1948 está confinado à Penitenciária de San Quentin; sobre ele, durante todos esses longos anos, pesam duas sentenças de morte por sufocação e envenenamento, na sinistra “sala verde” – a Câmara de Gás de San Quentin, na Califórnia.



A FACE CRUEL DA JUSTIÇA narra a mais recente fase da incessante batalha de Chessman para escapar ao verdugo. Conta como ele se tem aprofundado no estudo do sistema processual e penal norte-americano. Mostra os esforços que ele e seus dedicados advogados desenvolvem no sentido de conseguir para si o que alega ser justo: um novo julgamento, porque o que o condenou à morte foi irregularmente transcrito por um escrivão substituto. Nesse julgamento, Chessman afirma que poderá demonstrar, cabalmente, que não é culpado dos horrendos crimes que lhe imputam. 

Recentemente, em meio a violentas demonstrações populares de apoio à pretensão de Chessman, em todo o mundo, o governador da Califórnia, Edmund G. Brown, concedeu um adiamento da execução de Chessman para que o Legislativo californiano estudasse projetos visando a abolir ou suspender experimentalmente a pena de morte naquele estado norte-americano. Qual seja o desfecho, não se pode prever, no momento. Mas, não há a menor dúvida de que para ele terá contribuído, decisivamente, este livro que é um candente libelo contra a pena de morte. 



INTRODUÇÃO 



UMA UNIDADE DE ULTRA-ALTA SEGURANÇA, eriçada de minuciosas garantias de custódia, isolada do resto da Penitenciária Estadual da Califórnia, em San Quentin... 

Um guarda armado, de inquiridora lanterna elétrica na mão, patrulhando incessantemente o estreito passadiço de vigia, junto à parede... 
Uma entrada de portões duplos, aferrolhada e de múltiplas fechaduras, apelidada de A Gaiola... 
Um longo e cavernoso corredor, gradeado e entelado, com lâmpadas nuas, acesas vinte e quatro horas por dia, lançando sombras fantasmagóricas pelo teto... 
Trinta e quatro celas de segurança máxima, com grades na frente, paredes de cimento, não tão largas quanto uma pessoa de braços esticados e menos de duas vezes o comprimento do corpo, onde homens atormentados pela esperança são mantidos em confinamento enjaulado por meses, anos e depois são levados, uma tarde, de elevador, para baixo, e “humanamente” mortos na manhã seguinte... 
Este é o Corredor da Morte – no seu melhor aspecto, um lugar impiedoso, sombrio, um pesadelo; no pior, um inferno em vida. 
Há anos o Estado da Califórnia erigiu este frio templo de aço e concreto dedicado à loucura social. E aqui, na agora famosa cela 2455, é onde tenho existido desde a manhã de sábado, 3 de julho de 1948. Depois de mais de oito anos, e meia centena de batalhas judiciais, ainda há uma câmara de gás no meu futuro. 
ISSO não me agrada nem um pouco. 
Não que eu esteja preso por um paralisante temor à morte, pois tenho visto, ouvido, provado e cheirado demais a Morte; tenho estado perigosamente perto da Morte por tempo demais, por vezes demais, para me preocupar com a perspectiva da extinção física iminente. 
Enquanto tenho esperado esta eternidade para morrer, uma mulher e sessenta e nove homens já foram executados naquela “Sala Verde” lá embaixo. Outros ficaram loucos. Alguns dementes ludibriaram o carrasco, pondo violentamente têrmo às suas vidas penhoradas. Eu próprio já tenho estado a poucas horas de ter minha vida extinta, antes que desesperados recursos legais suspendessem abruptamente a execução. 
Não estou preocupado com as raivosas afirmações, segundo as quais irei direto para a parte mais quente e mais horrível do inferno, no momento em que inalar aquela fumaça letal de cianureto. Venha quando e como vier, minha morte física significará apenas uma cessação total da consciência. E se esse inferno cristão, por uma chance em dez bilhões, fôr uma realidade de após a vida, tenho certeza de que o Príncipe das Trevas terá muito trabalho em inventar uma tortura que eu não considere como mero aborrecimento, depois do meu confinamento pelo soberano Estado da Califórnia. 
Além disso, não obstante o fato de que certos fazedores de lendas sem inibições me tenham apregoado como um dos “monstros” mais execráveis do século vinte, eu sou um monstro que o demônio não quer. E êle tem boas razões para isso. Quase que certamente eu violaria a cálida hospitalidade dêsse superestimado arqui-inimigo, com algum engenhoso plano para tirá-lo do negócio, da mesma forma como tenho tentado tirar o emprêgo do carrasco da Califórnia e tornar a sua câmara de gás uma peça de museu. 
O inferno, para minha mente “contorcida”, não faz mais sentido do que o Corredor da Morte e o que considero como assassínio legal, infligido pelo Estado. Isto, eu sei, é heresia para o espírito daqueles indivíduos que seguem a grande tradição de Torquemada e outros, daquela ilustre companhia. 
Uma de minhas características dominantes é uma feroz insistência em permanecer independente, o que pode ser uma razão pela qual sou chamado de egomaníaco (assim como psicopata). Para falar mais às claras, a minha alma, se ainda possuo uma, não está à venda. Em consequência, aquêles que ponderarem sôbre o significado social dêste livro, farão bem em conservar em mente o dito de Joseph Conrad: “A crença em uma fonte supernatural de mal não é necessária; os homens, sòzinhos, são bem capazes de qualquer malvadeza” (incluindo homens auto-santificados, que se proclamam São Jorge, empenhados em combate de morte contra o mal). 
Hoje, como no passado, êsses espécimes oportunistas continuam a demandar o sagrado privilégio de obstruir a lenta luta da humanidade para criar um mundo mais sadio, mais humano. A sua lei é a lei do mêdo, da fôrça, câmaras de execução e retribuição, e submissão de cordeiro à sua vontade patriarcal. Os uivos de alarma angustiado que dêles extraí, considero como altos elogios. Não tremo diante dêles. 
Isto basta quanto ao miasma que se instalou em torno do caso Chessman e do homem na Cela 2455, ocultando a verdade sôbre ambos e desanimando muitas pessoas de se aventurarem bastante perto para uma inspeção própria, por mêdo de contaminação... 

