Por Bohumil Med
No outro lado do globo terrestre, mais precisamente na China, o gênero ópera já existe há cerca de mil e trezentos anos. As primeiras informações sobre a ópera chinesa citam o imperador Xuangzong (685-762), da dinastia Tang, com a criação da trupe teatral Jardim das Persas. Na dinastia Song, espetáculos de variedades com canções, danças e esquetes cômicos eram apresentados em teatros para até três mil espectadores. Na era Ming, surgiram óperas sobre temas históricos do passado chinês. Diante do grande sucesso, as autoridades tentavam controlar os espetáculos e até ameaçavam os atores com pena de morte (a intolerância dos poderosos com expressões artísticas tem longa tradição e continua até hoje).
Para nós, do lado de cá, a ópera surgiu na Itália no final do século XVI, com artistas que desejavam recriar a união do teatro e da música, como imaginavam existir na Grécia antiga. Ao contrário da maioria dos estilos e formas musicais ou artísticas, a ópera possui lugar e data de nascimento: os palácios de Florença, sobretudo o magnífico Palazzo Pitti, onde, em 1600, foi apresentada a ópera Eurídice, dos compositores Giacomo Peri (1561-1633) e Giulio Caccini (1550?-1618), com enredo elaborado pelo poeta Rinuccini. O tema, naturalmente grego, era a história do cantor mitológico Orfeu e de sua esposa Eurídice. Mas o primeiro grande mestre da ópera foi Claudio Monteverdi (1567-1643), cuja ópera Orfeu (1607) é esporadicamente apresentada.
A ópera italiana, com milhares de composições, conquistou o mundo. Mesmo compositores de outras nacionalidades criaram obras no estilo e língua italianos. A tradição começou com dois Alessandros, o Scarlatti e o Stradella, e floresceu com nomes como Rossini, Donizetti, Bellini, Mascagni, Puccini e Verdi. O traidor das origens foi Giovanni Battista Lulli. Ele se afrancesou e fundou a escola nacional francesa, representada por Jean-Philippe Rameau e posteriormente por Auber, Offenbach, Massenet e Bizet, que firmaram definitivamente a força da arte lírica francesa.
Mas o que é mesmo uma ópera (obra em italiano)? É um teatro musicado, uma forma musical das mais completas, que combina música, teatro e balé, uma harmonia de todas as artes. É um espetáculo para os olhos, deleite para os ouvidos e para o espírito. Uma simbiose imaginada por compositores, comediógrafos, poetas, maestros, músicos, cantores, bailarinos, figurantes e empresários. Nos bastidores, há um arsenal invisível de profissionais que vestem e maquiam os artistas, outros que iluminam ou escurecem a cena. O esforço conjunto desses elementos leva à apoteose. As estrelas, os cantores solistas, completam o elenco, que contribui decisivamente para o triunfo do espetáculo.
A ópera se desenvolveu no período barroco. O principal nome é o alemão Händel (1685-1759), que usava temas mitológicos e históricos com cenários suntuosos e figurinos luminosos. Era a época dos castrati. No século XVII, a cidade de Nápoles se tornou a meca da ópera. A novidade era a ópera buffa inspirada no cotidiano, a exemplo de O Barbeiro de Sevilha, de G. Rossini (1792-1868). No século XIX, também na Itália, surgiu a ópera verista, conhecida como ópera realista, que explorava paixões humanas como amor, ódio e vingança, tendo Puccini como o representante típico. Nápoles é a cidade mais importante na história da ópera. É famosa pelos cantores mais célebres do mundo – como é Cremona, pela história do violino; Viena, pelas valsas e a Argentina, pelo tango. O único mausoléu no mundo, um sarcófago de cristal, de um cantor de ópera está em Nápoles, homenageando o cantor lírico Enrico Caruso, naturalmente um italiano.
Para preparar a estreia de uma ópera são necessários muitos ensaios. Wozzeck, por exemplo, ópera de Alban Berg, é uma obra moderna, atonal, difícil para cantores e orquestra. Em Berlim, o maestro Erich Kleiber fez cento e cinquenta ensaios para aprontá-la. Para a estreia da ópera Tannhäuser no Gran Opera de Paris em 1861, Wagner promoveu cento e sessenta e quatro ensaios durante seis meses. E em vez do sucesso veio o fiasco. O motivo foi a introdução do número de balé no primeito ato, o que era inaceitável para jovens aristocratas parisienses. A reação negativa foi tão enérgica que, após três récitas, a ópera, tão bem ensaiada, saiu do repertório para voltar vinte anos depois como a ópera de Wagner mais interpretada em toda a Europa. Para escrever as quatro óperas – O Ouro do Reno, A Valquíria, Sigfried e O Crepúsculo dos Deuses – que compõem O Anel do Nibelungo, Wagner trabalhou vinte e seis anos. A duração do ciclo é de dezesseis horas e são necessárias quatro noites para a apresentação completa. Achou longa? O recorde de Wagner foi com Os Mestres Cantores de Nuremberg, que dura cinco horas e quinze minutos ou mais, dependendo do regente. Porém, a composição mais longa não é uma ópera. É a sinfonia Victory at Sea, do americano Richard Rodgers, com aproximadamente treze horas de duração!
