Por LUIZ SARTORELLI BOVO *
Aos 5/12/1971, a ACADEMIA MARIANENSE DE LETRAS, ativa entidade cultural do Estado de Minas Gerais, em sessão solene, outorgou ao Prof. Luiz Sartorelli Bovo, articulista desta folha (Diário Popular), o Título de Acadêmico Honorário. Depois de ressaltar a razão da solenidade e justificar o ingresso do novo acadêmico, o presidente do sodalício — escritor Waldemar de Moura Santos — comunicou a abertura da sessão para, em seguida, passar a palavra ao orador oficial da Casa.
ORAÇÃO OFICIAL
O discurso de saudação ao Prof. Sartorelli foi pronunciado pelo acadêmico Dr. Roque José de Oliveira Camêllo e que vamos transcrever na íntegra:
“Exmo. Sr. Presidente
Senhores Acadêmicos
Exmo. Sr. Prof. Luiz Sartorelli Bovo
Autoridades Civis e Religiosas
Meus senhores e minhas senhoras
A História é aquele complexo de fatos que marcam as pegadas do homem. No palmilhar os dias de seu tempo, o homem é o construtor da História e, portanto, o seu agente. Visto sob tal prisma, o caminheiro da humanidade é responsável pelo norteamento dos fatos que compõem a História. Eis que o homem, realizando a sua dignidade pessoal, se confunde com a própria História, que, partindo da humanidade como seu ponto ontológico, haverá de ser mãe e mestra dos tempos. Como a vida se resume em dar e receber, nós, a cada instante, estamos praticando este binômio do viver.
Tal raciocínio nos leva a meditar sobre a grave responsabilidade de cada um na construção de sua própria História, pois ninguém pode alegar que simplesmente sofreu o fato histórico, uma vez que, na realização plena da dignidade humana, nós devemos ser sinal de um tempo e não produto amorfo de um complexo social.
Meus senhores,
Estas palavras iniciais não poderiam faltar ao ensejo desta solenidade comemorativa do IX aniversário da instalação da Academia Marianense de Letras e quando se reúne esta Casa para receber, como Acadêmico Honorário, um intelectual da envergadura de um professor Luiz Sartorelli Bovo.
Hoje, passada quase a primeira década, é tempo de se perguntar por que só há 9 anos se criou em Mariana uma instituição de tal natureza!
Não, a Academia Marianense já existia há longos dias que nos separam do passado. Consultemos a tradição cultural desta Terra. Leiamos os tempos de nossa História e encontraremos nomes inúmeros ante os quais se curva a admiração de todo o Brasil.
No entanto, dispersos nos quatro cantos da grande Pátria, nem todos chegaram ao conhecimento geral.
Como foi oportuna para Mariana, Minas e o Brasil, a criação de um Centro que se dispusesse a porta-voz e guardião permanente de uma cultura!
Em razão disto, quando se nos é dado o ensejo de uma exposição a respeito, temos tido o cuidado de nos referir ao ano de 1962, como um marco indelével na História da nossa cultura.
Cumprindo o dever de construir sua História, um grupo de intelectuais, dentre eles o desembargador Prof. Cristóvão Breyner, Prof. Mesquita de Carvalho, Dr. Alphonsus de Guimaraens Filho, Dr. Pedro Aleixo, o saudoso Padre Antônio da Cruz, Dr. Elias Salim Mansur, houve por bem criar este organismo, indicando para presidi-lo o seu líder, jornalista e historiador Waldemar de Moura Santos.
Conhecendo seu alcance e sua envergadura, os Conselhos de Cultura e de Educação, as Universidades, as Academias e a Imprensa, logo se uniram à Academia Marianense de Letras, chegando o Governo do Estado e da República a distingui-la, fazendo integrar a ela, esta primeira Casa de Cultura do Brasil, dentro das normas do Ministério da Educação.
Exmo. Sr. Prof.
Luiz Sartorelli Bovo
Em razão da Academia Marianense, inúmeros são os intelectuais que, advindo das diversas partes de Minas e do Brasil, têm ocupado a tribuna desta Casa para trazer a sua sabedoria e a sua experiência, e oferecê-las à cidade primaz dos vales históricos do Ribeirão do Carmo.
Hoje, outra não poderia ser a pessoa que não a de V. Exª a ser ouvida.
Estais pisando a bissecular terra marianense que vos recebe para incorporar-vos a seu patrimônio cultural.
Viestes ter a este cenário de arte e de cultura que não pertence só a seus habitantes, mas é obra universal. Cultura e arte são dois valores incomensuráveis no espaço e no tempo.