Dizem que o gato tem nove vidas; se isto é verdade, sei o que um gato sente quando, sob as condições mais arrepiantes, é obrigado a gastar as primeiras oito dessas vidas em uma luta pela sobrevivência de câmara de horrores, e a Impiedosa Ceifadora mete na cabeça que será muito divertido tentar arrebatar-lhe a nona. Tudo o que o gatinho pode fazer é assoprar. 
O Homo sapiens pode escrever livros. 
A Face Cruel da Justiça completa uma trilogia iniciada com 2455, Cela da Morte, e continuada com A Lei Quer Que Eu Morra. É uma história que se passa contra o pano de fundo, desenrolando-se na primeira plana, do internacionalmente acompanhado Caso Chessman; mas não é primordialmente uma história daquele Chessman que, no espírito do público, é uma combinação de nome notório nos cabeçalhos, bêsta selvagem e psicopata em uma jaula, e um arrogante ludibriador da Justiça, embora êsse improvável Chessman seja trazido para o palco e receba uma oportunidade para representar pela – sinceramente espero – última vez. 
No que me concerne, seu trabalho terá sido feito, então; seu valor máximo, como alvo para as sensibilidades enraivecidas de bons cidadãos, terá sido compreendido. O bom senso impõe que, na hora indicada, êle pare voluntàriamente, ou seja puxado sem-cerimoniosamente para o lado; e dê a Caryl Chessman – homem e autor – uma oportunidade. Êste mundo é pequeno demais para ambos os Chessman. Um tem de desaparecer. 
O Estado da Califórnia está igualmente determinado a dar cabo, permanentemente, dêste Chessman salafrário. Com o que eu não posso concordar é o meio a ser empregado. O Estado, asininamente, insiste em que nada menos do que uma viagem à sua câmara de gás letal fará o serviço; enquanto que minha posição é que a gente não pode matar com cianureto aquilo que nunca possuiu a realidade da carne e ôsso. Em resumo, embora eu vá continuar a resistir totalmente à drástica e pouco imaginativa solução do Estado, farei o possível para exterminar êste horrendo exemplo de perversidade do século vinte, que leva meu nome. Minhas armas serão as palavras. 
As introduções, embora venham em primeiro lugar nos livros, normalmente são escritas em último lugar, quando o autor pode apreciar o que realmente pôs no papel, e amoldar jeitosamente suas palavras introdutórias a fim de corresponderem ao que apresentou, ao invés do que esperava apresentar. Estou invertendo o procedimento normal, em deferência à necessidade. Geralmente eu sei para onde vai o livro e, especìficamente, sei porque; mas não sei como êle irá terminar ou as reviravoltas dramáticas que êle (e eu) sofreremos antes de que se chegue à última página. Não posso saber. 
Uma cruenta e decisiva luta pela minha vida, na forma de uma audiência plenária, ordenada pela Côrte Suprema dos Estados Unidos, depois de sete anos ou mais de complicado litígio em tribunais estaduais e federais, está para ser iniciada no Tribunal Distrital dos Estados Unidos, em São Francisco. Representando-me estarão os advogados George T. Davis e Rosalie S. Asher. 
Davis tem tido uma fabulosa carreira como promotor público e confidente de políticos. Foi discípulo de August Vollmer, um dos imortais da criminologia científica, e de Max Radin, o gigante legal de uma era recém-finda. Davis tem defendido assassinos denunciados e sem um tostão, e multi-milionários reis da indústria de munições, com igual êxito e zêlo, e com audácia e engenhosidade tática tais que deixaram os advogados oponentes meneando a cabeça, incrédulos. 
Rosalie Sue Asher? Como ela se tornou um dos advogados e uma boa amiga de um homem condenado, a quem os tabloides se têm deliciado em chamar de nomes calculados para excitar e chocar os leitores mais famintos de sensações, é uma parte reveladora do meu livro. 
Outras pessoas que povoarão meu livro são os meus vizinhos, os homens condenados do Corredor da Morte, um pitoresco detetive particular; a mãe de duas crianças, que pagou um terrível preço por me amar; repórteres e colunistas, compassivos, cruéis ou não; jurados obstinados e testemunhas peritas, empenhadas em um jôgo mortal; um escrivão de tribunal, falecido, e seu alcoólico substituto; inflamados promotores, decididos a encher de ciladas este recurso legal de última cartada, e a me enviar ràpidamente para a morte; funcionários da prisão e policiais, e um agente literário e amigo cuja fé em mim como escritor e como pessoa humana nunca fraquejou. 
Com exceção do Chessman de temerosa legenda, essas pessoas são reais. Nenhuma teve de ser inventada para aumentar o impacto dramático dêste livro. 
Em jôgo aqui, está a vida de um homem – a minha própria. O caso é acompanhado e calorosamente debatido em todo o mundo. Tem derrubado e estabelecido precedentes de importância legal. Promete ter repercussões ainda maiores. Se se demonstrar, nas próximas audiências no tribunal federal, que eu fui inconstitucionalmente condenado no início, e que minha condenação foi mantida em grau de recurso, através da convivência e fraude de funcionários públicos, como sustento; e depois, se um júri descobrir, em novo julgamento, que estou inocente dos repulsivos crimes do Bandido da Luz Vermelha (*), como tenho veementemente sustentado em todo êsse brutal sofrimento, há poucas dúvidas de que a Califórnia reexaminará o seu sistema de justiça criminal, com grande possibilidade de abolir essa "relíquia da barbárie humana" – a pena capital. 
Machiavelli chamou a Sorte de mulher. A Justiça, também, é uma mulher – uma atriz cativa, forçada a representar muitos papéis, frequentemente indecentes e estultificantes – e a ser o porta-voz de tanta insensatez, na sua maior parte sinistra e destrutiva. Em seu nome, através dos séculos, temos torturado e assassinado nossos semelhantes. 
Com um grande aparato de retidão, elaboramos uma ciência e uma arte da punição. 

Esta história começa na Califórnia setentrional, em um dia de comêço de outono, cinco anos depois do marco divisor de nosso século...

(*) "O Bandido da Luz Vermelha" (The Red Light Bandit) é a alcunha dada pelos jornais a um homem que molestava casais estacionados nos morros ao redor de Hollywood, roubava o homem e forçava a mulher a sair do automóvel para propósitos sexuais. 


Fonte: CHESSMAN, Caryl: A Face Cruel da Justiça. São Paulo: Distribuidora Paulista de Jornais, Revistas, Livros e Impressos Ltda., 1960, 266 p.



II. JORNAL ÚLTIMA HORA FAZ A COBERTURA DAS ÚLTIMAS HORAS DE CARYL CHESSMAN VIVO E DAS REPERCUSSÕES DE SUA MORTE


Caryl Chessman (na "Cela da última noite" envia dramático apêlo ao governador Brown) 

A UPI em 19 de fevereiro de 1960 divulgou matéria que foi traduzida pelo jornal Última Hora, ano IX, edição 2958, p. 8: 
SAN QUENTIN, 19 (Urgente-UPI) - Já instalado na "cela da última noite", que fica apenas a 13 passos da câmara de gás, e faltando apenas 17 horas para a sua tantas vêzes adiada morte, marcada para as 15 horas de hoje, hora do Rio de Janeiro, Caryl Chessman pediu ao Governador da Califórnia, Edmund G. Brown, que suspenda a sua execução e, ao mesmo tempo, prometeu revelar quem era o "bandido da luz vermelha". 
A petição foi levada a Sacramento, Capital do Estado, pela advogada Rosalie Asher, do grupo de defensores de Chessman. A advogada fez a viagem em companhia de William Linhart, detective particular contratado pelo escritor-condenado, que disse possuir o nome do verdadeiro "bandido da lanterna vermelha".

Chessman identificado no presídio de San Quentin, na Califórnia
Os advogados declararam, no entanto, que há uma possibilidade em um milhão de que Chessman se salve com êsse recurso de última hora. 

