sábado, 28 de setembro de 2024

ANÁLISE DAS VARIAÇÕES SOBRE UM TEMA POPULAR BRASILEIRO DE ALEXANDRE LEVY


Por (João da Cunha) CALDEIRA FILHO *
Comentários por Francisco José dos Santos Braga
Reproduzimos aqui texto de CALDEIRA FILHO, constante do seu livro A aventura da música - subsídios críticos para apreciação musical. São Paulo: Ricordi Brasileira, vol. 2, 1971, pp. 33-7.
Este post é dedicado à notável pianista Eudóxia de Barros.

 

A Aventura da Música, por Caldeira Filho-2º volume
Muito diferentes são as vidas dos artistas. Circunstâncias numerosas, subjetivas e objetivas, concorrem para que à vida aventurosa de Liszt se oponha a placidez em que decorreu a de César Franck; para que vejamos, ao lado das lutas de Carlos Gomes em prol da imposição de sua obra, a tranquilidade de Alexandre Levy, cismador e sentimental. 
 
Sua biografia tem pouco a contar. Em janeiro ocorre o aniversário de sua morte. Nascido em São Paulo a 20 de novembro de 1864, aí morreu a 17 daquele mês em 1892, contando somente 27 anos. Dedicado ao progresso artístico da cidade natal e profundamente amoroso das nossas tradições, interessou-se pela difusão da música clássica e contemporânea fundando o Clube Haydn (1883), e pelo caráter brasileiro na produção musical. Tais atividades, ele as realizava apegado ao meio, à família, aos amigos, sensível ao afeto, à amizade, aos laços imponderáveis que para sempre prendem um coração à sua terra e à sua gente. Seu grande desejo era o aperfeiçoamento na Europa. Em 1887 chegou a Paris, munido de várias recomendações. Por estar em férias o Conservatório (de Paris), recebeu lições particulares de Émile Durand (harmonia e contraponto). Iniciada a temporada de inverno, ouviu numerosos concertos e óperas, pôs-se em dia com a atualidade musical da época. Mas aquele mal de que todos sofrem e que só a nossa língua materna sabe exprimir, a “saudade", minava-o insidiosamente, entristecendo-lhe o espírito e ameaçando-lhe a vida. Indeciso entre o regresso e a continuação dos estudos no estrangeiro, morreria de desânimo se conselhos médicos não o fizessem sem demora voltar à pátria. 
 
Destaca-se na sua produção a série “Variations sur un thème populaire brésilien”, composta em S. Paulo e que levara à Europa. O tema é o Bitu ¹
 
Sobre o Bitu refere o dr. José Vieira Fazenda (R.I.H.G.B., tomo 95, volume 149, página 165): “De 10 de fevereiro a 17 do mesmo mês, em 1811, no Rio de Janeiro, houve grandes chuvas, verdadeiro dilúvio, a que o povo chamou "água do monte". Tal acontecimento ficou perpetuado na cantiga "Vem cá, Bitu". Do "Vem cá, Bitu" ocupou-se o erudito dr. Francisco Augusto Pereira da Costa no seu "Folclore Pernambucano". Coloca porém a "água do monte" no ano de 1817. Outros estudiosos da cantiga: Melo Morais Filho, Sílvio Romero, Teófilo Braga, Eduardo Perié, Félix Pereira, etc. Segundo o dr. Joaquim Manuel de Macedo, “o Bitu era um crioulo apaixonado de bebidas alcoólicas e soldado do batalhão dos Henriques. Cantava pelas ruas, exibindo um boneco de molas e, convidado a cantar nas casas particulares, servia de mensageiro de recados amorosos. Afirma o autor que o Bitu morreu soterrado sob a casinha que morava, a qual veio abaixo com o aguaceiro” ²
 
A ternura e a beleza íntima da toada, tão conhecida, prestam-se admiravelmente a conter e transmitir a mensagem expressiva de Alexandre Levy. 
 
Nada mais simples e ingênuo do que a apresentação do tema na região média do instrumento, sem acompanhamento algum. É a melodia natal que aflora aos lábios... Talvez assim também, numa imagem única, se tenha concretizado o complexo de sentimento que envolvia a alma do artista: escolheu e fixou a ideia mais pura e nítida, a mais impregnada de poesia. Jamais ouvimos em concerto estas variações. Imaginamos apenas como deverá soar, sob os dedos privilegiados de grande pianista, esse tema musicalmente isolado, mas tão envolvido pelo rico subjetivismo do artista. 
 
Seus oito compassos se repetem "moderato molto" na 1ª variação, simplesmente harmonizada a 4 partes. Já aqui uma sutileza: a meia frase final é anacrústica, iniciando-se com o dó sustenido do 6º compasso. No tema, ao contrário, essa nota termina o fragmento anterior (segundo a "nouvelle édition" L-226-I), o que lhe confere expressão toda particular. 
 
A 2ª variação introduz discretamente nas vozes da harmonia certa inquietação expressiva e se encadeia com a , em que as partes ou vozes centrais, em semicolcheias, conduzem um movimento em sextas que, mantido o andamento inicial, parece restabelecer a tranquilidade da evocação. Análoga é a 4ª variação, em que o tema passa à 2ª voz, numa atmosfera de melancolia. Com ela contrasta a seguinte (), acompanhada por acordes, com brevíssima expansão lírica no 3º e 4º compassos, e em cujo fragmento correspondente às palavras "não vou lá", da canção, o autor concentrou a expressão num tratamento harmônico que é um regresso à nostalgia inicial. Até aqui a melodia temática tem sido dada textualmente. O caráter dessa variação serve de transição para a seguinte, a , "allegro molto", em que grande energia é concedida às células rítmicas iniciais do tema, já agora distante e não mais apresentado textualmente. Na sua segunda parte reaparece o lirismo, intensificando-se a expressão em momento correspondente ao assinalado na variação anterior, a recusa "não vou lá", que assim começa a adquirir certa função psicológica, terminando com a alegre energia inicial. Toda a variação parece ser uma reminiscência de Brahms. 
 
A 7ª variação é suavíssimo noturno. A melodia é dada em timbre de violoncelo e num "pianíssimo" que a afasta para as longínquas paragens desejadas pelo artista. Interessante é a seguinte (), "allegretto (in guisa di scherzo)", com a imposição do ritmo ternário ao tema, igualados de maneira geral os valores de notas na 1ª parte e conservada na 2ª maior flexibilidade melódica. Esse scherzo acena a Beethoven, que aparece mais sensivelmente na 9ª variação, "lento (alla funebre)". Felizmente é discretíssimo o rolar dos tambores e o trecho se caracteriza principalmente pelo queixume que aparece desde o 5º compasso. Terminando em suspenso sobre a dominante (nítida lembrança de Schumann), com ela se encadeia a 10ª variação, "Allegretto (Romance sans Paroles)", de expressão amável e delicada. A variação seguinte (11ª) é das mais felizes como caráter, fluindo a melodia num embalador "Allegretto (Pastorale)" de ritmo ternário. O "Andante (religioso)" seguinte (12ª) volta à severidade da maneira a 4 vozes num estilo "legato" algo convencional. A 13ª variação, "Vivacissimo", em 6/8, é outro reflexo da sua preferência por Schumann, lembrando de perto uma das variações dos Estudos Sinfônicos. Os fragmentos temáticos saltam de uma voz a outra num jogo de timbres e de cores conduzido com muito espírito. A concentração reaparece na seguinte (14ª), "Intermezzo: Andante calmo". Já na 15ª, "Moderado molto", volta o espírito de romance sem palavras, numa plasticidade melódica cujo interesse absorve o do tema, dado discretamente na voz inferior. 
 
E chegamos ao final da obra, a 16ª variação, em 6/8. Alexandre Levy quis terminar em alegria (ao contrário de Fauré, em obra análoga) resumindo o caráter das variações VI, XI e XIII no mais amplo dos trechos da coleção, no qual dá plena expansão ao lirismo discreto de momentos anteriores, transformando-o em impetuoso e jovial instante de efusão. Dois acordes rapidamente arpejados são o fecho conciso dessa festa rumorosa. 
 
É interessante ter Alexandre Levy, para exprimir o amor pela terra natal, escolhido a forma da variação, uma das mais antigas por ser a mais espontânea e natural na criação artística, em coincidência com a natureza original do sentimento que prende o homem à sua terra e aos seus. A longa meditação a que se entrega está sujeita às mudanças operadas pelas associações que enriquecem esse estado de espírito, em que se entrelaçam impressões variadas e aparentemente distantes entre si. Assim também o autor esquece a lógica estrita da composição, guiando-se tão somente pela livre sequência expressiva. Tudo é abandono e sentimento. Por isso não vemos aí a condensação das variações em grupos correspondentes a determinados estados poéticos, adotada por outros autores em função de economia expressiva, de equilíbrio da obra total. As cinco primeiras formam, é certo, um grupo homogêneo, mas de ordem menos expressiva do que técnica. De caráter alternado, passando de um a outro sentimento, é a sequência das quatro seguintes. "Romance sans paroles" e "Pastoral" mantêm entre si certa afinidade, reaparecendo a seguir a alternação até o final. Tendo, porém, em vista a simplicidade da apresentação temática, a religiosidade da 12ª, e a alegria da última, poderíamos ver nessa sucessão de momentos característicos as linhas gerais de um processo expressivo que, partindo do mais profundo subjetivismo lança-se depois à ruidosa libertação final. 
 
