Por Samuel Belk
Este trabalho apareceu originalmente in Il Girasole: Bollettino informativo e culturale della Scuola Italiana «Eugenio Montale», Anno 7, nº 15, Dicembre 2009, p. 12-3. *
Hitler
e Goebels promoveram a doutrina nazista, cujo objetivo era propagar a idéia de
uma raça pura, da qual os alemães seriam descendentes e transformando como alvo
principal os judeus que representariam, numa escala decrescente, uma raça
inferior.
Na década de 30, os nazistas iniciaram as primeiras discriminações
contra os judeus alemães, afastando professores das universidades, proibindo-os
de exercer funções públicas, exercer atividades comerciais, profissões
liberais, inclusive a medicina, e ainda de frequentar lugares públicos, manter
telefones e rádios em suas residências e outras consideradas inimagináveis para
um país civilizado e em pleno século XX.
Em 15 de novembro de 1935 foram
editadas as Leis de Nuremberg, que proibiam os judeus de realizar matrimônios
com alemães a fim de preservar a "pureza do sangue ariano". A transgressão era
punida com a morte. Todos os estabelecimentos judeus foram confiscados e
entregues a comissários alemães, privando-os assim de toda e qualquer
sustentação econômica.
Por volta de 1938, membros das SS e grupos nazistas
deram início a uma série de "pogroms" em toda a Alemanha, com incêndio de
sinagogas, casas comercias, depredação e saque de residências judaicas, prisões
e segregação de judeus em guetos. Foram destruídas cerca de 7.500 lojas e fábricas no
que resultou em 90 mortes e centenas de feridos. Nesta ocasião milhares de
judeus conseguiram emigrar, mas não puderam levar nenhum de seus bens,
despojados que foram pelos alemães, tendo emigrado com a coragem e a roupa do
corpo.
No dia 1º de setembro de 1939 eclodiu a Segunda Guerra Mundial, como
parte do plano de expansão da Alemanha e de domínio do mundo, projeto de um
psicopata do qual até então os países europeus não tinham tomado conhecimento.
Os nazistas iniciaram seus primeiros ataques contra a Polônia. Uma semana
antes, a Alemanha tinha assinado um pacto de não agressão com a União Soviética,
onde ficou firmado que a Polônia seria dividida entre os dois parceiros.
Após a agressão à Polônia e, quando se deram conta da queda deste país e seu significado, a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha em 3 de setembro de 1939. Os nazistas tomaram sem muito esforço a Noruega, a Bélgica, a França, e logo em seguida a Bulgária, a Iugoslávia e também a Grécia.
Após a agressão à Polônia e, quando se deram conta da queda deste país e seu significado, a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha em 3 de setembro de 1939. Os nazistas tomaram sem muito esforço a Noruega, a Bélgica, a França, e logo em seguida a Bulgária, a Iugoslávia e também a Grécia.
Em junho de
1941, a Alemanha declarou guerra à União Soviética. Imediatamente tomou posse
da outra metade da Polônia e avançou em uma grande extensão do seu território
tendo alcançado a cidade de Tula, situada a 25 quilômetros de Moscou. Com a
dominação quase total dos países europeus, inclusive de toda a Polônia e ainda
parte da União Soviética, os nazistas tomaram em suas mãos a maioria dos judeus
da Europa e iniciaram progressivamente a colocar em prática seu plano sinistro
de aniquilamento desta população.
Nos países dominados, os nazistas iniciaram
um verdadeiro terror contra a população judaica. Foram organizados "pogroms", com
assassinatos indiscriminados, perseguições, pilhagens de bens e destruição de
sinagogas.
Logo eles começaram a concentrar os judeus em locais restritos para maior facilidade de controle. Assim criaram os guetos, em grandes cidades polonesas, em bairros paupérrimos, para onde levaram também judeus trazidos de outros países ocupados da Europa.
Logo eles começaram a concentrar os judeus em locais restritos para maior facilidade de controle. Assim criaram os guetos, em grandes cidades polonesas, em bairros paupérrimos, para onde levaram também judeus trazidos de outros países ocupados da Europa.