BROWN RECEBERÁ A ADVOGADA 

Tão logo chegou a Sacramento, Rosalie Asher pediu uma audiência ao Governador. Brown acedeu em recebê-la. 

Pode Mudar a Situação 

SAN QUENTIN, 19 (UPI) - O próprio Chessman enviou ontem um novo telegrama a Brown, mas o Governador declarou que não tinha poderes jurídicos para atuar. "De acôrdo com a Constituição - disse Brown, em Sacramento, Capital do Estado - careço da faculdade de conceder o perdão". Aparentemente Chessman ficou ontem à noite sem qualquer recurso legal a que recorrer para evitar a morte. Seu advogado, George T. Davis, disse, contudo: "O fim dêste caso não chegará senão às 10 da manhã (uma hora da tarde em Nova Iorque). Essa é a hora da execução." Não se deu à publicidade o conteúdo da última mensagem de Chessman ao Governador, mas informou-se que continha algo que "pode mudar por completo a situação". Antes de entregar a mensagem à advogada Rosalie Asher, em San Quentin, Chessman deu suas últimas instruções sôbre a incineração de seu cadáver e a distribuição de seus pertences. À última hora fêz algumas modificações em seu testamento. 
A advogada disse que êle parecia achar-se em completa calma. O tribunal supremo recusou ontem a petição que lhe dirigiu Chessman, para que o perdoassem, e se negou a adiar a execução por dez dias. Os sete juízes conferenciaram durante uma hora e em seguida rechaçaram o pedido por quatro votos a três, da mesma forma que no dia anterior. Nenhum dêles mudou de opinião de anteontem para ontem. Segundo a lei da Califórnia, a decisão do tribunal impede ao Governador comutar a pena de morte imposta a Chessman. (...) 

O jornal Última Hora, ANO IX, Rio de Janeiro, edição 3 de maio de 1960 nº 345 publicou as seguintes matérias:

Chamada na p. 1: "Até o último segundo, o mundo inteiro esperava que a Suprema Côrte da Califórnia concedesse o perdão a Caryl Chessman. Mas, em vez de um gesto nobre e generoso, que reafirmasse a fé na recuperação moral do homem, a Justiça norte-americana preferiu transformar-se num instrumento de vingança fria e selvagem, regredindo aos tempos mais primitivos. Vemos, nesta radiofotografia da UPI, o oficial de justiça ler para o advogado de Chessman e jornalistas a decisão fatal da Justiça, minutos antes da execução. 
A opinião pública mundial ficou profundamente traumatizada com a execução de Caryl Chessman, realizada, ontem, num clima de "suspense" cruel e desumano. Por muito tempo ainda, os gritos lançados pelo famoso escritor, ao morrer na câmara de gás de San Quentin (segundo testemunho do correspondente da agência France-Press), ecoarão pelos quatro cantos da Terra como o último e desesperado protesto de um homem que se proclamou inocente até o fim. Nesta radiofotografia da UPI, vemos o último retrato de Chessman, tirado a 26 de abril, e a câmara de gás, o que os prisioneiros chamam "o quarto verde". 

Na p. 5: Proposto o 2 de Maio (Data da Morte de Chessman) Como Dia da Jornada Internacional Pelo Progresso do Direito 

CARYL CHESSMAN foi assassinado pelo Estado da Califórnia - afirmou a UH o poeta e escritor Rossine Camargo Guarnieri, que foi, em São Paulo, o campeão da luta em defesa da vida do presidiário-escritor, tendo pronunciado em 30 dias, 17 conferências contra a pena de morte. 
Na capital bandeirante, Camargo Guarnieri obteve o pronunciamento contrário à morte de Chessman da Câmara Municipal, Assembléia Legislativa e de todas as Faculdades de Filosofia, além de ter feito uma carta-aberta ao cardeal-arcebispo, D. Carmelo Mota, e três apelos ao Presidente da República, a um dos quais o Sr. Kubitschek respondeu: "Peço a Deus que ilumine os julgadores de Chessman, mas como Presidente do Brasil não posso interferir nesse julgamento". 
Ainda emocionado, ao saber da notícia de que Chessman acabava de ser executado na câmara de gás de San Quentin, o escritor, que mais lutou no Brasil contra a execução do presidiário-escritor, disse, depois de informar que está escrevendo um livro a respeito: "Estou rascunhando uma carta ao Ministro Nelson Hungria. Nela direi que morreu um importante homem de nosso tempo, um homem que, com esfôrço, sofrimento e inteligência indescritíveis emergiu do pântano do crime para se transformar em patrimônio cultural da humanidade. Nós, que lutamos em defesa da vida de Chessman e que empreendemos uma campanha para iluminar consciências obscuras, temos, agora, um outro dever mais alto a cumprir: o de prosseguir com a luta contra a justiça retributiva em todos os Países do mundo. E a nossa bandeira será a memória de Caryl Chessman."

Jornada Internacional 

Prosseguindo, disse: "Neste lúgubre 2 de maio, estou propondo ao Ministro Nelson Hungria que iniciemos, a partir de hoje, uma campanha universal para transformar o 2 de maio em "Jornada Internacional pelo Progresso do Direito". Creio que é da alta tribuna do Supremo Tribunal Federal do Brasil que deve partir o grito inicial dessa luminosa jornada em defesa do homem. Que caiba ao povo brasileiro, que tanto tem feito em pról das causas humanitárias, a glória de iniciar uma luta para minorar os sofrimentos do homem. Ninguém mais autorizado que o Ministro Nelson Hungria para desferir êsse grito endereçado a tôdas as côrtes de justiça da terra. Para êsse trabalho em favor da humanidade, podem contar com a minha modesta ajuda.

Na p. 8: COLUNA DE UH - Chessman: um Golpe Profundo no Prestígio Mundial dos EUA 
O Brasil inteiro recebeu com um sentimento de indignação e horror a notícia do assassínio legal de Caryl Chessman. O protesto estende-se a todo o mundo civilizado, mas particularmente esclarecido perante a opinião pública como aconteceu no Brasil - graças, em grande parte, à cobertura dada por ÚLTIMA HORA - êsse sentimento assume expressões patéticas, de irada invectiva, de revolta e mesmo de náusea ante a frieza do atentado. Bastaria, ontem à tarde, percorrer as ruas centrais da cidade, auscultar o povo junto às bancas de jornais, nos coletivos, nos elevadores, nos locais de trabalho, para verificar a extensão e a profundidade da reação despertada pela morte do prisioneiro de San Quentin. 
(...) 
Chessman foi friamente assassinado - esta a opinião que ninguém conseguirá arrancar das mentes de milhões de criaturas em todos os quadrantes do globo. Não são apenas as pessoas simples que assim pensam, mas também algumas das maiores expressões mundiais do Direito Penal, inclusive em nosso País. Não é apenas uma reação emocional e instintiva: é a condenação racional aos costumes da "barbárie" que ainda persistem nos códigos de comunidades supostamente civilizadas. 
O fetichismo da letra legal prevaleceu sôbre a lei mais alta que mandava poupar a vida de Caryl Chessman. Mas, que aconteceu? Os juízes togados e as autoridades que ordenaram essa execução parecem mesquinhos ante a grandeza adquirida em doze anos de luta e sofrimento por êsse homem cheio de defeitos, mas que demonstrou, afinal, ser um Homem. E os Estados Unidos perdem, com a morte de Chessman, um elemento moral irrecuperável. A imagem da grande Nação americana que, hoje, aparece diante do mundo é algo que inspira pena e desgôsto. 