Esse desejo de libertação transparece também no afastamento cada vez maior da frase temática que, dada textualmente nas cinco primeiras variações, sofre depois todas as modificações que a técnica e a expressão sugeriram ao autor. 
 
Mantendo-se fiel a certo espírito romântico de sua preferência, não apresenta ele os grandes contrastes beethovenianos. Foge ao drama, ao conflito de sentimentos guardando simples dualidade expressiva, cujo caráter geral permanece, a despeito da adoção de indicações mais específicas (religioso, pastoral, etc.). 
 
Evidentemente, no fim do século XIX, depois de Beethoven e dos grandes autores pianísticos do Romantismo, não era de esperar obra-prima mundial no gênero. Ela vale como intenção expressiva, como um dos primeiros apelos ao nacionalismo musical, distante da decoração e do exotismo tão abundantemente sugeridos pelo nosso folclore. 
 
Ainda pela sua situação pós-romântica, depois de Chopin e de Liszt, é curiosa a limitação instrumental adotada por Alexandre Levy. Toda a peça se desenvolve na região média do instrumento com fugazes incursões ao greve e ao agudo. Será reflexo do seu temperamento, de si pouco dado a expansões? 
 
Consideram-no um schumanniano, o que não deixa de ser exato. Mas não é de hoje que nele vemos, apesar das lembranças de Schumann e Brahms, um outro espírito, talvez mais profundo e, librado, tão fino e elegante. E é ainda Fauré o autor sugerido pela limitação pianística assinalada. Ignoramos que contato tenha havido entre os dois artistas, que influências tenha o nosso recebido daquele. Nem por isso, a nosso ver, deixa de existir o fato, explicável, uma vez excluída qualquer aproximação material , pela filiação estética de ambos ao espírito francês, ao qual, embora em grau diferente, pertenciam. 
 
Alexandre Levy morreu quando atingia a época das obras definitivas e pessoais. Sua produção não excedeu suficientemente a fase inicial de assimilação, o que explica em parte o desinteresse de que é objeto. Entretanto, não menos valiosa do que o Tango Brasileiro, tão divulgado, e sem dúvida alguma muito mais interessante e significativa, é a produção ora comentada, merecedora de frequentes execuções pelos nossos maiores pianistas, para que desde logo a ouça o público na melhor versão possível.
 
* Nascido em 10/12/1900 em Piracicaba e falecido em 21/05/1982 em São Paulo, ingressou aos 18 anos de idade no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Estudou piano com Samuel Archanjo (1925) e contraponto, fuga e orquestra com Savino de Benedictis. Mário de Andrade convidou-o para auxiliá-lo nas aulas de história da música que ministrava no conservatório e em 1927 tornou-se professor deste, mas no mesmo ano deixou o país para estudar na França, junto a mestres e artistas de grande renome, como Alfred Cortot, Wanda Landowska, Nádia Boulanger, Marguerite Long, Isidor Philipp e André Pirro. De volta ao Brasil em 1931, passou a lecionar no Conservatório Dramático e Musical paulistano e no Conservatório Musical de Santos. Foi professor por concurso no Instituto de Educação Caetano de Campos onde se aposentou em 1964, jornalista, musicólogo, crítico musical e escritor, fundador da Cadeira nº 20 da ABM-Academia Brasileira de Música.


II. COMENTÁRIOS por Francisco José dos Santos Braga

¹ A canção Vem cá, Bitu usa a mesma melodia da nossa conhecida Cai, Cai, Balão. Sugiro inicialmente a audição da bela peça romântica de Alexandre Levy, interpretada pela ilustre pianista brasileira Eudóxia de Barros in https://www.youtube.com/watch?v=_c_sReey5_0 Observe que ela é “um dos primeiros apelos ao nacionalismo musical”, conforme definiu muito bem Caldeira Filho.

² Recomendo ainda a leitura de Tormentas Cariocas: seminário Prevenção e Controle dos Efeitos dos Temporais no Rio de Janeiro, coord. Luiz Pinguelli Rosa e Willy Alvarenga Lacerda, Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, onde se encontra artigo de Maurício de Almeida Abreu, intitulado "A cidade e os temporais: uma relação antiga", especialmente da p. 17 e início da p. 18.

Uma descrição mais pormenorizada as "Águas do Monte" é dada in "Memórias de Rio de Janeiro inundado em relatos de cronistas e literatos", por Andréa Casa Nova Maia, pp. 5-8. A autora atribui a destruição no Morro do Castelo à inundação da cidade, “quando desabaram várias casas, muralhas e barracos, deixando sobre as ruínas inúmeras vítimas.” Continua dizendo que “as famosas Águas do Monte até quadrinha cantada inspiraram! De acordo com Carlos Kessel (KESSEL, 2008, pp. 35-36), o estribilho da cantiga 
que começa pelo "Vem cá, Bitu, vem cá..."  referia-se a um pobre coitado que fora apanhado pelo desabamento quando bebia num dos botequins da rua do Cotovelo, logo abaixo do Castelo de São Sebastião:

Que é do teu camarada
A água do monte levou.
Não foi água, não foi nada,
Foi cachaça que o matou.


Para concluir, a autora cita uma crônica de Machado de Assis in A Semana, de 2 de fevereiro de 1896:
“Pior que tudo, porém, se a tradição não mente, foram as águas do monte, assim chamadas por terem feito desabar parte do morro do Castelo. Sabes que essas águas caíram em 1811 e duraram sete dias deste mês de fevereiro. Parece que o nosso século, nascido com água, não quer morrer sem ela. Não menos parece que o morro do Castelo, cansado de esperar que o arrasem, segundo velhos planos, está resoluto a prosseguir e acabar a obra de 1811. Naquele ano chegaram a andar canoas pelas ruas; assim se comprou e vendeu, assim se fizeram visitas e salvamentos. Também é possível, como ainda viviam náiades, que assim as fossem buscar as fontes. Talvez até se pescassem amores.”
 
 
III. BIBLIOGRAFIA

 
CALDEIRA FILHO, João da Cunha. A aventura da música - subsídios críticos para apreciação musical. São Paulo: Ricordi Brasileira, vol. 2, 1971,  131 p.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

CAMÕES, AUTOPSIADO POR AQUILINO RIBEIRO


Por ANTÓNIO VALDEMAR *
Transcrevemos com a devida vênia do jornal O FIGUEIRENSE, na coluna CULTURA, artigo publicado no Ano 106º, edição 5.876 de sexta-feira, 27/09/2024, p. 16.
Obra muito polémica que procura a clarificação de análises deturpadas e o esclarecimento de situações romanescas para conseguir efeitos de exaltação patriótica e de arrebatamento sentimental.
Luís de Camões Fabuloso e Verdadeiro (reimpresso pela Bertrand Editora em 2024 num único volume) / Capa: Alvaro Carrilho

 

As comemorações nacionais do V Centenário do Nascimento de Camões deverão constituir uma efeméride de incontestável relevância cultural e cívica. Entre outros acontecimentos já em curso, destaca-se a reedição num único volume da obra de Aquilino Ribeiro, Camões Fabuloso e Verdadeiro (1950), onde procedeu à clarificação de análises deturpadas e ao esclarecimento de situações romanescas para conseguir efeitos de exaltação patriótica e de arrebatamento sentimental. 

Aquilino provocou, na altura, uma das polémicas literárias mais ruidosas que marcaram a segunda metade do século XX: pretendeu esvaziar os mitos, os lugares-comuns, as ideias convencionais que se consolidaram, ao longo dos séculos. Capítulo a capítulo foi “varrendo teias de aranha”, “removendo entulhos”, “demolindo túmulos”. Em suma: todo um “romance mal urdido, falso no que respeita à pessoa e destituído de senso quanto à verdade local”. Também era um ataque direto aos intelectuais e aos políticos que zelavam pela continuidade do regime de Salazar, a mais antiga ditadura da Europa. Aquilino não escondeu o objetivo de romper não apenas com “aquilo que se ensinava na escola”, mas desmontar a imagem de um filme de Leitão de Barros, destinado a “inebriar as almas simples e megalómanas dos portugueses”, a fim de exibir um Camões “fidalgo, palaciano, valente, denodado, heróico, belo homem”. 

Foi ainda muito mais explícito: Camões Fabuloso e Verdadeiro representava uma oposição frontal às efabulações publicitárias dos que se “sentam à mesa do Círculo Eça de Queiroz, hóspedes de António Ferro” para fazerem em Portugal e, sobretudo, no estrangeiro, a propaganda política e cultural do salazarismo que fabricava um Camões, tão diferente do que fora, pois “viveu pobre e miseravelmente e assim morreu, segundo a legenda gravada na sua sepultura”. 

AS TRÊS CARTAS 

Aquilino declarou, sem margem de equívocos, que não se alicerçara em materiais inéditos. Limitara-se a “ler com olhos atentos” o que escreveram Teófilo Braga, José Maria Rodrigues, Willerm Stork (traduzido por Carolina Michaelis), Hernâni Cidade e José Régio. A principal fonte – assim o declarou – residiu nas “três cartas particulares que restam do poeta”. “Não foi empresa fácil” – confessou – “são verdadeiras e intrincadas charadas, naquela forma criptográfica de dizer coisas qui ferait rougir un singe, e porque esse hermetismo era de moda nas letras”. 