Em nenhum outro lugar da Europa e em nenhuma outra época da história europeia encenaram-se tantas óperas como na Itália entre 1815 e 1860. Em Milão havia seis teatros que apresentavam óperas regularmente e em Nápoles havia cinco, além de outro local ocasional. O papel da ópera na sociedade italiana daquela época pode ser comparado atualmente ao futebol e à televisão. A música transbordava dos teatros para a esfera pública. As melodias recém-compostas eram tocadas por realejos nas ruas, por bandas militares nos parques e por pianistas nas residências. As casas de ópera eram, antes de tudo, centros sociais, onde as elites compareciam todas as noites. Como assistiam à mesma ópera várias vezes, a atenção dispensada ao palco era irregular. A plateia, diferentemente da nossa, não tinha poltronas. Quem quisesse se sentar teria que levar cadeira, poltrona e até sofá e mesas. Durante a apresentação, jogavam-se cartas e dados, liam-se libretos de óperas, fofocava-se, faziam-se apostas, enquanto fruteiros perambulavam com cestos pela sala de espetáculos iluminada por luz de velas. O público fazia tanto barulho que mal se conseguia ouvir a música. Nos camarotes, os ocupantes jogavam cartas, recebiam visitas e conversavam alto.
Para avisar aos presentes que o espetáculo ia começar e para diminuir um pouco o barulho da sala, a orquestra tocava as aberturas, originalmente curtas fanfarras, que Lully ampliou em forma de três partes – lento, rápido e lento – com intenção de criar um clima festivo. O conteúdo das aberturas não tinha nenhuma ligação musical com as melodias da ópera a ser apresentada. Exemplo dessa dissociação é a famosa abertura da ópera O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, usada por ele em três óperas diferentes. A partir do classicismo e principalmente do romantismo, o conceito de abertura mudou. Os compositores a usavam quase como uma amostra para apresentar os temas principais da ópera. Esse procedimento obrigava o compositor a escrever a abertura por último, quando a ópera já estava completa.
Voltando a Milão do século XIX, a plateia não se disciplinava mesmo após a abertura. Continuava com distrações paralelas. Só uma diva com notas agudas e melodias bem cantadas conseguia atrair a atenção do público, que a acolhia com estrondoso júbilo. Os cantores eram os ídolos das massas, mas aqueles que não conseguiam agradar não encontravam misericórdia. Recebiam vaias drásticas. Para distrair o público pouco concentrado no drama da ópera, entremeavam-se os atos com pequenos números de balé, canções leves e até intervenções de palhaços. Em Paris, já no início do século XX, entre os atos dramáticos, a orquestra tocava polcas e valsas, estilos de música popular da época.
Nesse clima de descontração e diversão nada puritano, os artistas gozavam de má fama e até atuavam como prostitutas. Os contemporâneos diziam que, no reinado de Luís XIV, as mulheres que cantavam nas óperas eram protegidas por nobres e que a Academia de Música – nome do teatro lírico em Paris – havia se tornado a academia do amor. Quando não estavam no palco, as artistas visitavam admiradores nos camarotes para combinar a "extensão" do espetáculo. Independentemente da avaliação dos puritanos, os artistas da ópera gozavam de grande prestígio perante reis, príncipes, cardeais, aristocratas e burgueses, e eram por eles protegidos. Segundo as crônicas da época, um rebelde condenado à pena capital foi perdoado por ser um compositor de ópera muito popular.
O comportamento do público era diferente nos teatros localizados dentro dos palácios reais, como Versalhes, Munique, Mannheim e outros. O espaço era dedicado, antes de mais nada, a apregoar a majestade do soberano e a reforçar a hierarquia social. Desse modo, o projeto arquitetônico do teatro não era determinado pela necessidade de ver o palco ou ouvir a música, e sim de ver e ser visto pelos espectadores. A função do teatro não era artística. Era social. Para que a ópera surtisse efeito inesquecível, além da música e dos cantores, os diretores apelavam para efeitos visuais mecânicos, como fogos de artifício, decoração surpreendente e até a presença de animais no palco. Na estreia de Berenice, em Pádua, o autor Domenico Freschi, aluno de Scarlatti, além do coro de trezentas vozes, colocou no palco cem cavalos, dois elefantes e dois leões (todos vivos). Sem dúvida, uma ópera memorável!
