Como gerente do Blog de São João del-Rei, faço uma ressalva de que me move apenas o desejo de divulgar a obra de um pesquisador baiano, desconhecido na atualidade e pouquíssimo referenciado em trabalhos de pesquisa, cuja edição atingiu apenas uma centena de exemplares, conforme estampado no início do livro: "Desta edição foram tirados 100 exemplares encadernados em luxo, numerados e rubricados pelo autor." Em busca de dados biográficos e fotografia de Julimar Cardoso, vasculhei o Google e não obtive resultado favorável. Recorri ainda à colaboração da bibliotecária Hozana Azevedo da Universidade Federal da Bahia que debalde tentou localizar o registro biográfico dele, bem como seu nome na Biblioteca Pública do Estado da Bahia no setor de documentação baiana e no dicionário de escritores baianos. Assim sendo, decidi apresentar aqui o texto do Sr. Percy E. Cardoso, então diretor do Arquivo, Divulgação e Estatística da Prefeitura Municipal do Salvador, que foi o prefaciador do livro "No País de Ulisses (Uma História da Literatura Grega)" da autoria de Julimar Cardoso, por ter feito ligeiras referências a alguns dados biobibliográficos desse escritor. Embora não mencione a data de nascimento e a naturalidade do escritor (bem sabemos tratar-se de baiano), nem tampouco seus ascendentes, considerei que os dados biográficos que Sr. Percy oferece são melhores do que nada. No entanto, muito é dito pelo prefaciador sobre o caráter do homenageado, escritor, ensaísta e filólogo Prof. Julimar Cardoso. Por isso, achei que o prefácio do Sr. Percy (pp. VII-XIII do livro) pode perfeitamente substituir o currículo, quiçá existente, do colaborador Julimar Cardoso, enquanto providencio alguma sua fotografia para futura postagem.
Crédito pela foto quando contava 33 anos de idade: Lisandro Pavie Cardoso, filho do homenageado, o qual me enviou esse registro fotográfico em 04/06/2020 |
Finalmente, alerto o leitor para o fato de ter mantido a grafia de época no texto abaixo e nos dois capítulos do livro de Julimar Cardoso sobre música e formas líricas na Grécia antiga. Também, destaquei no texto algumas palavras-chave, para as quais entendi que o grifo poderia dar-lhes maior relevo na exposição.
Logo no início do prefácio, Sr. Percy grava de forma definitiva na mente do leitor a vontade férrea de Julimar, ainda em tenra idade:
PREFÁCIO
Subiu os degráus estreitos da escada do sotão, onde iria passar longos anos em penoso trabalho de auto-didatismo e penetração humanística na cultura dos clássicos, ao lado do estudo das línguas vivas. E, para surpresa geral, na família, isolou-se, em reclusão de ascéta, entre as paredes velhas e silenciosas de uma agua-furtada, trocando a alacridade e a diversão das ruas pela quietude do retiro espontâneo.
Havia tomado essa resolução “para poder estudar” - como explicou sucintamente aos irmãos - mergulhando, dali por diante, no estudo paciente, atividade que lhe exigiria vontade férrea, à medida que o tempo corresse e toda a família, passada a estranhêsa dos primeiros dias, relegasse ao plano das coisas rotineiras o seu isolamento de ermitão.
A Segunda Grande Guerra eclodiu, atormentando as mãis, arrastando ao morticínio homens de todas as patrias, levando às ruas jovens inflamados, em comicios que longe estavam de apresentar, aos espiritos moços eletrizados pelos ideais revolucionários, o quadro real de chacina e desgraça, nas terras-de-ninguem, onde Marte e a Parca horrenda, em nupcias de sangue e fogo, roubavam aos lares do mundo inteiro vidas preciosas, espalhando por entre os que ficaram na "frente interna" a dôr, a fome e a orfandade. Veio o armisticio, depois a bomba atômica e a rendição japonesa. Outra vez o povo saiu às ruas, celebrando, na sua ingenuidade universal e eterna, a fantasia de uma vitoria quimérica e uma paz utópica.