Aqui aportastes para dar exemplo do bom brasileiro que, por patriotismo, deve conhecer estas pedras seculares, estes casarões, estes templos barrocos para sentir, de perto, um Brasil de ontem, ouvindo, no espaço sagrado do vale do Ribeirão do Carmo, as vozes inolvidáveis pelo amor e coragem com que levaram a Pátria a conquistar sua independência política.
V. Exª, Sr. Acadêmico Honorário, no exercício de vossa função no Diário Popular ¹ de São Paulo, um dos maiores matutinos deste País, fostes convocado a dar testemunho da significação histórica e patriótica deste pedaço de terra encostado nos dias do Brasil-colônia.
Sois por demais conhecido como homem de imprensa, no entanto nós vos queremos, não apenas pelo conhecimento, senão, sobretudo, como um irmão que é adotado pela História do berço da civilização destas Minas Gerais.
Temos em vossa pessoa o grande representante de Mariana na Imprensa do Estado de São Paulo.
Sabemos que sois um profundo conhecedor de nossas coisas e que devotais grande amor a esta terra.
Para assegurar-vos nossa gratidão, somaríamos à fraternidade recíproca o título com que vos alcunharemos — O CRONISTA DE MARIANA.
Eis, ilustrado confrade, as razões que levaram a Casa a aprovar, por unanimidade, o vosso nome para integrar o glorioso quadro dos Acadêmicos Honorários de Mariana.
Membro deste sodalício mineiro, Luiz Sartorelli Bovo, professor emérito e jornalista consagrado, vindes encontrar ao longo destas montanhas e destes vales, um lugar de destaque para o vosso bom gosto de admirador dos cenários representantes da tradição que viu nascer a grandeza e a esperança da nação brasileira.
Chegai, Prof. Luiz Sartorelli, a esta Casa de Cultura. Colocai aqui, para o doce descanso de vosso caminhar, os alforges de vossa vida. Serão as obras que produzistes no decurso luminoso e marcante de vossos passos.
Sois imortal porque vossas obras estão a testemunhar que o homem passa no tempo mas se perpetua em suas realizações.
Aos umbrais da primeira Casa de Cultura deste País compete guardar para a exposição permanente os vossos dons.
Vinde, Acadêmico Honorário, e, enquanto subis a tribuna da imortalidade, levai para o vosso Estado de São Paulo a admiração e a fraternidade do povo marianense.”
O NOVO ACADÊMICO ASSUME A PALAVRA
Exmo. Sr. Presidente da Academia Marianense de Letras, escritor Waldemar de Moura Santos,
Prezados Acadêmicos
Autoridades presentes
Distinta assistência que nos honra com a gentileza da atenção
É profundamente sensibilizado, mesmo enternecido, que vou tentar, em poucas palavras, agradecer a esse discurso notável, inflamado, que o nobre Acadêmico acaba de proferir. V. Exª, Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, inegavelmente, é um exímio orador, diante do qual eu me sinto apequenado. A emoção me impede de encontrar palavras que possam traduzir o meu reconhecimento, quando tece considerações inclusive em torno de minha pessoa. Nesta terra bendita, Mariana, nesta terra marcada pela passagem de vultos insignes, de vultos que mereceram, com justiça, a admiração dos brasileiros, eu acabo de ser objeto do carinho de que talvez eu não seja digno. Não consigo responder à vossa oração com melhor ênfase porque pareço sentir, neste momento, a própria fala presa à boca. Entretanto, posso assegurar-vos: como orador, ilustre e nobre confrade, vossas palavras são para mim como uma alavanca que há de me animar no sentido de pelejar, de trabalhar para a divulgação, cada vez maior, da “Cidade Episcopal”. Revelou-se tão generoso o orador, referindo-se sobre virtudes que talvez eu não possua. Vossas palavras serão estímulo, doravante eu irei aplicar maior parcela do meu trabalho, do meu entusiasmo, para corresponder às virtudes a mim referidas. Vossa bonita oração ficará indelével no âmago, no recôndito do meu coração, da minha própria alma. Tão sensibilizado ouvi vossa oração em que V. Exª revela manejar com destreza a arte difícil da retórica, em que V. Exª se revela possuidor da palavra fácil, fluente, arrebatadora e, sobretudo, eloquente. Obrigado, caro confrade! Agradeço-vos imensamente as referências feitas sobre mim. Agradeço a esta Academia por ter-me generosamente aceito como Acadêmico Honorário. Tudo farei para ser um bom Acadêmico Honorário. Longe de Mariana por fatores de ordem geográfica, mas próximo de Mariana por fatores de ordem sentimental, saberei, sim, meu caro confrade, transformar as observações feitas em torno de minha pessoa, em realidade contribuindo com o meu entusiasmo para exaltar a grandeza espiritual de Mariana, centro de formação humanista.