Uma encenação em que tradicionalmente se colocam animais no palco, em especial elefantes, é a monumental Aída, de Verdi. No Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nos idos de 1910, um desses paquidermes virou-se de costas para o público e aliviou os intestinos com uma enorme descarga, digna de um elefante! Já no Teatro Guaíra, em Curitiba, o público aplaudiu em pé quando Radamés entrou no palco em um elefante que pertenceu a um circo. O animal respondeu aos aplausos colocando-se sobre as patas traseiras, com a dianteiras levantadas em agradecimento à ovação, derrubando o grande general egípcio no chão.
Depois da Itália, a ópera invadiu a Europa, mantendo o italiano, que se transformou em língua oficial tanto da forma como da terminologia musical. O italiano é, sem dúvida, um idioma melódico, próprio para canções e árias. Compositores de outras nacionalidades tinham que se submeter à ditadura da ópera italiana e compor no mesmo estilo e língua. A maioria das óperas de Mozart, um compositor austríaco, tem texto em italiano.
Provavelmente foi a partir do romantismo que as óperas começaram a ser escritas em línguas locais, dificultando a vida dos cantores que devem decorar textos em idiomas que não dominam. Justifica-se dizer que só a língua original preserva as características musicais da melodia, que nenhuma tradução, mesmo bem feita, consegue manter. Na prática, o coitado do cantor decora e canta árias em russo, mas nem o russo presente na plateia consegue entender. Para contornar o problema, estabeleceu-se a prática de projetar a tradução em idioma local numa tela localizada acima do palco. Independentemente da língua, a preocupação de entender as palavras do cantor é inútil porque raramente se entende o que canta, mesmo na língua materna. Prova disso são casos de intérpretes que esquecem ou trocam o texto, mas respeitam a melodia. Raramente alguém na plateia percebe. Isso sem falar de cantores que incluem propositadamente até palavrões nas suas árias, apostando que não serão flagrados. E não são! Num dos ensaios da ópera Paladinos, o compositor João Felipe Rameau pediu à artista para cantar mais rápido. "Mas se for mais depressa, o público não vai entender uma só palavra", respondeu a cantora. "Não importa", disse Rameau, "contanto que entendam a música..."
A pergunta: o texto é menos importante do que a música? Alguns compositores procuram o equilíbrio entre os dois; outros, mesmo os famosos, não se preocupam com as bobagens constantes nos libretos. Para Gluck, a música deveria servir à poesia, mas, para Mozart, a poesia deveria ser filha obediente da música. Independentemente de quem deve servir a quem, o compositor, para escrever uma ópera, precisa de um texto, uma história. Muitos se inspiram em romances famosos, reduzem ao mínimo centenas de páginas do original e os transformam em libreto (texto a partir do qual são compostas óperas) de poucas páginas. Outros encomendam o libreto a especialistas. Alguns, além da música, escrevem o próprio libreto, como era o caso de Wagner. Havia libretistas menos cuidadosos, que escreviam sem esmero, argumentando que geralmente não se entende mesmo o que o cantor pronuncia e que, quando o casal principal da ópera se abraça, o público entende que se trata de dueto de amantes, independentemente do texto.
Entre os famosos libretistas, destacou-se Lorenzo da Ponte (1749-1838), autor dos libretos em italiano das óperas As Bodas de Fígaro e Don Giovanni, de Mozart. A vida de Lorenzo foi uma grande aventura. Autor de trinta e seis libretos operísticos, era um típico aventureiro italiano. Judeu de nascimento, converteu-se ao cristianismo, tornou-se padre, lecionou numa escola até ser demitido. Era também companheiro de aventuras de Casanova. A sorte lhe sorriu quando se mudou para Viena e foi nomeado poeta dos teatros na corte do imperador José II. Com a morte do soberano, perdeu o emprego e se mudou para Londres, onde se casou na igreja anglicana. Tornou-se livreiro, impressor, agente teatral e escritor. Mais tarde, trocou a Inglaterra pela América e passou a vender drogas, livros e, finalmente, escreveu suas memórias, confessando que todos os seus empregos terminavam em escândalos.
