Por Francisco José dos Santos Braga
I. INTRODUÇÃO
O Natal é uma das datas mais importantes para os cristãos. Ao lado da Páscoa, a celebração tem Jesus como ponto central. Se na Páscoa celebra-se a ressurreição de Cristo, no Natal a memória é em relação ao seu nascimento. "Do ponto de vista bíblico o nascimento de Jesus significa a entrada de Deus na essência humana. A expressão clássica é: 'o verbo se fez carne'. Ao manifestar-se em carne humana para que os homens o compreendessem melhor, Jesus não abdicou de sua condição divina, mas a expandiu orientando-a para a sua criação, assumindo a condição humana em toda a sua plenitude.
Portanto, o Natal não é a celebração do aniversário de Jesus, mas onde os cristãos são chamados a refletir sobre a encarnação de Jesus e a importância disso para cada homem e cada mulher em particular.
Lê-se na homilia de Natal de São Josemaría Escrivá de Balaguer: “Deus humilha-se para que possamos aproximar-nos d’Ele, para que possamos corresponder ao seu amor com o nosso amor, para que a nossa liberdade se renda, não só ante o espetáculo do seu poder, como também ante a maravilha da sua humildade”, porque “Jesus continua ainda hoje a buscar pousada no nosso coração. Temos que lhe pedir perdão pela nossa cegueira pessoal, pela nossa ingratidão. Temos que lhe pedir a graça de nunca mais lhe fecharmos a porta de nossas almas”.
 |
Na véspera de Natal e durante o período natalino, crianças gregas, principalmente meninos, costumam sair cantando 'kálanda' (canções de natal) pelas ruas. |
II. POEMAS SELECIONADOS PARA COMEMORAR O NATAL
1) DAVID MOURÃO-FERREIRA
De seu "Cancioneiro de Natal" (1971), seleciono dois: o de nº 18 e o de nº 4, respectivamente. Com Cancioneiro do Natal (1971) David Mourão-Ferreira recebeu o Prêmio Nacional de Poesia.
VOTO DE NATAL
Por David Mourão-Ferreira
Acenda-se de novo o Presépio no Mundo!
Acenda-se Jesus nos olhos dos meninos!
Como quem na corrida entrega o testemunho,
passo agora o Natal para as mãos dos meus filhos.
E a corrida que siga, o facho não se apague!
Eu aperto no peito uma rosa de cinza.
Dai-me o brando calor da vossa ingenuidade,
para sentir no peito a rosa reflorida!
Filhos, as vossas mãos! E a solidão estremece,
como a casca do ovo ao latejar-lhe vida...
Mas a noite infinita enfrenta a vida breve:
dentro de mim não sei qual é que se eterniza.
Extinga-se o rumor, dissipem-se os fantasmas!
O calor destas mãos nos meus dedos tão frios?
Acende-se de novo o Presépio nas almas.
Acende-se Jesus nos olhos dos meus filhos.
Meu comentário: A época natalina propicia diferentes motivos a serem apreciados por quantos se impressionam com a perpetuação dos festejos no imaginário popular. Um desses motivos é a tradição passada de geração a geração e traz à tona a importância da família na transmissão oral e gestual do rito e o emprego de diferentes materiais que nos remetem aos primórdios do Cristianismo. Mas o elemento mais importante mesmo é a fé, insubstituível conditio sine qua non para a perpetuação de um rito ao longo do tempo.
O poeta português David Mourão-Ferreira aqui nos fala claramente sobre a manutenção do Presépio como símbolo natalino a unir as famílias em volta da lareira durante as comemorações no ciclo natalino, que se inicia em 24 de dezembro e se estende até o 6 de janeiro, com a Festa de Reis.
Claro que ele utiliza o símbolo natalino do presépio como referência universal do espírito natalino, não se restringindo ao presépio tradicional português em si, onde, ali, naquele cenário doméstico, o presépio costuma ser montado geralmente aos pés da árvore de Natal no início do Advento sem a figura do Menino Jesus que só é colocada na noite de Natal depois da Missa do Galo e desmontado no dia seguinte ao Dia dos Reis, e onde é retratado o nascimento de Jesus Cristo, o salvador da humanidade, segundo a crença cristã.
Consta que se deve a São Francisco de Assis, lá pelo ano de 1223, a idealização do primeiro presépio da história. Na época, o frade da Igreja queria celebrar o nascimento de Jesus de uma maneira diferente e inovadora.