Eu me dou melhor escrevendo do que falando. Receoso de que as palavras voem, mas certo de que os escritos fiquem, darei, logo mais, ciência do discurso que vos preparei, embora à pressa, em intervalos de trabalho. Espero que ele possa expressar meu agradecimento face a este gesto generoso dos marianenses e inclusive da Academia Marianense de Letras. No discurso que elaborei, faço uma tentativa de oferecer o meu agradecimento e ao mesmo tempo a minha amizade a todos desta Casa, aqui, neste momento, neste dia para mim altamente significativo, onde me encontro cercado de verdadeiros amigos: Dr. Elias Salim Mansur, escritor Moura Santos, Prof. Lauro Moraes, distinto cultor da História, homem de extraordinários predicados que já aprendi a admirar, além de outros que não me acodem à mente.
Espero que o discurso que escrevi seja o fiel testemunho de agradecimento à Academia e ao gentil povo marianense. Repito-vos que me dou melhor escrevendo do que falando. Ademais, os escritos ficam...
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Sensibilizou-me, fundamente, o amável convite, a mim formulado, para ingressar, na qualidade de Acadêmico Honorário, nesta ínclita Casa de Letras. Surpreendeu-me a notícia de minha convocação para integrar a Academia Marianense de Letras!
Podemos assegurar, com toda a firmeza, que a Academia Marianense de Letras, instalada em ponto histórico deste ativo Estado da Federação, já se firma como entidade cultural de méritos inegáveis. Sabem os seus imortais componentes animar a vida literária, contribuindo para a projeção do País no terreno da Cultura da Arte e da Ciência.
Considero o título de que me investis honra desvanecedora, porquanto jamais acalentei em meu peito pretensão altamente significativa como a que esta Casa, gentilmente, me galardeia.
É desnecessário afirmar que neste cenáculo de Letras, neste esplendoroso sodalício, estão congregados intelectuais de respeitável envergadura. Incentivados por um ideal cristalino, sobressaem-se como vanguardeiros da Arte Literária, mantenedores que se revelam da pira acesa, da chama inapagável do saber. Agrada-me e ao mesmo tempo me enternece, integrar a Academia de uma urbe cuja graça me atrai, cidade debruçada sobre outeiros risonhos e colinas inspiradoras. Ademais, Mariana se nos afigura um retrato fiel da tradição e dos costumes brasileiros. Baliza avançada da Civilização Mineira! Farol da cultura montanhesa! Primeira Metrópole de Minas! Célula inconfundível da Pátria, cuja formosura e relevância se unem à índole generosa, hospitaleira e adorável de seus habitantes! Celeiro de vultos insignes. Sempre enriquecido e renovado por valores que engrandeceram e engrandecem a Pátria em todas as frentes de atividades. Por este rincão passaram, deixando a marca de sua presença, em esteira luminosa, homens da estatura moral e cultural de Dom Silvério Gomes Pimenta. Apóstolo, evangelizador, sua trajetória por estas plagas iluminou os caminhos do espírito. Lembrado como Venerável Antístite, nossa imaginação parece vislumbrá-lo nos clarões do saber. Nossa imaginação parece, mesmo, encontrá-lo assumindo soluções, encaminhando iniciativas, no ministério infatigável, edificante, sublime, de seu sacerdócio.
Mergulhada em quietude mística e confortadora — antípoda ao bulício das ciclópicas metrópoles — com praças circuladas por soberbos edifícios coloniais, Mariana faz recordar, ainda, Alphonsus de Guimaraens, o suave burilador de “Ismália”, correto sonetista do idioma, vate exponencial do Simbolismo no Brasil. Aqui viveu o Monsenhor Arcediago Alípio Odier de Oliveira, magnífica expressão do Clero Mineiro. Escritor, pesquisador da História, sua pena, de brilho inexcedível, em estilo que apaixona, soube por em relevo a figura singular, gloriosa, eminentemente brasileira de Dom Silvério: sábio e santo.