Outro libretista fecundo foi o italiano Pietro Metastasio (1698-1782). Alguns dos seus cinquenta libretos eram tão bons que foram musicados mais de dez vezes, ou seja, foram compostas mais de dez óperas sobre o mesmo texto. Mas há outros com enredos tão confusos que nem os principais cantores entendem a lógica dos acontecimentos. Por outro lado, existem canções em que o texto é mais importante do que a música, como as de protesto contra a guerra, a discriminação ou qualquer coisa, classificadas pelo Dr. Henrique Autran Dourado como "música panfletária". Essas costumam ser assumidamente pobre em harmonia e melodia.
O esquema típico das óperas se baseia no casal de amantes – um tenor e uma soprano – que, durante vários atos, enfrenta obstáculos armados pelo malvado barítono ou baixo, secundado pela ciumenta contralto. Quando a história termina em casamento, trata-se de ópera buffa ou cômica; quando termina em tragédia, é ópera-séria ou dramática, que causa grande efeito, principalmente se a cena final termina em morte, no estilo Romeu e Julieta. Mas sempre, antes de sucumbir por causa de um veneno ou apunhalado pelas costas, o herói tem força suficiente para cantar a ária final. Na ópera Rusalka, do compositor tcheco Antonín Dvořák, a ninfa atrai o príncipe infiel para o meio do lago. Os dois cantam emocionante dueto enquanto a ninfa abraça o amante e o arrasta para as profundezas da água.
Já Mozart, em Don Giovanni, preferiu mandar o conde pecador para o inferno. Outros heróis morrem enforcados, assassinados, fuzilados, envenenados. Antônia, da ópera Contos de Hoffmann, do compositor Offenbach, morre por excesso de canto. Morte linda para uma cantora de ópera!
Na escalação do elenco, um dos problemas é a representatividade do papel. Os grandes tenores muitas vezes são baixinhos e gordinhos, o que não combina com a imagem de um belo amante fogoso. O mesmo ocorre com as sopranos – cantoras fantásticas, muitas vezes são bem cheinhas, para não dizer gordinhas – ao representar, por exemplo, a tuberculosa Mimi de La Bohème, de Puccini ou La Traviata, de Verdi, que morre de subnutrição. Os maldosos afirmam que a qualidade de muitas óperas depende do número de mortos no último ato. Às vezes a solução final demora. Tristão e Isolda sofrem quatro horas antes de, finalmente, morrer. A briga de egos entre a prima donna, principal papel feminino, geralmente uma soprano, e o primo uomo, primeiro tenor, ultrapassa muitas vezes os limites artísticos e chega a golpes baixos, tanto no palco como na imprensa. Cansado dessas brigas, Sir Thomas Beecham, regente inglês, comentando a morte dos principais personagens no palco, disse: "Nenhum cantor de ópera morre tão rápido quanto eu gostaria." O intérprete do príncipe da ópera Rusalka de Dvořák também estava cansado. Certa vez, foi ao casamento de um amigo durante o dia, e à noite foi cantar a ópera. Tudo ia bem. Mas aí, no último ato, quando Rusalka o beijou e o deitou na grama para descansar e em seguida atraí-lo ao lago para cantar o duo final e afogá-lo, o intérprete adormeceu profundamente e ninguém conseguiu acordá-lo. E assim, naquela noite, a ópera terminou sem o desfecho trágico prescrito pelo autor.
A ópera, palavra mágica, feitiço em forma de música, harmonia de todas as artes, obra artística completa, festa dos olhos, dos ouvidos e da alma, tem muitos admiradores, mas também inimigos ferozes. Para os leigos, a ópera é uma canção que dura mais de duas horas e a parte mais agradável é o intervalo. Em seu dicionário, Samuel Johnson definiu a ópera como um entretenimento exótico e irracional. No livro Confissões, concluído em 1770, Jean-Jacques Rousseau escreveu que a ópera é "aquele antro de depravação". O compositor francês moderno Pierre Boulez foi ainda mais longe: ele defendeu a demolição de todas as casas de ópera. O ricaço grego Aristóteles Onassis não gostava do gênero. Para ele, a ópera não passava de um bando de chefes italianos gritando receitas de risoto uns para os outros (e ele foi casado com uma prima donna, a diva Maria Callas!). Franz von Dingelstedt declarou: "Todo teatro é um manicômio, mas a ópera é o setor para os incuráveis". Já um tal de Juca fez os maiores elogios: "As horas mais agradáveis de minha vida, eu devo à ópera". Alguém perguntou: "Você é frequentador assíduo?" Ele respondeu: "Eu não, mas a minha mulher é".