CLAMOR CONTRA A EXECUÇÃO DE CHESSMAN: OPINIÃO PÚBLICA REPUDIA A PENA DE MORTE 

Em tôdas as camadas sociais do País causou o mais profundo impacto a notícia da morte do presidiário-escritor Caryl Chessman. Numa "enquête" realizada pela reportagem de ÚLTIMA HORA, juristas, escritores, engenheiros, sociólogos, jornalistas e homens do povo tiveram oportunidade de manifestar o repúdio unânime à pena de morte, que muitos classificaram de "crime oficializado contra o homem". 
- Sou contrário à pena de morte de um modo geral e só poderia receber com tristeza a notícia da execução de Chessman. A pena de morte contraria, não apenas o sentimento brasileiro, mas se choca, também, com o sentimento universal. Já está na hora de abolirmos por completo esta espécie de pena" - acentuou o jurista. (...) 

Poetisa Condena 

Antes de pensarmos na pena de morte, antes de cogitarmos dêsse crime inominável, deveríamos estudar uma forma de reabilitação do criminoso, fôsse ele quem fôsse, escritor ou não, pacato ou revoltoso, piedoso ou sanguinário. Sou contrária à pena de morte, sob todos seus aspectos. Deve haver uma maneira, no meu entender, de evitar ou corrigir os crimes, sem puni-los com outro crime. Particularmente no caso Chessman, acho que a pena de morte poderia ser transmutada em prisão perpétua - e isso mesmo como recurso extremo. Para mim, a pena de morte não resolve". Quem fez estas revelações para a reportagem de ÚLTIMA HORA é a escritora Cecília Meireles, que também veio a saber da execução de Chessman por intermédio de nossa ligação telefônica. 

Não Quis Ouvir 

Também a escritora Clarice Lispector condenou a execução do escritor Chessman. "Recusei-me a ouvir as notícias que estavam sendo transmitidas por tôdas as estações de rádio - disse ela. A pena de morte é um verdadeiro crime contra o homem: é um crime para corrigir outro crime. Mesmo que um homem fôsse culpado, não deveria pagar com a morte. Só nos resta, agora, ficarmos indignados por muito tempo", concluiu. 

Na p. 9: NASCEU UM MÁRTIR: GRITOS DE CHESSMAN NA CÂMARA DA MORTE ABALARAM O MUNDO 
SAN QUENTIN, 3 (FP) - Caryl Chessman entrou na câmara de gás às 14.00 horas (10.01 locais). Muito pálido, foi imediatamente ligado à cadeira de execução por quatro guardas. Enquanto se procedia a essa operação, Chessman piscou um ôlho a duas môças jornalistas que êle convidara especialmente para assistir à execução. O chefe dos carcereiros deu-lhe umas pancadinhas no ombro e o pessoal abandonou a câmara de gás. Imediatamente a porta foi fechada.

Chessman sendo preparado na cadeira da câmara de gás
Às 14.03 horas (10.03 locais), as pastilhas de cianurêto foram colocadas na bacia que encontrava no lado da cadeira de execução. Pouco a pouco os mortíferos gases começaram a inundar a reduzida peça. Um minuto depois, Chessman que havia respirado profundamente, deitou bruscamente a cabeça para trás e dobrou-se sôbre si mesmo. Às 14.05 (10.05 locais), o condenado gritou e voltou a lançar a cabeça para trás. Às 14.06 (10.06 locais) as mãos de Chessman começaram a tremer e o seu lívido rosto cobriu-se de suor. Mais uma vez, Cary Chessman proferiu um grito apagado, quase um rugido. Às 14.07 (10.07 locais), a sua cabeça inclinou-se bruscamente para frente. Um minuto depois Chessman ficou imóvel, como a cabeça sôbre o peito. Às 14.12 (10.12 locais), o médico de San Quentin declarou que o condenado tinha morrido. 

Nasceu o Mártir 

NOVA IORQUE, 3 (UH) - A opinião pública norte-americana está profundamente dividida e chocada com a execução de Caryl Chessman na câmara de gás de San Quentin. A opinião geral é de que morreu o "bandido" mas nasceu o mártir cuja tragédia dará maior impulso à campanha contra a pena de morte. Considera-se, também, que a execução de Chessman sofreu influência política em virtude da proximidade das eleições presidenciais. 

A Agonia 

SAN QUENTIN, Califórnia, 3 (Por Robert Strand, da UPI) - Caryl Chessman morreu ontem, serena e resignadamente, na câmara de gás de San Quentin. O condenado entrou na câmara às 14 horas e 2 minutos. Os guardas precisaram de menos de um minuto para amarrá-lo à cadeira. Às 14 horas e 3 minutos as pastilhas de cianureto começaram a cair no recipiente de ácido sulfúrico e a câmara se encheu ràpidamente de gás. Caryl Chessman foi declarado oficialmente morto às 14 horas e 12 minutos. Suas últimas palavras foram o "Adeus!" que disse sorrindo dèbilmente para os guardas que o amarraram à cadeira. 
Depois que os guardas se retiraram da câmara, Chessman voltou a cabeça para a direita, para fitar nos olhos alguns dos jornalistas que o conheciam e que assistiam à execução através das janelas de grossos vidros da câmara de gás. 
(...) 
Às 10.12 horas, quando foi declarado morto, tinha no rosto uma expressão de cansaço e tristeza. Sua última declaração pouco antes de morrer foi como sempre sustentou - que jamais fôra o "Bandido da Luz Vermelha" por cujos crimes foi condenado à morte em 1948. Caryl Chessman prometera morrer como um homem, "com dignidade", e cumpriu sua palavra. Ao chegar à câmara, tinha estampado no rosto um ar de dignidade desafiante, porém os que o conheciam bem, disseram que o sofrimento e o mêdo se refletiam em cada um dos sulcos de sua face.

Chessman morreu em nove minutos, depois de ter evitado o encontro com a morte durante onze anos, dez meses e sete dias, desde que foi condenado em 1948 por crimes de roubo, seqüestro e perversão sexual.

Ocupam quase inteiramente a página 16 as seguintes matérias, cujo título aparece em letras garrafais:
– TRAUMATIZADA A OPINIÃO PÚBLICA MUNDIAL: "CHESSMAN FOI ASSASSINADO!"
– DOZE ANOS DE AGONIA À ESPERA DA MORTE!
– MORREU CHESSMAN PROTESTANDO INOCÊNCIA ATÉ O FIM
– TELETIPOS E TELEFONES DE ÚLTIMA HORA FICARAM LIGADOS DIRETAMENTE COM SAN QUENTIN

Fonte: http://memoria.bn.br/pdf/386030/per386030_1960_00345.pdf

sábado, 20 de julho de 2019

ELEGIA PARA VICENTE VIEGAS



Por José Lourenço Parreira  *


Conheci-o, desde a minha juventude e, com ele, vivi belos momentos artísticos da querida São João del-Rei. Seu irmão, Aluízio José Viegas, admirável e respeitável musicólogo, tronou-se, afetivamente, meu irmão Fraternidade que floresceu nas inúmeras Santas Missas, Novenas, Concertos dos quais participamos!