Sinto-me orgulhoso por esta Academia em que se destaca, entre outros, um de seus patronos, o imortal maestro e musicista Antônio Miguel de Souza. Idealista na mais ampla acepção do vocábulo, entusiasta da Lira, sob cujo soído, feito de maviosas composições, os espíritos ainda se deleitam. Sua música sutil, de refinada estirpe, arpejos embaladores ao influxo de ritmos delicados, causa a sensação de conduzir nossa alma aos píncaros do Olimpo, morada em que os deuses se saciavam, fazendo a ingestão do néctar. Com razão fundada, o Padre Efraim Solano Rocha, nosso talentoso confrade, ao traçar a impressionante biografia do magistral compositor — seu patrono nesta Academia — asseverou, com muito acerto: “Como compositor não está muito abaixo de Carlos Gomes”. Comove-nos, outrossim, a existência conturbada, adversa, plena de percalços, desse êmulo de Bach. Malgrado as adversidades que lhe coroaram a existência; malgrado palmilhasse veredas juncadas de espinhos, foi um protótipo de luta constante. As obras musicais desse mestre marianense hão de continuar redivivas na alma do povo que o consagrou.
Eis alguns dos numerosos e eminentes vultos, inesquecíveis patronos desta Casa, que honraram e enalteceram a Pátria nos diversos campos da atividade cultural. Foram, sobretudo, cidadãos de caráter íntegro, cujos sentimentos se tornaram adorno das virtudes humanas. Segundo pude apurar, perlustrando as páginas de seu passado, foram varões de inteligência lúcida, desprendidos e patriotas, que souberam conquistar, merecidamente, a admiração dos brasileiros. Em suma, serviram à Pátria talentosamente.
Inspirado na magnitude de seus feitos, sinto-me na imperiosa obrigação de empenhar esforços com o propósito inabalável de corresponder ao título que me confere a Academia Marianense de Letras.
Tendo por lastro minha vida de professor secundário e de colunista de um órgão de imprensa, estarei sempre pronto a renovar e redobrar minhas energias de modo a não desapontar os Acadêmicos aqui reunidos, na escalada que, decerto, juntos, vamos encetar.
Por outro lado, eu me sinto envaidecido quando me acodem à mente as reminiscência de meu passado. Originário de meios modestos, nasci numa cidade singela do interior paulista — Boituva — nome selvagem, covil de cobras! Minha vida de criança e de adolescente pode ser resumida em duas palavras: fui criado pelos avós maternos, pois meus genitores perdi-os prematuramente. De minha avó — Esperança Sartorelli — tenho saudosa recordação. Uma grande senhora na eloquência de sua simplicidade. Italiana, no Brasil aportada com as últimas levas imigratórias do século passado, embora de limitados recursos, enfrentando, austera e digna, as dificuldades impostas pela vida, soube transmitir aos netos, entregues, face aos caprichos do destino, à sua tutela, lições inspiradas no contexto do Evangelho, que força alguma poderá destruir. Adolescente, então me transferi para a capital paulista a fim de seguir o curso secundário e, depois, o universitário. Como estudante removi empecilhos, um verdadeiro rosário de sacrifícios, mas alcancei o objetivo colimado. Eis as razões por que vos afirmo, sem constrangimento: “triunfo fácil é quase sem glória”. São esses, em linhas gerais, os traços da vida daquele que adentra, hoje, talvez imerecidamente, os umbrais desta Academia, pontilhada por homens ilustres, de irrefutável valor intelectual e, sobretudo, amantes e cultores do belo.
Nesta célula querida da nacionalidade — Mariana — cujos primórdios de sua História coincidem com o avanço bandeirista de fins do século XVII, nesta amorável cidade a despontar, como por encanto, de colinas emolduradas por monumentos imperecíveis, monumentos que o tempo não consome e da memória não se apagam, minhas palavras cederiam embargadas se tentassem traduzir a satisfação quando os senhores me declaram Acadêmico Honorário.”
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EXALTAÇÃO E IMPORTÂNCIA DO LIVRO
“Falando perante Acadêmicos, legítimos intérpretes das mais alevantadas aspirações no vasto campo do saber. aproveito o ensejo para lembrar-vos, nesta feliz ocasião, que às Academias cabe o nobre mister de orientar considerável parcela da geração atual. Notadamente as dificuldades nas áreas políticas, econômicas e empresariais, resultam do exíguo preparo cultural de um povo. Nesse fato, caros Acadêmicos, reside a necessidade inadiável de pregarmos o hábito da leitura, objetivando a ampliação do público ledor.