Absurda para alguns, a ópera, apesar das críticas, vive graças às sensações que proporciona aos admiradores. Não há grande cidade que se preze que não disponha de um teatro inteiramente dedicado a ela. Durante três séculos, os cantores de óperas, com fantásticos honorários, foram os artistas mais famosos do mundo. A vida particular, brigas e intrigas, sucessos e tragédias, tornaram-se verdadeiros romances, muitas vezes descritos em livros. O que ficou para sempre são as melodias cantadas por eles, que os tornaram imortais.
Fonte: MED, Bohumil: Música é coisa séria... mas nem sempre, Brasília: MusiMed Edições Musicais, pp. 112-17. Autoria das imagens com desenhos de caricaturas: Radek Steska.
BIBLIOGRAFIA
MED, Bohumil: Música é coisa séria... mas nem sempre, Brasília: MusiMed Edições Musicais, 260 p.
A produção dos compositores operísticos de antigamente era grande. Puccini compôs noventa óperas; Cimarosa, oitenta, e Salieri, suposto inimigo de Mozart, cinquenta. Os mais preguiçosos: Rossini só compôs trinta e seis óperas; Verdi, vinte e sete, e Wagner, dez, porém longas. Beethoven, Schumann e Debussy se contentaram cada um com uma e Chopin e Brahms não perderam tempo com esse gênero musical tão complicado. O herói preferido dos autores foi Otelo, personagem de setenta óperas, doze operetas e catorze balés. O censo de óperas assinado em 1910 por um certo Sr. Towers relaciona vinte e oito mil e quize óperas. Quantas seriam se fosse hoje?
Em nenhum outro lugar da Europa e em nenhuma outra época da história europeia encenaram-se tantas óperas como na Itália entre 1815 e 1860. Em Milão havia seis teatros que apresentavam óperas regularmente e em Nápoles havia cinco, além de outro local ocasional. O papel da ópera na sociedade italiana daquela época pode ser comparado atualmente ao futebol e à televisão. A música transbordava dos teatros para a esfera pública. As melodias recém-compostas eram tocadas por realejos nas ruas, por bandas militares nos parques e por pianistas nas residências. As casas de ópera eram, antes de tudo, centros sociais, onde as elites compareciam todas as noites. Como assistiam à mesma ópera várias vezes, a atenção dispensada ao palco era irregular. A plateia, diferentemente da nossa, não tinha poltronas. Quem quisesse se sentar teria que levar cadeira, poltrona e até sofá e mesas. Durante a apresentação, jogavam-se cartas e dados, liam-se libretos de óperas, fofocava-se, faziam-se apostas, enquanto fruteiros perambulavam com cestos pela sala de espetáculos iluminada por luz de velas. O público fazia tanto barulho que mal se conseguia ouvir a música. Nos camarotes, os ocupantes jogavam cartas, recebiam visitas e conversavam alto.
Para avisar aos presentes que o espetáculo ia começar e para diminuir um pouco o barulho da sala, a orquestra tocava as aberturas, originalmente curtas fanfarras, que Lully ampliou em forma de três partes – lento, rápido e lento – com intenção de criar um clima festivo. O conteúdo das aberturas não tinha nenhuma ligação musical com as melodias da ópera a ser apresentada. Exemplo dessa dissociação é a famosa abertura da ópera O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, usada por ele em três óperas diferentes. A partir do classicismo e principalmente do romantismo, o conceito de abertura mudou. Os compositores a usavam quase como uma amostra para apresentar os temas principais da ópera. Esse procedimento obrigava o compositor a escrever a abertura por último, quando a ópera já estava completa.
Voltando a Milão do século XIX, a plateia não se disciplinava mesmo após a abertura. Continuava com distrações paralelas. Só uma diva com notas agudas e melodias bem cantadas conseguia atrair a atenção do público, que a acolhia com estrondoso júbilo. Os cantores eram os ídolos das massas, mas aqueles que não conseguiam agradar não encontravam misericórdia. Recebiam vaias drásticas. Para distrair o público pouco concentrado no drama da ópera, entremeavam-se os atos com pequenos números de balé, canções leves e até intervenções de palhaços. Em Paris, já no início do século XX, entre os atos dramáticos, a orquestra tocava polcas e valsas, estilos de música popular da época.
Nesse clima de descontração e diversão nada puritano, os artistas gozavam de má fama e até atuavam como prostitutas. Os contemporâneos diziam que, no reinado de Luís XIV, as mulheres que cantavam nas óperas eram protegidas por nobres e que a Academia de Música – nome do teatro lírico em Paris – havia se tornado a academia do amor. Quando não estavam no palco, as artistas visitavam admiradores nos camarotes para combinar a "extensão" do espetáculo. Independentemente da avaliação dos puritanos, os artistas da ópera gozavam de grande prestígio perante reis, príncipes, cardeais, aristocratas e burgueses, e eram por eles protegidos. Segundo as crônicas da época, um rebelde condenado à pena capital foi perdoado por ser um compositor de ópera muito popular.
