Sérgio Guido, precursor da novelística em Goiás, nome pouco lembrado!
Por Ático Vilas Boas ¹
Os estudos literários têm avançado muito na terra anhanguerina, a partir da implantação do ensino universitário em Goiás, com a Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da Universidade Católica de Goiás e com a Faculdade de Filosofia (Facfil) da Universidade Federal de Goiás (1962), cujo ponto alto vem sendo vislumbrado a partir da implantação do seu Curso de Mestrado em Letras e em Ciências Humanas, posteriormente, História.
Esse curso funcionou de 1972 a 1974, no antigo e saudoso Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), então dirigido pela dinâmica Professora Doutora Lena Castelo Branco Freitas que não hesitou em estabelecer, entre o ICHL e a USP, um convênio de cooperação universitária. O primeiro coordenador do mestrado foi o Professor Doutor Cidmar Theodoro Paes. O corpo docente desse curso era constituído tão-somente de professores da USP. Em 1974, a não menos dinâmica Professora Moema de Castro Silva Olival, que tinha se doutorado na USP, assume a coordenação desse curso pioneiro, prestando um valioso serviço ao nosso ensino pós-graduacional.
Agradecemos à colega Professora Lena as informações exatas sobre a implantação dos nossos cursos de pós-graduação em Letras, permitindo-nos, dessa forma, maior fidelidade quanto ao respectivo registro histórico!
A partir desses fundamentos iniciais, os estudos literários goianos vêm-se desenvolvendo a olhos vistos, do ponto de vista quer quantitativo, quer qualitativo.
A reedição do romance O Apóstata, em tão boa hora realizada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Goiás — graças à boa vontade e ao descortino do seu presidente, o escritor Aidenor Aires — há de contribuir muito para que os futuros pesquisadores possam ter à sua disposição uma obra de difícil acesso, pois a primeira edição foi incinerada pelo próprio autor, atendendo ao pedido de um bispo, fato explicado mais adiante, quando registrarmos alguns acontecimentos surpreendentes que fazem parte da vida acidentada do escritor...
Outros precursores, no setor da poesia, já foram bem estudados por alguns historiadores da nossa literatura, embora a obra em pauta fosse mencionada, de forma peregrina, em seus valiosos estudos.
Eis aqui a delimitação do nosso estudo prefacial:
I. O AUTOR
Até bem pouco tempo, o nome de Antonio Ferreira Ribeiro da Silva, mais conhecido literariamente por meio de seu pseudônimo Sérgio Guido, estava quase esquecido em Goiás.
Nasceu a 31 de julho de 1868, na Cidade de Goiás, então capital da Província de Goiás. Era filho do Tenente Pedro Ribeiro da Silva e de Antonia Ferreira Ribeiro Silva.
Iniciou seus estudos no renomado Seminário Episcopal Santa Cruz, de sua terra natal, onde pôde adquirir sólida cultura geral, notadamente de Latim. Concluiu o Curso de Humanidades no Mosteiro de São Bento, da cidade do Rio de Janeiro. Ingressou mais tarde na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, revelando-se aluno muito brilhante. Em 12 de agosto de 1890, apresentou a tese Estudo Clínico das Dispepsias nas Crianças, sustentando-a com brilhantismo, no dia 24 de dezembro de 1890, para a obtenção do grau de doutor em medicina.
Retornando à sua terra natal, ocupou ali o honroso cargo de Secretário da Instrução Pública, elaborando, naquela época, importante plano para a reforma do ensino, considerado, sob vários aspectos, muito avançado.
Em 15 de novembro de 1891, foi eleito pelo Congresso Constituinte Vice-Presidente de Goiás, na chapa do Presidente Dr. Rodolfo Gustavo da Paixão, renunciando ao cargo por causa da reviravolta ocorrida nos arraiais da política de Goiás.
Retornando à sua terra natal, ocupou ali o honroso cargo de Secretário da Instrução Pública, elaborando, naquela época, importante plano para a reforma do ensino, considerado, sob vários aspectos, muito avançado.
Em 15 de novembro de 1891, foi eleito pelo Congresso Constituinte Vice-Presidente de Goiás, na chapa do Presidente Dr. Rodolfo Gustavo da Paixão, renunciando ao cargo por causa da reviravolta ocorrida nos arraiais da política de Goiás.
Em 1893, passou a residir em Perdões (MG), onde se casou com Carmélia de Oliveira Silva, filha de Aquiles Crisanto Pereira e Carmélia Augusta da Silva. Naquela localidade, exerceu sua profissão com pleno êxito, inclusive conseguindo grande clientela na região em volta de Perdões.
