terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Colaborador: RENÊ GUIMARÃES


Por Ronaldo Filizzola Guimarães


O  poeta  e  sua  obra

Entre a montanha e o rio, usando a expressão do poeta, nasceu RENATO TEIXEIRA GUIMARÃES em Santa Luzia, Minas Gerais, no dia 23 de maio de 1904. Era filho do Juiz de Direito Luiz Caetano da Silva Guimarães e de Evangelina Teixeira Guimarães. Ainda na infância, passaram a chamá-lo Renê, cognome que lhe absorveu o nome.

Cursou o ginásio no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, diplomando-se no curso superior pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1934. Foi líder estudantil e sustentou, nas tribunas, em calorosos discursos, uma justiça social em favor das classes mais desprotegidas para a qual só agora o Brasil acorda. Sua liderança acadêmica marcou época na gloriosa Casa de Afonso Pena.

Renê exerceu a advocacia em Belo Horizonte durante algum tempo. Conviveu com a elite intelectual da época, jornalistas e políticos, podendo ser citados, entre outros, Djalma Andrade, Fritz Teixeira, Alberto Deodato, Nilo Aparecido, Paulo Pinheiro Chagas, Bartolota, Eurícledes Formiga, Monzeca, Aires da Mata Machado Filho, Sebastião Noronha e o primo Geraldo (Gegê) Teixeira da Costa. Juscelino Kubitschek, segundo dizem, sabia de cor o soneto Normalista, que recitava em diversas ocasiões. Por essa época, conheceu Edmundo Marques Lima o Sô Lima, português do Porto, que foi seu grande amigo e incentivador ao longo de sua vida.

A existência de Renê Guimarães é rica de "casos" contados até hoje, confundindo-se a realidade com o folclore. São exemplos as passagens relacionadas com a Torre da Igreja de Santa Luzia, onde ele se postava prometendo se atirar se não recebesse uma "mesada" extra do pai; ou as que falam de um baile de gala no Automóvel Clube de Belo Horizonte, onde ele teria brigado com o Príncipe de Gales por causa de uma moça e mesmo as que se referem a uma Onça Apaixonada, embeve0cida com os cabelos "de fogo" do poeta...

Nessa época, escreveu parte de sua poesia lírica e social, que era declamada nos bares da moda da jovem capital mineira.

Depois de frequentar a chamada "boêmia intelectual" por muitos anos, casou-se no dia 10 de setembro de 1938 com a jovem Veneranda Filizzola Guimarães, radicada em Sete Lagoas. Inspirado nela, escreveu os sonetos Noivado e Minha Esposa. O casal teve quatro filhos: Vera Lúcia Guimarães dos Santos, casada com o jornalista Márcio Vicente da Silveira Santos; Ronaldo Filizzola Guimarães, Juiz de Direito em Sete Lagoas, casado com a profª Maria Ângela de Carvalho Guimarães; Vanessa Guimarães Carneiro, professora, casada com o empresário Mário Carneiro Costa, e Luiz Carlos Guimarães, advogado, casado com Iara de Oliveira Guimarães.

Transferiu-se o poeta para Sete Lagoas em 1940, onde exerceu a advocacia e consagrou-se na Tribuna do Júri. Foi nessa cidade que ele escreveu extensa parte de sua obra literária. Afeiçoou-se ao povo, amou a cidade e sua gente com uma fidelidade atávica. Juntamente com Wilson Tanure, compôs a música "Sete Lagoas", considerada "um hino de amor à cidade".

Os sonetos de Renê Guimarães foram publicados em revistas especializadas e em jornais, mas quase sempre à sua revelia, pois ele nunca se preocupou com a fama e quem o conheceu sabia que, abstraído no mundo das ideias, sempre esteve acima da vaidade humana. Tanto assim que nunca se preocupou em publicar seu livro. Argumentava, sempre, que se algum valor tivesse sua obra, ela permaneceria. Lembrava ele que Cristo que considerava o maior dos homens jamais editara um livro e, no entanto, as suas ideias são eternas.