O comportamento do público era diferente nos teatros localizados dentro dos palácios reais, como Versalhes, Munique, Mannheim e outros. O espaço era dedicado, antes de mais nada, a apregoar a majestade do soberano e a reforçar a hierarquia social. Desse modo, o projeto arquitetônico do teatro não era determinado pela necessidade de ver o palco ou ouvir a música, e sim de ver e ser visto pelos espectadores. A função do teatro não era artística. Era social. Para que a ópera surtisse efeito inesquecível, além da música e dos cantores, os diretores apelavam para efeitos visuais mecânicos, como fogos de artifício, decoração surpreendente e até a presença de animais no palco. Na estreia de Berenice, em Pádua, o autor Domenico Freschi, aluno de Scarlatti, além do coro de trezentas vozes, colocou no palco cem cavalos, dois elefantes e dois leões (todos vivos). Sem dúvida, uma ópera memorável!
Uma encenação em que tradicionalmente se colocam animais no palco, em especial elefantes, é a monumental Aída, de Verdi. No Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nos idos de 1910, um desses paquidermes virou-se de costas para o público e aliviou os intestinos com uma enorme descarga, digna de um elefante! Já no Teatro Guaíra, em Curitiba, o público aplaudiu em pé quando Radamés entrou no palco em um elefante que pertenceu a um circo. O animal respondeu aos aplausos colocando-se sobre as patas traseiras, com a dianteiras levantadas em agradecimento à ovação, derrubando o grande general egípcio no chão.
Depois da Itália, a ópera invadiu a Europa, mantendo o italiano, que se transformou em língua oficial tanto da forma como da terminologia musical. O italiano é, sem dúvida, um idioma melódico, próprio para canções e árias. Compositores de outras nacionalidades tinham que se submeter à ditadura da ópera italiana e compor no mesmo estilo e língua. A maioria das óperas de Mozart, um compositor austríaco, tem texto em italiano.
Provavelmente foi a partir do romantismo que as óperas começaram a ser escritas em línguas locais, dificultando a vida dos cantores que devem decorar textos em idiomas que não dominam. Justifica-se dizer que só a língua original preserva as características musicais da melodia, que nenhuma tradução, mesmo bem feita, consegue manter. Na prática, o coitado do cantor decora e canta árias em russo, mas nem o russo presente na plateia consegue entender. Para contornar o problema, estabeleceu-se a prática de projetar a tradução em idioma local numa tela localizada acima do palco. Independentemente da língua, a preocupação de entender as palavras do cantor é inútil porque raramente se entende o que canta, mesmo na língua materna. Prova disso são casos de intérpretes que esquecem ou trocam o texto, mas respeitam a melodia. Raramente alguém na plateia percebe. Isso sem falar de cantores que incluem propositadamente até palavrões nas suas árias, apostando que não serão flagrados. E não são! Num dos ensaios da ópera Paladinos, o compositor João Felipe Rameau pediu à artista para cantar mais rápido. "Mas se for mais depressa, o público não vai entender uma só palavra", respondeu a cantora. "Não importa", disse Rameau, "contanto que entendam a música..."
A pergunta: o texto é menos importante do que a música? Alguns compositores procuram o equilíbrio entre os dois; outros, mesmo os famosos, não se preocupam com as bobagens constantes nos libretos. Para Gluck, a música deveria servir à poesia, mas, para Mozart, a poesia deveria ser filha obediente da música. Independentemente de quem deve servir a quem, o compositor, para escrever uma ópera, precisa de um texto, uma história. Muitos se inspiram em romances famosos, reduzem ao mínimo centenas de páginas do original e os transformam em libreto (texto a partir do qual são compostas óperas) de poucas páginas. Outros encomendam o libreto a especialistas. Alguns, além da música, escrevem o próprio libreto, como era o caso de Wagner. Havia libretistas menos cuidadosos, que escreviam sem esmero, argumentando que geralmente não se entende mesmo o que o cantor pronuncia e que, quando o casal principal da ópera se abraça, o público entende que se trata de dueto de amantes, independentemente do texto.