Nada, porém, lográra desviar dos livros a atenção do jovem que aumentava sua bibliotéca na razão diréta do seu encantamento por um outro mundo, o mundo de belezas, de arte, de cultura e de verdades impereciveis que aquelas páginas amigas e generosas lhe iam revelando, já agora noite a dentro, pois muito havia ainda a caminhar, e o tempo fugia, célere...”
Sobre a aptidão do escritor para o aprendizado de línguas, Percy dá o seguinte testemunho sobre o longo percurso dos estudos solitários do escritor:
“Primeiro recorreu à França Eterna, indo buscar-lhe, no idioma, o acésso às boas gramaticas latinas e gregas, e na literatura os monumentos perenes do pensamento humano. Depois, passou à patria de Byron, acompanhou as torturas românticas de Werther e afogou-se nos versos de Heinrich Heine e August Bürger, vibrou com Dante e Leopardi, riu com Cervantes e encorajado pelo êxito no estudo dos outros idiomas, chegou a realizar traduções de Pushkin e dos prosadores árabes, nas crestomatias de Berlitz e de Asin y Palacios - trabalhos que insiste em conservar inéditos. As penas e dificuldades desses primeiros anos de aprendizado corajoso e metódico podem ser avaliadas, em um meio onde, ainda hoje, os eruditos se fecham em torres de marfim e os medalhões quasi sempre afastam, com o espantalho da sua empafia, os novos que teem sêde de saber.
Tudo isso passou despercebido de todos nós, que o cercávamos no âmbito da familia, por muito tempo. Pois êle nos dispensava uma linguagem monossilabica, lacônica, reservando os transbordamentos de suas emoções e a revelação dos seus sentimentos para os seus amigos da Antiguidade clássica.”
“Primeiro recorreu à França Eterna, indo buscar-lhe, no idioma, o acésso às boas gramaticas latinas e gregas, e na literatura os monumentos perenes do pensamento humano. Depois, passou à patria de Byron, acompanhou as torturas românticas de Werther e afogou-se nos versos de Heinrich Heine e August Bürger, vibrou com Dante e Leopardi, riu com Cervantes e encorajado pelo êxito no estudo dos outros idiomas, chegou a realizar traduções de Pushkin e dos prosadores árabes, nas crestomatias de Berlitz e de Asin y Palacios - trabalhos que insiste em conservar inéditos. As penas e dificuldades desses primeiros anos de aprendizado corajoso e metódico podem ser avaliadas, em um meio onde, ainda hoje, os eruditos se fecham em torres de marfim e os medalhões quasi sempre afastam, com o espantalho da sua empafia, os novos que teem sêde de saber.
Tudo isso passou despercebido de todos nós, que o cercávamos no âmbito da familia, por muito tempo. Pois êle nos dispensava uma linguagem monossilabica, lacônica, reservando os transbordamentos de suas emoções e a revelação dos seus sentimentos para os seus amigos da Antiguidade clássica.”
Deixando a sua reclusão voluntária, Julimar reapareceu ao convívio dos seus e da sociedade em geral, agora portando esta sua obra:
“Até que adulto, resolveu descer aqueles mesmos degráus e sair para a vida prática, ressentindo-se embora da experiência que o seu pouco intenso trato com os homens não lhe permitira adquirir, mas senhor de uma bagagem de conhecimentos, que a sua modestia não o deixava revelar, todavia.
De volta ao mundo de injustiças, cupidez e entredevoramento, dedicou dois longos anos à redação final desta obra, menos por interesse economico imediato do que pelo idealismo de aproximar da cultura helênica quantos o quizessem, pelas paginas de um trabalho cujo valor está na simplicidade mesma com que traz ao leitor menos erudito aspectos pouco divulgados da obra dos filósofos e artistas gregos, da Ilíada e da Odisséa, dos primordios da civilização da velha Hellade, de Creta e sua história lendária.
