quinta-feira, 30 de julho de 2020

SÃO-JOANENSE JOTA DÂNGELO É ELEITO PARA A ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS


Por Francisco José dos Santos Braga


Com unanimidade dos 34 votantes, o dramaturgo Jota Dangelo foi eleito na tarde desta terça-feira (28) o sétimo sucessor da cadeira de número 26 da Academia Mineira de Letras, vaga desde o falecimento do acadêmico Ângelo Machado, em abril deste ano. A cadeira, cujo patrono é Evaristo da Veiga e o fundador é José Eduardo da Fonseca, já foi ocupada por nomes como Mário Casassanta, Henriqueta Lisboa, Lacyr Schettino, João Batista Megale, Bartolomeu Campos de Queirós e Ângelo Machado. 
 
Para o presidente da Academia Mineira de Letras, Rogério Faria Tavares, “Jota Dangelo é um dos nomes fundamentais da cultura mineira há pelo menos seis décadas, sobretudo no campo do teatro. Fundador do Teatro Universitário e ex-secretário de Cultura do estado, também lecionou na Faculdade de Medicina da UFMG por trinta anos, sendo doutor e livre docente. Foi um dos melhores amigos de seu antecessor, o querido Ângelo Machado, com quem fundou o lendário ‘Show Medicina’. É uma alegria e uma honra a sua chegada à AML.” 
 
Enquanto está fechada ao público, em razão da pandemia de coronavírus, a Academia Mineira de Letras realiza a campanha #AMLEmCasa, com conteúdo diário em suas redes sociais e palestras inéditas, semanalmente às quintas-feiras, em seu canal no Youtube. 

Sobre o novo acadêmico Jota Dangelo 

Jota Dangelo foi o primeiro presidente da CONFENATA (Confederação Nacional do Teatro Amador), criada por iniciativa do Serviço Nacional de Teatro do Ministério da Cultura; Membro do Conselho Estadual de Cultura de 1978 a 1982; Superintendente da Fundação Clovis Salgado em 1983, quando criou o Teatro Ceschiatti, no Palácio das Artes; Secretário Adjunto de Cultura em 84 e 85; Secretário de Estado da Cultura em 85 e 86; Presidente da Belotur de 1989 a 1992; Diretor Presidente do BDMG Cultural de 2003 a 2011; membro do Conselho Estadual de Política Públicas de 2012 a 2014, representando o setor de Artes Cênicas de Minas. Atualmente residindo em São João del-Rei, é o Presidente da Fundação Cultural Campos de Minas, responsável pelo funcionamento da TV Campos de Minas, uma TV Educativa e Cultural. 
 
Jota Dangelo também foi um dos principais articuladores da fundação do Teatro Universitário (T.U.), junto com Carlos Kroeber, João Marschner, Italo Mudado e outros, o que acabou ocorrendo em 1956, no âmbito da UFMG. Em 1959 criou, com amigos, o Teatro Experimental de longa trajetória nas artes cênicas de Belo Horizonte. Em 1974, foi o criador de “O Grupo”, ex-Teatro Experimental. Em 1990, ele e a mulher, a atriz e também diretora teatral Mamélia Dornelles, fundaram a Casa de Cultura Oswaldo França Junior, com sede em Santa Efigênia e depois em Santo Antônio. A entidade atuou na área cultural, especialmente teatral, em Belo Horizonte e no interior de Minas até o ano 2000. Dangelo também foi um dos fundadores da FETEMIG (Federação de Teatro de Minas Gerais). 
 
Em 1954, ainda como estudante, criou o Show Medicina, que dirigiu ao longo de 12 anos. A partir de 1955, Angelo Machado foi seu parceiro na redação dos textos. Jota Dangelo também dirigiu ou atuou como ator em 72 peças teatrais.
 
Numa outra atividade, durante 30 anos, entre 1957 e 1986, Jota Dangelo foi o presidente e o carnavalesco da Escola de Samba “Qualquer Nome Serve” de São João del-Rei, responsável por uma radical transformação do modelo dos desfiles das agremiações carnavalescas naquela cidade que, nos anos 60 e 70, foi considerada a detentora do melhor carnaval de rua do interior do país. De 1990 a 2000, a E.S. Qualquer Nome Serve fundiu-se com a E.S. Mocidade Independente do Bonfim, dando origem ao “Grêmio Recreativo Escola de Samba União”, da qual Jota Dangelo foi o carnavalesco até o ano 2000. 
 
Dentre as condecorações recebidas por Jota Dangelo estão a Medalha Frei Estevão, dada ao primeiro aluno da turma de formandos do Colégio Santo Antônio nos cursos ginasial e científico; Medalha Santos Dumont, Medalha do Mérito Legislativo Estadual de Minas Gerais, Medalha Tiradentes e Medalha da Inconfidência. 
 