Desmontou, através de Camões Fabuloso e Verdadeiro, a origem aristocrática da família para retratar o “espadachim de vielas de má nota nas horas vagas, com entrada no paço, tu cá, tu lá com os grandes, amante feliz de umas açafatas, enamorado de outras, estro sempre pronto para glosar um mote, numa palavra um gentil homem pobre, mas invejável”. Examinou, em pormenor, tudo quanto respeitava às primeiras edições d’ Os Lusíadas e à atividade profissional do editor. Salientou algumas questões prioritárias: “o livro sempre foi uma indústria precária em Portugal”. Os nomes celebrados n Os Lusíadas e os seus descendentes, na esmagadora maioria “interessavam-se por cavalos, galgos e mulheres e não sabiam cortar letra redonda. Nas escrituras e atos tabelionais assinavam de cruz. O Padre Capelão supria-lhes a ignorância em tudo o que contendia com as necessidades do espírito”. Vivia-se uma época, “propícia à floração das letras”, pois “estava no choço a grande e louca aventura” que terminaria na tragédia de Alcácer Quibir. 

Existiam – recorda Aquilino – “54 livreiros com balcão de venda em Lisboa; esta designação compreendia os mestres afins, como cartonadores, brochadores, tendeiros de folhetos de cordel, papeleiros etc. Cada exemplar d’ Os Lusíadas foi taxado à razão de um cruzado, o que era um preço alto, proibitivo, acessível apenas às bolsas endinheiradas”. 

Camões optou por António Gonçalves com oficina própria, na Costa do Castelo. Não tinha o prestígio de outros impressores que lançaram obras de personalidades de relevo oficial. Os Lusíadas, publicados em 1572, não incluíram qualquer prefácio ou dedicatória. Apenas se lê na primeira página: “Com privilégio real. Impressos em Lisboa com licença da Sancta Inquisição e do Ordinário: em casa de António Gonçalvez, Impressor”. Outro pormenor comentado até à exaustão pelos investigadores e analisado por Aquilino: a disposição do pelicano, no alto da portada, o pelicano com o bico voltado para a direita de quem olha; na outra edição possível do mesmo ano o pelicano tem o bico voltado para a esquerda

VINTE MIL DIFERENÇAS 

Logo nas primeiras estrofes, verifica-se que houve alterações. Possivelmente erros de impressão ou modificações que o poeta quis introduzir no texto? José Maria Rodrigues (1930) e Gondim da Fonseca (1972) detetaram numerosas gralhas e desacertos. Trinta anos após a morte de Aquilino, numa pesquisa efetuada por David Jackson – professor da Universidade de Yale – ao consultar 34 exemplares d’ Os Lusíadas de 1572 existentes não só em Portugal e no Brasil, mas em bibliotecas públicas e privadas dos Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Espanha, França e Alemanha, encontrou mais de duas mil diferenças. Numa longa entrevista que me concedeu para o Diário de Notícias, David Jackson, concluiu que apesar da colocação do pelicano para a direita ou para a esquerda, houve uma única edição em 1572, possivelmente interrompida, devido a correções realizadas pelo próprio punho de Camões

DUAS CENSURAS 

Vivendo Aquilino num regime de censura, que cortava ou proibia indiscriminadamente o conteúdo dos livros, dos jornais e revistas, as peças de teatro e as produções do cinema – tal como no tempo da Inquisição – ocupou-se da atitude dúplice do censor d’ Os Lusíadas, o dominicano Frei Bartolomeu Ferreira que adotou dois comportamentos diferentes: por sua iniciativa ou por ordem da Inquisição. Para a primeira edição, no entender de Aquilino, houve conversações e reajustamentos entre o censor e o autor. No despacho que exarou Bartolomeu Ferreira pode ler-se: “não achei neles (Os Lusíadas) cousa alguma escandalosa, nem contrária à fé e aos bons costumes”. 

A propósito das narrativas pagãs, de versos incendiados de exaltação sexual, nomeadamente no Canto IX, relativo à ilha dos Amores, o censor escreveu: “como, isto é, poesia e fingi- mento, e o autor, como poeta, não pretende mais que ornar o estilo poético, não tivemos por inconveniente ir esta fábula na obra. E por isso me parece o livro digno de se imprimir, e o autor mostra nele muito engenho e muita erudição nas ciências humanas”. 

Contudo, já depois da morte de Camões, numa segunda censura para a chamada “edição dos Piscos”, publicada no domínio espanhol, no reinado de Filipe I denunciou-se escandalosamente “a mão imperiosa e teologaldo mesmo Bartolomeu Ferreira (...) que “emendou, transcreveu, suprimiu” (...), introduzindo n’ Os Lusíadasversos aleijados e de mau gosto”. 

CAMÕES: ANTES E DEPOIS 

Camões ilustrado por Alvaro Carrilho
 

Aquilino não se cansa de enaltecer “o poeta de sopro universalista e de alma multimoda e eterna”. E também assinalava que, até Camões “nunca a língua fora manejada com aquela agilidade e limpidez, aqueles ritmos de avena culta, com flexões novas, pedidas ao latim, que lhe imprimiram elegância, sem perda de vigor e com ganho de harmonia”. Portanto: estamos perante duas línguas portuguesas – antes e depois de Camões. 

Considerava Os Lusíadas o “tombo poético da pátria portuguesa e um monumento à nacionalidade”, “o poema da energia máscula, pagão e sensualista”, tendo inscrito essa energia voluptuosa, e erótica na “ilha dos Amores. Considerava, ainda, que Luís de Camões nos legou “os sonetos mais admiráveis da nossa língua” e as líricas “que, quanto mais se leem, mais perfume de beleza se exala, daqueles ritmos de ouro e de cristal”. 

A obra de Aquilino, agora reeditada, pela Bertrand, num único volume, coordenado por Eduardo Boavida, capa de Alvaro Carrilho e um prefácio da minha autoria, integra um índice onomástico e um índice toponímico, para facilitar a consulta e a leitura deste livro e localizar muitos aspetos primordiais. Os Lusíadas, além da narrativa histórica, geográfica e mitológica, é um exemplo, a todos os títulos notável, da sobriedade e nitidez dos conceitos, sem resvalar na profusão de minudências e futilidades, na exuberância de jogos vocabulares. 

Ao contrário de todas as outras epopeias universais, Os Lusíadas oferecem-nos uma visão crítica das situações concretas do quotidiano, que por motivos políticos, religiosos e literários têm sido, voluntariamente, desfigurados. As palavras em Camões têm o poder de dialogar com os outros, de estabelecer as aproximações necessárias para resistir às adversidades, e promover os valores cívicos e culturais a fim de contribuir para a formação de uma consciência coletiva. 

* Jornalista-carteira profissional número Um e investigador;  sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa e sócio correspondente português para a ABL-Academia Brasileira de Letras-cadeira nº 3.

sábado, 21 de setembro de 2024

O TEMPO E SEU USO


Por CARLOS MENDONÇA LOPES *
 
Imagem da pintura de Salvador Dalí, intitulada Persistence of Memory, de 1931,   pertencente à colecção do MoMA de New York. Uma leitura possível da pintura, é vê-la como uma medida do tempo desperdiçado e interrogar-se o espectador se gosta do que vê.

 
 
Ganhou nos nossos dias divulgação acrescida um soneto atribuído a Frei António das Chagas, no século António da Fonseca Soares, (1631-1682), Conta e tempo, ao ser cantado por Camané  com música de fado ¹
 
Aborda o soneto, na peculiaridade formal da poesia barroca, a questão que a certa altura da vida todos nos colocamos: que fiz com o tempo que me foi dado viver? 
 
O assunto vem tratado no soneto de Frei António das Chagas na perspectiva religiosa e da vida no além, questionando as contas que é preciso prestar a Deus sobre a forma de viver o tempo de uma vida. 
 
Acontece que cerca de meio século antes, a mesma questão: que fiz com o tempo que me foi dado viver?, foi formulada em idênticos termos poéticos, que não teológicos, por Martim de Castro do Rio (c.1548-1613), poeta maneirista entre os poetas menores contemporâneos de Camões. 
 
Refere o soneto de Martim de Castro do Rio esta prestação de contas a si próprio e não a Deus, colocando, portanto, a ênfase na responsabilidade individual sobre as consequências das escolhas do viver, e não como as pedras do caminho para um qualquer prémio ou castigo, a que a perspectiva religiosa conduz. 
 
O poema de Frei António das Chagas é no vocabulário e desenvolvimento da ideia idêntico ao soneto de Martim de Castro do Rio, e hoje dificilmente escaparia a ser considerado um flagrante plágio, a que nem o desvio da reflexão introduzida no poema pela presença de Deus salvaria. Eram outros tempos e o poema passou à história com inteira propriedade como de Frei António das Chagas, permanecendo o poema de Martim de Castro do Rio, que lhe é anterior, no esquecimento dos manuscritos até à sua edição recente. 
 
Nunca é demais realçar ser o tempo o único bem que a cada indivíduo verdadeiramente pertence. E é na compatibilização das escolhas, ao vender o tempo que se possui, trabalhando para ganhar o dinheiro que permite viver, com a utilização do seu uso no quadro de valores que nos governam a vida, que reside a responsabilidade do balanço perante si, ou Deus, do que cada um fez e faz com o seu tempo. 
 
Soneto de Martim de Castro do Rio:
 
Ao tempo 
 
O tempo de si mesmo pede conta, 
É necessário dar-se conta a tempo, 
Que quem gastou sem conta tanto tempo, 
Como dará sem tempo tanta conta? 
 