A vida nos guetos tornou-se insuportável
pelas precárias condições de higiene, desordem, excesso de população, falta de
alimentos e de fontes de sustento. Assim, por exemplo, no gueto de Varsóvia,
criado em novembro de 1939, foram concentradas 500.000 pessoas, onde cabiam somente 35.000, em
condições normais de habitação.
Esta primeira fase consistiu na exploração de
mão de obra escrava para a indústria nazista, além de um aniquilamento lento
das pessoas através da fome, doenças, frio e simples assassinatos efetuados ao
acaso.
Numa segunda fase os judeus foram transferidos dos guetos para os Campos
de Concentração. Estes eram constituídos de enormes barracões de madeira em
terrenos dotados de cercas de arame farpado eletrificadas. Nesta ocasião os
judeus eram despojados de suas roupas, sapatos e a maioria dos objetos
pessoais, recebendo um uniforme tipo presidiário e a tatuagem de um número no
braço, que servia de identificação.
A terceira fase, conhecida como a "Solução
Final", foi a transferência para os Campos de Extermínio onde as pessoas eram
assassinadas mediante a utilização de gases tóxicos e incineradas em fornos
crematórios.
AS CANÇÕES DO GUETO
De um modo geral, as canções que surgiram nos séculos XVIII, XIX
e no começo do século XX podem ser classificadas como: canções de amor,
pobreza, dramas pessoais, alegria, esperança por dias melhores, tragédias,
costumes, emancipação da mulher, canções de ninar, perseguições sofridas e
outras.
Entretanto as canções produzidas nos guetos, no século XX, foram de
temática mais restrita, uma vez que refletiam a vida limitada que os judeus aí
levavam, descrevendo assuntos como: superpopulação, falta de alimentos,
anormalidades, humilhações, canções sarcásticas, bem como de esperança por dias
melhores.
Este macabro programa de um poder militar organizado, numa brutal
guerra contra uma população de milhões de pessoas desarmadas, é revelada em
centenas de canções escritas por homens, mulheres, crianças, velhos e jovens
num desesperado esforço de sobreviver.
Assim, o que restou mesmo, foram as
canções, através das quais os judeus nos transmitiram sua coragem, sua luta
pela sobrevivência e seus anseios de vida.
A CONFERÊNCIA DE WANNSEE
Em 20 de janeiro de 1942 a alta
cúpula nazista se reuniu em Am Gossen Wannsee, num subúrbio de Berlim, na
conhecida Conferência de Wannsee, para decidir o modo operacional de
implantação da assim chamada "Solução Final". O triste significado das duas
palavras era simplesmente o extermínio total da população judaica, de acordo
com as ordens do Führer.
A reunião não durou mais do que
uma hora e meia, em seguida foram servidos drinks e almoço. “Uma íntima reunião social”, como a
consideraram os chefes nazistas, destinada a fortalecer os contatos pessoais,
necessários para implementação do “grandioso” programa. O termo Solução Final foi por eles utilizado
como regra de linguagem, para encobrir, diante da opinião pública mundial e das próprias
vítimas, os termos extermínio, assassinato ou eliminação.
De acordo com as diretrizes
traçadas nesta Conferência, em setembro deste mesmo ano, os nazistas iniciaram
a deportação das crianças com menos de dez anos e dos anciãos com mais de
sessenta e cinco anos de idade, do gueto de Łódź, para os campos de
extermínio.
Um observador do gueto de Łódź
escreveu em 16 de setembro posteriormente à deportação:
“A evacuação das crianças e dos
anciãos se tornou uma triste realidade. A retirada das pessoas de suas casas,
filhos arrancados das mães, e pais, dos filhos, foi executada por ordem do chefe
nazista Bibow. As crianças eram carregadas em carretas puxadas por cavalos.
Eles nunca tinham visto cavalos de verdade e esperavam um passeio alegre.”