Entre as obras que publicou estão: “Pelas Esquinas” (2015), Os anos heróicos do Teatro em Minas (1950-1990)” (2010), “Doce Gel” (1987), “O sol nascente na Amazônia” (1986), “O humor do Show Medicina” (com Angelo Machado, 1991), “Anatomia Humana, sistêmica e segmentar” (com Carlo Américo Fatini, 1983), “Oh!Oh!Oh! Minas Gerais” (com Jonas Bloch, 1968) e muitos outros.

FONTE: http://academiamineiradeletras.org.br/sem-categoria/jota-dangelo-e-eleito-para-a-academia-mineira-de-letras/ (site da Academia Mineira de Letras)

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Colaborador: DANILO Carlos GOMES


















DANILO Carlos GOMES nasceu em Mariana (MG), em 30 de dezembro de 1942. Diplomado em Direito e em Comunicação Social. Redator de publicidade, advogado, jornalista profissional, assessor do secretário de imprensa e divulgação da Presidência da República (1985-2004), cronista, pesquisador literário, comentarista de livros. Colaborador em periódicos. Pertence à Associação Nacional de Escritores, à Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, à Academia Marianense de Letras, à Academia Divinopolitana de Letras, à Academia Mineira de Letras, à Academia de Letras do Brasil, ao Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, à Academia Brasiliense de Letras. Cidadão Honorário de Belo Horizonte.
Bibliografia: Escritores brasileiros ao vivo, 2 vol., 1979/80; Uma rua chamada Ouvidor, 1980; Participante das coletâneas Crônicas mineiras, 1984, Ed. Ática; Água do Catete, 1984; Antigos cafés do Rio de Janeiro, 1989; Gerais, 1991, Ed. Cuatiara; Em torno de Rubem Braga, 1991;  De mãos dadas, 1995, Ed. Cuatiara; Cronistas de Brasília, vol. 1, 1995, org. de Aglaia Souza; O prazer da leitura, 1997, org. de Jacinto Guerra e outros; Poesia de Brasília, 1998, org. de Joanyr de Oliveira; A poesia mineira no século XX, 1998, org. de Assis Brasil; Mineiridade que sobrevive ao tempo, 1998; Poetas mineiros em Brasília, 2002, org. de Ronaldo Cagiano; Antologia de haicais brasileiros, 2003, org. de Napoleão Valadares; Poemas para Brasília, 2004, org. de Joanyr de Oliveira; Antologia do conto brasiliense, 2004; e Todas as gerações – o conto brasiliense contemporâneo, 2006, ambas org. de Ronaldo Cagiano; ANE – Cinquenta anos, org. Napoleão Valadares, 2013; Augusto Frederico Schmidt, Juscelino Kubitschek & Odilon Behrens, 2017.

ANTIGA ESTAMPA


Por Danilo Gomes

“A noite não estava muito escura, mas não havia lua. Viam-se algumas estrelas, mas não muitas. Quando chegaram ao fim da alameda, viram o espectro.” ( Daniel Defoe, “O adivinho na feira de Bristol”, no livro “Contos de fantasmas.” )