Ali ocupou a vereança e o cargo de agente executivo distrital. Redatoriou o primeiro periódico de Perdões, A Faísca, de propriedade do Coronel Beltrão da Costa Pereira.
Em 1899, realizou uma longa viagem de estudos à Europa, tomando posse como membro efetivo da Conferência Internacional de Bruxelas, para a Profilaxia da Sífilis e Moléstias Venéreas.
Em 1907, fixou residência em São João del-Rei, onde residiu durante 15 anos e ali ocupou, entre outros, os seguintes cargos: Professor de Física e Química do Instituto de Humanidades São Francisco de Assis; lente de Física da Escola de Farmácia de São João del-Rei (foi o paraninfo da primeira turma de formandos daquela instituição recém-criada); chefe da Clínica Cirúrgica da Santa Casa da Misericórdia; médico do extinto Hospital do Rosário; delegado de Higiene do Estado de Minas Gerais; inspetor escolar; inspetor sanitário; médico legista da polícia e membro do diretório do Partido Republicano Mineiro. Incansável animador cultural, teve como uma de suas ocupações prediletas a de incentivador das atividades teatrais, chegando a presidente do Clube Teatral Artur Azevedo (1918).
Uma valiosa informação biográfica que bem atesta o alto nível dos conhecimentos médicos do Dr. Ribeiro da Silva: o Aspirante Dilermando de Assis foi o autor, em circunstâncias dramáticas, da morte do notável escritor Euclides da Cunha, fato ocorrido a 15 de agosto de 1909, na residência do citado militar, no Rio de Janeiro.
Essa ocorrência desagradável, em que pereceu o eminente escritor, ficou logo conhecida como a Tragédia da Piedade (RJ), estigmatizando, para sempre, um bairro carioca de classe média.
Euclides da Cunha, ao tentar alvejar Dilermando, seu desafeto, não o conseguiu e a bala veio alojar-se na coluna vertebral de Dinorah de Assis, seu irmão e hóspede, deixando-o paralítico.
Na qualidade de militar, foi transferido para São João del-Rei, trazendo o irmão inválido. Atendendo ao pedido de Dilermando, Dr. Ribeiro da Silva examinou Dinorah, solicitando exames radiológicos e outros indispensáveis.
Com a aquiescência do paciente, foi feita na Santa Casa da Misericórdia local a cirurgia para a remoção da bala na espinha de Dinorah.
Dr. Ribeiro da Silva contou, no ato cirúrgico, com a cooperação dos conceituados médicos Dr. Francisco Lafaiete Rodrigues Pereira, mais tarde catedrático concursado da Faculdade Nacional de Medicina (RJ), e Dr. Alceste de Freitas Coutinho. A cirurgia alcançou êxito e Dinorah voltou a andar.
Na sua condição de neoiluminista, Ribeiro da Silva preocupava-se muito com tudo o que pudesse elevar o grau da instrução em nosso país, então muito carente dela. Para isso, prestigiava as manifestações relacionadas com o ensino, tendo sido paraninfo de turmas que concluíam o curso primário ou fazendo-se presente em todas as festas cívicas. Em 7 de setembro de 1922, o Dr. Ribeiro da Silva integrou a comissão que organizou o programa das grandes solenidades do centenário da Independência. O menino Belisário Leite de Andrade Neto saudou a Bandeira Nacional.
Na cerimônia de plantação de árvores, discursou o menino Tancredo de Almeida Neves, que veio a ser um político de renome nacional, culminando sua carreira como presidente da República eleito em 1985.
Antônio Ferreira Ribeiro da Silva faleceu no dia 2 de setembro de 1928, na cidade do Rio de Janeiro, deixando numerosa prole.
A edilidade de São João del-Rei homenageou-o ao batizar uma rua do centro daquela cidade com o seu estimado nome. O mesmo fez a Academia de Letras de São João del-Rei, ao fazê-lo patrono da Cadeira nº 10.
Colaborador assíduo do Brasil Médico, escreveu, em prosa e em verso, em vários periódicos. Foi médico conceituado, além de distinto clínico e teatrólogo.
De sua produção poética, destaca-se o longo poema Duas Palmeiras do Bonfim, em que soube exaltar São João del-Rei que o acolhera muito bem, embora na estrofe final se percebam as marcas de sua goianidade:
"Quando a qualquer de vós me acosta um instante
Bem nítido ouço no âmago do caule
Em rítmico pulsar, qual se ele enjaule
O nobre coração de um bandeirante."