Tomado pela inspiração, o poeta sentia necessidade indomável de extravasar seu estro e escrevia em qualquer papel que encontrasse, muitas vezes em papel de embrulhar pão, nas partes brancas de seus livros jurídicos, nos cadernos escolares dos filhos...  No livro de anotações domésticas da esposa compôs vários sonetos. Esse caderno está a salvo, guardado pela família. Não obstante, muitas de suas poesias se perderam.

Vanda, como chamava a esposa, foi quem começou a anotar as poesias que se encontravam perdidas pela casa, evitando que desaparecessem. Graças a ela, a presente obra foi compilada e publicada.

Renê Guimarães faleceu no dia 28 de junho de 1966, no Hospital Nossa Senhora das Graças, em Sete Lagoas, evento que sensibilizou a cidade. No soneto Depois da Morte, como numa premonição, ele descreve o seu falecimento: 
"(...) O silente hospital, as ruas tortas
e as mãos, as magras mãos desesperadas. (...)" 

Por iniciativa do vereador Ataliba Lago, a Câmara Municipal de Belo Horizonte deu o nome de Renê Guimarães a uma rua da Capital e, em Sete Lagoas, através de projeto de lei encaminhado pelo prefeito Sérgio Emílio Vasconcelos, a Câmara Municipal deu o nome do poeta a uma praça da cidade.

Em Sete Lagoas, Renê Guimarães empresta seu nome a uma das dependências da sede da Ordem dos Advogados, à Biblioteca da Escola Estadual Cândido Azeredo e é patrono de uma Cadeira da Academia Sete-lagoana de Letras. A Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais também tem uma Cadeira com o seu nome.

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Renê Guimarães acreditava que sua obra resistiria ao tempo e só admitia sua publicação em livro se ela viesse pela tradição oral. Após 25 anos de sua morte, sua poesia sobrevive e é perenizada em letra de forma. Na Capital, declamam seus sonetos. O jornalista Camilo Teixeira da Costa, seu primo e grande incentivador da publicação desta obra, recita, sem embaraço, Santa Luzia e Rio de Minha Terra, que falam da terra, berço comum, a decantada Santa Luzia; o desembargador William Romualdo da Silva, o soneto Mulata e, assim, uma gama de pessoas questionam sobre o livro do poeta. Da mesma forma, em Sete Lagoas é grande o número de pessoas que declamam a sua poesia. Em exortação aos valores espirituais, o prefeito Sérgio Emílio Vasconcelos fez inscrever numa placa de bronze, na Ilha do Milito, na Lagoa Paulino, os dois tercetos de Minha Aldeia. Os versos, de rara beleza plástica e filosófica, são lidos e copiados pelos visitantes: 
"Eu vinha para a vida esperançoso
De ser grande, ser rico, ser famoso,
Mas, de manhã, vi pássaros em bando

E parei para ouvi-los um segundo.
... E fiquei entre os pássaros cantando
E nunca mais eu me lembrei do mundo." 
A obra de Renê Guimarães foi compilada em uma divisão cronológica. Não obstante, a poesia lírica remonta a primeira fase de criação do poeta; a social começa de seu tempo de acadêmico de Direito e a de reflexão ou filosófica constitui a terceira etapa de sua poética.

A preocupação do poeta sempre foi o ser humano, o sofrimento das classes mais desprotegidas e as injustiças sociais. conhecia a alma mineira com a profundidade de um filósofo e seus versos muito bem revelam essa intimidade. Neste aspecto, destacam-se os sonetos Esposa de Operário, Semeador, Lua dos Humildes, Garimpeiro, Tiradentes, Revolta, Velhas Estradas e Rio de Minas, entre outros. 