Família Viegas tem presença edificante pelo carisma carmelita. Seus ancestrais, pelo menos um, estão inscritos na Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo. Eis que, ainda envoltos pelo perfume da Flor do Carmelo que inundou toda São João del-Rei, dia 16 de julho, Vicente Viegas parte deste mundo. Quem me informou, por primeiro, foi sua sobrinha, Beatriz.

Vicente era cunhado do renomado Professor Abgar Antônio Campos Tirado, gigante intelectual católico, pianista, poliglota, outrora, meu professor, glória de nossa São João del-Rei.

A última vez que ouvi Vicente foi, há dois anos, na Novena da Boa Morte, mês de agosto, quando ele solou o Aplaudatur de uma das Novenas da Boa Morte. Surpreendeu-me! Sua voz de tenor continuava bela e com impressionante volume que ressoou por toda a Catedral-Basílica do Pilar! Sublime saudação à Virgem Maria!

Nesta Elegia, cito, em encômio póstumo, duas reminiscências da História da Música nas quais presente eu estava:
- Geraldo Barbosa de Souza, gênio da música, tinha um Conjunto, Grupo Musical. Esse Grupo foi o que tocou pela vez primeira uma Ave Maria composta por outro gênio, compositor, João Américo da Costa. Obra para dois solistas, tenor e baixo, foi composta pelo autor inspirado nas vozes de Benigno Parreira e Vicente Viegas;

- a outra reminiscência, retumbante, foi no Teatro Municipal de São João del-Rei. O Maestro, Capitão Benigno Parreira, estava regendo, pela primeira vez, o Coro e a Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos de São João del-Rei. O último número do Programa foi Nessum Dorma, Ópera Turandot, de Puccini. O solista, Vicente Viegas. A belíssima partitura e a magistral execução dessa página encantaram o público presente. Assim, quando chegamos ao tutti orquestral com pujante coro, estremecendo de emoção o Teatro inteiro, eis que, antes do acorde final, a plateia, de pé, aplaudia e gritava "BIS!". Nunca esqueci e jamais esquecerei tão brilhante página da História da Música da Terra da Música!

Hoje, dia de Santo Elias, às 10 horas da manhã, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, a Orquestra Lira Sanjoanense para lá convergiu para tocar nas Exéquias de Vicente Viegas.

De longe, rogo à Virgem do Monte Carmelo e a Santo Elias que intercedam junto de Deus pelo descanso eterno de Vicente, consolo de familiares e amigos!

Em agradecimento à intercessão da Virgem, seja-lhe permitido entoar na eternidade o que fez, com unção, naquela Novena, há dois anos: Aplaudatur beatissima Virgo Maria!

_____________________

* José Lourenço Parreira é capitão do Exército, ex-integrante da guarnição do Forte de Coimbra no período de 1974 a 1984, onde foi Provedor da Bissecular Irmandade de Nossa Senhora do Carmo; professor de música, violinista, maestro, historiador e escritor, além de redator do "Evangelho Quotidiano"; e irmão de Benigno Parreira, atualmente Maestro Honorário da Orquestra Lira Sanjoanense.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

CENTENÁRIO DE GERTRUDES NÓBREGA DA CÂMARA TORRES ("DONA TUDINHA")


Por MARCELO Nóbrega da CÂMARA Torres *

1919-2019
CENTENÁRIO DE GERTRUDES NÓBREGA DA CÂMARA TORRES 
"Dona Tudinha"
(☆ Caicó, RN, 16/6/1919-✞ 18/6/1989)
Educadora atuante em importantes ações sociais, culturais, políticas e de filantropia



Ontem, 16 de junho de 2019, celebramos os 100 anos de nascimento de Gertrudes Nóbrega da Câmara Torres, Dona Tudinha, minha inesquecível mãe, mestra, amiga, luz que continua a iluminar e guiar os meus passos. E, amanhã, 18 de junho, o calendário marca os trinta anos do seu falecimento.

Nascida em Caicó, RN, em 1919, era filha de Joaquim Gorgônio da Nóbrega, patriarca de grande prole, comerciante e fazendeiro; e de Senhorinha Araújo da Nóbrega. Descendia de tradicionais e ilustres famílias, potiguar e paraibana, os Pais de Bulhões e os Nóbrega pelo lado paterno, e os Aladim e os Araújo pelo lado materno. Seu pai pertencia à Família de Santo Antônio de Lisboa (ou de Pádua), o franciscano, “o santo casamenteiro”, que, na vida civil de Portugal se chamava Fernando de Bulhões. Pelo lado materno, pertencia à mesma família de Dom Eugênio de Araújo Sales, Cardeal Emérito do Rio de Janeiro. 

Tudinha fez os primeiros estudos em Caicó, onde conhece o seu primeiro e único amor, José Augusto da Câmara Torres, o menino magro, notável, ágil, bem articulado nos gestos e nas palavras, mais baixo que ela, orador dos grandes eventos no colégio e, no município, representante da mocidade, e que, aos doze anos funda e dirige o jornal O Ideal da Juventude. O jornal ultrapassa o território escolar e tem circulação em toda a cidade. Tudinha, primeira aluna da mesma turma de José Augusto, é a secretária do jornal já no seu terceiro número. 

Na capital do Rio Grande do Norte, Tudinha cursa o Ginasial e se forma pela sua legendária Escola Normal de Natal, onde é aluna do professor Luís da Câmara Cascudo, que viria a se tornar um dos maiores e mais produtivos intelectuais brasileiros do Século XX. Em 1941, José Augusto, então acadêmico de Direito, jornalista profissional e professor, radicado em Niterói desde os catorze anos de idade, vai a Caicó contrair núpcias com Tudinha, a primeira namorada, sua colega do Grupo Escolar Senador Guerra. 

José Augusto e Tudinha vão morar em Niterói, onde ela é aprovada no Concurso de Ingresso ao Magistério Público Estadual, sendo uma das primeiras classificadas. Nasce a sua primeira filha, Marta em 1943, quando, também, José Augusto se forma em Direito. Neste mesmo ano, a família transfere-se para Angra dos Reis, onde José Augusto, Técnico de Educação, assume a Inspetoria Estadual de Ensino, que compreende além daquele município, Paraty, Mangaratiba e Rio Claro, e começa a advogar. A Dona Tudinha leciona, ininterruptamente, no Grupo Escolar Lopes Trovão, por onze anos, formando gerações de angrenses. Em Angra, nascem mais cinco filhos do casal. 