Há tempos, de repente, no meio da noite de sábado, começo da madrugada, com minha cerveja e meu charuto Suerdieck ( da Bahia ), lendo uma crônica de Lourenço Diaféria ( o grande cronista de São Paulo ), me veio uma súbita, nostálgica vontade de comprar um chapéu na “talvez mais antiga ( 1914 ) chapelaria em atividade em São Paulo, a Chapelaria Paulista, na Quintino Bocaiúva, 94, na veia do Centro Velho.” São, como se nota, palavras do consagrado cronista Lourenço Diaféria, com quem conversei uma vez, por telefone, em São Paulo, ele com uma gripe danada.
Por falar nisso, São Paulo sempre contou com numerosos grandes cronistas. E me limito à capital. Menciono apenas o poeta Vicente de Carvalho, Jacob Penteado, José Agudo, Sylvio Floreal e José Americano, senão a crônica vira relatório. Além do Lourenço Diaféria, ali temos os sempre nostálgicos Frederico Branco e Heródoto Barbeiro, mais os mineiros lá radicados e vivenciando a saga e a mitologia da cidade, como Humberto Werneck e Ivan Ângelo. 
Além de cultor da crônica, sou adepto de chapéus e de bengalas. Nestes tempos de avanços tecnológicos vertiginosos, me sinto um homem de décadas passadas, quase de volta à época da vacina obrigatória, da peste bubônica e do cinema mudo, com Buster Keaton e Carlitos, mais O Gordo e o Magro e Os Três Patetas, e nossos Grande Otelo e Oscarito estreando e estrelando. No mínimo e é verdade , sou do tempo da tabuada, do bilboquê, do emplastro Sabiá, do Biotônico Fontoura, da Emulsão de Scott, das “miraculosas” pílulas de vida do Dr. Ross, do óleo de fígado de bacalhau, do misterioso linimento de Sloan, do horrível óleo de rícino, da galocha, da capa espanhola azulona e sem mangas, da japona também azulona e do prestante Almanaque Capivarol, com ingênuas charadas e cartas enigmáticas. 
Como se deduz, já estou meio gasto, meio sambado, com problemas na coluna cervical, um pouco de artrose e muita saudade dos tempos que se foram. 
Vim ao mundo numa cidade antiga. De tanto ali ver, na minha meninice ( e depois em Belo Horizonte ), homens de bengalas, chapéus e guarda-chuvas ( mesmo em dias de sol ), tornei-me um deles, por mimetismo meio nostálgico, meio melancólico. 
Comprando mais um chapéu, dessa vez na tradicional Chapelaria Paulista, talvez eu quisesse repetir meu pai Daniel, que usava chapéus das marcas ( ainda não se dizia griffe ) Cury , Prada e Ramenzoni. Para falar a verdade, não dispenso nem o lenço branco no bolsinho do paletó, o que era moda antigamente. 
Às vésperas do ano 2000, tempos de informática ( que já se delineou como robótica e cibernética ), do raio laser, da internet, de aventuras espaciais que Júlio Verne entressonhou, sou, na verdade, um homem atrelado à década de 1940, 1950, saudoso dos bondes, dos footings nos jardins e nas avenidas, das retretas de bandas de música nas praças arborizadas a capricho, do popular cine-grátis, do perfume das damas-da-noite nos jardins das casas belle-époque de Belo Horizonte, antiga Curral del Rey. Podem me chamar de velhusco. Não me avexo, não.
À noite, o ronceiro rumor do bonde Pernambuco deslizando sob a vigilância dos guardas-noturnos, no então tranquilo Bairro dos Funcionários, que virou Savassi, por causa da ótima padaria dos três simpáticos irmãos Savassi. O cheiro bom do pão fresco era inebriante. Grande era a colônia italiana em Belo Horizonte, berço do time de futebol Palestra Italia, depois Cruzeiro. 
Conheci minhas avós Sinhá ( materna ) e Maricota ( paterna ), mulheres do século passado, mães de tantos filhos e filhas, heroínas de tantos desassossegos. O avô materno não conheci: morreu em 1928; o outro, recatado, foi apenas uma sombra me olhando do alto da escada de seu sobrado marianense: morreria em 1947. 
Sou um tipo antigo, com meu chapéu e minha bengala rústica, sem castão de prata. Meus mortos me circundam o tempo todo, seus rostos vão se esmaecendo com o esgarçar do tempo.
E agora, com essa conversa retrô, passando três dias em Belo Horizonte, me bateu uma vontade de ir beber cerveja no antigo Bar do Izidoro, na Praça da Igreja da Boa Viagem, bar que conheço desde eu rapazote. Será uma volta ao passado, uma breve viagem no tempo. O dono, por certo já enrugado, cabelos bem brancos e um pano, uma toalha, no braço, ainda se lembrará de mim, nas primeiras calças compridas, o menino-moço da Rua dos Inconfidentes, 1041, casa de minha rígida avó Sinhá e meu afetuoso tio Aldo, vulgo Laspinho? Ainda estará lá, comandando seu velho barco boêmio? Depois de tantos anos? Eu frequentemente ia lá buscar cervejas para tio Laspinho, freguês de caderno. Levava ao bar uma sacola com cascos escuros. 
Adentro o antigo Bar do Izidoro. Sou um senhor de meia-idade, de chapéu cinzento Ramenzoni. Pai de dois filhos, morador de Brasília. O bar não perdeu de todo seu ar antigo, senão perde o charme. Ainda é um reduto de boêmios. 
Peço uma cerveja casco-escuro. No relógio da Boa Viagem, o carrilhão anuncia: são apenas 9 da noite. Uma noite clara, sem lua e de poucas estrelas. O viajante do tempo como que vê chegar, devagarinho, o primeiro fantasma da noite. São fantasmas mansos, já se foram há um bom tempo. Talvez ainda sintam uma sede da pinga e da cerveja e uma saudade daqueles inesquecíveis torresmos e daqueles deliciosos bolinhos de bacalhau de outrora, à espera do azeite… 
Encosto a bengala no espaldar da cadeira ao lado. Contrariando o manual de civilidade e boas maneiras e a tradição do bom-tom, mantenho na cabeça o velho chapéu Ramenzoni. É como se o antigo menino estivesse em casa. Do ar puro que vem de fora, do sossego da praça, chega um cheiro levemente adocicado de dama-da-noite…
Peço outra cerveja. Dessa vez, o próprio Izidoro vem me servir. Olho-o com um certo espanto. Há quanto tempo não o vejo! Está pálido, com ar de cansado. O tempo passa para todos e sobre todos. Mas me olha paternalmente, como se me dissesse: “Ah, o sobrinho do Laspinho !” Há quantos anos não o vejo, meu Deus! Pela porta da frente, entra um frio tão frio que parece não ser deste mundo…Mas é apenas princípio de maio. Izidoro destampa a garrafa, com um discreto sorriso. Como está pálido ! Izidoro Soveral, me lembro do sobrenome. Agradeço. Tomo os primeiros goles. A friagem que vem de fora parece penetrar a alma do antigo rapazote. Sinto um arrepio de cerveja muito gelada… O velho Izidoro, homem educado, faz uma leve reverência, em cumprimento. E, antes que eu puxasse conversa, se vai, por certo, rumo ao balcão, ao seu posto de comando, junto à grande caixa registradora de fabricação inglesa. Num interlúdio de alguns segundos, olhei para o balcão. Lá já não estava a vetusta e imponente caixa registradora. O que havia era um computador, com um homem quarentão no comando. Pouco depois, ouvi o carrilhão da igreja de aspecto gótico anunciando as 10 horas. 
Sim, era uma noite não muito escura, sem lua e com poucas estrelas, como no conto de Daniel Defoe. Aos poucos, instalou-se no Bar do Izidoro um frio que foi aumentando, quase fantasmagórico, vindo não sei de onde. Talvez do antigo balcão. Talvez do grande jardim da Igreja da Boa Viagem, em frente. Foi bom ter trazido o velho chapéu. Chamei pelo garçom. Pedi a última cerveja, que veio gelada de arrepiar…