Não quer levar o tempo tempo em conta 
Pois conta se não fez de dar-se a tempo, 
Onde só pera conta havia tempo, 
Se na conta do tempo houvesse conta. 
 
Que conta pode dar quem não tem tempo 
Em que tempo a dará quem não tem conta, 
Que a quem a conta falta, falta o tempo. 
 
Vejo-me sem ter tempo, com ruim conta, 
Sabendo que hei-de dar conta do tempo 
E que se chega o tempo de dar conta. 
 
Soneto de Frei António das Chagas
 
Conta e Tempo 
 
Deus pede estrita conta de meu tempo. 
E eu vou do meu tempo, dar-lhe conta. 
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta 
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo? 
 
Para dar minha conta feita a tempo, 
O tempo me foi dado, e não fiz conta, 
Não quis, sobrando tempo, fazer conta, 
Hoje, quero acertar conta, e não há tempo. 
 
Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta, 
Não gasteis vosso tempo em passatempo. 
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta! 
 
Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo, 
Quando o tempo chegar, de prestar conta 
Chorarão, como eu, o não ter tempo… 
 


II. NOTA BIBLIOGRÁFICA 
 
 
O soneto de Martim de Castro do Rio encontra-se em A Poesia de Martim de Castro do Rio (c.1548-1613), Mafalda Ferin da Cunha, Imprensa da Unicersidade de Coimbra, edição digital. Edição modelar que pela primeira vez reúne a poesia atribuível ao poeta, e até esta edição, distribuída por numerosos manuscritos. 
Deste soneto, Ao tempo, encontrou a compiladora 28 versões manuscritas, com ligeiras divergências, como sempre acontece nestes manuscritos, por desvio da recolha oral ou erro do copista. A compiladora escolheu a lição do manuscrito da Biblioteca Nacional BN6046, que transcrevi, dando conta em notas e anexo das variações encontradas. 
 
Não possuo edição impressa do soneto Conta e Tempo. Correm na Internet variadíssimas publicações com este soneto atribuído a Frei António das Chagas (1631-1682). 
Não encontrei referência sobre a sua publicação original impressa, ou manuscrita para confirmar a validade da atribuição, mas assumo que esteja correcta. 
 
* Gerente do Blog Vício da Poesia / Portugal.
 
III. NOTA EXPLICATIVA
 
 
 
IV. CRÉDITO PELA AUTORIA DA MATÉRIA
 
 

terça-feira, 17 de setembro de 2024

POSSE DO ACADÊMICO HONORÁRIO PROF. LUIZ SARTORELLI BOVO NA AML-ACADEMIA MARIANENSE DE LETRAS


Por LUIZ SARTORELLI BOVO *
 
Aos 5/12/1971, a ACADEMIA MARIANENSE DE LETRAS, ativa entidade cultural do Estado de Minas Gerais, em sessão solene, outorgou ao Prof. Luiz Sartorelli Bovo, articulista desta folha (Diário Popular), o Título de Acadêmico Honorário. Depois de ressaltar a razão da solenidade e justificar o ingresso do novo acadêmico, o presidente do sodalício  escritor Waldemar de Moura Santos  comunicou a abertura da sessão para, em seguida, passar a palavra ao orador oficial da Casa. 
 
Capa inicial do livro do Prof. Luiz Sartorelli Bovo, do qual foi retirado o presente trabalho. No seu plano superior, reproduz o Liceu Coração de Jesus, sediado na capital paulista: educandário quase secular, é dirigido pelos padres salesianos. No plano inferior, a ilustração, baseada na foto de Lima Guedes, premiada em concurso realizado em Belo Horizonte, encena Mariana ao alvorecer, em seu crepúsculo matutino. / Crédito ao ilustrador do livro: Francisco de Souza Moraes.

ORAÇÃO OFICIAL 
 
O discurso de saudação ao Prof. Sartorelli foi pronunciado pelo acadêmico Dr. Roque José de Oliveira Camêllo e que vamos transcrever na íntegra: 
 
O acadêmico Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, tribuno de recursos inegáveis, quando pronunciava a oração oficial. (Vide Diário Popular, edição de 5/12/1971). / Crédito ao ilustrador do livro: Francisco de Souza Moraes.

 
 
Exmo. Sr. Presidente 
Senhores Acadêmicos 
Exmo. Sr. Prof. Luiz Sartorelli Bovo 
Autoridades Civis e Religiosas 
Meus senhores e minhas senhoras 
 
A História é aquele complexo de fatos que marcam as pegadas do homem. No palmilhar os dias de seu tempo, o homem é o construtor da História e, portanto, o seu agente. Visto sob tal prisma, o caminheiro da humanidade é responsável pelo norteamento dos fatos que compõem a História. Eis que o homem, realizando a sua dignidade pessoal, se confunde com a própria História, que, partindo da humanidade como seu ponto ontológico, haverá de ser mãe e mestra dos tempos. Como a vida se resume em dar e receber, nós, a cada instante, estamos praticando este binômio do viver. 
Tal raciocínio nos leva a meditar sobre a grave responsabilidade de cada um na construção de sua própria História, pois ninguém pode alegar que simplesmente sofreu o fato histórico, uma vez que, na realização plena da dignidade humana, nós devemos ser sinal de um tempo e não produto amorfo de um complexo social.
 
Meus senhores, 
 
Estas palavras iniciais não poderiam faltar ao ensejo desta solenidade comemorativa do IX aniversário da instalação da Academia Marianense de Letras e quando se reúne esta Casa para receber, como Acadêmico Honorário, um intelectual da envergadura de um professor Luiz Sartorelli Bovo. 
Hoje, passada quase a primeira década, é tempo de se perguntar por que só há 9 anos se criou em Mariana uma instituição de tal natureza! 
Não, a Academia Marianense já existia há longos dias que nos separam do passado. Consultemos a tradição cultural desta Terra. Leiamos os tempos de nossa História e encontraremos nomes inúmeros ante os quais se curva a admiração de todo o Brasil. No entanto, dispersos nos quatro cantos da grande Pátria, nem todos chegaram ao conhecimento geral. 
Como foi oportuna para Mariana, Minas e o Brasil, a criação de um Centro que se dispusesse a porta-voz e guardião permanente de uma cultura! 
Em razão disto, quando se nos é dado o ensejo de uma exposição a respeito, temos tido o cuidado de nos referir ao ano de 1962, como um marco indelével na História da nossa cultura. 
Cumprindo o dever de construir sua História, um grupo de intelectuais, dentre eles o desembargador Prof. Cristóvão Breyner, Prof. Mesquita de Carvalho, Dr. Alphonsus de Guimaraens Filho, Dr. Pedro Aleixo, o saudoso Padre Antônio da Cruz, Dr. Elias Salim Mansur, houve por bem criar este organismo, indicando para presidi-lo o seu líder, jornalista e historiador Waldemar de Moura Santos. 
Conhecendo seu alcance e sua envergadura, os Conselhos de Cultura e de Educação, as Universidades, as Academias e a Imprensa, logo se uniram à Academia Marianense de Letras, chegando o Governo do Estado e da República a distingui-la, fazendo integrar a ela, esta primeira Casa de Cultura do Brasil, dentro das normas do Ministério da Educação. 
 
Exmo. Sr. Prof. 
Luiz Sartorelli Bovo 
 
Em razão da Academia Marianense, inúmeros são os intelectuais que, advindo das diversas partes de Minas e do Brasil, têm ocupado a tribuna desta Casa para trazer a sua sabedoria e a sua experiência, e oferecê-las à cidade primaz dos vales históricos do Ribeirão do Carmo. 
Hoje, outra não poderia ser a pessoa que não a de V. Exª a ser ouvida. Estais pisando a bissecular terra marianense que vos recebe para incorporar-vos a seu patrimônio cultural. 
Viestes ter a este cenário de arte e de cultura que não pertence só a seus habitantes, mas é obra universal. Cultura e arte são dois valores incomensuráveis no espaço e no tempo. 
Aqui aportastes para dar exemplo do bom brasileiro que, por patriotismo, deve conhecer estas pedras seculares, estes casarões, estes templos barrocos para sentir, de perto, um Brasil de ontem, ouvindo, no espaço sagrado do vale do Ribeirão do Carmo, as vozes inolvidáveis pelo amor e coragem com que levaram a Pátria a conquistar sua independência política. 
V. Exª, Sr. Acadêmico Honorário, no exercício de vossa função no Diário Popular ¹ de São Paulo, um dos maiores matutinos deste País, fostes convocado a dar testemunho da significação histórica e patriótica deste pedaço de terra encostado nos dias do Brasil-colônia. 
Sois por demais conhecido como homem de imprensa, no entanto nós vos queremos, não apenas pelo conhecimento, senão, sobretudo, como um irmão que é adotado pela História do berço da civilização destas Minas Gerais. 
Temos em vossa pessoa o grande representante de Mariana na Imprensa do Estado de São Paulo. 
Sabemos que sois um profundo conhecedor de nossas coisas e que devotais grande amor a esta terra. 
Para assegurar-vos nossa gratidão, somaríamos à fraternidade recíproca o título com que vos alcunharemos  O CRONISTA DE MARIANA
Eis, ilustrado confrade, as razões que levaram a Casa a aprovar, por unanimidade, o vosso nome para integrar o glorioso quadro dos Acadêmicos Honorários de Mariana. Membro deste sodalício mineiro, Luiz Sartorelli Bovo, professor emérito e jornalista consagrado, vindes encontrar ao longo destas montanhas e destes vales, um lugar de destaque para o vosso bom gosto de admirador dos cenários representantes da tradição que viu nascer a grandeza e a esperança da nação brasileira. 
Chegai, Prof. Luiz Sartorelli, a esta Casa de Cultura. Colocai aqui, para o doce descanso de vosso caminhar, os alforges de vossa vida. Serão as obras que produzistes no decurso luminoso e marcante de vossos passos. 
Sois imortal porque vossas obras estão a testemunhar que o homem passa no tempo mas se perpetua em suas realizações. 
Aos umbrais da primeira Casa de Cultura deste País compete guardar para a exposição permanente os vossos dons. 
Vinde, Acadêmico Honorário, e, enquanto subis a tribuna da imortalidade, levai para o vosso Estado de São Paulo a admiração e a fraternidade do povo marianense.
 