(Janeiro de 1924)
Algumas fontes bibliográficas não permitiram que o escritor Ribeiro da Silva fosse totalmente esquecido em sua própria terra: a) Victor de Carvalho Ramos: Letras goianas, esboço histórico (1938-1968); b) Gilberto Mendonça Teles: A poesia em Goiás (1964); c) José Mendonça Teles: Dicionário do escritor goiano (2000); d) Mário Ribeiro Martins: Dicionário bibliográfico de Goiás (1999). Esta obra foi a que registrou o maior número de dados biográficos de Ribeiro da Silva, pois o seu autor é um verdadeiro escafandrista bibliográfico e merece todos os nossos aplausos! Infelizmente, Assis Brasil não o inclui em sua antologia A poesia goiana no século XX (Coleção Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Imago/Goiânia: Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira, 1997), conforme nos alertou o erudito Prof. Dr. José Augusto Carvalho (ES). Explica-se: A produção poética do Dr. Ribeiro da Silva acha-se totalmente registrada em periódicos nacionais e nunca foi transformada em livro.
II. OBRA
Victor de Carvalho Ramos, em sua desbravadora obra Letras Goianas, esboço literário (1938-1968) soube, embora de forma muito sucinta, apresentar o perfil de O Apóstata, obra pioneira de Sérgio Guido (pseudônimo do médico Antônio Ferreira Ribeiro da Silva), fruto de sua cultura polivalente. Eis como ele a perfila de forma magistral:
É a história de um rapaz que se fez padre por imposição materna, mas, não tendo vocação para o sacerdócio, mandou às urtigas a batina depois de exercer cargos eletivos e redatoriar um jornal partidário, do alto de cujas colunas metia a ridículo o povo e o próprio clero.
O livro parece um protesto contra o regime de internato e a rotina do ensino adotado nos seminários. Denuncia injustiças e preferências; critica a bisonhice mental de professores incompetentes. O autor, supomos nós, talvez em criança tenha frequentado algum educandário clerical e, na velhice, entendeu de recordar a severidade com que fora tratado. Cremos ter sido rigoroso nas suas apreciações. Em todos os colégios, leigos ou não, há bons e maus professores, atenciosos e rígidos reitores. Generalizar é cometer grave falta.
O padre Lourenço, herói da novela, vingara-se, homem feito, da carreira que o forçaram a seguir. Ao deixar o seminário, saturou-se de ideias heresiarcas e filosóficas. Leu Voltaire, Diderot, Darwin, Spencer, Rousseau, Guerra Junqueiro, Zola. O resultado foi uma apostasia para casar-se com Madalena. Era tarde. A batina estraga-lhe a vida futura. A alma já se lhe havia envenenado. Não pôde encontrar no lar a felicidade que esperava. E um dia, após assistir aos cerimoniais das Endoenças, suicida-se.
O livro de 195 páginas e 34 capítulos, não obstante pequenos senões de técnicas que o tornam um pouco monótono, contém passagens dignas de leitura." (pág. 55)
Contudo, esse lúcido exegeta não chamou a atenção dos leitores para o fato de a Academia Brasileira de Letras haver premiado a referida obra, não levando em conta algumas de suas eventuais falhas.
Seria bom não esquecer que o romance O Apóstata poderia, também, ser denominado de roman-à-clef, pois um dos protagonistas, Dom José da Silva, bispo diocesano, é a caricatura de Dom Eduardo Duarte Silva, por sinal muito antipatizado na Cidade de Goiás. Trata-se do prelado que conseguira transferir a sede da diocese vila-boense para Uberaba (MG), após vários atritos com alguns setores de sua diocese, inclusive a maçonaria local. Quem lhe esboçou um perfil muito favorável foi o historiador eclesiástico Cônego José Trindade da Fonseca e Silva, em sua alentada obra Lugares e pessoas: subsídios eclesiásticos para a história de Goiás (1948).
Pelo simples fato de se tratar de um autêntico romance-chave, acreditamos que o pseudônimo Sérgio Guido estaria propositalmente ligado ao antropônimo Guido, Marquês de Toscana (?-929), casado com Marozia, viúva do Conde de Túsculo. Em 928, esse nobre mandou estrangular, por questões políticas, o papa João X.