Entre os famosos libretistas, destacou-se Lorenzo da Ponte (1749-1838), autor dos libretos em italiano das óperas As Bodas de Fígaro e Don Giovanni, de Mozart. A vida de Lorenzo foi uma grande aventura. Autor de trinta e seis libretos operísticos, era um típico aventureiro italiano. Judeu de nascimento, converteu-se ao cristianismo, tornou-se padre, lecionou numa escola até ser demitido. Era também companheiro de aventuras de Casanova. A sorte lhe sorriu quando se mudou para Viena e foi nomeado poeta dos teatros na corte do imperador José II. Com a morte do soberano, perdeu o emprego e se mudou para Londres, onde se casou na igreja anglicana. Tornou-se livreiro, impressor, agente teatral e escritor. Mais tarde, trocou a Inglaterra pela América e passou a vender drogas, livros e, finalmente, escreveu suas memórias, confessando que todos os seus empregos terminavam em escândalos.
Outro libretista fecundo foi o italiano Pietro Metastasio (1698-1782). Alguns dos seus cinquenta libretos eram tão bons que foram musicados mais de dez vezes, ou seja, foram compostas mais de dez óperas sobre o mesmo texto. Mas há outros com enredos tão confusos que nem os principais cantores entendem a lógica dos acontecimentos. Por outro lado, existem canções em que o texto é mais importante do que a música, como as de protesto contra a guerra, a discriminação ou qualquer coisa, classificadas pelo Dr. Henrique Autran Dourado como "música panfletária". Essas costumam ser assumidamente pobre em harmonia e melodia.
O esquema típico das óperas se baseia no casal de amantes – um tenor e uma soprano – que, durante vários atos, enfrenta obstáculos armados pelo malvado barítono ou baixo, secundado pela ciumenta contralto. Quando a história termina em casamento, trata-se de ópera buffa ou cômica; quando termina em tragédia, é ópera-séria ou dramática, que causa grande efeito, principalmente se a cena final termina em morte, no estilo Romeu e Julieta. Mas sempre, antes de sucumbir por causa de um veneno ou apunhalado pelas costas, o herói tem força suficiente para cantar a ária final. Na ópera Rusalka, do compositor tcheco Antonín Dvořák, a ninfa atrai o príncipe infiel para o meio do lago. Os dois cantam emocionante dueto enquanto a ninfa abraça o amante e o arrasta para as profundezas da água.
Na escalação do elenco, um dos problemas é a representatividade do papel. Os grandes tenores muitas vezes são baixinhos e gordinhos, o que não combina com a imagem de um belo amante fogoso. O mesmo ocorre com as sopranos – cantoras fantásticas, muitas vezes são bem cheinhas, para não dizer gordinhas – ao representar, por exemplo, a tuberculosa Mimi de La Bohème, de Puccini ou La Traviata, de Verdi, que morre de subnutrição. Os maldosos afirmam que a qualidade de muitas óperas depende do número de mortos no último ato. Às vezes a solução final demora. Tristão e Isolda sofrem quatro horas antes de, finalmente, morrer. A briga de egos entre a prima donna, principal papel feminino, geralmente uma soprano, e o primo uomo, primeiro tenor, ultrapassa muitas vezes os limites artísticos e chega a golpes baixos, tanto no palco como na imprensa. Cansado dessas brigas, Sir Thomas Beecham, regente inglês, comentando a morte dos principais personagens no palco, disse: "Nenhum cantor de ópera morre tão rápido quanto eu gostaria." O intérprete do príncipe da ópera Rusalka de Dvořák também estava cansado. Certa vez, foi ao casamento de um amigo durante o dia, e à noite foi cantar a ópera. Tudo ia bem. Mas aí, no último ato, quando Rusalka o beijou e o deitou na grama para descansar e em seguida atraí-lo ao lago para cantar o duo final e afogá-lo, o intérprete adormeceu profundamente e ninguém conseguiu acordá-lo. E assim, naquela noite, a ópera terminou sem o desfecho trágico prescrito pelo autor.
A ópera, palavra mágica, feitiço em forma de música, harmonia de todas as artes, obra artística completa, festa dos olhos, dos ouvidos e da alma, tem muitos admiradores, mas também inimigos ferozes. Para os leigos, a ópera é uma canção que dura mais de duas horas e a parte mais agradável é o intervalo. Em seu dicionário, Samuel Johnson definiu a ópera como um entretenimento exótico e irracional. No livro Confissões, concluído em 1770, Jean-Jacques Rousseau escreveu que a ópera é "aquele antro de depravação". O compositor francês moderno Pierre Boulez foi ainda mais longe: ele defendeu a demolição de todas as casas de ópera. O ricaço grego Aristóteles Onassis não gostava do gênero. Para ele, a ópera não passava de um bando de chefes italianos gritando receitas de risoto uns para os outros (e ele foi casado com uma prima donna, a diva Maria Callas!). Franz von Dingelstedt declarou: "Todo teatro é um manicômio, mas a ópera é o setor para os incuráveis". Já um tal de Juca fez os maiores elogios: "As horas mais agradáveis de minha vida, eu devo à ópera". Alguém perguntou: "Você é frequentador assíduo?" Ele respondeu: "Eu não, mas a minha mulher é".