A força, o poder do livro é imensurável e está na razão direta da fé, a ponto de, em certas circunstâncias e ambientes, traçar novos rumos. É o livro o veículo certo na sedimentação da cultura, “dote que se não gasta”. Indubitavelmente, numerosas foram as obras que inundaram a face da terra e fizeram despertar, estremecer estruturas, acordando e advertindo governantes. Nos Estados Unidos, citaríamos “A Cabana do Pai Tomás”; em nosso País tivemos sugestivos exemplos na campanha abolicionista, embora fosse uma cruzada romântica, faria consagrar o poeta dos escravos, Castro Alves; o estilista e talentoso Joaquim Nabuco, Vicente de Carvalho e inclusive Mário de Andrade, a quem se atribui o mérito de inaugurar em 1922, no Brasil, o Modernismo Literário.
É o livro o instrumento capaz de acarretar as reformas de base, sob a forma de revolução branca, de métodos, jamais sob o processo da violência que a nada conduz, senão à própria violência. Sua presença e seu intercâmbio são fatos indiscutíveis. Dele fruímos os benefícios da Civilização. Só ele nos mostra e preconiza os prodígios operados pela tecnologia, mormente nesta época em que o homem já partiu para a conquista do espaço. Traça o caminho para a renovação de estruturas arcaicas e viciadas. Indica e mostra a solução de problemas, evitando às nações tomarem rumos ignorados. Em última instância, além de informar e promover a renovação da cultura, plasma e fortalece o nacionalismo sincero, o sentimento patriótico. O bom livro, encarado em termos altos, prepara, lança os fundamentos da redenção econômica pela qual tanto lutam numerosos países. Não há negar, contribui, decidido, para derribar instituições debilitadas. Refiro-me, evidentemente, como já deixei transparecer, linhas acima, ao livro sadio, informativo, construtivo, sobretudo franco, em linguagem límpida e destemida, do valor, por exemplo, entre outros, de “Lendas Marianenses” que o Presidente desta Academia escreveu e, sem favor algum, merecedor de encômios. Além de cultivar a História, soube ele abranger com o pensamento, tudo quanto de grande os homens fizeram por Mariana e pelo Brasil.”
O “DIÁRIO POPULAR" ASSOCIA-SE A ESTE ACONTECIMENTO
“Sob o compasso ritmado de meu linguajar, algo maçante, em que transparece o sotaque característico do homem interiorano de São Paulo, ocorre-me o desejo de lembrar, neste dia para mim sugestivo, o querido “Diário Popular”. Como porta-voz desse conceituado matutino paulista, posso garantir aos preclaros Acadêmicos que ele se associa a este acontecimento.
É o “Diário Popular" velho e tradicional órgão da imprensa deste país. É das colunas desse jornal simpático a Mariana, que estamos de bom grado, revelando aos brasileiros de São Paulo e de outros pontos do território até onde chega, a História interessante da “URBS Célula Mater” de Minas Gerais. Entendo ser, de toda conveniência, nesta ocasião, traçar aos marianenses e aos Acadêmicos aqui presentes, embora em rápidas palavras, o perfil desse matutino quase secular, bem como de sua trajetória através dos tempos. Senão vejamos:
Foi ainda sob a Monarquia, na fase crepuscular do Império, que, em 1884, Américo de Campos e José Maria Lisboa lançavam o “Diário Popular”. Para fundar o citado jornal, instalaram suas oficinas na Rua da Imperatriz, hoje 15 de Novembro. No empreendimento desse notável mister, os exímios jornalistas aludidos deixavam, então, “A Província de São Paulo” que, proclamada a República, transformar-se-ia no “O Estado de São Paulo”.
O “Diário Popular”, a princípio pequeno, a exemplo de todos os órgãos que surgem para a vida jornalística, mas inspirado no sentimento da lealdade, foi, com o escoar das décadas, tornando-se expressivo jornal para alcançar o conceito e a simpatia que iria desfrutar nos anos subsequentes. Hodiernamente, ele encerra a imagem viva da imprensa decente, comedida, sadiamente orientada.
O “Diário Popular”, depositário da confiança pública, sensível aos anseios do povo, baluarte que pugna pelas causas justas, paladino da democracia, é, antes de tudo, uma sentinela de verdade. Seus redatores, habituados ao culto do respeito, irmanados num só corpo, logram fazer do órgão referido um bastião inexpugnável na defesa das lídimas aspirações populares. É, indubitavelmente, um patrimônio da História e uma réplica aos pasquins e deletérios que, no Brasil, desde os tempos da Monarquia, sempre campearam. Por conseguinte, através de suas colunas pontificaram jornalistas de nomeada: Rangel Pestana, Américo de Campos, Aristides Lobo e numerosas legiões de intelectuais.