terça-feira, 14 de julho de 2020

MEU TIPO INESQUECÍVEL


Por Celina Maria Braga Campos

JOSÉ DA SILVA BRAGA (“Nhonhô” Braga): ✰ São Sebastião da Vitória, 14/07/1890 - ✞ São João del-Rei, 19/11/1965


Há muitos anos meu avô morreu. Morreu mas se tornou para mim um tipo inesquecível. 
O tempo, os sofrimentos da vida levaram sua aparência jovem. Era um velho magro e tinha os cabelos esbranquiçados. Seu andar era lento. Era calmo, bondoso e alegre. 
Pela manhã, bem cedo, êle buscava nosso pão, coava nosso café e nos servia. Nós éramos pequeninos. 
Gostávamos muito de ouvir suas histórias, cantar suas canções. 
Nas nossas doenças, lá estava êle para nos acalmar com sua bondade e sua paciência. Quantas vêzes me pagou para que eu tomasse uma injeção! 
Nós morávamos muito perto. À noite, quando Papai e Mamãe saíam, êle ficava conosco. 
Já cansado, com sono, pela luta de um dia inteiro, ainda contava-nos histórias. Só adormecíamos depois de ouví-las. E eram sempre as mesmas... Nunca nos cansávamos! 
Um dia êle adoeceu. Fraco, decadente, tristonho, lembro-me dêle assentado junto ao nosso portão. 
E quanta saudade tenho de ouvir-lhe a voz, de poder beijar-lhe as mãos! 
Em novembro, numa tarde linda, êle partiu. Morto, naquele caixão, só deixou conosco muita saudade e a lembrança daqueles dias maravilhosos. 
Eu sabia que jamais voltaria, mas êle tornara-se para mim um tipo inesquecível.














Foto histórica: pescaria esportiva no Rio das Mortes (Crédito: Carlos Fernando dos Santos Braga)-Da esq. p/ dir.: Roque César, Carlos Fernando, José Joaquim Pinheiro, Francisco José, Roque da Fonseca Braga e "Nhonhô" Braga (de terno e colete!)