Absurda para alguns, a ópera, apesar das críticas, vive graças às sensações que proporciona aos admiradores. Não há grande cidade que se preze que não disponha de um teatro inteiramente dedicado a ela. Durante três séculos, os cantores de óperas, com fantásticos honorários, foram os artistas mais famosos do mundo. A vida particular, brigas e intrigas, sucessos e tragédias, tornaram-se verdadeiros romances, muitas vezes descritos em livros. O que ficou para sempre são as melodias cantadas por eles, que os tornaram imortais.
Fonte: MED, Bohumil: Música é coisa séria... mas nem sempre, Brasília: MusiMed Edições Musicais, pp. 112-17. Autoria das imagens com desenhos de caricaturas: Radek Steska.
BIBLIOGRAFIA
MED, Bohumil: Música é coisa séria... mas nem sempre, Brasília: MusiMed Edições Musicais, 260 p.
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Tenho o prazer de apresentar ao leitor do Blog de São João del-Rei um novo colaborador que se destacou por ter sido um grande trompista de grandes orquestras no Brasil e na República Tcheca, bem como um grande professor do Departamento de Música da UnB-Universidade de Brasília, de 1974 a 2007, onde atuou por 33 anos na formação teórica e prática de profissionais: Prof. Bohumil Med, que dispensa maior apresentação por já ser suficientemente conhecido dos músicos brasileiros que adotam seus livros quer como professores quer como alunos.
Tive a oportunidade de ter sido seu aluno no 2º semestre de 2002, quando ingressei na UnB e mantive contato com sua técnica revolucionária de ensino do solfejo e ritmo adotada em seu livro "Teoria da Música", cujos fundamentos apliquei extensivamente durante o meu curso na área da composição.
É, portanto, com grande alegria que trago ao leitor deste blog um trecho de seu livro mais recente, "Música é coisa séria... mas nem sempre", cujo tema, tratado com fina ironia e humor característico, é Ópera.
Cordial abraço,
Francisco José dos Santos Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
É muito bom o livro !!!
Cordial abraço.
Braga,
Parabéns pela nova aquisição.
Um grande abraço ao Prof. Bohumil Med e muito sucesso nesse seu blog maravilhoso.
Abraços,
Lu
Ótimo!
Fantástico!
Maravilhoso!
Obrigado em nome do Brasil!
Magnífico o texto de Bohumil Med! Dangelo
Olá, professor Braga.
Talvez o melhor e mais saboroso texto sobre o gênero da Ópera em língua portuguesa. Esclarecedor e profundamente divertido. O professor Buhomil é ótimo!
Obrigadíssimo.
Cuper
Agradecemos pelo envio: assunto muito interessante!
Abraços, do amigo Mario.
Bom dia, Rute e Francisco. Obrigado pela sua informação sobre Bohumil. Gostaria de conhecer seu método de solfejo,pois é difícil ensinar isto ao pessoal daqui.
Nosso encontro de corais fica marcado para o dia 25 de novembro. Naturalmente não haverá este encontro sem a participação de vocês!!!!!
Seu relatório sobre o encontro do ano passado, na Arruia, dei para todos os cantores do coral. Mais uma vez, o nosso "Muito Obrigado!" para vocês. Com meus votos de "Paz e Bem!", abr.
Bohumil Med nasceu em 1939 na Tchecoslováquia. Formou-se músico, trompista, em Praga. Mas sua carreira se desenvolveu no Brasil, onde desembarcou em 1968 para tocar na Orquestra Sinfônica Brasileira. Anos depois, passou a dar aulas na Universidade Federal de Brasília. Foi um dos fundadores da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro. E a lista de feitos precisa incluir ainda a criação da editora MusiMed, responsável por preciosas edições de livros e partituras da música brasileira, como Teoria da Música, de sua autoria. Ao longo de décadas de experiência e dedicação, Med não apenas acompanhou de perto o desenvolvimento da área musical no Brasil, fosse em performance, fosse na educação, como colecionou histórias, anedotas e, segundo ele mesmo define, "causos". É essa mistura de relato ensaístico e biográfico com memórias bem-humoradas que compõe o livro "Música é coisa séria... mas nem sempre". Alunos e professores de música, os virtuoses, o comportamento dos instrumentistas, o mundo da ópera, a profissão de maestro, de compositor e os caminhos da apreciação musical: os temas abordados são muitos, sempre com um texto leve - sem que leveza signifique falta de conteúdo.
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