O “Diário Popular” constitui ainda um fato histórico porque assistiu a acontecimentos de grande importância, tais como: a Lei dos Sexagenários que preparou as bases da abolição total do cativeiro e para cuja campanha vibrou entusiasta. Concorreu, altivo, promovendo propaganda sistemática, para o advento da República, comentada, nos seus primórdios, por Aristides Lobo, em artigos que enriquecem os seus arquivos, já amarelecidos pela voragem do tempo. Em suma, o “Diário Popular” comentou e assistiu ainda ao banimento da família real; ascensão e queda de Deodoro e outros fatos magnos da nacionalidade.
É desse tipo, é desse feitio, o jornal paulista que procura contribuir para projetar a História de Mariana no cenário nacional!”
À MARIANA UMA PÁGINA, PÁLIDA EMBORA
“O que já disse em resposta a cartas a mim enviadas por generosos brasileiros de Minas, deste ponto geográfico e geológico imensamente rico de nosso território, volto a repetir, hoje, com a mesma ênfase, com o coração e os olhos voltados a Mariana, tão digna de carinho, de alevantado apreço.
Do Planalto de Piratininga, onde encontramos uma das maiores metrópoles da Terra, ouvira o Brasil as primeiras lições ministradas em língua portuguesa e de Mariana, à sombra benfazeja, mística, evocativa, lírica e sentimental de seus velhos campanários, escutaria a Pátria orações de enlevo, recitadas por veneráveis prelados, orações essas ainda ressonantes no azul satírico dos céus mineiros; de legiões de apóstolos sobre-eminentes que agora descansam, envolvidos numa auréola de santidade, ao abrigo silencioso de átrios de capelas.
Celeiro esplêndido de homens ilustres, ninho de artistas, reduto de águias que sobrevoaram as barreiras do saber. Sé Primaz de Minas Gerais, seu lugar é irremovível no pedestal alto, no cimo da gloria! Fez e está fazendo História para gáudio das gerações. Continua como sentinela soberba e avançada da cultura montanhesa. Mariana — que tem plasmado em amálgama de rica têmpera escritores, artistas e apóstolos — receba, neste dia para mim significativo, meu carinho e minha amizade. Adventício, embora, de outro Estado, vim render-lhe, na tentativa de retribuir numerosos obséquios, meu culto de admiração e de respeito.
Cidade de aprumados contornos. Expressiva no modelado e no arranjo que a natureza forjou ao sabor das movimentações telúricas! Sua fisionomia graciosa ameniza a aspereza do relevo, vincado pela hematita, marcado pelo manganês, em cujo sítio, assim delineado, ergue-se altaneira na massa do Itacolomi, desenhando um panorama que desperta a imaginação. Aqui palpita a hospitalidade inata, de índole própria, que se confunde com a fé inabalável, a moldar o mineiro em tipo humano incontrastável e, ao mesmo tempo, adorável no gesto e nas atitudes. Adorável na simplicidade, no jeito sereno, na excelência do trato.
Mariana que vi, senti e de quem me enamorei, reflete o calor humano que transparece, espontaneamente, na acolhida sincera, calorosa de seus filhos.
A este recanto, “célula máter” de Minas e eloquente da cultura brasileira, recanto em que o intemperismo dinâmico, no decurso dos milênios, esculpiu suaves elevações sobre as quais se debruçam sacros monumentos, pontilhando o céu de torres, reservo e dedico efusiva estima, emanada das forças vivas do meu coração. Sentimental cidade, adormecida à sombra dos campanários, hoje em sua Academia de Letras, receba a minha amizade — amizade que não terá a duração de uma flor!
Caros Acadêmicos, Sr. Presidente, era o que desejava dizer-vos nesta Casa, guardiã das melhores aspirações. Era o que desejava dizer nesta Cidade, berço de varões ilustres.”