segunda-feira, 6 de julho de 2020

SONETOS DO EXÍLIO, POR IMPERADOR DOM PEDRO II


Por Francisco José dos Santos Braga


I. INTRODUÇÃO 



O COLÉGIO BRASILEIRO DE GENEALOGIA-CBG, do qual sou membro há 30 anos, enviou-me suas Cartas Mensais nº 153 e 154 (mar/jun 2020), que trouxeram matéria interessantíssima com o título “Brasileiro falecido em Fontainebleau, 1916”, cujo tema central é a publicação, em Paris em 1898, de um livreto de sonetos do Imperador Dom Pedro II, intitulado Sonetos do Exílio - Recolhidos por um brasileiro (responsável pela publicação e objeto da matéria, que se identifica como “Um Brasileiro” que considera o ano de 1898, o 67º do Império e o 9º do “grande crime”, que foi a proclamação da República). Imediatamente tive minha curiosidade despertada por qual teria sido esse brasileiro leal, bravo e intimorato defensor da Monarquia e disposto a arrostar a ira dos republicanos. 
Sempre me interessei pelo grande estadista brasileiro, Dom Pedro II, tendo lido sobre ele, pelo menos, os seguintes livros que mantenho ainda em minha biblioteca::
A maldição do Imperador (Cem anos de República) 1889-1989, por Francisco Luiz Soares; Exílio e Morte do Imperador, por Lídia Besouchet e As Barbas do Imperador, por Lília Moritz Schwarcz.

Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1975.


Divinópolis: Gráfica Sidil, 2000.

São Paulo: Companhia das Letras, 1998
Além disso, publiquei no Blog do Braga em 28/04/2019 "Exposição Fotográfica: "Uma Viagem ao Mundo Antigo Egito e Pompeia" nas fotografias da Coleção D. Thereza Christina Maria, para a qual contribuí com minha tradução de um trecho de uma carta de Plínio, o Jovem (61-114 d.C.) ao historiador romano Tácito, narrando as circunstâncias em que morreu seu tio Plínio, o Velho (23-79 d.C.), portanto aos 56 anos de idade, por ocasião da erupção do Vesúvio, quando o naturalista se lançou ao mar, para salvar outros habitantes da região.







Que exposição foi essa? Essa exposição foi organizada pela Fundação Biblioteca Nacional-FBN para possibilitar que os brasileiros conhecessem a Coleção D. Thereza Christina Maria, assim nominada em atendimento à vontade do Imperador, o qual, em seu exílio parisiense, decidiu doar sua biblioteca ao IHGB e à BN, consistindo de 25.000 fotografias. Dessas, cerca de 220 bem como retratos pintados a óleo pertencentes à família real integraram a exposição exibida entre 30/10/2017 e 30/01/2018 e o sucesso deve ter sido tão grande que a BN decidiu estendê-la por três longos meses! 
Portanto, eis o texto publicado pelo CBG e que aqui reproduzo na íntegra (itens II e III):



II. Brasileiro falecido em Fontainebleau, 1916 




CBG recebeu e-mail de genealogista francês, Sr. Jean Cousin, com registros sobre a morte de um brasileiro, carioca (nascido na cidade do Rio de Janeiro), falecido na França, em Fontainebleau, em 1916. Os declarantes foram o Barão de Muritiba, Manoel Vieira Tosta (filho) e o Conde de Araguaia, Amadeu José. Eis a transcrição da correspondência recebida: 
.......................................... 
Bom dia, 
Sou vice-presidente de um clube de genealogia na França. 
Durante uma pesquisa, encontrei a certidão de óbito, na cidade de Fontainebleau, de um homem nascido no Rio de Janeiro. Pensei que vocês poderiam estar interessados. Anexo a foto da certidão de óbito, sua transcrição e a tradução que fiz para o texto. 

"Le 23 août 1916, à quatre heures trente minutes du soir, Francisco Luiz SOARES de SOUZA e MELLO, né le sept septembre 1856 à Rio de Janeiro (Brésil), fils de père et mère dont les noms ne nous sont pas connus, célibataire, domicilié à Paris, 1 rue Scribe, huitième arrondissement, est décédé 43 boulevard Magenta. Dressé le 24 août 1916 à onze heures du matin, sans autres renseignements, sur la déclaration de Manoel VIEIRA TOSTA, baron de Muritiba, soixante ans, ancien magistrat, domicilié à Boulogne-sur-Seine (Seine), 10 rue Alsace-Lorraine, et Amédée, comte d'Araguaya, 57 ans, ancien secrétaire de la légation du Brésil à Paris, domicilié à Paris, 127 boulevard Haussmann, huitième arrondissement, qui, lecture faite, ont signé avec nous Charles SATIN, adjoint au maire de Fontainebleau, officier de l'état civil par délégation". 

