segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

DONA SINHÁ NEVES, UMA VIDA PARA EXEMPLO!


Por GENTIL PALHARES

 

Acompanhei o cortejo fúnebre de DONA SINHÁ NEVES ¹ — o maior que já vi nesta cidade — com o pensamento no passado. Um passado de 48 anos, quando estaria a veneranda extinta com 39 anos. No atropêlo daquela enorme multidão que seguia o corpo querido, eu fazia, pois, um retrospecto no Tempo. Senti que os insondáveis desígnios do CRIADOR modificaram, lentamente, a contextura da tradicional família, em todos os ângulos da vida, desde quando, meninos, unidos pelos nossos folguedos infantis, abrigávamos sonhos e ideais. Indiscutivelmente todos se projetaram tangidos pela força da inteligência, para que pudessem ser úteis à sociedade, servindo à Pátria. 

Durante a marcha fúnebre eu meditava sobre tudo isso e revi, num relance, o antigo sobrado da rua Direita com suas janelas laterais muito altas, em número de dôze. E dôze seriam os filhos de DONA SINHÁ, daí uma versão, lenda inocente, segundo a qual cada uma daquelas janelas representava um filho. ²

Solar dos Neves contendo 12 janelas e 3 portas
E foi essa ninhada de moços vivendo naquele casarão alegre e feliz, que a estimada JOSINA, velha governanta, ajudara a criar, aliviando os encargos daquela que, agora, seguia ali à minha frente, depois do seu dever cumprido aqui na Terra. 

Mas um dia a JOSINA também partiu para a verdadeira vida e aquela mocidade tôda chorou. 

Eu ia pensando em tudo isso, enquanto o enterro prosseguia a sua marcha, levando naquele caixão muito prêto um coração tão alvo, que passou pelo Mundo serenamente, mansamente, o qual teve alegrias e tristezas, risos e lágrimas, que a vida é mesmo assim... 

Como os pássaros que se emplumam e voam para regiões distantes, os filhos de DONA SINHÁ, na sua totalidade, na luta pela vida, foram deixando, um a um, o seu BERÇO, que fôra, em tempos recuados, um NINHO ruidoso, referto de alegria, de paz e de bênçãos. 

Já o esposo, o chefe da casa, partira desta existência. Já um rebento querido e sempre chorado atingira em cheio o coração materno naquele trágico mergulho para a eternidade ³, que a ampulheta do Tempo já consigna 31 anos! Já um dos filhos, todos ilustres, todos prestantes, fôra destinado por Deus para dirigir o País. Já uma filha, na flor da idade, deixara as tentações do século e se fizera religiosa, fervorosa na sua fé. 

As famílias numerosas, como essa da nossa estima e do nosso acatamento, têm sempre, no LIVRO DA VIDA, página mais longa, formando como que uma perpetuação. E foi assim que, se os filhos partiram para o desempenho digno de seus misteres, na engenharia, na medicina, na cátedra, no Exército, na advocacia, e na vida do claustro, Deus, todavia, enviou a DONA SINHÁ NEVES uma doce consolação: os netos, que vieram enfeitar com a sua mocidade e o perfume de sua alegria uma existência que, por isso, nunca ficou inteiramente vazia. 

Dos galhos, dos ramos, surgiram, pois, as flôres e algumas com os mesmos nomes: Francisco, Tancredo, Roberto e até — bela homenagem — uma JOSINA a nos lembrar, numa evocação das mais gratas, a saudosa governanta! 

O enterro seguia a sua marcha e nós conduzíamos aquela que passou pela Terra 87 anos numa existência exemplar, porque isenta de sentimentos negativos, desprezando as ostentações, as vaidades, as divergências, alheia às contendas. Recebendo de Deus a grande graça de ver um filho CHEFE DE ESTADO, preferiu o anonimato, como que se ocultando, como que fugindo às exteriorizações, aos aparatos naturais da situação. Dentro de uma vida faustosa, foi DONA SINHÁ NEVES uma contemplativa, chegando à humildade! 