FILHO ADOTIVO DE MARIANA
Desejoso de estabelecer a similitude entre as cidades de São Paulo e de Mariana, o Acadêmico Lauro Moraes, em rápido improviso, salientou:
“Mariana sente-se honrada, a Academia plenamente honrada, em recebendo em seu seio uma figura do vulto de Luiz Sartorelli Bovo. Nós que privamos, de muito tempo, com o nosso eminente confrade, sabemos do quanto ele tem feito em prol da divulgação da histórica Mariana e francamente, às vezes, eu fico com inveja de ver o quanto ele sabe de Mariana. Eu tenho aprendido muita coisa em seus escritos. Ele, em sua tribuna, um dos principais e melhores jornais de São Paulo — o “Diário Popular” — que muitas vezes eu recebo, nós marianenses o recebemos sempre, pressurosos de ler a coluna "Evocando Fatos e Homens”, onde o eminente Acadêmico, homem que hoje recebemos, com grande fulgor relata os fatos desta antiga comuna mineira. Como diretor do Museu, ao me referir aos numerosos paulistanos que aqui nos visitam, tenho ouvido muitas referências a seus artigos e, através deles, muitos ficaram conhecendo Mariana; ficaram sabendo que em Mariana há tanto de bom para se ver nestes seus artigos belíssimos. É de se notar que a maioria dos que visitam nossa cidade, os nossos templos e nossos museus, pertence a São Paulo. São Paulo, sabemos que é um dos principais, digamos mesmo, o principal Estado da Comunidade Brasileira, com orgulho pôs em seu brasão "Non Ducor, Duco” — “Conduzo, não sou conduzido”. Há uma expressão antiga que diz: “São Paulo é uma locomotiva que puxa os vagões que são os outros Estados do Brasil”. Naturalmente, Mariana e Minas têm uma estreita ligação com São Paulo. Nós sabemos que de São Paulo partiram os bandeirantes que aqui aportaram, descobrindo as culminâncias do Itacolomi e, posteriormente, a Mariana, aportando em 16/07/1696, fundando a primeira cidade, a primeira comuna, a primeira vila de Minas Gerais. Nós sabemos que Mariana, apesar de pequenina, ainda simples célula, teve a honra de ter por sede a residência do primeiro governador da Capitania de Minas e de São Paulo até o ano de 1720. Daqui saiu o Conde de Assumar — D. Pedro de Almeida Portugal, o grande Conde de Assumar, que mais tarde findou seus dias como vice-rei nas Índias. Esse Conde de Assumar, quando em visita à florescente São Paulo, assistiu ao episódio impressionante de Nossa Senhora Aparecida — Padroeira do Brasil. O Conde de Assumar, hóspede em São Paulo, desejou comer peixe do Rio Paraíba e diz a lenda histórica que os pescadores jogaram várias vezes as suas redes, mas, debalde, nenhum peixe, quando de repente, a cabeça de uma imagem negra de Nossa Senhora foi pescada e depois, outra vez, o restante do corpo. É a pretinha que hoje é a imagem tosca, enegrecida pelo lodo das águas; esta pretinha imagem que é considerada e venerada em todos os recantos do Brasil, como Padroeira oficial de nossa Pátria, tanto que Mariana teve a honra e o privilégio de receber, há poucos anos atrás, para comemorar a efeméride da Coroação Pontifícia da Imagem de Nossa Senhora do Carmo, Padroeira de Mariana, não o “fac-símile", mas a verdadeira imagem de Nossa Senhora da Aparecida, trazida pelo eminente Dom Carlos de Vasconcelos Mota, que fez seus estudos em nosso tradicional Seminário e mineiro de Caeté. Essa imagem ficou exposta três dias em nossa terra, sendo alvo de carinho de toda população, bem como das cidades vizinhas. Também ponho em relevo a importância que, quando o Papa Bento XIV desmembrou as Dioceses de Minas e de São Paulo, da do Rio de Janeiro, em 07/12/1745, pela “Bula Candor Lucis Æternæ”, o Bispado de Mariana foi criado, concomitantemente, pela mesma Bula, com o de São Paulo. Na Catedral de São Paulo deve ter, ou então em algum museu de São Paulo, uma cópia exata da tela de Nossa Senhora da Assunção que hoje se encontra na sacristia da Catedral de Mariana. Foram os dois quadros feitos pelo mesmo autor, um dos quais deve ter sido levado para São Paulo, ficando outro aqui em Mariana. Como se vê, Mariana tem estreita ligação com São Paulo, portanto, em recebendo esse ilustre marianense paulistano, esse grande marianense, esse “filho adotivo de Mariana”, esse grande jornalista. Sei que Mariana se sente honrada e espera que sua Exª cada vez mais trabalhe em prol da divulgação da História de Minas que é também uma grande parcela da História do Brasil. Muito obrigado, Luiz Sartorelli Bovo pela sua aquiescência em sentir-se também honrado em se sentar numa das cadeiras dessa lídima Academia Marianense de Letras. Parabéns, e muito obrigado!”
Depois de ouvir, atentamente, o discurso pronunciado pelo Prof. Lauro Moraes, o novo Acadêmico fez ao Presidente da Casa, esta observação: “o orador foi muito feliz porque estabeleceu o paralelo entre as duas cidades baseado na fé religiosa de que São Paulo e Mariana são fortalezas indestrutíveis”. E acrescentou, ainda: “São Paulo e Minas, dois Estados: um só coração”.