"Em 23 de agosto de 1916, às quatro horas e trinta minutos da tarde, Francisco Luiz SOARES de SOUZA e MELLO, nascido em 7 de setembro de 1856 no Rio de Janeiro (Brasil), filho de pai e mãe cujos nomes não são conhecidos por nós, solteiro, domiciliado em Paris, rua Scribe, nº1, oitava divisão administrativa, morreu na avenida Magenta, 43. Ato escrito em 24 de agosto de 1916, às onze horas da manhã, sem mais informações, conforme declaração de Manoel VIEIRA TOSTA, Barão de Muritiba, 60 anos, ex-magistrado, domiciliado em Boulogne-sur-Seine (Seine), rua Alsace-Lorraine, 10 e Amadeu, Conde de Araguaya, 57 anos, ex-secretário da legação do Brasil em Paris, domiciliado em Paris, Avenida Haussmann, 127, oitava divisão administrativa, que, feita a leitura, assinaram conosco Charles SATIN, vice-prefeito de Fontainebleau, oficial de registro civil por delegação".


Encontrei um artigo no jornal local de Fontainebleau "L'Abeille de Fontainebleau" datado de 1º de setembro de 1916 que relata a morte. Anexo um recorte deste diário, e também transcrição e tradução. Eis o link para o jornal (página 3, 4ª coluna, parte inferior)

"M. de Souza E Mello, riche brésilien, grand ami de la France, espérant trouver à Fontainebleau une amélioration de son état de santé, était arrivé au commencement de la semaine dernière dans notre ville. Il y est mort mercredi soir; son corps a été transporté à Paris dans la nuit de vendredi à samedi. Les obsèques de M. de Souza e Mello ont été célébrées hier, mercredi, à Paris en l'église de la Madeleine." 

"O Sr. de Souza E Mello, um brasileiro rico, um grande amigo da França, na esperança de encontrar uma melhora em sua saúde em Fontainebleau, havia chegado no início da semana passada em nossa cidade. Ele morreu na noite de quarta-feira; seu corpo foi transportado para Paris na noite de sexta-feira para sábado. As exéquias do Sr. de Souza e Mello foram celebradas ontem, quarta-feira, em Paris, na Igreja da Madeleine." 


Saudações 
Jean COUSIN 

Adendo do Colégio Brasileiro de Genealogia-CBG 

MURITIBA. (2º Barão com grandeza de) Manoel Vieira Tosta Filho. 
Arquivo Nobiliárquico Brasileiro – de Rodolfo e Jayme Smith de Vasconcelos. (1918) 
Nasceu na Capital da Província da Bahia, em 14 de outubro de 1839 e e ainda vive em Boulogne sur Seine, França. Filho do Marquês de Muritiba e de sua mulher, falecida Viscondessa desse título. Casou a 17 de novembro de 1869 com D. Maria José Velho de Avellar, filha dos Viscondes de Ubá; Dama Efetiva de S. Majestade a Imperatriz e de S. A. Imperial a Senhora Condessa d′Eu. 
Bacharel formado em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de S. Paulo em 1860, Desembargador aposentado da Relação da Corte, tendo sido o último Procurador da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional. Do Conselho de S. M. o Imperador. Veador de S. M. a Imperatriz; Grande do Império; Grã Cruz da Ordem de S. Gregório Magno, de Roma; Dignitário da Ordem Romana de Pio IX; Sócio Honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1904, e Sócio do Instituto Histórico de S. Paulo, etc. 
Criação do título: Barão com grandeza por decreto de 13 de julho de 1888. 

Amédé / Amadeu José Gonçalves de Magalhães - Conde de Araguaia (título concedido pela Santa Sé) 
Filho de Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), Visconde de Araguaia (título brasileiro), nasceu em Paris. Casou com Maria Eugênia Breves Cornélio dos Santos, filha do comendador João Martins Cornélio dos Santos e de sua esposa Cecília de Souza Breves, filha do “rei do café”. 
“A chegada do conde a Paris com fins profissionais é noticiada pelo Le Figaro, em abril de 1889. (...) O endereço residencial parisiense do conde consta em documentos distintos, no “Annuaire du grand monde parisien et de la colonie étrangère” ¹ do ano de 1908, no “Annuaire de la curiosité et des beaux-arts” ², nos anos de 1912 e 1920, no “Annuaire des grandes cercles” ³, dos anos de 1899 até 1906, 1908 a 1910, e em 1914. Ou seja, durante a maioria dos anos em que o conde viveu em Paris, ele manteve o mesmo endereço fixo: Boulevard Haussmann, 127, 8ª divisão administrativa“ 

¹  Tradução livre da autora: Anuário do grande mundo parisiense e da colônia estrangeira. 

²  Tradução livre da autora: Anuário da curiosidade e das belas artes. 

³  Tradução livre da autora: Anuário dos grandes círculos.