O NOVO ACADÊMICO ASSUME A PALAVRA 
 
Exmo. Sr. Presidente da Academia Marianense de Letras, escritor Waldemar de Moura Santos, 
Prezados Acadêmicos 
Autoridades presentes 
Distinta assistência que nos honra com a gentileza da atenção
 
É profundamente sensibilizado, mesmo enternecido, que vou tentar, em poucas palavras, agradecer a esse discurso notável, inflamado, que o nobre Acadêmico acaba de proferir. V. Exª, Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, inegavelmente, é um exímio orador, diante do qual eu me sinto apequenado. A emoção me impede de encontrar palavras que possam traduzir o meu reconhecimento, quando tece considerações inclusive em torno de minha pessoa. Nesta terra bendita, Mariana, nesta terra marcada pela passagem de vultos insignes, de vultos que mereceram, com justiça, a admiração dos brasileiros, eu acabo de ser objeto do carinho de que talvez eu não seja digno. Não consigo responder à vossa oração com melhor ênfase porque pareço sentir, neste momento, a própria fala presa à boca. Entretanto, posso assegurar-vos: como orador, ilustre e nobre confrade, vossas palavras são para mim como uma alavanca que há de me animar no sentido de pelejar, de trabalhar para a divulgação, cada vez maior, da Cidade Episcopal. Revelou-se tão generoso o orador, referindo-se sobre virtudes que talvez eu não possua. Vossas palavras serão estímulo, doravante eu irei aplicar maior parcela do meu trabalho, do meu entusiasmo, para corresponder às virtudes a mim referidas. Vossa bonita oração ficará indelével no âmago, no recôndito do meu coração, da minha própria alma. Tão sensibilizado ouvi vossa oração em que V. Exª revela manejar com destreza a arte difícil da retórica, em que V. Exª se revela possuidor da palavra fácil, fluente, arrebatadora e, sobretudo, eloquente. Obrigado, caro confrade! Agradeço-vos imensamente as referências feitas sobre mim. Agradeço a esta Academia por ter-me generosamente aceito como Acadêmico Honorário. Tudo farei para ser um bom Acadêmico Honorário. Longe de Mariana por fatores de ordem geográfica, mas próximo de Mariana por fatores de ordem sentimental, saberei, sim, meu caro confrade, transformar as observações feitas em torno de minha pessoa, em realidade contribuindo com o meu entusiasmo para exaltar a grandeza espiritual de Mariana, centro de formação humanista. 
Eu me dou melhor escrevendo do que falando. Receoso de que as palavras voem, mas certo de que os escritos fiquem, darei, logo mais, ciência do discurso que vos preparei, embora à pressa, em intervalos de trabalho. Espero que ele possa expressar meu agradecimento face a este gesto generoso dos marianenses e inclusive da Academia Marianense de Letras. No discurso que elaborei, faço uma tentativa de oferecer o meu agradecimento e ao mesmo tempo a minha amizade a todos desta Casa, aqui, neste momento, neste dia para mim altamente significativo, onde me encontro cercado de verdadeiros amigos: Dr. Elias Salim Mansur, escritor Moura Santos, Prof. Lauro Moraes, distinto cultor da História, homem de extraordinários predicados que já aprendi a admirar, além de outros que não me acodem à mente. 
Espero que o discurso que escrevi seja o fiel testemunho de agradecimento à Academia e ao gentil povo marianense. Repito-vos que me dou melhor escrevendo do que falando. Ademais, os escritos ficam... 
 
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Sensibilizou-me, fundamente, o amável convite, a mim formulado, para ingressar, na qualidade de Acadêmico Honorário, nesta ínclita Casa de Letras. Surpreendeu-me a notícia de minha convocação para integrar a Academia Marianense de Letras! 
Podemos assegurar, com toda a firmeza, que a Academia Marianense de Letras, instalada em ponto histórico deste ativo Estado da Federação, já se firma como entidade cultural de méritos inegáveis. Sabem os seus imortais componentes animar a vida literária, contribuindo para a projeção do País no terreno da Cultura da Arte e da Ciência. 
Considero o título de que me investis honra desvanecedora, porquanto jamais acalentei em meu peito pretensão altamente significativa como a que esta Casa, gentilmente, me galardeia. 
 
A Casa de Cultura onde estão instalados a Academia Marianense de Letras, a Biblioteca "Dom Silvério", o Serviço de Imprensa e Publicidade, a Secretaria e o Arquivo Social-Histórico / Crédito ao ilustrador do livro: Francisco de Souza Moraes.

 
É desnecessário afirmar que neste cenáculo de Letras, neste esplendoroso sodalício, estão congregados intelectuais de respeitável envergadura. Incentivados por um ideal cristalino, sobressaem-se como vanguardeiros da Arte Literária, mantenedores que se revelam da pira acesa, da chama inapagável do saber. Agrada-me e ao mesmo tempo me enternece, integrar a Academia de uma urbe cuja graça me atrai, cidade debruçada sobre outeiros risonhos e colinas inspiradoras. Ademais, Mariana se nos afigura um retrato fiel da tradição e dos costumes brasileiros. Baliza avançada da Civilização Mineira! Farol da cultura montanhesa! Primeira Metrópole de Minas! Célula inconfundível da Pátria, cuja formosura e relevância se unem à índole generosa, hospitaleira e adorável de seus habitantes! Celeiro de vultos insignes. Sempre enriquecido e renovado por valores que engrandeceram e engrandecem a Pátria em todas as frentes de atividades. Por este rincão passaram, deixando a marca de sua presença, em esteira luminosa, homens da estatura moral e cultural de Dom Silvério Gomes Pimenta. Apóstolo, evangelizador, sua trajetória por estas plagas iluminou os caminhos do espírito. Lembrado como Venerável Antístite, nossa imaginação parece vislumbrá-lo nos clarões do saber. Nossa imaginação parece, mesmo, encontrá-lo assumindo soluções, encaminhando iniciativas, no ministério infatigável, edificante, sublime, de seu sacerdócio. 
Mergulhada em quietude mística e confortadora — antípoda ao bulício das ciclópicas metrópoles — com praças circuladas por soberbos edifícios coloniais, Mariana faz recordar, ainda, Alphonsus de Guimaraens, o suave burilador de “Ismália”, correto sonetista do idioma, vate exponencial do Simbolismo no Brasil. Aqui viveu o Monsenhor Arcediago Alípio Odier de Oliveira, magnífica expressão do Clero Mineiro. Escritor, pesquisador da História, sua pena, de brilho inexcedível, em estilo que apaixona, soube por em relevo a figura singular, gloriosa, eminentemente brasileira de Dom Silvério: sábio e santo. 
Sinto-me orgulhoso por esta Academia em que se destaca, entre outros, um de seus patronos, o imortal maestro e musicista Antônio Miguel de Souza. Idealista na mais ampla acepção do vocábulo, entusiasta da Lira, sob cujo soído, feito de maviosas composições, os espíritos ainda se deleitam. Sua música sutil, de refinada estirpe, arpejos embaladores ao influxo de ritmos delicados, causa a sensação de conduzir nossa alma aos píncaros do Olimpo, morada em que os deuses se saciavam, fazendo a ingestão do néctar. Com razão fundada, o Padre Efraim Solano Rocha, nosso talentoso confrade, ao traçar a impressionante biografia do magistral compositor — seu patrono nesta Academia — asseverou, com muito acerto: “Como compositor não está muito abaixo de Carlos Gomes”. Comove-nos, outrossim, a existência conturbada, adversa, plena de percalços, desse êmulo de Bach. Malgrado as adversidades que lhe coroaram a existência; malgrado palmilhasse veredas juncadas de espinhos, foi um protótipo de luta constante. As obras musicais desse mestre marianense hão de continuar redivivas na alma do povo que o consagrou. 
Eis alguns dos numerosos e eminentes vultos, inesquecíveis patronos desta Casa, que honraram e enalteceram a Pátria nos diversos campos da atividade cultural. Foram, sobretudo, cidadãos de caráter íntegro, cujos sentimentos se tornaram adorno das virtudes humanas. Segundo pude apurar, perlustrando as páginas de seu passado, foram varões de inteligência lúcida, desprendidos e patriotas, que souberam conquistar, merecidamente, a admiração dos brasileiros. Em suma, serviram à Pátria talentosamente. 
Inspirado na magnitude de seus feitos, sinto-me na imperiosa obrigação de empenhar esforços com o propósito inabalável de corresponder ao título que me confere a Academia Marianense de Letras. 
Tendo por lastro minha vida de professor secundário e de colunista de um órgão de imprensa, estarei sempre pronto a renovar e redobrar minhas energias de modo a não desapontar os Acadêmicos aqui reunidos, na escalada que, decerto, juntos, vamos encetar. 
Por outro lado, eu me sinto envaidecido quando me acodem à mente as reminiscência de meu passado. Originário de meios modestos, nasci numa cidade singela do interior paulista — Boituva — nome selvagem, covil de cobras! Minha vida de criança e de adolescente pode ser resumida em duas palavras: fui criado pelos avós maternos, pois meus genitores perdi-os prematuramente. De minha avó — Esperança Sartorelli — tenho saudosa recordação. Uma grande senhora na eloquência de sua simplicidade. Italiana, no Brasil aportada com as últimas levas imigratórias do século passado, embora de limitados recursos, enfrentando, austera e digna, as dificuldades impostas pela vida, soube transmitir aos netos, entregues, face aos caprichos do destino, à sua tutela, lições inspiradas no contexto do Evangelho, que força alguma poderá destruir. Adolescente, então me transferi para a capital paulista a fim de seguir o curso secundário e, depois, o universitário. Como estudante removi empecilhos, um verdadeiro rosário de sacrifícios, mas alcancei o objetivo colimado. Eis as razões por que vos afirmo, sem constrangimento: “triunfo fácil é quase sem glória”. São esses, em linhas gerais, os traços da vida daquele que adentra, hoje, talvez imerecidamente, os umbrais desta Academia, pontilhada por homens ilustres, de irrefutável valor intelectual e, sobretudo, amantes e cultores do belo. 
Nesta célula querida da nacionalidade — Mariana — cujos primórdios de sua História coincidem com o avanço bandeirista de fins do século XVII, nesta amorável cidade a despontar, como por encanto, de colinas emolduradas por monumentos imperecíveis, monumentos que o tempo não consome e da memória não se apagam, minhas palavras cederiam embargadas se tentassem traduzir a satisfação quando os senhores me declaram Acadêmico Honorário.”
 