Se outro mérito não encontrar a crítica desapaixonada neste livro, terá de reconhecer-lhe o proposito despretencioso de divulgação que moveu o seu autor, em quem não gerou a cultura esse egoismo infelizmente encontradiço na maioria dos nossos homens de letras que, do seu patrimônio cultural, reservam uma parte, escondem-na, quais avarentos, constituindo-a finalmente em tabú. Pois, ai de quem pretenda saber tudo o que êles sabem!...”
“Até que adulto, resolveu descer aqueles mesmos degráus e sair para a vida prática, ressentindo-se embora da experiência que o seu pouco intenso trato com os homens não lhe permitira adquirir, mas senhor de uma bagagem de conhecimentos, que a sua modestia não o deixava revelar, todavia.
De volta ao mundo de injustiças, cupidez e entredevoramento, dedicou dois longos anos à redação final desta obra, menos por interesse economico imediato do que pelo idealismo de aproximar da cultura helênica quantos o quizessem, pelas paginas de um trabalho cujo valor está na simplicidade mesma com que traz ao leitor menos erudito aspectos pouco divulgados da obra dos filósofos e artistas gregos, da Ilíada e da Odisséa, dos primordios da civilização da velha Hellade, de Creta e sua história lendária.
Se outro mérito não encontrar a crítica desapaixonada neste livro, terá de reconhecer-lhe o proposito despretencioso de divulgação que moveu o seu autor, em quem não gerou a cultura esse egoismo infelizmente encontradiço na maioria dos nossos homens de letras que, do seu patrimônio cultural, reservam uma parte, escondem-na, quais avarentos, constituindo-a finalmente em tabú. Pois, ai de quem pretenda saber tudo o que êles sabem!...”
Do justo e merecido orgulho que Julimar deveria estar sentindo pela sua realização intelectual, Percy dá seu testemunho, embora de diversa natureza:
“Não fez essa vaidade pouso na personalidade do autor deste livro. Antes, modestia excessiva tem-lhe prejudicado a vida. Professor secundário de literatura e lingua grega e inglesa, no Colegio Estadual da Bahia, onde entrou por provas públicas, jamais o acusaram os alunos de hermetismo, embora nem uma só vez houvesse feito alusão aos seus conhecimentos, sobretudo no campo filológico. Baldo de jactância e de orgulho, sempre tem procurado responder ao que lhe perguntam, sem referência ao que conseguiu aprender e como o fez. E bem que poderia dizer, ao menos, que leu dois mil versos da Ilíada, no original, em uma noite! Ou que intensificou seus estudos do latim para traduzir Doehner, na Coleção Didot, comparando os textos originais a tradução de filologos ingleses, franceses e alemães, em busca do sentido mais exato.”
No próximo e no último parágrafo do prefácio, somos informados de que o prefaciador é irmão de Julimar Cardoso, autor da obra:
“Arredio, por temperamento ou convicção, poucos chegam a conhecer-lhe os problemas íntimos, a jornada árdua da infância até ao presente. Quando o via eu silencioso, escutando Wagner, Mozart, Sibelius ou Tchaikowski, sabia-o preocupado com algum motivo sério que, para mim e o resto da familia, continuaria mistério. Assim o homem. Justo é, pois, que me liberte de preconceitos e reservas, ignorando a censura dos que possam vêr neste introito algo de personalismo fraternal, e lhe faça o elogio merecido e justo, louvando-lhe esta obra com que se apresenta no cenário literário, meritória, por todos os títulos, quer se lhe encare o aspecto ilustrativo para o leitor comum, quer se lhe busque o valor do conteúdo.
Wilhelm Kroll nos dá noticia de que foi F. A. Wolf o primeiro que, modernamente, usou a palavra filólogo, dela querendo fazer uma profissão nova, ou melhor, expressão técnica do labor, tão velho, de estudar a Antiguidade clássica. Lendo-o e estudando-o, podemos formar, sobre a Filologia, o conceito final que Gudeman ¹ sintetiza nestas palavras: "Filologia, em seu sentido mais amplo, compreende o estudo e a investigação da Antiguidade grega e romana, nos seus mais variados aspectos, segundo no-la oferecem os diversos documentos literarios e monumentais que se hão conservado. Suas principais disciplinas são a Literatura, a História, a Religião, a Mitologia, as Instituições privadas, públicas e militares, a Epigrafia, a História artística, a Arqueologia."