* Barbosa, Thalita Moreira – “Os Dissidentes da República: o caso da família Araguaya” – in Anais da XXXIII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
“Representações artísticas brasileiras: do Segundo Reinado à Era Vargas” / organização Paulo Henrique Silveira Damião. Juiz de Fora, 2017. 6 a 20 de outubro de 2017.

A publicação gerou outra correspondência, desta vez do confrade Luís Severiano Soares Rodrigues, de Mesquita-RJ, indicando matéria do historiador de Nova Iguaçu-RJ, Ney Alberto, já falecido, publicada no jornal online Folha do Iguassu, em novembro/2015. O texto se refere àquele brasileiro falecido em terras francesas no século passado.



III. O “MENINO DE OURO” TERIA REUNIDO E PUBLICADO SONETOS DO IMPERADOR 

Por Ney Alberto**
Contribuição de Luís Severiano Soares Rodrigues


O iguassuense Francisco Luiz Soares de Souza e Mello é o mais interessante personagem da história da Vila de Iguassú. Nasceu em 1856 (17 de setembro), filho de Manoel José de Souza e Mello - Luiza Angélica Soares (filha do futuro Comendador Soares).
Estudou em Iguassú, no Rio de Janeiro e formou-se em Direito em São Paulo. Ainda novo, herdou grande fortuna, sendo apelidado de “Menino de Ouro” (não só por ficar milionário, mas, também, por suas qualidades humanistas).
Foi Promotor Público em Juiz de Fora, MG, abandonando a função para dedicar-se a estudos linguísticos (falava e escrevia, fluentemente, Português, Latim, Francês, Inglês, Italiano, Espanhol e Alemão). Na Europa, o poeta iguassuense colaborou com vários jornais (da França, Bélgica, Suíça, Itália, Espanha, Portugal, Inglaterra, Áustria, Alemanha). Foi à Europa para acompanhar “a Família Imperial desterrada”, convivendo, com Dom Pedro Segundo.
Findava-se o século dezenove quando apareceu, em Paris, um livreto intitulado - "Sonetos do Exílio recolhidos por um Brasileiro" - obra poética, do Imperador destronado. O "folheto" foi dedicado "À Sua Majestade a Senhora D. Isabel". Na dedicatória, depois de carinhosas palavras: "Rio, 1º de outubro de 1898, 67º do Império e 9º do “grande crime”. Um Brasileiro". O “grande crime” é uma referência à Proclamação da República (queda da Monarquia).
Abolicionista e monarquista convicto, o “Menino de Ouro”, por testamento, deixou para a Santa Casa "da Capital Federal", quatro fazendas (São José, Tinguá, Morro Agudo e Madureira). Há fortes indícios ligando-o ao recolhimento e publicação dos referidos sonetos.
O milionário faleceu em Fontainebleau (França) a 24/08/1916.
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** Ney Alberto Gonçalves de Barros. Professor, advogado, historiador e arqueólogo, era considerado a memória viva da Baixada Fluminense (isto é, do Estado do Rio de Janeiro). O Dicionário Cravo Albin o descreve também como “Escritor. Letrista. Poeta. Jornalista. Professor de História”. Defensor da preservação da história da Baixada, na década de 1990 exerceu o cargo de presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu IHGNI. Em 1996 recebeu o título "Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro”. Nascido a 27.09.1940 em Mesquita-RJ, faleceu aos 72 anos, a 22.06.2012 em Nova Iguaçu-RJ.

Fonte: Cartas Mensais do Colégio Brasileiro de Genealogia-CBG nº 153 (mar/abr 2020) e 154 (mai/jun 2020)

Portanto, até aqui a matéria contida nas duas Cartas Mensais do CBG.




IV. AMOSTRA DO LIVRO SONETOS DO EXÍLIO


 
Dos sete sonetos do livro, serão apresentados os de nº III e V: À Imperatriz e Grande povo!
(Primeiro, vem uma descrição, em prosa, da circunstância em que o Imperador escrevera seu soneto.)

Descrição do soneto A' Imperatriz (p. 16):

Não ha quem não tenha lido nos Vultos e Factos do Sr. Dr. Affonso Celso as paginas maviosas em que se descrevem as angustias do Imperador, quando no Porto lhe morreu a sancta esposa *, tão justamente cognominada Mãe dos Brasileiros. Echo desta immensa dôr é o presente soneto, repassado do mais fundo sentimento e, por assim dizer, escripto com as lagrymas que o venerando banido sabia occultar com imperturbavel compostura.
Relembra o 4º verso amantissima expressão de Horacio, applicada a Virgilio: Animæ dimidium meæ (Odarum L, I, 3.)
O original foi lançado, com lapis e em lettra quasi inintelligivel, à margem de um jornal portuense, onde se leem pormenores do funeral.