Uma curiosidade bibliofílica: quando lecionávamos na Universidade Federal de Goiás, durante as suas douradas primeiras décadas, entramos em contato com uma das filhas do escritor Ribeiro da Silva, residente em Niterói (RJ). Certo dia, durante nossa espichada conversa telefônica, ela nos narrou algumas peripécias da vida de seu pai, em Goiás, durante o período turbulento do governo de Floriano Peixoto, que o obrigou a exilar-se em Minas Gerais. E mais: quando seu progenitor lançou, em São João del-Rei, O Apóstata (1923), um bispo, todo paramentado, visitou o autor, ocasião em que lhe pediu insistentemente que incinerasse a edição daquela obra. O que ele fez no mesmo dia. Acontece que ela conseguira esconder, debaixo do seu colchão, um dos exemplares condenados à fogueira inquisitorial. Esse exemplar que se livrou das chamas foi-me presenteado no século passado, permitindo a presente reedição.
¹ Doutor em Letras e Professor Titular (aposentado) da UFG. Sócio Emérito do IHGG.
Ali ocupou a vereança e o cargo de agente executivo distrital. Redatoriou o primeiro periódico de Perdões, A Faísca, de propriedade do Coronel Beltrão da Costa Pereira.
Em 1899, realizou uma longa viagem de estudos à Europa, tomando posse como membro efetivo da Conferência Internacional de Bruxelas, para a Profilaxia da Sífilis e Moléstias Venéreas.
Em 1907, fixou residência em São João del-Rei, onde residiu durante 15 anos e ali ocupou, entre outros, os seguintes cargos: Professor de Física e Química do Instituto de Humanidades São Francisco de Assis; lente de Física da Escola de Farmácia de São João del-Rei (foi o paraninfo da primeira turma de formandos daquela instituição recém-criada); chefe da Clínica Cirúrgica da Santa Casa da Misericórdia; médico do extinto Hospital do Rosário; delegado de Higiene do Estado de Minas Gerais; inspetor escolar; inspetor sanitário; médico legista da polícia e membro do diretório do Partido Republicano Mineiro. Incansável animador cultural, teve como uma de suas ocupações prediletas a de incentivador das atividades teatrais, chegando a presidente do Clube Teatral Artur Azevedo (1918).
Uma valiosa informação biográfica que bem atesta o alto nível dos conhecimentos médicos do Dr. Ribeiro da Silva: o Aspirante Dilermando de Assis foi o autor, em circunstâncias dramáticas, da morte do notável escritor Euclides da Cunha, fato ocorrido a 15 de agosto de 1909, na residência do citado militar, no Rio de Janeiro.
Essa ocorrência desagradável, em que pereceu o eminente escritor, ficou logo conhecida como a Tragédia da Piedade (RJ), estigmatizando, para sempre, um bairro carioca de classe média.
Euclides da Cunha, ao tentar alvejar Dilermando, seu desafeto, não o conseguiu e a bala veio alojar-se na coluna vertebral de Dinorah de Assis, seu irmão e hóspede, deixando-o paralítico.
Na qualidade de militar, foi transferido para São João del-Rei, trazendo o irmão inválido. Atendendo ao pedido de Dilermando, Dr. Ribeiro da Silva examinou Dinorah, solicitando exames radiológicos e outros indispensáveis.
Com a aquiescência do paciente, foi feita na Santa Casa da Misericórdia local a cirurgia para a remoção da bala na espinha de Dinorah.
Dr. Ribeiro da Silva contou, no ato cirúrgico, com a cooperação dos conceituados médicos Dr. Francisco Lafaiete Rodrigues Pereira, mais tarde catedrático concursado da Faculdade Nacional de Medicina (RJ), e Dr. Alceste de Freitas Coutinho. A cirurgia alcançou êxito e Dinorah voltou a andar.
Na sua condição de neoiluminista, Ribeiro da Silva preocupava-se muito com tudo o que pudesse elevar o grau da instrução em nosso país, então muito carente dela. Para isso, prestigiava as manifestações relacionadas com o ensino, tendo sido paraninfo de turmas que concluíam o curso primário ou fazendo-se presente em todas as festas cívicas. Em 7 de setembro de 1922, o Dr. Ribeiro da Silva integrou a comissão que organizou o programa das grandes solenidades do centenário da Independência. O menino Belisário Leite de Andrade Neto saudou a Bandeira Nacional.
Na cerimônia de plantação de árvores, discursou o menino Tancredo de Almeida Neves, que veio a ser um político de renome nacional, culminando sua carreira como presidente da República eleito em 1985.