Em 1956, a família vai se fixar em Niterói, onde José Augusto já cumpria, desde o ano anterior, o primeiro dos seus quatro mandatos sucessivos como Deputado Estadual na Assembleia Legislativa. Nessa cidade nascem mais dois filhos do casal. Na Capital fluminense, a professora é lotada no Departamento de Ensino Médio, da Secretaria Estadual de Educação e Cultura, onde fiscaliza as Escolas Normais, de formação de professores. Em seguida, trabalha no Conselho Estadual de Educação, onde se aposenta na década de 1970. 

Mulher inteligente, culta e criativa, de personalidade marcante e atitudes admiráveis, generosa e solidária, de singular bom humor, cidadã participativa da vida social, comunitária e cultural nas cidades de Angra dos Reis e Niterói, onde viveu no Estado do Rio de Janeiro - só e com José Augusto, atuou em importantes ações sociais, culturais, políticas e de filantropia. Em Niterói, concebeu e fundou a Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes de Audição – APADA, núcleo original da instituição, hoje de âmbito nacional. 

Desde o casamento, até a sua partida em 1989, a Dona Tudinha foi sempre a mãe extremosa, dedicada, de oito filhos, a companheira fiel, corajosa, abnegada e sempre presente ao lado do marido, o educador, advogado e político, Doutor Câmara Torres, sua secretária, datilógrafa, que registrava e revisava as suas petições judiciais e propostas legislativas, inspiradora e conselheira cotidiana de todas as horas, alegres, amargas, felizes e doridas. 

Anos após o seu falecimento, a Câmara Municipal de Niterói promulgou lei dando o seu nome a uma rua na Região Oceânica do município, em homenagem à sua memória. 

Se você conheceu ou conviveu com a Dona Tudinha sinta-se um privilegiado por ter recebido um bom e edificante exemplo de vida, amor e trabalho. 

_________________

* Marcelo Nóbrega da Câmara Torres (✰ Angra dos Reis, 1950) é jornalista, escritor, editor e consultor cultural, autor de seis livros e de centenas de ensaios e artigos nas áreas da Criação, Administração e Crítica Cultural, Literatura, Humor, Artes, Ciências Sociais, História, Política, Estética e Direito. Membro Titular da Classe de Letras da Academia Fluminense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 37, patronímica de RAUL POMPEIA, desde 21/06/2018.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Colaborador: GUILHERME DE ALMEIDA


Por Francisco José dos Santos Braga


Guilherme de Almeida ( ✰ Campinas, 24/07/1890  - ✞ São Paulo, 11/07/1969)

Meu homenageado foi um advogado, jornalista, heraldista (tendo criado o brasão das cidades de São Paulo, Petrópolis (RJ), Volta Redonda (RJ), Londrina (PR), Brasília (DF), Guaxupé (MG), Caconde, Iacanga e Embu (SP)), crítico de cinema, poeta, ensaísta e tradutor brasileiro, tendo sido, além disso, o responsável pela divulgação do poemeto japonês HAIKAI no Brasil. Também Guilherme de Almeida foi ainda um dos fundadores da Revista Klaxon, que visava a divulgação da ideias modernistas, tendo realizado sua capa, assim como os arrojados anúncios da Lacta, para a mesma Revista. Elaborou igualmente a capa da primeira edição do livro Paulicéa Desvairada, de Mário de Andrade. Também é notória sua participação no grupo verde-amarelista; em suas colaborações com a Revista de Antropofagia, publicou poemas-piada à moda de Oswald de Andrade. 

Combatente na Revolução Constitucionalista de 1932 e exilado em Portugal, após o final da luta, Guilherme de Almeida foi homenageado com a Medalha da Constituição, instituída pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Sua obra maior de amor a São Paulo foi seu poema Nossa Bandeira, além do Hino dos Bandeirantes – a Lei nº 337, de 10 de julho de 1974, revoga o artigo 3º da Lei n. 9854 de 2 de outubro de 1967, e institui o poema "Hino dos Bandeirantes", como letra do Hino Oficial do Estado de São Paulo – e da letra do hino da Força Pública (atual Polícia Militar do Estado de São Paulo). 

Canção do Expedicionário é o título de uma música composta por Spartaco Rossi com letra de Guilherme de Almeida, referente à participação dos pracinhas brasileiros na Segunda Guerra Mundial, e foi originalmente interpretada pelo cantor Francisco Alves, tendo-se tornado mais conhecida que o próprio hino oficial da Força Expedicionária Brasileira (FEB), nome das tropas que lutaram na Europa durante a Segunda Guerra Mundial.

Escreveu o poema Moeda Paulista, a pungente Oração Ante a Última Trincheira, a letra do "Hino Constitucionalista de 1932/MMDC", bem como d'O Passo do Soldado, com música da autoria de Marcelo Tupinambá, pseudônimo de Fernando Lobo, com interpretação de Francisco Alves. O poema Nossa Bandeira serviu de inspiração para o dobrado Treze Listras do compositor e maestro Pedro Salgado. 

Sobre o poema Nossa Bandeira, tenho ainda a acrescentar que foi escrito no calor da Revolução de 1932, quando foi resgatado o projeto de 1888 de Júlio Ribeiro, mineiro de Sabará radicado em São Paulo a partir de 1865, para a bandeira do Brasil republicano, a fim de servir de símbolo por um Brasil melhor saído da instalação de uma nova Constituinte. A estrutura do poema utilizou uma comparação das listas pretas e brancas alternadas da bandeira com aspectos encontrados na História paulista, o que deu um sabor pitoresco ao poema. O esquema dos versos em redondilha maior aproxima-o dos ritmos mais populares, o que também vale para a organização das estrofes em quadras, com esquema de rimas ABAB. 

Por todas essas realizações, Guilherme de Almeida é proclamado "O poeta da Revolução de 32". Em todas elas, sobressaiu sempre o artista do verso, que o poeta Manuel Bandeira considerou o maior em língua portuguesa. 

Compôs também os versos do hino a Brasília, lido no dia da inauguração da nova capital, pelo autor, defronte ao marco histórico da cidade, na presença do presidente Juscelino Kubitschek. Neste hino, Guilherme de Almeida inicialmente conceitua Brasília como "Encruzilhada Tempo-Espaço", ao conciliar o passado e o futuro e concentrar os caminhos partindo de todos os pontos cardeais e todos os quadrantes – caminhos que se cruzam "pelo sinal da Santa Cruz". O trecho final do poema natalício mantém o tom épico e mítico:
'Rosa-dos-ventos 
Portal do sertão 
Corda de arco 
Farpa de flecha 
Bateia de garimpo 
Diadema de esmeraldas 
Crisol de raças 
Ara da liberdade 
Vive por nós!'
 

O poema “A Carta Que Eu Sei de Cor”, de Guilherme de Almeida, publicado em seu livro Era uma vez, foi, em 1930, declamado na Faculdade de Letras de Coimbra na importante conferência “Poesia Moderníssima do Brasil”, que foi posteriormente publicada na revista Biblos [Faculdade de Letras de Coimbra), Vol. VI, n. 9-10, Coimbra, Setembro e Outubro de 1930], bem como no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, em 1931. 