* Thereza Christina Maria, princesa do Reino das Duas Sicílias e "a Mãe dos Brasileiros", nasceu em  Nápoles em 14/03/1822, filha do rei Francisco I e da infanta Maria Isabel da Espanha. Patrocinou estudos arqueológicos na Itália e apoiou a imigração italiana para o Brasil. Dois dias depois da proclamação da República, a família real partiu para o exílio, na Europa, a bordo do vapor "Alagoas", chegando a Lisboa em 7 de dezembro de 1889. A família imperial recebeu a 24 de dezembro a notícia oficial de que haviam sido banidos para sempre do Brasil. Até aquele momento, fora pedido que eles partissem sem nenhuma indicação sobre quanto tempo teriam que ficar no exílio. A "notícia aniquilou a vontade de viver de D. Tereza Cristina", escreveu D. Pedro II no seu diário em 28 de dezembro. Em seu leito de morte, ela teria dito à Baronesa de Japurá: "Não posso abençoar pela última vez o Brasil, terra linda... não posso lá voltar." A imperatriz faleceu no mesmo dia, na cidade do Porto.

E na página seguinte, o soneto nº III do Imperador (p. 17):

A' Imperatriz 

Corda que estala em harpa mal tangida,
Assim te vais, ó doce companheira
Da fortuna e do exilio, verdadeira
Metade de minha alma entristecida!

De augusto e velho tronco hastea partida
E transplantada à terra Brasileira,
Lá te fizeste a sombra hospitaleira
Em que todo infortunio achou guarida.

Feriu-te a ingratidão no seu delirio;
Cahiste, e eu fico a sós, neste abandono,
Do teu sepulchro vacillante cyrio!

Como foste feliz! dorme o teu somno...
Mãe do povo, acabou-se-te o martyrio;
Filha de reis, ganhaste um grande throno!

       ♧               ♧               ♧

Descrição do soneto Grande povo! (p. 20):

Em Maio de 1888, na cidade de Milão, o Imperador, jazendo em leito de dores, onde pouco antes quasi que exhalara o ultimo suspiro, recebeu a grata noticia de haver sido, em 13 desse mez, promulgado o decreto que aboliu a escravidão no Brasil. Grande povo! exclamou, commovido e mal retendo as lagrymas.
Sobre este facto discorreu eloquente o Snr. Barão de Ramiz na já citada Polyanthéa, em artigo incerto a pag. 49-50 desse interessante repositorio do loyalism brasileiro.
Pouco mais de um anno depois, deixava o povo que a guarnição do Rio deportasse o velho Imperador; mas este não mudou de opinião, e na apathia de 15 de Novembro nunca viu desfallecimento de qualidades varonis, mas antes um desses momentos de estupor, com que mythicos deuses feriam as victimas da fatalidade.

E na página seguinte, o soneto nº V do Imperador (p. 21):

Grande povo! 

Desfallecido, errante, forasteiro,
Já das sombras da morte circumdado,
Subito ouvi: “Resurge!” que extirpado
Foi no Brasil p'ra sempre o captiveiro.

Presto a fugir, o alento derradeiro
Volveu-me ao coração quasi parado:
“Grande povo!” exclamei, “povo adorado!
Entre os demais da terra és o primeiro!”

Traguei depois meu calix d'amarguras;
Mas da verdade a lei não ha quem mude:
Grande povo! eu dissera entre torturas.

Grande povo no brio e na virtude!
Sê feliz, gosa em paz as mil venturas
Que deparar-te quiz e que não pude!




V. BIBLIOGRAFIA



BRAGA, Francisco José dos Santos:  "Exposição Fotográfica: Uma Viagem ao Mundo Antigo — Egito e Pompeia", Blog do Braga, publicada em 28/04/2019.
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2019/04/exposicao-fotografica-uma-viagem-ao.html


PEDRO DE ALCÂNTARA, Dom. Sonetos do exílio. Recolhidos por Um Brasileiro. Editado por scp. Paris 1898.
Link do livro: https://digital.bbm.usp.br/view/?45000017592&bbm/7149#page/12/mode/2up

Notícia transcrita do jornal L’Abeille de Fontainebleau, edição de 01/09/1916, conforme link fornecido acima no texto, p. 3, coluna 4, seção “Décès”:
23 août Francisco-Luiz Soares de Souza E Mello, 59 ans, rentier, domicilié à Paris, 1, rue Scribe, décédé boulevard Magenta, 43.
Trad. “Óbito”: 23 de agosto – Francisco-Luiz Soares de Souza E Mello, 59 anos, vivia de renda, domiciliado em Paris, rua Scribe nº 1, falecido na Av. Magenta, 43.