Muitas crianças se salvaram
utilizando esconderijos. Outras foram levadas por suas mães para fora do gueto
e entregues a orfanatos ou famílias polonesas, instruídas para esquecerem seus
nomes judaicos e se manterem discretas. Muitas vezes eram abandonadas à própria
sorte junto à porta de casas polonesas.
Este trágico acontecimento foi
descrito numa canção, “Uma Criança Judia”, de autoria de Chana Weinstein, uma
sobrevivente dos campos de concentração.
Chana Weinstein (☆ ca. 1899, Hrytsiv-Ukrânia ✞ 23/01/1973, Cuyahoga County, Ohio) |
UMA CRIANÇA JUDIA
A Yiddish Kind
A Yiddish Kind
Num povoado lituano distante
In a litvish derfl vait
Há uma casa isolada.
Shteit a shtibl in a
zait.
Através de uma janela pequena
Duch a fenster nit
kein grois
Crianças observam a rua,
Kukn kinderlech arois,
Meninos com mentes vivas,
Ingelech mit flinke
kep,
Meninas com tranças loiras,
Meidelech mit blonde
tzep,
E lá junto com eles
Und tsuzamen dort mit
zei
Dois olhos negros observam.
Kukn oign shvartse
tsvei.
Olhos negros cheios de charme,
Shvartse oign ful mit
chein,
Tem um nariz pequeno,
Hot a nezele a klein,
Lábios prontos para beijar,
Lipelech tzum kushn
nor,
Cabelos pretos e ondulados,
Shtark gelokte shvatze
hor,
A mãe o trouxe aqui
S’hot di mame im
gebracht
Envolto na escuridão da noite,
Aingeviklt in der
nacht,
Beija-o fortemente e lamenta,
Shtark gekusht un
geklogt,
Ela lhe diz baixinho:
Shtilerheit tzu im
gezogt:
Aqui meu filho, será tua morada,
Do main kind, vet zain
dain ort,
Preste atenção na palavra de tua mãe
Her je tzu dain mames
vort
Eu te escondo aqui, porque
Ich bahalt dich do
derfar,
Sua vida se acha em perigo,
Vail dain lebn drot
gefar,
Brinque tranqüilo com estas crianças,
Mit di kinder shpil
zich fain,
E permaneça quieto e comportado,
Shtil gehorchzam
zolstu zain,
Nem mais uma palavra iídiche ou canção
Mer kein idish vort,
kein lid
Porque você não é mais judeu.
Vail du bist nit mer
kein id.
A criança pede insistentemente para ela:
Bet zich shtark dos
kind bai ir
Mãe, quero somente ficar com você
Mame, ch’vil nor zain
mit dir
Não me deixe aqui sozinho
Loz nit iber mich
alein
A criança desaba num choro.
S’kind fargeit zich in
gevein.
Ela lhe dá muitos beijos
Git zi kushn im a sach
Porém não adianta nada
Ober s’helft ir nit
kein zach
A criança protesta: - não e não
S’kind nor
tained: - nein un nein
Não quero ficar aqui sozinho
Ch’vil nit blaibn do
alein.
Ela o toma nos braços,
In di orems nemt zi
im,
E com suavidade de sua voz
Un mit veichkeit in ir
shtim
Ela canta: filhinho meu
Zingt zi: ingele du
main,
E assim ela o adormece,
Un zi vigt im azoi
ain.
Depois disso chora à vontade
Noch dem veint zi frai
zich ois
E então ela abandona a casa
Un zi tret fun shtub
arois
Cheia de preocupação e medo
Ongefilt mit zorg un
shrek
E desaparece no meio da noite.
Un zi geit in nacht
avek.
Lá fora faz frio e
venta,
Kalt in droisn un a
vint,
Ouve-se uma voz: Oh!
meu filho,
Hert a kol zich: oi
main kind,
Deixei- te em mãos
estranhas,
Dich gelost oif fremde
hent,
Eu não tinha outra
solução.
Andersh hob ich nit
gekent.
