Por Gentil Palhares
Alguém já escreveu que as casas e as ruas têm, como as criaturas, o seu destino traçado. E têm mesmo. O destino da rua "Dr. Matheus Salomé" foi o de ser bonita. Já nasceu bonita. Como nasceu feia a rua em que eu moro, a "Rezende Costa", com suas casas coloniais amparadas umas às outras, numa proteção mútua, varando os anos, os séculos.
Não tem mais de 100 metros de comprimento a rua "Dr. Matheus Salomé". É a menor da cidade e a mais estreita. E se São João del-Rei possui uma rua asfaltada, aquela é mais do que isso: é cimentado o seu piso. Lá não passam as carroças, nem passeiam os bois ou cavalos nas suas fugas, nem deslisam automóveis. É uma rua diferente, rua particular, tem dono, não é da municipalidade, é dos seus moradores, que se congregam naquela meia dúzia de casas formando uma só família. Parece que tudo ali foi feito de encomenda, sob medida, com enfeites comprados por mãos femininas, para enxoval rico de moça rica e bonita.
Foi nessa rua faceira que há dias as famílias se reuniram, se cotizaram, para engalanarem-na a caráter, com tudo que lembra a beleza simples da vida roceira. E com fogueira e fogos, cantaram versos a São Pedro. No dizer de todos, foi uma das festas mais pitorescas da cidade, no gênero das comemorações juninas. E vai repetir-se todos os anos, porque todos gostaram, admiraram a profusão de luzes (até a Cemig cooperou), o apuro na organização da festa, a alegria dos corações, o encantamento derramado em tudo, nas pessoas e nas coisas, naquela noite fria, a mais fria do ano!
Foi nessa rua faceira que há dias as famílias se reuniram, se cotizaram, para engalanarem-na a caráter, com tudo que lembra a beleza simples da vida roceira. E com fogueira e fogos, cantaram versos a São Pedro. No dizer de todos, foi uma das festas mais pitorescas da cidade, no gênero das comemorações juninas. E vai repetir-se todos os anos, porque todos gostaram, admiraram a profusão de luzes (até a Cemig cooperou), o apuro na organização da festa, a alegria dos corações, o encantamento derramado em tudo, nas pessoas e nas coisas, naquela noite fria, a mais fria do ano!
Convidado, mas sem poder comparecer, tomando conhecimento dessa "tertúlia", meu pensamento voou para aquêle que deu nome à rua, para o excelente Matheus Salomé, que por ser tão bom não ficou neste mundo. Foi então que o vi sorrindo, gargalhando mesmo, feliz vendo a sua rua enfeitada, festiva, alegre!
Matheus Salomé, modesto e simples, foi em vida um dos maiores homens da cidade, no físico, nos sentimentos. Deram-lhe, "post mortem", como homenagem, carinhosa embora, a menor rua de S. João del-Rei. Um contraste, inegàvelmente, mas que se desfaz e se harmoniza, para a justeza das coisas, por isso que a ruazinha se esconde, se retrai, na sua beleza discreta, como soube ser bela e discreta a alma daquêle que lhe deu o nome.
Há, na rua "Dr. Matheus Salomé", elementos de tôdas as bandeiras políticas e de agremiações esportivas da cidade. E é uma rua cosmopolita das ciências e das profissões, onde há médicos, advogados, engenheiros, militares, industriais, homens ricos e pobres, formando um núcleo de cidadãos prestantes à cidade. Pois bem, há poucos dias, a ruazinha confundiu as siglas dos partidos políticos, os nomes dos clubes da cidade, para nas comemorações dos festejos mais singelos de cada ano, fazer subir rojões a São Pedro e, pela voz das crianças, chegar até aos céus, por entre danças e ruídos, os cânticos alegres daqui da terra.
Só mesmo Matheus Salomé, gigante no físico e nos sentimentos d'alma, poderia entrelaçar aqui na terra, pela magia que tem a sua rua pequenina e bonita, os corações dos homens conturbados nas asperezas dessa vida tão cheia de incompreensão!
Só mesmo a fôrça daquele nome poderia, como se num milagre, fazer daquela rua um doce recanto de paz e de harmonia, paz nos corações, harmonia nos espíritos!...
Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, Ano XXIII, nº 6.507, edição de 7 de julho de 1960, p. 2.
Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, Ano XXIII, nº 6.507, edição de 7 de julho de 1960, p. 2.
10 comentários:
O escritor Fábio Nelson Guimarães, no seu livro "RUAS DE SÃO JOÃO DEL-REI", redigiu o seguinte Prefácio:
"A rua representa a alma de uma cidade. O ser humano, quando não se encontra em sua casa, está caminhando em alguma rua, cumprindo o seu destino e, assim, convivendo com a mesma.