Segundo o testemunho de Suetonio, foi Eratóstenes, entre os Gregos, o primeiro que se arrogou o nome de filólogo, exemplo que, mais tarde, foi seguido em Roma por Ateio Pretextato: "Philologi appellationem assumpsisse videtur, quia sicut Eratosthenes, qui primus hoc cognomen sibi vindicavit, multiplici variaque doctrina censebatur". ²
Vá quem nunca saiu desta nossa quadricentenária taba, falar em filologia, e logo lhe cairão em cima, tacape em punho melindrados morobixabas e tuxauas da cultura indígena, como se a divindade de um ídolo houvesse sido ofendida... No entanto, depois da leitura desta obra, se não é de filólogo o trabalho, que falem os críticos de borla e capelo.
Aspectos da cultura grega, da sua arte, da sua literatura, dos seus costumes e das suas usanças vão-nos sendo revelados, suavemente, sem preciosismo nem arrebites ou florilégios, embóra em linguagem correta e elevada, por esse jovem professor de linguas também provinciano que, além de outras coisas, vem demonstrar e provar não ser preciso sair da gleba natal para formar cultura e realizar trabalho honesto de pesquiza e divulgação. Sem rótulos policromicos de hoteis em sua valise, sem sobrenome estrangeiro, sem lôas nem epinícios preparatórios do seu aparecimento, aí está um dos nossos, honrando as tradições de intelectualidade e cultura da velha Bahia - verdade é que se o diga, ainda que eu mesmo - com trabalho literário que, presumìvelmente, está por achar paralelo, em nosso meio. Descerrou parte do véu que das vistas dos pouco versados na lingua grega ainda encobre a verdadeira Grécia e seus pensadores e artistas imortais, com todas as suas virtudes e todos os seus vícios e defeitos, seres humanos que foram todos êles, desgraçadamente apresentados nos compêndios deficientes do ginásios e das faculdades sob a mais piégas das reservas e na mais parcimoniosa divulgação de textos!
Píndaro e seu lirismo, Parménides e sua filosofia, Diogenes e sua verve sarcastica, Aristófanes e seu linguajar duro, mesmo para um grego, Platão e sua absurda Republica, todo o helenismo, em fim, que deu à humanidade os alicerces do pensamento, apresentados sem formalismos e analizados em suas obras, em trabalho que revela conhecimento pessoal dos textos originais, nesta época de citações de oitiva, desestudo e culturas de magazines, constituindo um triunfo que alentará a novas empresas o seu autor, sejam quais forem os louros e os espinhos.
Livro que fóge à quasi generalizada fatuidade da geração nova, onde a maioria quer aparecer, de qualquer modo, à custa de versos esdrúxulos ou de novelas e contos surrealistas, este, embora de titulo fantasista, trata de algo sério e profundo. E as coisas sérias da vida perdurarão, resistindo às investidas vãs da ignorancia disfarçada de "modernismo", porque o espirito humano, passada a ilusão, terá sempre de nelas encontrar refugio para a sua velhice, lenitivo para os seus desenganos e resposta para os enigmas que o atormentam!
Cidade do Salvador, fevereiro de 1953.
“Não fez essa vaidade pouso na personalidade do autor deste livro. Antes, modestia excessiva tem-lhe prejudicado a vida. Professor secundário de literatura e lingua grega e inglesa, no Colegio Estadual da Bahia, onde entrou por provas públicas, jamais o acusaram os alunos de hermetismo, embora nem uma só vez houvesse feito alusão aos seus conhecimentos, sobretudo no campo filológico. Baldo de jactância e de orgulho, sempre tem procurado responder ao que lhe perguntam, sem referência ao que conseguiu aprender e como o fez. E bem que poderia dizer, ao menos, que leu dois mil versos da Ilíada, no original, em uma noite! Ou que intensificou seus estudos do latim para traduzir Doehner, na Coleção Didot, comparando os textos originais a tradução de filologos ingleses, franceses e alemães, em busca do sentido mais exato.”