Vai a mãe, falando
sozinha,
Geit a mame, mit zich
redt,
E lá fora é tarde e
faz frio,
Un in droisn-kalt un
shpet,
O vento lhe bate no
rosto
S’veit in punem ir der
vint-
“Deus, proteja meu
único filho”
“Got, bashits main
eintsik kind”
Casa estranha cheia de
gente,
Fremde shtub mit
mentshn fil,
O menino permanece
mudo e quieto,
S’ingele iz shtum un
shtil,
Não fala, não pede,
não tem desejos,
Redt nit, bet nit, vil
kein zach,
Raramente ele dá um
sorriso,
Zeltn ven er tut a
lach,
Não há dia e nem noite
para ele,
Nit kein tog un nit
kein nacht,
Não dorme e nem fica
acordado.
Nit er shloft un nit
er vacht.
Vasilko, um nome
estranho
Vasilko, a nomen fremd
Que lhe faz doer o
coração.
Oif zain hertsl drikt
un klemt.
A mãe anda meio
perdida,
Mame voglt vu arum,
Calada, como seu
Iossele,
Vi ir Iossele oich
shtum
Ninguém a conhece nem
se preocupa,
Keiner veist nit,
keinem art
Ela espera, espera,
espera...
Un zi vart, un vart,
un vart...
A Yocheved ela se
assemelha,
Tsu Yocheved iz zi
glaich
Que deixou Moisés no
rio
Vail vi Moishe oifn
taich
Sozinho, desamparado
ao vento
Elnt, ainzam oifn vint
E perdeu seu único
filho.
Iz farlozt ir eintzik
kind.
Ouça e assista ao vídeo com "A Yiddish Kind" in
https://www.youtube.com/watch?v=Nn0tvmMmS-Y
* Este trabalho de Samuel Belk, que foi aqui reproduzido, foi extraído de
http://docplayer.com.br/1696069-Carissimi-soci-e-amici-dell-eugenio-montale.html.
10 comentários:
Li há algum tempo, in Il Girasole: Bollettino informativo e culturale della Scuola Italiana “Eugenio Montale”, Anno 7, n. 15, Dicembre 2009, p. 12-3, um texto em português intitulado "O Holocausto e as Canções do Gueto".
Em 03/06 convidei o autor, SAMUEL BELK, a transcrever o mesmo texto no Blog de São João del-Rei. Em 30/08 recebi sua resposta, na qual não só aceitou ser colaborador, mas também recebi dele o entusiasmado incentivo para divulgar o seu trabalho "cujo assunto é muito importante".
Por isso, tenho o prazer de dar as boas vindas ao novo colaborador com os votos de que venha a colaborar com novos trabalhos que engrandecem e enriquecem o blog.
Muio bem!
Recebido.
Obrigado pela visão humanitária de Vossa Senhoria!
Muito agradecido pelo envio. Fernando Teixeira
Boa tarde, professor.
Coincidentemente, há uns anos atrás, fiz um curso para professores de História na "B'nai B'rit" de São Paulo cuja temática era exatamente o das crianças judias em campos de concentração nazistas, bem como as canções e atividades artísticas que se desenvolveram ali e marcaram esse terrível drama.
Excelentes o envolvente relato de Samuel Belk e a iniciativa da transcrição do poema da canção. Muito importante mesmo a sua publicação.
Muito obrigado.
Francisco José dos Santos Braga, parabéns. Você continua garimpando no mundo da cultura e da história da humanidade e trazendo um forte enriquecimento da cultura são-joanense. Nos infla de orgulho ter o prazer de conviver com você e ler o que seu Blog publica.
Sinto tremores quando leio a trajetória assassina do governo nazista de Hitler, particularmente em relação à perseguição aos judeus. Belo artigo, sem dúvida e bela canção.
Muito bem. Parabéns.
Muito bom. Abraços. Ozório Couto
Há alguns anos fiz mestrado na USP. No trabalho apresentado e aprovado há muita matéria interessante que possa lhe interessar. O trabalho se acha na internet com autorização de reprodução pública.
Para acessá-lo basta digitar no Google meu nome completo: Samuel Bynem Belk.
Eng. Samuel Belk
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