Antônio Ferreira Ribeiro da Silva faleceu no dia 2 de setembro de 1928, na cidade do Rio de Janeiro, deixando numerosa prole.
A edilidade de São João del-Rei homenageou-o ao batizar uma rua do centro daquela cidade com o seu estimado nome. O mesmo fez a Academia de Letras de São João del-Rei, ao fazê-lo patrono da Cadeira nº 10.
Colaborador assíduo do Brasil Médico, escreveu, em prosa e em verso, em vários periódicos. Foi médico conceituado, além de distinto clínico e teatrólogo.
De sua produção poética, destaca-se o longo poema Duas Palmeiras do Bonfim, em que soube exaltar São João del-Rei que o acolhera muito bem, embora na estrofe final se percebam as marcas de sua goianidade:
"Quando a qualquer de vós me acosta um instante
Bem nítido ouço no âmago do caule
Em rítmico pulsar, qual se ele enjaule
O nobre coração de um bandeirante."
(Janeiro de 1924)
Algumas fontes bibliográficas não permitiram que o escritor Ribeiro da Silva fosse totalmente esquecido em sua própria terra: a) Victor de Carvalho Ramos: Letras goianas, esboço histórico (1938-1968); b) Gilberto Mendonça Teles: A poesia em Goiás (1964); c) José Mendonça Teles: Dicionário do escritor goiano (2000); d) Mário Ribeiro Martins: Dicionário bibliográfico de Goiás (1999). Esta obra foi a que registrou o maior número de dados biográficos de Ribeiro da Silva, pois o seu autor é um verdadeiro escafandrista bibliográfico e merece todos os nossos aplausos! Infelizmente, Assis Brasil não o inclui em sua antologia A poesia goiana no século XX (Coleção Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Imago/Goiânia: Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira, 1997), conforme nos alertou o erudito Prof. Dr. José Augusto Carvalho (ES). Explica-se: A produção poética do Dr. Ribeiro da Silva acha-se totalmente registrada em periódicos nacionais e nunca foi transformada em livro.
II. OBRA
Victor de Carvalho Ramos, em sua desbravadora obra Letras Goianas, esboço literário (1938-1968) soube, embora de forma muito sucinta, apresentar o perfil de O Apóstata, obra pioneira de Sérgio Guido (pseudônimo do médico Antônio Ferreira Ribeiro da Silva), fruto de sua cultura polivalente. Eis como ele a perfila de forma magistral:
É a história de um rapaz que se fez padre por imposição materna, mas, não tendo vocação para o sacerdócio, mandou às urtigas a batina depois de exercer cargos eletivos e redatoriar um jornal partidário, do alto de cujas colunas metia a ridículo o povo e o próprio clero.
O livro parece um protesto contra o regime de internato e a rotina do ensino adotado nos seminários. Denuncia injustiças e preferências; critica a bisonhice mental de professores incompetentes. O autor, supomos nós, talvez em criança tenha frequentado algum educandário clerical e, na velhice, entendeu de recordar a severidade com que fora tratado. Cremos ter sido rigoroso nas suas apreciações. Em todos os colégios, leigos ou não, há bons e maus professores, atenciosos e rígidos reitores. Generalizar é cometer grave falta.
O padre Lourenço, herói da novela, vingara-se, homem feito, da carreira que o forçaram a seguir. Ao deixar o seminário, saturou-se de ideias heresiarcas e filosóficas. Leu Voltaire, Diderot, Darwin, Spencer, Rousseau, Guerra Junqueiro, Zola. O resultado foi uma apostasia para casar-se com Madalena. Era tarde. A batina estraga-lhe a vida futura. A alma já se lhe havia envenenado. Não pôde encontrar no lar a felicidade que esperava. E um dia, após assistir aos cerimoniais das Endoenças, suicida-se.
O livro de 195 páginas e 34 capítulos, não obstante pequenos senões de técnicas que o tornam um pouco monótono, contém passagens dignas de leitura." (pág. 55)
Contudo, esse lúcido exegeta não chamou a atenção dos leitores para o fato de a Academia Brasileira de Letras haver premiado a referida obra, não levando em conta algumas de suas eventuais falhas.