Sua poesia não cai no vazio da rima; ela tem essência; de fato, toca a alma, aflora lembranças, mostra que a felicidade está no dia-a-dia, nas coisas simples, no amor que surge, no rio que corre, na vida que está passando, na saudade que fica. Ele mesmo, no soneto Poesia, só admite o ofício de poeta e a própria poesia como criação de beleza suprema:
Eco da prima treva violada!
Som do sopro de Deus, criando a vida! 
A obra de Renê Guimarães revela a dimensão de sua cultura humanística, neoclássica, sociológia, filosófica e teológica, aliada a uma aguda capacidade de mergulhar na verdade das coisas, trazendo à tona ilações lindas e profundas, às vezes singelas e inebriantes. Veja-se o soneto Libertação, em que ele penetra na metafísica com tamanha simplicidade de ideias, nunca antes cogitada, que nos extasia pela beleza das imagens, transmitindo um sentimento de eternidade da alma em composição com o universo: 
(...) Morrer é debruçar-se sobre a aurora,
É encher a noite, solitária agora,
Da música divina do silêncio!  
No poema Mater Dolorosa, a conotação mística é grandiosa. O diálogo bíblico entre o Cristo agonizante e a Virgem Maria tem rara beleza plástica, teológica e filosófica.

No soneto dedicado à terra natal Santa Luzia, mostra que a felicidade está no ato de viver e sentir "a voz das madrugadas", "a paz da tarde, onde a andorinha voa", para concluir, segundo a filosofia positivista de Comte, que 
(...) Sou um pouco de ti, eu te copio:
sou o rumor das águas do teu rio
e um reflexo de luz da tua história! 
Já no soneto Música, o poeta revela que a arte é o homem psíquico, pois ela procura reeditar as emoções vividas: 
(...) A música é nosso eu em sons transfeito...
Ela é o amor cantando em cada boca
e o ódio soluçando em cada peito! 
Em sua poesia lírica, Renê Guimarães busca emoções vividas, paixões, solidão e êxtase, vazada em estilo rico de imagens, como se vê no soneto Serenidade
(...) Mas tu passaste pela minha vida
Como serena, pela altura, passa
A estrela Vésper pelo céu da tarde! 
 E o exemplo maior de permanência da obra é o soneto Mulata, conhecido de cor por centenas de pessoas e transcrito em antologias: perfeito na forma, ele é ensaio sociológico e mensagem de brasilidade transpostos em imagens colossais.


Agora reunidos em livro, os sonetos de Renê Guimarães devem ser lidos e relidos: primeiro, para sentir-se a beleza do conjunto e, depois, para penetrar sua mensagem, eco autêntico da vida emanado de um espírito iluminado, de uma inteligência privilegiada, de um homem puro de coração   que dedicou um incomensurável amor à humanidade. 


Fonte:  "E o Poeta Falou" (obra completa), Belo Horizonte: Editora Lemi S.A., 1994, pp. 07 a 12 de um total de 165 pp.

7 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
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Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

O Blog de São João del-Rei tem a honra de contar, a partir de hoje, com a colaboração do poeta RENÊ GUIMARÃES (1904-1966), que consumou obra de mérito, embora tenha se despedido desta vida precocemente. Seu legado resume-se em 5 livros de poesias, ao longo de 165 páginas, reunidos num único tomo com o título geral "E O POETA FALOU", dispostos na seguinte sequência:
Livro I: E o Poeta Falou
Livro II: Música Imprevista
Livro III: Alumbramento
Livro IV: Lágrimas do Povo
Livro V: Poemas e Canções

Seu filho Dr. Ronaldo Filizzola Guimarães resume com precisão a força de sua verve: "Sua poesia não cai no vazio da rima; ela tem essência; de fato, toca a alma, aflora lembranças, mostra que a felicidade está no dia-a-dia, nas coisas simples, no amor que surge, no rio que corre, na vida que está passando, na saudade que fica."