No próximo e no último parágrafo do prefácio, somos informados de que o prefaciador é irmão de Julimar Cardoso, autor da obra:
“Arredio, por temperamento ou convicção, poucos chegam a conhecer-lhe os problemas íntimos, a jornada árdua da infância até ao presente. Quando o via eu silencioso, escutando Wagner, Mozart, Sibelius ou Tchaikowski, sabia-o preocupado com algum motivo sério que, para mim e o resto da familia, continuaria mistério. Assim o homem. Justo é, pois, que me liberte de preconceitos e reservas, ignorando a censura dos que possam vêr neste introito algo de personalismo fraternal, e lhe faça o elogio merecido e justo, louvando-lhe esta obra com que se apresenta no cenário literário, meritória, por todos os títulos, quer se lhe encare o aspecto ilustrativo para o leitor comum, quer se lhe busque o valor do conteúdo.
Wilhelm Kroll nos dá noticia de que foi F. A. Wolf o primeiro que, modernamente, usou a palavra filólogo, dela querendo fazer uma profissão nova, ou melhor, expressão técnica do labor, tão velho, de estudar a Antiguidade clássica. Lendo-o e estudando-o, podemos formar, sobre a Filologia, o conceito final que Gudeman ¹ sintetiza nestas palavras: "Filologia, em seu sentido mais amplo, compreende o estudo e a investigação da Antiguidade grega e romana, nos seus mais variados aspectos, segundo no-la oferecem os diversos documentos literarios e monumentais que se hão conservado. Suas principais disciplinas são a Literatura, a História, a Religião, a Mitologia, as Instituições privadas, públicas e militares, a Epigrafia, a História artística, a Arqueologia."
Segundo o testemunho de Suetonio, foi Eratóstenes, entre os Gregos, o primeiro que se arrogou o nome de filólogo, exemplo que, mais tarde, foi seguido em Roma por Ateio Pretextato: "Philologi appellationem assumpsisse videtur, quia sicut Eratosthenes, qui primus hoc cognomen sibi vindicavit, multiplici variaque doctrina censebatur". ²
Vá quem nunca saiu desta nossa quadricentenária taba, falar em filologia, e logo lhe cairão em cima, tacape em punho melindrados morobixabas e tuxauas da cultura indígena, como se a divindade de um ídolo houvesse sido ofendida... No entanto, depois da leitura desta obra, se não é de filólogo o trabalho, que falem os críticos de borla e capelo.
Aspectos da cultura grega, da sua arte, da sua literatura, dos seus costumes e das suas usanças vão-nos sendo revelados, suavemente, sem preciosismo nem arrebites ou florilégios, embóra em linguagem correta e elevada, por esse jovem professor de linguas também provinciano que, além de outras coisas, vem demonstrar e provar não ser preciso sair da gleba natal para formar cultura e realizar trabalho honesto de pesquiza e divulgação. Sem rótulos policromicos de hoteis em sua valise, sem sobrenome estrangeiro, sem lôas nem epinícios preparatórios do seu aparecimento, aí está um dos nossos, honrando as tradições de intelectualidade e cultura da velha Bahia - verdade é que se o diga, ainda que eu mesmo - com trabalho literário que, presumìvelmente, está por achar paralelo, em nosso meio. Descerrou parte do véu que das vistas dos pouco versados na lingua grega ainda encobre a verdadeira Grécia e seus pensadores e artistas imortais, com todas as suas virtudes e todos os seus vícios e defeitos, seres humanos que foram todos êles, desgraçadamente apresentados nos compêndios deficientes do ginásios e das faculdades sob a mais piégas das reservas e na mais parcimoniosa divulgação de textos!