À sombra da GRANDE ÁRVORE que plantara, adotara uma norma de vida tôda sua, plasmando uma filosofia de conduta digna de ser imitada, nessa sublime missão de ser espôsa e mãe. Riu e chorou, amou e foi amada. 

O entêrro se abeirava do Campo Santo, depois de tocante cerimônia do Templo Franciscano. Era o final da marcha! 

A noite já vinha descendo, triste, negra, formando um paradoxo das coisas, porque havia, de fato, tristeza nos corações, mas o coração que baixava à garganta de terra era belo e alvo!  

Fonte: jornal Ponte da Cadeia, São João del-Rei, Ano II, 25 de agosto de 1968, nº 64, p. 3 

 

I. NOTAS EXPLICATIVAS POR FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA

  

¹  São João del-Rei, a cidade natal de Antonina de Almeida Neves, conhecida por "Dona Sinhá Neves", homenageia a memória de sua filha ilustre dando seu nome a duas instituições: a) uma Escola de Educação Básica e Profissional, inaugurada em 03/03/1985 e localizada no bairro da Cohab; b) uma Clínica Infantil que faz parte do complexo da Santa Casa da Misericórdia, inaugurada em 1961 e localizada na rua Maria Teresa. 

²  Tancredo de Almeida Neves era o quinto dos 12 filhos do comerciante Francisco de Paula Neves (✰ 1878 ✞ 1922), apelidado "Seu Chiquito", e de Antonina de Almeida Neves (✰ 1881 ✞ 1968), conhecida por "Dona Sinhá". Seus 11 irmãos eram: Octávio, Roberto, Francisco, Maria Josina Neves Resende, Esther, Gastão, Mariana, Paulo, Jorge, Antônio e José.

³  Em 27 de novembro de 1936, quintanistas do Ginásio Santo Antônio faziam uma excursão à Usina de Carandaí quando uma ponte caiu, resultando em muitas mortes e feridos.  
[CINTRA, 1967, 227] descreveu o acontecimento trágico da seguinte forma: "os bacharelandos do Ginásio Santo Antônio de S. João del-Rei, acompanhados pelo Pe. frei Norberto Beaufort, realizavam um passeio à usina hidroelétrica do Rio Carandaí. Postaram-se numa ponte, nas proximidades da usina, pedindo ao citado franciscano que batesse uma fotografia. Após a execução da fotografia, a ponte desabou, perecendo no Rio Carandaí os jovens seguintes: Gastão de Almeida Neves, Humberto Álvares da Silva Campos, Geraldo Castanheira de Carvalho, João de Oliveira Resende, José Darci dos Reis Meireles, José Rivadávia Estêves Guedes e Raimundo Moreira Guimarães.
 
Fonte: CINTRA, Sebastião de Oliveira: Efemérides de São João del-Rei, 2º volume, Juiz de Fora: Ofic. Gráf. da Sociedade Propagadora Esdeva (edição do autor), 1967, 288 páginas 
 
Consta ainda, agora na tradição oral são-joanense, que, após a foto, todos os alunos saltaram sobre a ponte pênsil, o que ocasionou a forte distensão dos cabos ou tirantes que, não suportando o empuxo, romperam-se. Praticamente, todos se feriram no acidente: uns, devido à queda violenta sobre pedras, sete, em razão da fatalidade da morte súbita devido à violência da queda ou afogamento. 
O autor do elogio fúnebre refere-se a esse trágico acontecimento, em que sete ginasianos perderam a vida, entre eles, Gastão de Almeida Neves, filho de Dona Sinhá Neves.