Folcloristas brasileiros sempre condenaram as encenações natalinas nas quais o Papai Noel aparece com trajes muito diferentes do Brasil rural. Para eles, o verdadeiro Natal é uma festa da família, onde se comemora o nascimento de Cristo, com a Sua presença como Menino Jesus na manjedoura, com burrinho, vaquinha, ovelha, pastores e anjos anunciando a boa nova com cânticos fundamentados em mensagens de um Cristianismo puro e singelo, prenunciando a chegada dos Reis Magos.
No Brasil, por ter sua cultura miscigenada de elementos indígenas, africanos e portugueses, há, além do símbolo natalino do presépio, muitas outras manifestações, principalmente nas regiões afastadas dos grandes centros, possibilitando um Natal mais adequado à nossa cultura popular e às condições brasileiras. Nessas regiões mais distantes dos grandes centros, observa-se que as populações ficam mais imunes à parafernália dos símbolos natalinos europeus (neve, Papai Noel vestido com grossas roupas de lã, capuz e todo respingado de neve, de botas, descendo de uma chaminé ou sentado em um trenó, rena e pinheiro). Geralmente, o nosso homem do campo desconhece as comemorações do Natal à maneira como hoje são usuais nas cidades grandes, enfeitadas com o fetiche de gigantescas árvores de neve e de presentes ansiosamente aguardados, mais envolvidas pelas fantasias de luzes e cores (principalmente a vermelha) e pela ambição do comércio, sedento de grandes lucros. No caso brasileiro mais autóctone, essas cerimônias rituais e manifestações coletivas, também conhecidas como folguedos da cultura popular brasileira, ainda são encenadas por todo o país, sempre com peculiaridades locais, podendo-se citar as seguintes: reisado, guerreiro, bumba-meu-boi (típico folguedo da região Nordeste), pastorinhas ¹, folia de reis ou santos reis (os "ternos de reis" para os gaúchos).
¹ Sob influência portuguesa, o auto do pastoril (ou pastorinhas) proliferou por todo o Brasil, mas de modo especial no Nordeste.
LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS
Por David Mourão-Ferreira
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
Comentário por Catarina Costa Augusto do Blog Espalha-Factos: "David Mourão-Ferreira reflete, neste poema, sobre a passagem do tempo. O poeta afirma que chegará o dia em que ele morrerá e deixará de estar presente no Natal, em que todos os seus conhecidos desaparecerão e tudo cairá no esquecimento. Numa época em que todas as famílias se reúnem, à volta de uma mesa e ao redor de uma lareira, a ausência dos que já partiram é recordada. Para o poeta, o Natal perde o seu sentido, quando já não existem memórias vivas para recordar alguém que por cá passou."
2) JOSÉ CARLOS GENTILI
NATAL
Por José Carlos Gentili
Deixe-me pensar
Num presente diferente
De outros natais.
Darei uma nuvem?
Darei uma pluma?
Uma pluma de éter?
Não! Os natais passam,
As idades aumentam,
As ideias mudam
No Natal os presentes.
Ah! Farei um poema,
Um poema de letras.
De letras simétricas
Como são os natais.
Um poema com neve,
Pinheiros e sinos.
Sinos que tangem
Na neve que cai,
Que cai nas folhas
Dos pinheiros do Céu.
Meu comentário: O eu poético se imagina ofertando "um presente diferente de outros natais", já que faz a constatação de que tudo muda, inclusive nós mesmos e o Natal.
Em Soneto de Natal, Machado de Assis nos narra que um poeta, desejoso de transpor para a noite de Natal "as sensações de sua idade antiga", mas achando-se pouco inspirado na ânsia de produzir um soneto sobre o Natal, só consegue concluir um verso do soneto planejado: "Mudaria o Natal ou mudei eu?"
Deonísio da Silva, em concordância com Gentili, cravou: "mudamos todos nós e mudou o Natal também".
Na estrutura da composição, o poeta observa portanto duas partes bastante distintas no plano do poema, compondo-se de 10 versos cada parte. Na primeira parte do poema, Gentili constata a impossibilidade de atinar com o presente ideal diante da situação conflituosa de que tudo passa. Na segunda parte, devido a essa inconstância, propõe uma saída: o seu presente será um poema com determinadas características típicas de sua fantasia do que seja um Natal: mais permanente, mas nem por isso, estático.
III. BIBLIOGRAFIA
AUGUSTO, Catarina Costa: O Natal aos olhos dos poetas (2018)
BALAGUER, São Josemaría Escrivá: É Cristo que passa - Homilias, pp. 18-19.
BRAGA, F. J. Santos: A Porfia das Flores, opereta de Antônio Américo da Costa
PEREIRA, Moacir: Quem mudou? Ou Natal ou nós? (2020)
PERES, Paulo: O maravilhoso Natal no folclore brasileiro (2013)
WIKIPÉDIA, no verbete Presépio e, em especial, o presépio tradicional português