Por Evandro de Almeida Coelho (org.) *
Versos populares de São João del-Rei publicados no jornal “Folha de Minas” de 6 de abril de 1944, coluna “Terra Mineira”:
É terra muito engraçada
este nosso São João:
há em tudo trapalhada,
em tudo contradição.
Por exemplo, nosso Horta
não dá repolho nem couve;
a rua Direita é torta,
já burro em telhado houve.
O Patrício é estrangeiro,
nem se sabe onde é nascido;
o Lobo é dócil cordeiro
e o Bento não é benzido.
Ninguém mais seco que o Banho;
o Leste mora no sul;
há Reis de todo tamanho
e nenhum de sangue azul.
O Fausto é muito singelo
e o Modesto é vaidoso;
temos muito feio o Belo
e o Cordeiro é perigoso.
Aqui Pimenta não arde,
e o Felício é caipora;
Domingos não há quem guarde
e o José Vai aqui mora.
Temos Mourão sem porteira,
Bom-Tempo com chuva embora;
não há nozes o Nogueira
e o Marinho em terra mora.
Sem água temos Ribeiros,
sem flores temos Jardim;
não dão pinhas os Pinheiros
nem os Campos dão capim.
Por insosso, o Salgado
não fala sequer comigo;
e o caso é mais complicado
se o Salvo correr perigo.
Temos Grilo, mas não canta,
nem de noite nem de dia;
e o Frango-Coisa que espanta
é dono de padaria.
Mesmo sem corte o Machado
barbas muitas corta e faz;
e o outro caso engraçado
é o Guerra viver em paz.
O que vi de mais geral,
que quase de rir desmaio,
foi assistir em abril
a ladainha de maio.
O que, porém, mais me espanta,
de tudo quanto me lembro,
foi uma Semana Santa
por um triz ser em setembro.
No dia 5 de maio, na mesma coluna, uma colaboração de Artur de Castro Borges nos diz:
"(...) Deparando-me há pouco na secção ‘Terra Mineira’ as quadrinhas curiosas alusivas a pessoas e coisas de São João del-Rei, enviadas por ‘Velho Sanjoanense’, parece-me oportuna ligeira retificação: aqueles versos são da autoria de Antonio Campos da Cunha, cuja ‘verve’, por vezes de sutil penetração e grande alcance é por demais conhecida na velha e encantadora cidade mineira. Como dessa procedência, sempre os ouvi relembrados. Não contam, também, tal anciania, o que facilmente se comprova por certos nomes citados de forasteiros residentes ali há menos de quatro decênios.”
Campos da Cunha, alma de boêmio, coração magnânimo, pertencia ao número dessas inteligências dispersivas, congenitamente avessas às chamadas ‘coisas sérias’ da vida. De sua lavra existem ainda inúmeras composições chistosas ou ferinas que lhe atestam o talento e o jeito para realçar o ridículo dos homens e das coisas. Lembra-me no momento a quadrinha com que, de improviso respondeu a uma carta escrita em inglês, por venerando professor de humanidades, seu colega de docência na Escola Normal Oficial, sempre às voltas com aperturas financeiras pedindo-lhe 5$000 (cinco mil réis).
Por motivo extraordinário
que eu lhe direi depois,
e por não ter dicionário,
traduzi “five” por dois (...)
Do mesmo Artur de Castro Borges, mais versinhos populares. Houve um preso na cadeia local, alcunhado “Busca-Vida”, preso por motivo de 23 queixas populares. Ele enviou ao delegado estes versos:
O Busca-Vida está preso,
senhor, mandai-o soltar,
que preso não busca vida
e solto a pode buscar.
E o delegado respondeu:
O Busca-Vida está preso,
preso deixai-o ficar,
pois que, preso, ele não furta,
e solto pode furtar...
É divertido correr os arquivos familiares, de vez em quando. O jovem José Leôncio Coelho começou a estudar odontologia na escola do Liceu São Gerardo, do Professor Toniquinho. Fechada a escola, foi terminar o curso na cidade de Franca — dois dias de viagem pela Oeste de Minas, Sul Mineira e Mogiana.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
* O texto acima foi lido por Evandro de Almeida Coelho no Sarau da Biblioteca em 24/02/2013.
Autores: Artur de Castro Borges; Antonio Campos da Cunha.
Notas, comentários e pesquisa: Prof. Evandro de Almeida Coelho.
Versos retirados de: Jornal "Folha de Minas", 06 de abril de 1944, col. "Terra Mneira".
Autores: Artur de Castro Borges; Antonio Campos da Cunha.
Notas, comentários e pesquisa: Prof. Evandro de Almeida Coelho.
Versos retirados de: Jornal "Folha de Minas", 06 de abril de 1944, col. "Terra Mneira".
3 comentários:
O Blog de São João del-Rei reproduz, nesta data, o texto que foi lido pelo PROF. EVANDRO DE ALMEIDA COELHO (org.) no Sarau da Biblioteca Municipal Baptista Caetano de Almeida em 24/02/2013. Os versos são plenos de chiste e brevidade.
Segundo a psicanálise clínica, chiste não é anedota; é breve. O máximo de sentido para um mínimo de suporte. Devido a tais características, o chiste deve conter graça e causar surpresa. O resultado é a hilaridade e o riso.
Caro amigo Braga,
Muito interessante! Apreciamos os versos bem inspirados, repletos de graça e fina ironia.
Abraços, Mario.
Muito interessantes os versos relativos a pessoas e sobre nomes da cidade. Fiquei feliz com o comentário sobre o "Liceu São Gerardo" de meu avô Antoniquinho.
Obrigada, caro amigo,
Maria Carla
Postar um comentário