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EXALTAÇÃO E IMPORTÂNCIA DO LIVRO
 
“Falando perante Acadêmicos, legítimos intérpretes das mais alevantadas aspirações no vasto campo do saber. aproveito o ensejo para lembrar-vos, nesta feliz ocasião, que às Academias cabe o nobre mister de orientar considerável parcela da geração atual. Notadamente as dificuldades nas áreas políticas, econômicas e empresariais, resultam do exíguo preparo cultural de um povo. Nesse fato, caros Acadêmicos, reside a necessidade inadiável de pregarmos o hábito da leitura, objetivando a ampliação do público ledor. 
A força, o poder do livro é imensurável e está na razão direta da fé, a ponto de, em certas circunstâncias e ambientes, traçar novos rumos. É o livro o veículo certo na sedimentação da cultura, “dote que se não gasta”. Indubitavelmente, numerosas foram as obras que inundaram a face da terra e fizeram despertar, estremecer estruturas, acordando e advertindo governantes. Nos Estados Unidos, citaríamos “A Cabana do Pai Tomás”; em nosso País tivemos sugestivos exemplos na campanha abolicionista, embora fosse uma cruzada romântica, faria consagrar o poeta dos escravos, Castro Alves; o estilista e talentoso Joaquim Nabuco, Vicente de Carvalho e inclusive Mário de Andrade, a quem se atribui o mérito de inaugurar em 1922, no Brasil, o Modernismo Literário. 
É o livro o instrumento capaz de acarretar as reformas de base, sob a forma de revolução branca, de métodos, jamais sob o processo da violência que a nada conduz, senão à própria violência. Sua presença e seu intercâmbio são fatos indiscutíveis. Dele fruímos os benefícios da Civilização. Só ele nos mostra e preconiza os prodígios operados pela tecnologia, mormente nesta época em que o homem já partiu para a conquista do espaço. Traça o caminho para a renovação de estruturas arcaicas e viciadas. Indica e mostra a solução de problemas, evitando às nações tomarem rumos ignorados. Em última instância, além de informar e promover a renovação da cultura, plasma e fortalece o nacionalismo sincero, o sentimento patriótico. O bom livro, encarado em termos altos, prepara, lança os fundamentos da redenção econômica pela qual tanto lutam numerosos países. Não há negar, contribui, decidido, para derribar instituições debilitadas. Refiro-me, evidentemente, como já deixei transparecer, linhas acima, ao livro sadio, informativo, construtivo, sobretudo franco, em linguagem límpida e destemida, do valor, por exemplo, entre outros, de “Lendas Marianenses” que o Presidente desta Academia escreveu e, sem favor algum, merecedor de encômios. Além de cultivar a História, soube ele abranger com o pensamento, tudo quanto de grande os homens fizeram por Mariana e pelo Brasil.”
 
 DIÁRIO POPULAR" ASSOCIA-SE A ESTE ACONTECIMENTO 
 
“Sob o compasso ritmado de meu linguajar, algo maçante, em que transparece o sotaque característico do homem interiorano de São Paulo, ocorre-me o desejo de lembrar, neste dia para mim sugestivo, o querido “Diário Popular”. Como porta-voz desse conceituado matutino paulista, posso garantir aos preclaros Acadêmicos que ele se associa a este acontecimento. 
É o “Diário Popular" velho e tradicional órgão da imprensa deste país. É das colunas desse jornal simpático a Mariana, que estamos de bom grado, revelando aos brasileiros de São Paulo e de outros pontos do território até onde chega, a História interessante da “URBS Célula Mater” de Minas Gerais. Entendo ser, de toda conveniência, nesta ocasião, traçar aos marianenses e aos Acadêmicos aqui presentes, embora em rápidas palavras, o perfil desse matutino quase secular, bem como de sua trajetória através dos tempos. Senão vejamos: 
Foi ainda sob a Monarquia, na fase crepuscular do Império, que, em 1884, Américo de Campos e José Maria Lisboa lançavam o “Diário Popular”. Para fundar o citado jornal, instalaram suas oficinas na Rua da Imperatriz, hoje 15 de Novembro. No empreendimento desse notável mister, os exímios jornalistas aludidos deixavam, então, “A Província de São Paulo” que, proclamada a República, transformar-se-ia no “O Estado de São Paulo”. 
O “Diário Popular”, a princípio pequeno, a exemplo de todos os órgãos que surgem para a vida jornalística, mas inspirado no sentimento da lealdade, foi, com o escoar das décadas, tornando-se expressivo jornal para alcançar o conceito e a simpatia que iria desfrutar nos anos subsequentes. Hodiernamente, ele encerra a imagem viva da imprensa decente, comedida, sadiamente orientada. 
O “Diário Popular”, depositário da confiança pública, sensível aos anseios do povo, baluarte que pugna pelas causas justas, paladino da democracia, é, antes de tudo, uma sentinela de verdade. Seus redatores, habituados ao culto do respeito, irmanados num só corpo, logram fazer do órgão referido um bastião inexpugnável na defesa das lídimas aspirações populares. É, indubitavelmente, um patrimônio da História e uma réplica aos pasquins e deletérios que, no Brasil, desde os tempos da Monarquia, sempre campearam. Por conseguinte, através de suas colunas pontificaram jornalistas de nomeada: Rangel Pestana, Américo de Campos, Aristides Lobo e numerosas legiões de intelectuais. 
O “Diário Popular” constitui ainda um fato histórico porque assistiu a acontecimentos de grande importância, tais como: a Lei dos Sexagenários que preparou as bases da abolição total do cativeiro e para cuja campanha vibrou entusiasta. Concorreu, altivo, promovendo propaganda sistemática, para o advento da República, comentada, nos seus primórdios, por Aristides Lobo, em artigos que enriquecem os seus arquivos, já amarelecidos pela voragem do tempo. Em suma, o “Diário Popular” comentou e assistiu ainda ao banimento da família real; ascensão e queda de Deodoro e outros fatos magnos da nacionalidade. 
É desse tipo, é desse feitio, o jornal paulista que procura contribuir para projetar a História de Mariana no cenário nacional!”
 