Seria bom não esquecer que o romance O Apóstata poderia, também, ser denominado de roman-à-clef, pois um dos protagonistas, Dom José da Silva, bispo diocesano, é a caricatura de Dom Eduardo Duarte Silva, por sinal muito antipatizado na Cidade de Goiás. Trata-se do prelado que conseguira transferir a sede da diocese vila-boense para Uberaba (MG), após vários atritos com alguns setores de sua diocese, inclusive a maçonaria local. Quem lhe esboçou um perfil muito favorável foi o historiador eclesiástico Cônego José Trindade da Fonseca e Silva, em sua alentada obra Lugares e pessoas: subsídios eclesiásticos para a história de Goiás (1948).
Pelo simples fato de se tratar de um autêntico romance-chave, acreditamos que o pseudônimo Sérgio Guido estaria propositalmente ligado ao antropônimo Guido, Marquês de Toscana (?-929), casado com Marozia, viúva do Conde de Túsculo. Em 928, esse nobre mandou estrangular, por questões políticas, o papa João X.
Uma curiosidade bibliofílica: quando lecionávamos na Universidade Federal de Goiás, durante as suas douradas primeiras décadas, entramos em contato com uma das filhas do escritor Ribeiro da Silva, residente em Niterói (RJ). Certo dia, durante nossa espichada conversa telefônica, ela nos narrou algumas peripécias da vida de seu pai, em Goiás, durante o período turbulento do governo de Floriano Peixoto, que o obrigou a exilar-se em Minas Gerais. E mais: quando seu progenitor lançou, em São João del-Rei, O Apóstata (1923), um bispo, todo paramentado, visitou o autor, ocasião em que lhe pediu insistentemente que incinerasse a edição daquela obra. O que ele fez no mesmo dia. Acontece que ela conseguira esconder, debaixo do seu colchão, um dos exemplares condenados à fogueira inquisitorial. Esse exemplar que se livrou das chamas foi-me presenteado no século passado, permitindo a presente reedição.
¹ Doutor em Letras e Professor Titular (aposentado) da UFG. Sócio Emérito do IHGG.
10 comentários:
Conheci o ilustre Dr.Ático pessoalmente quando de minha morada em Natal/RN. Ele era então Presidente da Comissão Nacional de Folclore. Inteligentíssimo, culto, esforçado, muito humano. Homem notável que meu espírito guarda saudades do convívio e ensinamentos. Expoente nacional nos estudos sobre os ciganos. Não poderia haver colaborador melhor para seu blog. Parabéns!
Abç.Ulisses.
Estimado Braga:
Conheço há muito tempo o prof. Ático Villas-Boas. Desde os primeiros anos do meu tempo de estudante no Rio, isto é, nos anos de 1956-1958. Foi meu professor, anos depois, de Espanhol, no curso de Letras da UFG. Tive a satisfação de indicar o nome dele para membro da Associação Nacional de Escritores. A colaboração dele no Blog de São João del-Rei será certamente muito positiva.
Abraços.
Alaor Barbosa.
Parabéns pela empreitada, meu caro.
Aquele abraço
Agradecida!
Marlene
Parabéns, Francisco.
Também, quero fazer parte!
Dhiogo Caetano
Com meu cordial e fraterno abraço, agradeço mais esta sua gentil atenção. Receba meus cumprimentos pela brilhante atuação frente as demandas culturais de Minas e do Brasil.
José Egídio
PARABÉNS, MEU AMOR! TENHO A SATISFAÇÃO DE SER SUA ESPOSA. ADMIRO O QUANTO VOCÊ É ESTIMADO POR PESSOAS RICAS NO SABER. SÓ GANHO VIVENDO NESSE MEIO INTELECTUAL.
TE AMO A CADA DIA MAIS E MAIS,
RUTE.
AGRADEÇO DE CORAÇÃO AS MENSAGENS E E-MAILS ENVIADOS COM SUBSTANCIAL TALENTO E REPRESENTATIVIDADE DA NOSSA TERRA E LITERATURA LOCAL.
PROF. JOÃO BOSCO
Parabenizo os organizadores do Blog de São João del-Rei pela aquisição de um intelectual como Prof. Ático Vilas-Boas, que marcou presença aqui no Estado de Goiás, não só como professor da UFG em que teve papel relevante, grande amigo do fundador e primeiro Reitor, e amigo meu todo especial, na labuta de nossa produção literária, como, também pelos seus livros e escritos que engrandecem a nossa Cultura. Parabéns, também ao autor de O Apóstata -Dr. Ribeiro da Silva- que mereceu o prefácio do referido professor e escritor, no seu significativo livro.
Agradeço ao sr. Francisco Braga, pela comunicação do evento. Atenciosamente, ensaísta e escritora Moema de Castro e Silva Olival-(AGL, Cad. n04 ).
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