A seguir, o Presidente da Academia Marianense de Letras, seguindo as normas estabelecidas, teceu as considerações finais e deu por encerrada a solenidade.
Era o dia 19 de outubro de 1971. Mariana ganhava um filho adotivo!
Fonte: o texto deste post foi extraído do livro MARIANA, BERÇO DE VARÕES ILUSTRES da autoria de BOVO, Luiz Sartorelli, da coleção EVOCANDO FATOS E HOMENS, vol. 2, cuja publicação provavelmente seja 1976, já que a data do prefácio da autoria de Waldemar de Moura Santos, presidente da AML é de 18/08/1976, pp. 1-21.
* Professor com formação universitária em Geografia e História que lecionava no Liceu Coração de Jesus, no Colégio Comercial Municipal de São Paulo e no 2º G.E. da Saúde, e jornalista responsável pela coluna dominical “Evocando Fatos e Homens”, que mantinha no DIÁRIO POPULAR. Cultor da pesquisa histórica, sabia aproveitar suas férias para buscar nos museus e cidades históricas, fatos que os livros ainda não tinham registrado. Foi membro da Academia Marianense de Letras.
Praça Gomes Freire: vista parcial de Mariana. À sombra de seus campanários, legiões de prelados já recitaram as mais belas orações / Crédito ao ilustrador do livro: Francisco de Souza Moraes. |
II. NOTA DO GERENTE DO BLOG
Segundo [PAULA, 2008, 241], o Diário Popular foi retirado das bancas em 2001 e, após 117 anos de circulação, foi substituído pelo Diário de S. Paulo, numa operação anunciada como troca de título. Desde a sua fundação em 1884, destacam-se os períodos de altos e baixos que a publicação viveu, tendo em vista a utilização da imprensa com fins políticos.
Link da sua monografia de mestrado intitulada “As sete mortes do Diário Popular: 117 anos de um jornal à procura de identidade”: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde-27042009-114312/pt-br.php
III. AGRADECIMENTO
À minha amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros pictóricos e fotográficos utilizados neste trabalho.
À minha amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros pictóricos e fotográficos utilizados neste trabalho.
4 comentários:
Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
O Blog de São João del-Rei publica a cerimônia de posse do jornalista e professor secundário LUIZ SARTORELLI BOVO em 29 de outubro de 1971. O discurso de saudação ao neoacadêmico ficou a cargo do eloquente Dr. Roque Camêllo, que tinha o dom da palavra e a retórica certa para todas as horas e eventos e, no caso em questão, fez uma peça laudatória ímpar, destacando as virtudes e o caráter do novo membro honorário da Academia Marianense de Letras. A seguir, é dada a palavra ao empossando, que fez extenso discurso, destacando principalmente que era um privilégio participar do círculo de acadêmicos ilustres marianenses, observando que já fazia pesquisas históricas há algum tempo em Mariana e que era um porta-voz da cidade mineira no jornal paulista "DIÁRIO POPULAR", onde assinava uma coluna dominical chamada "Evocando Fatos e Homens". Já se aproximando do final do seu discurso, ele ainda incluiu um trecho em que o acadêmico Lauro Moraes, então diretor do museu marianense, salientou a afinidade entre Mariana e São Paulo desde 7/12/1745, quando o Papa Bento XIV desmembrou as Dioceses de Minas e de São Paulo, da do Rio de Janeiro, tendo, através da mesma bula, criado concomitantemente o Bispado de Mariana com o de São Paulo. Antes de encerrar a cerimônia de posse, o então Presidente da Academia, Waldemar de Moura Santos, observou que "São Paulo e Minas, dois Estados: um só coração".
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/09/posse-do-academico-honorario-prof-luiz.html 👈
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Dra. Merania de Oliveira (jornalista e presidente-executiva do Instituto Roque Camêllo) disse...
Bom-dia, paz, saúde e alegria!
Muito obrigada. Sem palavras para expressar minha gratidão. Fui com Roque à residência do sr. Luiz Sartorelli Bovo. Este escreveu um artigo lindo, sobre Roque.
Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, atual Terceiro Vice-Presidente TJMG, escritor e membro do IHG-MG e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...
Viva Mariana!
Abs
Desembargador Rogério Medeiros
Terceiro Vice-Presidente TJMG
É com alegria que tomo conhecimento desse registro precioso. Só assim é possível preservar pessoas e tradições. Parabéns pelo resgate de peças e pessoas tão raras e tão queridas de nosso recente passado. A emoção daquele instante se renova. Eu era quase menino, mas estava presente. Muito obrigado, Braga.
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