Guilherme de Almeida foi o primeiro modernista a entrar para a Academia Brasileira de Letras, justamente em 1930 (terceiro ocupante da Cadeira 15, eleito em 6 de março de 1930, na sucessão de Amadeu Amaral e recebido pelo Acadêmico Olegário Mariano em 21 de junho de 1930). Em 1958, foi coroado o quarto “Príncipe dos Poetas Brasileiros” – concurso promovido pela revista Fon-Fon –, depois de Bilac, Alberto de Oliveira e Olegário Mariano. 

Foi presidente da Comissão Comemorativa do Quarto Centenário da cidade de São Paulo. 

Encontra-se sepultado no Mausoléu do Soldado Constitucionalista de 1932, no parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, ao lado de Ibrahim de Almeida Nobre, o "Tribuno de 32", dos despojos dos jovens conhecidos pela sigla M.M.D.C. (Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antônio Américo Camargo de Andrade), e do caboclo Paulo Virgínio.

Acrônimo para o quarteto morto a tiros em 23/05/1932, durante protesto, na esquina da Rua Barão de Itapetininga com a Praça da República, em um dos principais episódios da Revolução Constitucionalista de 1932. A tragédia serviu de combustível para mobilizar os paulistanos em direção à guerra.
_________________________

[ULRICH, 2007, 8-14] baseou-se no estudo de Antônio Celso Ferreira exposto em A Epopeia Bandeirante: letrados, instituições, invenção histórica (1870-1940) sobre a produção de contos, romances, poemas e estudos bandeirantistas, para mostrar como Guilherme de Almeida, após a primeira fase modernista, enveredou por esse campo da literatura paulista histórica do Estado paulista. 

Segundo a autora da dissertação apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, intitulada Guilherme de Almeida e a construção da identidade paulista, “as concepções acerca da raça do bandeirante e a sua contribuição para a construção do Estado de São Paulo foram trabalhadas por grupos letrados da intelectualidade paulista ligados a importantes instituições intelectuais de São Paulo, como, por exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e o Museu Paulista. Nas primeiras décadas do século XX, esses grupos inverteram a tese de que o sertanejo constituía uma 'raça híbrida e impura', cujo nome não deveria ser confundido com o dos paulistas do início do século XIX. 

Rebatendo teorias racistas, esses grupos não aceitaram a tese de inferioridade dos mestiços, pelo menos os do Estado de São Paulo, e valorizaram o surgimento de um 'subgrupo racial superior' representado pelo bandeirante (A.C. Ferreira, 2002, pág.18). (...) 

Essa literatura regionalista sobre o bandeirante nasceu também pela necessidade de apropriar a imagem do crescimento econômico de São Paulo durante a modernidade. Assim, o objetivo dos intelectuais e escritores das primeiras safras literárias pós-romantismo, baseado na predominância do positivismo e do evolucionismo, foi também o de projetar o Estado de São Paulo culturalmente dentro do quadro nacional (A.C. Ferreira, 2002, págs. 32 e 33). (...) 

Além disso, essa literatura regional paulista, nascida para reinventar o sertanista colonial, experimentou visões nacionalizantes para a construção textual que proliferava de seus projetos. Para os membros do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, por exemplo, os estudos, narrativas e poesias de cunho histórico-nativista representavam a história de São Paulo como a própria história do Brasil (A.C. Ferreira, 2002, pág. 110). (...) 

A constante procura do exame e, mais tarde, da mitificação da raça paulista, foi o centro da literatura regional paulista do início do século XX, que se debateu, constantemente, sobre a influência dos negros, índios e brancos na relação com nossos mamelucos e as conseqüências dessas fusões na cultura e progresso do Estado de São Paulo. A esse extremo de importância da raça na constituição do paulista, verifica-se, com as letras da Revolução de 32, o direcionamento de letras produzidas para o advento da guerra paulista, como a obra de Alfredo Ellis Jr. (...) 

Na tarefa de incrementar, a partir de 1929, a frivolidade da elite paulista, na coluna Sociedade n'O Estado de S. Paulo, Guilherme de Almeida, influenciado pela linha de escritores tradicionalistas, mergulhou nas questões da identidade paulista. De imagens progressistas como "cidade cosmopolita e sem raízes profundas, por suas transformações sociais intensas e velozes, de arranhas-céus cinzentos e luminosa", Guilherme de Almeida optou passar para o oposto, como uma "São Paulo cafeeira, colonizada pela fidalguia portuguesa, digna de apreciar no passado todo o seu ciclo de conquistas". Designa-se amadurecida esta linha de pensar sobre São Paulo porque ele manteve a linha regionalista paulista até o fim de sua obra, sem se influenciar por outras tendências ou modos de pensar sobre o Estado.

_____________________________

No Fórum dos Leitores do jornal O Estado de S. Paulo, edição de 09/07/2019, encontrei uma referência a Guilherme de Almeida, assinada por José D'Amico Bauab, membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, nos seguintes termos:
“Este 9 de julho marca também o cinquentenário da ausência física de Guilherme de Almeida, o poeta de 32. Numa predestinação que só a musa Clio poderia cometer, julho, mês da epopeia paulista, é também o de nascimento e morte de Guilherme. De polivalência renascentista, foi também advogado, tradutor, compositor, crítico cinematográfico, teatrólogo, roteirista, publicitário, desenhista e durante anos cronista do Estado. O Museu Casa Guilherme de Almeida e o Colar Guilherme de Almeida, instituído pela Câmara Municipal de São Paulo como premiação cultural da cidade a partir de 2015, perpetuam sua memória e sua obra. Em 1946 Guilherme de Almeida escreveu sobre a bandeira paulista:
'Volta a nós vigilante, / mãe, esposa, irmã, amante, / noiva e filha, volta, pois. / É preciso que proves/ que existiu um nove/ de julho de trinta e dois.'
(Versos extraídos do poema "À Santificada", por Guilherme de Almeida)

E, na mesma coluna, sobre a Revolução Paulista de 32, escreveu José Roberto Cersosimo:
“Comemoremos esta emblemática data, relembrando em poucas palavras os fatos da época, quando São Paulo lutou bravamente pela elaboração e aprovação de nova Constituição para o nosso país. O movimento iniciou-se no dia 9 de julho de 1932 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Por marchas, contramarchas e traições de aliados, após muitas mortes, terminou em 2 de outubro do mesmo ano, quando as forças federais depuseram o então governador de São Paulo, Pedro de Toledo. Ao revés do que parecer possa, a luta perdida por falta de armas e de estrutura marcou uma vitória consagradora, de vez que poucos meses depois, em 3 de maio de 1933, houve eleições para a Constituinte, tendo-se promulgado em 16 de julho daquele ano uma nova Carta Magna, retornando a vigorar plenamente o regime democrático no Brasil. Como soam os versos imortalizados por Guilherme de Almeida: "Bandeira da minha terra, / bandeira das treze listas"...
Ao ensejo, envio meus sentimentos à família do dr. Paulo Bomfim, príncipe da poesia brasileira, falecido no domingo. Por pouco sua morte não foi em 9 de julho, que ele tão bem comemorou e representou por meio de seus poemas memoráveis.