À MARIANA UMA PÁGINA, PÁLIDA EMBORA 
 
 “O que já disse em resposta a cartas a mim enviadas por generosos brasileiros de Minas, deste ponto geográfico e geológico imensamente rico de nosso território, volto a repetir, hoje, com a mesma ênfase, com o coração e os olhos voltados a Mariana, tão digna de carinho, de alevantado apreço. 
Do Planalto de Piratininga, onde encontramos uma das maiores metrópoles da Terra, ouvira o Brasil as primeiras lições ministradas em língua portuguesa e de Mariana, à sombra benfazeja, mística, evocativa, lírica e sentimental de seus velhos campanários, escutaria a Pátria orações de enlevo, recitadas por veneráveis prelados, orações essas ainda ressonantes no azul satírico dos céus mineiros; de legiões de apóstolos sobre-eminentes que agora descansam, envolvidos numa auréola de santidade, ao abrigo silencioso de átrios de capelas. 
Celeiro esplêndido de homens ilustres, ninho de artistas, reduto de águias que sobrevoaram as barreiras do saber. Sé Primaz de Minas Gerais, seu lugar é irremovível no pedestal alto, no cimo da gloria! Fez e está fazendo História para gáudio das gerações. Continua como sentinela soberba e avançada da cultura montanhesa. Mariana — que tem plasmado em amálgama de rica têmpera escritores, artistas e apóstolos — receba, neste dia para mim significativo, meu carinho e minha amizade. Adventício, embora, de outro Estado, vim render-lhe, na tentativa de retribuir numerosos obséquios, meu culto de admiração e de respeito. 
Cidade de aprumados contornos. Expressiva no modelado e no arranjo que a natureza forjou ao sabor das movimentações telúricas! Sua fisionomia graciosa ameniza a aspereza do relevo, vincado pela hematita, marcado pelo manganês, em cujo sítio, assim delineado, ergue-se altaneira na massa do Itacolomi, desenhando um panorama que desperta a imaginação. Aqui palpita a hospitalidade inata, de índole própria, que se confunde com a fé inabalável, a moldar o mineiro em tipo humano incontrastável e, ao mesmo tempo, adorável no gesto e nas atitudes. Adorável na simplicidade, no jeito sereno, na excelência do trato. 
Mariana que vi, senti e de quem me enamorei, reflete o calor humano que transparece, espontaneamente, na acolhida sincera, calorosa de seus filhos. 
A este recanto, “célula máter” de Minas e eloquente da cultura brasileira, recanto em que o intemperismo dinâmico, no decurso dos milênios, esculpiu suaves elevações sobre as quais se debruçam sacros monumentos, pontilhando o céu de torres, reservo e dedico efusiva estima, emanada das forças vivas do meu coração. Sentimental cidade, adormecida à sombra dos campanários, hoje em sua Academia de Letras, receba a minha amizade — amizade que não terá a duração de uma flor! 
Caros Acadêmicos, Sr. Presidente, era o que desejava dizer-vos nesta Casa, guardiã das melhores aspirações. Era o que desejava dizer nesta Cidade, berço de varões ilustres.”
 
FILHO ADOTIVO DE MARIANA 
 
Desejoso de estabelecer a similitude entre as cidades de São Paulo e de Mariana, o Acadêmico Lauro Moraes, em rápido improviso, salientou: 
“Mariana sente-se honrada, a Academia plenamente honrada, em recebendo em seu seio uma figura do vulto de Luiz Sartorelli Bovo. Nós que privamos, de muito tempo, com o nosso eminente confrade, sabemos do quanto ele tem feito em prol da divulgação da histórica Mariana e francamente, às vezes, eu fico com inveja de ver o quanto ele sabe de Mariana. Eu tenho aprendido muita coisa em seus escritos. Ele, em sua tribuna, um dos principais e melhores jornais de São Paulo — o “Diário Popular” — que muitas vezes eu recebo, nós marianenses o recebemos sempre, pressurosos de ler a coluna "Evocando Fatos e Homens”, onde o eminente Acadêmico, homem que hoje recebemos, com grande fulgor relata os fatos desta antiga comuna mineira. Como diretor do Museu, ao me referir aos numerosos paulistanos que aqui nos visitam, tenho ouvido muitas referências a seus artigos e, através deles, muitos ficaram conhecendo Mariana; ficaram sabendo que em Mariana há tanto de bom para se ver nestes seus artigos belíssimos. É de se notar que a maioria dos que visitam nossa cidade, os nossos templos e nossos museus, pertence a São Paulo. São Paulo, sabemos que é um dos principais, digamos mesmo, o principal Estado da Comunidade Brasileira, com orgulho pôs em seu brasão "Non Ducor, Duco” — “Conduzo, não sou conduzido”. Há uma expressão antiga que diz: “São Paulo é uma locomotiva que puxa os vagões que são os outros Estados do Brasil”. Naturalmente, Mariana e Minas têm uma estreita ligação com São Paulo. Nós sabemos que de São Paulo partiram os bandeirantes que aqui aportaram, descobrindo as culminâncias do Itacolomi e, posteriormente, a Mariana, aportando em 16/07/1696, fundando a primeira cidade, a primeira comuna, a primeira vila de Minas Gerais. Nós sabemos que Mariana, apesar de pequenina, ainda simples célula, teve a honra de ter por sede a residência do primeiro governador da Capitania de Minas e de São Paulo até o ano de 1720. Daqui saiu o Conde de Assumar — D. Pedro de Almeida Portugal, o grande Conde de Assumar, que mais tarde findou seus dias como vice-rei nas Índias. Esse Conde de Assumar, quando em visita à florescente São Paulo, assistiu ao episódio impressionante de Nossa Senhora Aparecida — Padroeira do Brasil. O Conde de Assumar, hóspede em São Paulo, desejou comer peixe do Rio Paraíba e diz a lenda histórica que os pescadores jogaram várias vezes as suas redes, mas, debalde, nenhum peixe, quando de repente, a cabeça de uma imagem negra de Nossa Senhora foi pescada e depois, outra vez, o restante do corpo. É a pretinha que hoje é a imagem tosca, enegrecida pelo lodo das águas; esta pretinha imagem que é considerada e venerada em todos os recantos do Brasil, como Padroeira oficial de nossa Pátria, tanto que Mariana teve a honra e o privilégio de receber, há poucos anos atrás, para comemorar a efeméride da Coroação Pontifícia da Imagem de Nossa Senhora do Carmo, Padroeira de Mariana, não o “fac-símile", mas a verdadeira imagem de Nossa Senhora da Aparecida, trazida pelo eminente Dom Carlos de Vasconcelos Mota, que fez seus estudos em nosso tradicional Seminário e mineiro de Caeté. Essa imagem ficou exposta três dias em nossa terra, sendo alvo de carinho de toda população, bem como das cidades vizinhas. Também ponho em relevo a importância que, quando o Papa Bento XIV desmembrou as Dioceses de Minas e de São Paulo, da do Rio de Janeiro, em 07/12/1745, pela “Bula Candor Lucis Æternæ”, o Bispado de Mariana foi criado, concomitantemente, pela mesma Bula, com o de São Paulo. Na Catedral de São Paulo deve ter, ou então em algum museu de São Paulo, uma cópia exata da tela de Nossa Senhora da Assunção que hoje se encontra na sacristia da Catedral de Mariana. Foram os dois quadros feitos pelo mesmo autor, um dos quais deve ter sido levado para São Paulo, ficando outro aqui em Mariana. Como se vê, Mariana tem estreita ligação com São Paulo, portanto, em recebendo esse ilustre marianense paulistano, esse grande marianense, esse “filho adotivo de Mariana”, esse grande jornalista. Sei que Mariana se sente honrada e espera que sua Exª cada vez mais trabalhe em prol da divulgação da História de Minas que é também uma grande parcela da História do Brasil. Muito obrigado, Luiz Sartorelli Bovo pela sua aquiescência em sentir-se também honrado em se sentar numa das cadeiras dessa lídima Academia Marianense de Letras. Parabéns, e muito obrigado!”
Depois de ouvir, atentamente, o discurso pronunciado pelo Prof. Lauro Moraes, o novo Acadêmico fez ao Presidente da Casa, esta observação: “o orador foi muito feliz porque estabeleceu o paralelo entre as duas cidades baseado na fé religiosa de que São Paulo e Mariana são fortalezas indestrutíveis”. E acrescentou, ainda: “São Paulo e Minas, dois Estados: um só coração”. 
A seguir, o Presidente da Academia Marianense de Letras, seguindo as normas estabelecidas, teceu as considerações finais e deu por encerrada a solenidade. 
Era o dia 19 de outubro de 1971. Mariana ganhava um filho adotivo!
 
Fonte: o texto deste post foi extraído do livro MARIANA, BERÇO DE VARÕES ILUSTRES da autoria de BOVO, Luiz Sartorelli, da coleção EVOCANDO FATOS E HOMENS, vol. 2, cuja publicação provavelmente seja 1976, já que a data do prefácio da autoria de Waldemar de Moura Santos, presidente da AML é de 18/08/1976,  pp. 1-21.
 
* Professor com formação universitária em Geografia e História que lecionava no Liceu Coração de Jesus, no Colégio Comercial Municipal de São Paulo e no 2º G.E. da Saúde, e jornalista responsável pela coluna dominical “Evocando Fatos e Homens”, que mantinha no DIÁRIO POPULAR. Cultor da pesquisa histórica, sabia aproveitar  suas férias para buscar nos museus e cidades históricas, fatos que os livros ainda não tinham registrado. Foi membro da Academia Marianense de Letras.
 
Praça Gomes Freire: vista parcial de Mariana. À sombra de seus campanários, legiões de prelados já recitaram as mais belas orações / Crédito ao ilustrador do livro: Francisco de Souza Moraes.

 
II. NOTA DO GERENTE DO BLOG
 
Segundo [PAULA, 2008, 241], o Diário Popular foi retirado das bancas em 2001 e, após 117 anos de circulação, foi substituído pelo Diário de S. Paulo, numa operação anunciada como troca de título. Desde a sua fundação em 1884, destacam-se os períodos de altos e baixos que a publicação viveu, tendo em vista a utilização da imprensa com fins políticos. 
Link da sua monografia de mestrado intitulada “As sete mortes do Diário Popular: 117 anos de um jornal à procura de identidade”: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde-27042009-114312/pt-br.php
 
 
III. AGRADECIMENTO

À minha amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros pictóricos e fotográficos utilizados neste trabalho.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

NINFAS E DEUSAS ROMANAS RESSURGEM EM ASHKELON-ISRAEL


Por MINISTÉRIO DO TURISMO DE ISRAEL 
Transcrevemos, com a devida vênia do Ministério do Turismo de Israel, este material informativo com objetivo turístico. 
Dra. Elena Kogan-Zehavi da Autoridade de Antiguidades de Israel, que descobriu um dos túmulos há cerca de 30 anos atrás, de pé dentro de um dos sítios preservados - Foto: Emil Aladjem

O trabalho de conservação e restauração dos conservadores da Autoridade de Antiguidades de Israel - Foto: Emil Aladjem

 
As Ninfas e Deusas Ganham Vida: 
 
Pinturas de murais de beleza deslumbrante do período romano descobertas em Ashkelon são reveladas e disponibilizadas ao público pela primeira vez. 
 