17 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Tenho o prazer de publicar no Blog de São João del-Rei mais uma crônica do ilustre autor formiguense GENTIL PALHARES, que escolheu a terra são-joanense como sua mãe adotiva, certamente por ter-lhe oferecido a hospitalidade que tanto procurava e garantido espaço e oportunidade para sua rica produção literária e intelectual.
Colaboro com o cronista, redigindo três notas explicativas para esclarecimento dos leitores da peça literária.
Como não cabia estender-me demais, pois temia que minhas notas excedessem a própria crônica, evitei fazer maiores comentários sobre a origem da Clínica Infantil Sinhá Neves. Gostaria, nesta oportunidade, de mencionar que, devido aos estreitos laços de amizade com a família Garcia de Lima, TANCREDO DE ALMEIDA NEVES, então Primeiro-Ministro do Brasil, preocupado com os altos índices de mortalidade infantil em nossa região, em 1960 convidou o Dr. Euclides Garcia de Lima Filho, então recém-formado pela Faculdade Nacional de Medicina, para retornar à nossa cidade para implantar a Clínica Infantil Sinhá Neves. O jovem pediatra, repleto de ideais, de amor por sua terra natal e à causa dos menos favorecidos, não vacilou e trocou a sua futura e com certeza brilhante carreira de professor universitário no Rio de Janeiro pelo desafio de implantar em nossa cidade um trabalho que se iniciou nos anos sessenta e que continua até os dias de hoje.
Dr. Euclides, meu confrade na Academia de Letras são-joanense, foi sem dúvida alguma o pioneiro da moderna pediatria em nossa região. Trouxe do Rio de Janeiro novas técnicas de hidratação venosa, de cuidados com os recém-nascidos, ações estas que reduziram em muito as taxas de mortalidade infantil.
Dentre outros que exerceram também a especialidade de pediatria em nossa cidade e na Clínica Infantil Sinhá Neves, permito-me mencionar pelo menos um que, formado na UFJF, se encantou pela pediatria, não só seguindo o exemplo de seus mestres, mas também devido à convivência familiar com seu quase irmão, Dr. Euclides: meu ex-colega dos tempos do Ginásio Santo Antônio, Dr. Luiz Antônio Neves de Resende, o qual optou por fazer a sua residência médica na Unidade de Saúde de Sobradinho, em Brasília, sob a tutela do Dr. Antônio Márcio Junqueira Lisboa, que iniciava no Brasil os mais modernos estudos na área de neonatologia. Tendo trabalhado de 1975 a 1980 na UTI Pediátrica do Hospital de Base do DF, ao retornar a São João del-Rei, Dr. Luiz Neves encontrou o clima propício para, juntamente com os outros colegas pediatras da Santa Casa, inaugurar a "nova" Clínica Infantil Sinhá Neves, que hoje conta com 25 leitos de pediatria.
Em curtas palavras, é o que me competia acrescentar para não desviar-me da verdade dos fatos e dar o devido crédito aos que realizaram um trabalho imorredouro em prol de São João del-Rei e região.

CRÔNICA DE GENTIL PALHARES
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/01/dona-sinha-neves-uma-vida-para-exemplo.html

BREVE BIOGRAFIA DO CRONISTA
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2014/02/colaborador-gentil-palhares-1909-1994.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Wilma Célia Pizza Bidart Braga (proprietária da empresa Ideias e Fios, especializada em lãs e fios artesanais e cores) disse...

Amei. Agradecida.

Por favor, parabenize o Francisco por mim. Sempre bom lembrar ou conhecer tais histórias da cidade.

Abs.

Lu Dias (gerente do site VÍRUS DA ARTE & CIA.) disse...

Parabéns pelo trabalho. Muito bom!

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

🙏🙏🙏🙏 Obrigado amigo, um belo testemunho sobre meu pai pelo saudoso Gentil Palhares.

Abs


Rogério

Lu Dias (gerente do site VÍRUS DA ARTE & CIA.) disse...
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Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Frei Joel Postma o.f.m. (compositor sacro, autor de 5 hinários, cantatas, missas e peças avulsas) disse...