IV. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 
ULRICH, Aline: Guilherme de Almeida e a construção da identidade paulista, dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Literatura Brasileira do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Letras, 2007, 180 p.
Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8149/tde-03042008-132431/publico/DISSERTACAO_ALINE_ULRICH.pdf

POEMAS DE GUILHERME DE ALMEIDA


Por Francisco José dos Santos Braga



NOSSA BANDEIRA

Por Guilherme de Almeida














Bandeira da minha terra,
Bandeira das treze listas:
São treze lanças de guerra
Cercando o chão dos paulistas!

Prece alternada, responso
Entre a cor branca e a cor preta:
Velas de Martim Afonso,
Sotaina do Padre Anchieta!

Bandeira de Bandeirantes,
Branca e rôta de tal sorte,
Que entre os rasgões tremulantes,
Mostrou as sombras da morte.

Riscos negros sobre a prata:
São como o rastro sombrio,
Que na água deixara a chata
Das Monções subido o rio.

Página branca-pautada
Por Deus numa hora suprema,
Para que, um dia, uma espada
Sobre ela escrevesse um poema:

Poema do nosso orgulho
(Eu vibro quando me lembro)
Que vai de nove de julho
A vinte e oito de setembro!

Mapa da pátria guerreira
Traçado pela vitória:
Cada lista é uma trincheira;
Cada trincheira é uma glória!

Tiras retas, firmes: quando
O inimigo surge à frente,
São barras de aço guardando
Nossa terra e nossa gente.

São os dois rápidos brilhos
Do trem de ferro que passa:
Faixa negra dos seus trilhos
Faixa branca da fumaça.

Fuligem das oficinas;
Cal que as cidades empoa;
Fumo negro das usinas
Estirado na garoa!

Linhas que avançam; há nelas,
Correndo num mesmo fito,
O impulso das paralelas
Que procuram o infinito.

Desfile de operários;
É o cafezal alinhado;
São filas de voluntários;
São sulcos do nosso arado!

Bandeira que é o nosso espelho!
Bandeira que é a nossa pista!
Que traz, no topo vermelho,
O Coração do Paulista!


A Carta Que Sei de Cor

Por Guilherme de Almeida


E tu me escreves: – "Meu amor, minha saudade!
Há tanto tempo não te vejo: há quasi um dia;
estou tão longe: do outro lado da cidade...
Tive sonhos tão bons esta noite! Vem vê-los:
ainda estão nos meus olhos loucos de alegria.
Sabes? esta manhã cortei os meus cabelos.
Denunciavam-me tanto! E a ti também, meu poeta...
Que alívio! Tenho a sensação de haver cortado
relações com alguma amiguinha indiscreta.
Agora estamos mais a nosso gosto. Agora
o meu gosto será bem menos complicado
para pôr o chapéu, quando me for embora...
Sinto-me tão feliz! Tive um riso sincero
ao meu espelho: e esse sorriso revelou-me
que o meu único mal é este bem que eu te quero..."
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
E quando chego ao fim da carta, sinto, vejo
que a minha boca toma a forma do teu nome:
a forma que ela tem quando vai dar um beijo...


Soneto XXXII

Por Guilherme de Almeida


Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, são como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais...
– Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!

(Nós, 1917.)

O HAIKAI

Por Guilherme de Almeida


Lava, escorre, agita
A areia. E, enfim, na bateia
Fica uma pepita.

domingo, 7 de julho de 2019

Colaborador: SALOMÃO SCHWARTZMAN

Por Francisco José dos Santos Braga 
 

SALOMÃO SCHWARTZMAN era advogado, sociólogo e jornalista. Atuou principalmente em rádio e em televisão.

Era formado em Ciências Políticas e Sociais, pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Sua formatura foi em 1983.

Trabalhou também na imprensa escrita e em 1977, ganhou o “ Prêmio Esso de Jornalismo”.

Atuou na Rede Manchete de Televisão, tendo  sido âncora do programa jornalístico: “ Frente a Frente”. Fez ainda o “ Momento Econômico” e o programa musical: “Clássicos em Manchete”.

Trabalhou na TV Cultura( Fundação Padre Anchieta), tendo sido responsável pelas emissoras de rádio - Rádio Cultura AM e Rádio Cultura FM.

Em 2007, saiu da Cultura e foi para a Rádio Scala FM de São Paulo, onde apresentava o programa: “Diário da Manhã”. Mas a Rádio Scalla saiu do ar e, logicamente, Salomão saiu também.

Foi, em seguida, para a Rádio BandNews FM, nos cargos de colunista e cronista. Também teve um programa de televisão, que se chamava: “Salomão:” (e se lê: Salomão dois pontos), no canal de TV: BandNews.

A frase que ele sempre usou para encerrar seus programas era: “ Seja Feliz”.

CRÔNICA DE SALOMÃO SCHWARTZMAN PROPÕE A INVERSÃO DA VIDA E DA MORTE


Por Francisco José dos Santos Braga

Salomão Schwartzman (✰ Niterói, 09/01/1934 ✞ São Paulo, 06/07/2019)

Na crônica matutina de quarta-feira, em 27/11/2013, o apresentador do Diário da Manhã, Salomão Schwartzman, interpretou texto escrito por Charlie Chaplin, que propõe a inversão das etapas da vida e da morte. Leia, pois, o comentário na íntegra: 

A Danuza Leão faz tempo ela confessou que tinha chegado às mãos dela um texto que lhe parecia perfeito e que falava da vida e de morte. O texto perfeito foi de Charlie Chaplin. É um texto diferente de tudo que se costuma ler. E mesmo que você já o conheça, ouvirá agora com o mesmo prazer. Ele vai como um presente para você, meu caro ouvinte, meu caro amigo do Diário da Manhã. Trata-se de uma pequena obra prima e a genialidade é sempre digna de aplausos, de pé. É um texto curto como devem ser os melhores e este é um deles. 
A coisa mais injusta sobre a vida é como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente: nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha quarenta anos até ficar novo o bastante para poder aproveitar a sua aposentadoria. Aí curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Vai para o colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando... E termina tudo num grande orgasmo!!! Não seria perfeito?”
Charles Spencer Chaplin ( ✰ Londres, 16/04/1889  ✞ Corsier-sur-Vevey, Suíça, 25/12/1977)

Pensamento dele, gênio Charlie Chaplin, que também diz: 
Eu creio no riso. Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror. Eu não preciso me drogar para ser um gênio. Eu não preciso ser um gênio para ser humano. Mas preciso do seu sorriso para ser feliz. Um dia sem rir é um dia desperdiçado. Um suspiro é uma censura ao presente e um sorriso ao passado.
(Como diz o Lauro Trevisan: Que sua colheita seja abundante e eterna e o sorriso da felicidade e do sucesso enfeite os seus lábios!)
Sorri, quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos e vazios! (primeiro verso de Smile, de Chaplin)

E nunca se esqueça: um sorriso puxa outro. Então, idealize o mundo com um sorriso seu. Olhe para a pessoa que está a seu lado agora, agora, e sorria. Vamos, tente sorrir! Você vai receber outro sorriso de volta. Eu prometo: não falha nunca. Sorria! Faça feliz! E seja feliz!