Essas pinturas decorando tumbas antigos de pessoas ricas foram descobertas décadas atrás, mas poucas pessoas as viram. Agora, elas estão preservadas perto da marina da cidade por especialistas em conservação da Autoridade de Antiguidades de Israel, financiadas pela Prefeitura de Ashkelon, como parte do desenvolvimento geral das preciosidades arqueológicas da cidade. 
 
Duas tumbas abobadadas, com mais de 1.700 anos, adornadas com pinturas magníficas de personagens da mitologia grega, figuras humanas, plantas e animais, serão reveladas ao público pela primeira vez. Este trabalho resulta da ampla colaboração entre a Prefeitura de Ashkelon e a Autoridade de Antiguidades de Israel, visando desenvolver e integrar os excepcionais ativos patrimoniais da cidade em suas áreas públicas, beneficiando tanto moradores quanto visitantes. 
 
Essas antigas estruturas estão localizadas próximas à marina de Ashkelon, em uma área pública cercada por torres residenciais. O município decidiu tornar o local acessível ao público, transformando essa área anteriormente negligenciada em um convidativo jardim público que abriga os dois túmulos. Um simples vislumbre do interior dessas tumbas já é suficiente para abrir uma janela para um mundo antigo e fascinante. 
 
O prefeito de Ashkelon, Tomer Glam, diz:
“Ashkelon é uma das cidades mais antigas do mundo e, à medida que moldamos e projetamos o futuro da cidade, garantimos um lugar de honra para seu passado glorioso e rico. Nos últimos anos, fizemos uma verdadeira revolução no reino da preservação de sítios históricos. Tornamos os sítios acessíveis aos moradores da cidade e ao público em geral e, em seguida, organizamos eventos e produzimos programas educacionais, culturais e turísticos com o objetivo de conectar a história da cidade ao seu presente. Este é o momento apropriado para agradecer à vice-prefeita Miri Altit por seu abrangente trabalho profissional neste empreendimento e agradecer à Autoridade de Antiguidades de Israel por esta cooperação de tão imensa importância, ajudando-nos a posicionar Ashkelon como a Cidade das Antiguidades de Israel.” 
O sítio foi descoberto na década de 1930, a cerca de 300 metros da praia, e consistia em uma tumba abobadada preenchida de areia. A estrutura foi escavada por uma expedição britânica e datada do início do século IV d.C. Ela é composta por um salão com quatro cochos funerários adjacentes, e a passagem é ricamente decorada com uma série de pinturas impressionantes tanto pela qualidade quanto pela habilidade. Entre as representações, destaca-se Deméter, a deusa grega da terra e dos grãos. Outras imagens incluem videiras e cachos de uvas, vários tipos de folhas e galhos, e ninfas mitológicas, cujas cabeças são adornadas com coroas de flores de lótus enquanto seguram jarros de onde a água jorra. Também estão retratados diversos pássaros, veados, crianças colhendo uvas e colocando-as em cestos, além de uma figura tocando a flauta de Pã. Um dos destaques é a cabeça de Medusa, a Górgona, cuja expressão monstruosa e cabelos de serpente, segundo a mitologia grega, petrificavam aqueles que a olhavam. 
 
Outra tumba abobadada e decorada, presente no jardim público, foi realocada para o local atual a partir de outro sítio em Ashkelon na década de 1990, para garantir sua preservação. Este túmulo, descoberto durante as escavações conduzidas pela Dra. Elena Kogan-Zehavi da Autoridade de Antiguidades de Israel, data do século II d.C. No centro da estrutura, há um salão cujas paredes são adornadas com pinturas coloridas de figuras humanas, pássaros e outras imagens do mundo animal e vegetal. Ao redor do salão, há loculi abobadados onde foram encontrados caixões de chumbo, também decorados com figuras humanas, animais e vegetais. 
 
Nos últimos meses, essas estruturas e suas decorações foram preservadas por meio de um processo complexo executado por Vladimir Bitman, David Kirakosian, Alexei Ronkin e Yoni Tirosh HaCohen, especialistas do departamento de conservação da Israel Antiquities Authority. De acordo com Mark Abrahami, chefe do ramo de conservação de arte da Israel Antiquities Authority:
"Pinturas murais antigas geralmente não são preservadas no clima úmido de Israel. Como as pinturas estavam em uma estrutura relativamente fechada, ela as protegeu, até certo ponto, por décadas. Naturalmente, a exposição da tinta centenária ao ar e à umidade causou desbotamento e desgaste. Tivemos que conduzir um processo longo e sensível para interromper e reparar os estragos do tempo e do desgaste. Algumas pinturas tiveram que ser removidas das paredes para tratamento completo nos laboratórios de conservação da Autoridade de Antiguidades de Israel, até que fossem devolvidas ao local. As outras paredes da estrutura foram limpas, os pigmentos nas cores das pinturas foram acentuados e todo o edifício foi reforçado e estabilizado para preservá-lo para as gerações futuras." 
 
Nos últimos anos, a Prefeitura de Ashkelon investiu recursos consideráveis no cuidado e desenvolvimento dos sítios antigos da cidade em cooperação com a Autoridade de Antiguidades de Israel. Entre outras obras, um grande parque público foi aberto no novo bairro Wine City, com um antigo sítio industrial em seu coração. Este complexo inclui prensas de vinho e azeite, armazéns, uma casa de banhos e muito mais. Um mosaico na Yekutiel Adam Street também é conservado e preservado bem ao lado de um playground, único por incorporar elementos arqueológicos. O conhecido pátio do sarcófago, uma exibição pública de dezenas de itens impressionantes e raros encontrados por toda a cidade, foi atualizado. Uma exibição de belos artefatos antigos foi montada no Kadesh Boulevard e muito mais. 

Quando o jardim público for aberto para os próximos feriados, moradores de Ashkelon, visitantes israelenses e turistas poderão admirar e apreciar a beleza dessas pinturas raras e, assim, aprender sobre a fascinante história passada desta movimentada cidade portuária moderna. 
 
De acordo com Eli Escusido, Diretor da Autoridade de Antiguidades de Israel,
“A cidade de Ashkelon é uma das primeiras cidades em Israel que está agindo sabiamente para alavancar o enorme potencial em valores e estética incorporados em seus ativos patrimoniais. Ashkelon é um exemplo de como a integração de achados antigos no tecido urbano – em colaboração com a Autoridade de Antiguidades de Israel, de uma maneira que confere valor adicional e provoca interesse em seus espaços públicos. Estou muito satisfeito que finalmente – graças a esta valiosa cooperação com a Prefeitura de Ashkelon e ao trabalho profissional de nossos conservadores, os moradores e visitantes de Ashkelon em breve poderão desfrutar da vista impressionante e extraordinária dessas tumbas decoradas.”
 
De acordo com Mirey Altit, vice-prefeita de Ashkelon e chefe de conservação de sítios históricos no município de Ashkelon:
“Juntamente com o prefeito Tomer Glam, fizemos e continuamos a fazer uma revolução no campo da preservação de sítios históricos em nossa cidade. Juntamente com o trabalho de conservação em colaboração com a Autoridade de Antiguidades, estamos tomando o cuidado de tornar os sítios históricos acessíveis ao público em geral, desenvolver seus arredores e conduzir atividades educacionais e culturais neles. Convidamos você a vir à cidade e aproveitar tudo o que Ashkelon tem a oferecer, inclusive na esfera de antiguidades e arqueologia.
 
 
Fotografia: Emil Aladjem, Autoridade de Antiguidades de Israel 
 
1. Vídeo em hebraico. 
2. Vídeo com legendas em inglês - Link: https://youtu.be/bgHe5UJkzIU 
 
3—6. O trabalho de conservação e restauração dos conservadores da Autoridade de Antiguidades de Israel 
 
7—9. Dra. Elena Kogan-Zehavi, Autoridade de Antiguidades de Israel, que descobriu uma das tumbas há cerca de 30 anos, de pé nas tumbas após sua preservação 
10. Uma figura segurando um pavão, antes da conservação 
11. Uma figura segurando um pavão, após o trabalho de conservação da Autoridade de Antiguidades de Israel 
12. As tumbas decoradas antes do estabelecimento do parque arqueológico de Ashkelon 
13. O novo Parque Arqueológico em Ashkelon 
14. Mirey Altit, vice-prefeita de Ashkelon, no novo jardim arqueológico da cidade 
15. A figura mitológica de Medusa-Górgona na tumba pintada 
16. Figura da deusa da mitologia grega Deméter aparecendo no teto da estrutura, 
17. Filmagem completa – vídeo sem legendas e música
 
Para detalhes adicionais: 
Yoli Schwartz, porta-voz da Autoridade de Antiguidades de Israel 052-5991888 
Dana Greenblatt, porta-voz do Município de Ashkelon, 050-3057642