Olá, Francisco e Rute, Quão preciosas são todas as pessoas que se dedicam à saúde pública e ao tratamento das doenças! É um serviço divino! Desejo-lhes muita boa sorte neste novo ano de 2021 !! f. Joel.

Paulo Roberto Sousa Lima (escritor, gestor cultural e presidente reeleito do IHG de São João del-Rei para o triênio 2021-2023) disse...

Parabéns, confrade Braga, por juntar duas histórias muito bonitas que perpassam a própria história de SJDR. Como seus textos me enchem de ideias, fiquei com a sensação que deveríamos iniciar a Galeria Virtual sobre "Personalidades que fazem a história de SJDR", com uma entrevista com o Dr. Tidinho. Já encaminhei esta ideia aos confrades da Presidência e comentei com o Dr. Rogério Medeiros. Gostaria de participar? A ideia é que de cada personalidade a gente tenha um vídeo de apresentação; uma entrevista pessoal e um vídeo com comentários sobre a vida e obra dele (tipo curricular...).
Abraços fraternos,
Paulo Sousa Lima

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Comovente e já histórica crônica. Parabéns pela iniciativa de sua publicação!
Grato.
Cupertino

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Muito agradecido, caro Braga, pelo texto enviado. Pax et bonum.
Fernando Teixeira

Dr. Luiz Antônio Neves de Resende (médico pediatra são-joanense, ex-presidente do Athletic Futebol Club no período de 1983-5) disse...

Caro Francisco,
Obrigado pelas referências à minha saudosa avó Sinhá Neves, assim como
a toda nossa família. Foi um tempo de saudades e de muito amor e carinho entre as pessoas. Éramos muito felizes. Vovó Sinhá era o ponto de apoio de toda a vizinhança, qualidade esta que passou para minha mãe, que acolhia a todos que chegavam lá em casa. Era comum a porta ficar sempre aberta sem que nunca tivesse um contratempo com pessoas estranhas.
Infelizmente o mundo mudou muito e hoje impera a desconfiança e o medo.
Com relação às referências à minha pessoa, pode estar certo de que os
alicerces que nos sustentam foram forjados no antigo e saudoso Ginásio
Santo Antônio.
Um grande e afetuoso abraço.
Luiz Neves.

Andreia Donadon Leal (membro efetivo e tesoureira da Academia Marianense de Letras) disse...

Prezado Francisco Braga

Saudações da Diretoria da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes.

A Casa de Cultura tem um grupo no Whatsapp/ de acadêmicos do Sodalício, para socialização e divulgação de produção literária e cultural.

Temos presença e participação da grande maioria.

Caso aceite interagir com a plêiade de escritores, gentileza enviar o número de seu WhatsApp.

Atenciosamente,
Andreia Donadon Leal
Membro efetivo da Academia Marianense de Letras - Tesoureira

Lúcio Flávio Baioneta (escritor e conferencista, proprietário da Análise Comercial Ltda e ex-aluno do Ginásio Santo Antônio de São João del-Rei, além de autor do livro de 2016 intitulado "De Banqueiro a Carvoeiro")) disse...

Meu amigo, mais um trabalho exemplar visando esclarecer como nascem e vivem médicos que fizeram de sua profissão um sacerdócio!
Parabéns!

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Agradecemos pela gentileza do envio e felicitamos ao Ilustre amigo pela excelente divulgação sobre Dona Sinhá Neves.

Abraços de Mario e Beth

Unknown disse...

Parabéns Braga pelas lembranças da saudosa Dona Sinhá Neves, bem lembradas pelo saudoso Tenente Gentil Palhares.

Unknown disse...

Postado por José Claudio HENRIQUES.

Anizabel Nunes Rodrigues de Lucas (flautista, professora de música e regente são-joanense) disse...

Parabéns por colocar em evidência relevantes fatos da nossa história e referência a pessoas ilustres de nossa sociedade.