Em 1838, Robert Schumann compôs e publicou uma coletânea para piano, constando de 13 pequenas peças, de caráter sereno e inspiração espontânea e livre, que retratam suas lembranças das suas aventuras em tenra idade, razão por que as denominou "Cenas Infantis" ou "Cenas de Crianças". Por que falo dessas coisas nesta apresentação desse novo colaborador do Blog? Simplesmente, porque Schumann deu o seguinte nome à peça final da coletânea: Der Dichter Spricht, ou O Poeta Fala. Coincidência de títulos? Não só, pois ambos os poetas falam das mesmas coisas, das coisas simples da vida.

Agradeço à minha amada esposa Rute Pardini a paciência e disponibilidade para a tomada de fotos e para sua formatação com vista à arte da postagem e da apresentação da matéria.

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Prezado,
Sendo entusiasta da causa poética,tornas grandes todos os sonhadores. Não conhecia Renê Guimarães,mas agora o conheço através de seu
gesto de amor e solidariedade.
Fico envaidecido em ter um amigo assim.
Parabéns!

Prof. Fernando Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e presidente da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Muito grato pelo envio. Fernando Teixeira

Danilo Carlos Gomes (cronista, escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e da Academia Brasiliense de Letras) disse...

Prezado Francisco Braga,
cumprimento-o por divulgar a vida e a obra do famoso poeta mineiro Renê Guimarães, que não tive a sorte de conhecer pessoalmente.
Curiosidade: René Guimarães, 1904-1966; meu pai Daniel Gomes, 1904-1965.

Quando eu comecei a vida literária, em BH, por volta de 1962, Renê era já famoso, especialmente pelo soneto "Mulata", samaritana da primeira sede... Na Livraria Itatiaia, dos irmãos Moreira, na Rua da Bahia, que eu passei a frequentar, Renê Guimarães já era nome aplaudido. Mas nunca o vi por lá, já devia estar meio doente, em Sete Lagoas, não é? Pela Livraria Itatiaia passavam, frequentemente, nomes que você menciona no blog e que eu via de perto, com alguns proseando: Alberto Deodato(o mais extrovertido e amável), Ayres, Eduardo Frieiro, Manuel Casasanta, Paulo Pinheiro Chagas, Vivaldi Moreira, Euclides Marques Andrade, Mário Mattos, Salomão de Vasconcellos, Oscar Mendes, Mário Mendes Campos (pai de Paulo), Maria José de Queiroz, tantos outros escritores. Gegê era assíduo,aos sábados. Bons tempos! Obrigado.
Abraço do Danilo Gomes.

Márcio Vicente da Silveira Santos (historiador, escritor e jornalista, sócio-fundador da Academia Sete-Lagoana de Letras, sócio efetivo da AMULMIG e sócio correspondente do IHG-DF desde 1995) disse...

Prezado Amigo Braga:


Gratíssimo, em nome da Família, pela divulgação da obra

de Renê Guimarães. Já informei a todos sobre o seu blog.

Um abraço,

Márcio Vicente

Amauri da Matta (músico em Sete Lagoas-MG) disse...

Bom dia! Em cordial visita, compartilho que no dia 07 de julho, às 19:00 horas, no Auditório da FEEM, em Sete Lagoas, um grupo de artistas fará um primeiro show em homenagem ao grande poeta Renê Guimarães. Esse show é parte de um projeto maior, intitulado “Casa dos Artistas Renê Guimarães”, que tem por objetivo apoiar a arte e a cultura e ser um espaço de acolhimento aos artistas necessitados. Sabendo de sua admiração pelo saudoso poeta, ao visitar o seu blog, e por ser amigo de Márcio Vicente, tomo a liberdade de fazer este contato. Assim como várias pessoas, me apaixonei pela obra de Renê Guimarães e há dois anos venho musicando as suas poesias. Não sei de sua disponibilidade, mas fica aqui o convite para, se quiser, participar, conosco, dessa homenagem. Da forma como puder. Desde já agradeço a atenção! Amauri da Matta Tel. (31) 99758-4295