São essas as duas almas do mundo.
Então, a rua, como palco diário de uma representação humana, deve ser conhecida e explicada pelas gerações, e, como tal, amada.
Por isso, o homem, carinhosamente, a batiza, denominando-a.
O autor.
São João del-Rei, 1º de julho de 1966."
Constam do livro "APONTAMENTOS SOBRE O MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DEL-REI", datado de 1859, da autoria de José Antônio Rodrigues, as 24 ruas então existentes em São João del-Rei: Direita, Praia Formosa, Santo Antonio, Flores, Commercio, S. Miguel, S. Roque, Santa Theresa, Carmo, Nova, S. Francisco, Ponte, Municipal, Prata, Alegria, Rosario, Independencia, Cruz, Bomfim, Misericordia, Collegio, Senhora da Graça, Lage e Prainha, acrescentando "todas calçadas e algumas extensíssimas, com imensas travessas e becos".
Os tempos mudaram: veio a necessidade de abrirem-se novas ruas e as denominações de então foram trocadas pela Municipalidade, com exceção de uns 4 logradouros, embora alguns persistam com seus nomes originais, mesmo que oficialmente sejam denominados diferentemente. É o caso da rua das Flores, que atualmente recebe o nome de rua Maestro Batista Lopes. Conforme muitas leis no Brasil, também nome de rua às vezes não "pega".
Apreciemos o que Gentil Palhares escreve sobre a rua "Matheus Salomé", e com que singela delicadeza!
AMIGO,
EXCELENTE.
REMETI CÓPIA PARA MEU AMIGO DESEMBARGADOR CÁSSIO SALOMÉ, NATURAL DE CLÁUDIO, SOBRINHO NETO DE DR. MATHEUS (ESTE FOI GRANDE AMIGO DE VOVÔ EUCLYDES, EMBORA ELE DA UDN, VOVÔ DO PSD).
ABS.
ROGÉRIO
Fantástico o texto. É aqui nas entrelinhas que nos damos conta de como São João Del Rei tem muitas histórias. Nossas ruas resgatam o ontem e condenam o hoje. Tanta mudança....
Braga, parabéns por mais essa homenagem.
Fantástico o texto. É aqui nas entrelinhas que nos damos conta de como São João Del Rei tem muitas histórias. Nossas ruas resgatam o ontem e condenam o hoje. Tanta mudança....
Braga, parabéns por mais essa homenagem.
Caríssimo Braga, Gentil Palhares, que conheci com seu garbo, fineza, nessa
crônica foi de inigualável leveza, sabedoria e eloquência.
Braga, você, meu nobre amigo, é como um explorador de ouro das montanhas de
São João del-Rei. Ocorre, porém, que você busca na montanha da sabedoria
que habita, há séculos, nossa terra-natal, você extrai, repito, as pedras
preciosas que honram as nossas letras. E Gentil Palhares, inegavelmente, é
uma delas.
Louvo a Deus pela existência dos tesouros, das pedras preciosas e, também,
pelo explorador, sendo ele, pedra viva e preciosa que honra São João del-Rei, a Terra da Música, dos Sinos e dos grandes escritores!
Caro amigo Braga
Muito interessante essa história, bem como as considerações do escritor Fábio Nelson. Lemos com grande interesse.
Em relação a nomes de ruas, que são substituídos ao longo dos tempos -- e que não pegam! -- em Valença temos alguns casos, como a rua principal de nossa cidade. Seu nome oficial é Rua Saldanha Marinho. No entanto, até hoje a população continua a chamá-la de "Rua dos Mineiros", seu antigo e simpático nome.
Agradecemos pelo envio.
Abraços, Mario.
Obrigada, Francisco
Excelente informação.
Abrçs
Zezé Cassiano
Obrigado pelo envio. Realmente as ruas são a alma das cidades. E constroem nossas pontes com a saudade.
Fernando Teixeira
Obrigada Francisco, por nos proporcionar a leitura de um texto tão interessante e com tantos elogios dirigidos a meu pai.
senti o mesmo prazer e orgulho de quando alguém se dirige a mim e diz:
-sabe onde moro? na rua Dr. Matheus Salomé.
Abraços
Vera
Prezado confrade Francisco Braga. Este texto reforça o encantamento que se apossou de mim por esse patrono. Pareceu-me ser homem de múltiplos envolvimentos e com um testemunho de vida capaz de nos estimular a entender sua história e seu legado, abençoadamente reconhecido com o nome neste agradável logradouro. Obrigado pela referência.
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