Píndaro e seu lirismo, Parménides e sua filosofia, Diogenes e sua verve sarcastica, Aristófanes e seu linguajar duro, mesmo para um grego, Platão e sua absurda Republica, todo o helenismo, em fim, que deu à humanidade os alicerces do pensamento, apresentados sem formalismos e analizados em suas obras, em trabalho que revela conhecimento pessoal dos textos originais, nesta época de citações de oitiva, desestudo e culturas de magazines, constituindo um triunfo que alentará a novas empresas o seu autor, sejam quais forem os louros e os espinhos.
Livro que fóge à quasi generalizada fatuidade da geração nova, onde a maioria quer aparecer, de qualquer modo, à custa de versos esdrúxulos ou de novelas e contos surrealistas, este, embora de titulo fantasista, trata de algo sério e profundo. E as coisas sérias da vida perdurarão, resistindo às investidas vãs da ignorancia disfarçada de "modernismo", porque o espirito humano, passada a ilusão, terá sempre de nelas encontrar refugio para a sua velhice, lenitivo para os seus desenganos e resposta para os enigmas que o atormentam!
Eis porque, na qualidade de Diretor do Arquivo, Divulgação e Estatistica da Prefeitura Municipal do Salvador, orgão do qual uma das finalidades é estimular as letras e a cultura baianas, honro-me com apresentar o autor desta obra, sem prejuizos de consanguineidade, apenas em tributo de justiça a um dos poucos ainda capazes de sacrificar parte de sua existência para deleite, ilustração e proveito de muitos.
Cidade do Salvador, fevereiro de 1953.
Percy E. Cardoso”
COMENTÁRIOS por Francisco José dos Santos Braga
¹ GUDEMAN, Alfred: Outlines of the History of Classical Philology, Boston: Ginn & Company, Publishers; 1894, 77 p.
² Sobre Lucius Ateius Praetextatus escreveu Suetônio, em minha tradução do latim: "Parece que ele assumiu o título de filólogo, porque ele, como Erastósthenes, que foi o primeiro a adotar aquele cognome, era respeitado por seus inúmeros e variados conhecimentos." (Suetônio, De grammaticis et rhetoribus, X, 4)
As personalidades citadas no texto aparecem da seguinte forma na linha do tempo: Erastósthenes de Cirene (ca. 284 a.C.-ca. 192 a.C.), Lucius Ateius Praetextatus, apelidado Filólogo (105 a.C., Atenas-30 a.C.) e Suetônio (ca. 70 d.C.-depois de 126 d.C.).
Cf. in https://wikimonde.com/article/Ateius_Praetextatus#cite_note-3
As personalidades citadas no texto aparecem da seguinte forma na linha do tempo: Erastósthenes de Cirene (ca. 284 a.C.-ca. 192 a.C.), Lucius Ateius Praetextatus, apelidado Filólogo (105 a.C., Atenas-30 a.C.) e Suetônio (ca. 70 d.C.-depois de 126 d.C.).
Cf. in https://wikimonde.com/article/Ateius_Praetextatus#cite_note-3
13 comentários:
Tenho a satisfação de trazer ao conhecimento do leitor do Blog de São João del-Rei que tive a sorte de adquirir, num sebo em Barbacena-MG, um interessante livro que pertenceu à Biblioteca Docente da EPCAR intitulado "No País de Ulisses (Uma História da Literatura Grega)", do escritor, ensaísta e filólogo Prof. JULIMAR CARDOSO, publicado em 1953 pela Livraria Progresso Editora, de Salvador-BA. Da referida edição foram tirados 100 exemplares encadernados em luxo, numerados e rubricados pelo autor. Um deles chegou às minhas mãos. No presente post, o leitor encontrará dois capítulos desse livro: MÚSICA e FORMAS LÍRICAS na Grécia antiga.
Através do prefácio, ficamos sabendo que o autor da obra era baiano e que era irmão do prefaciador, Sr. Percy E. Cardoso. Outras informações dariam nova cor à Apresentação de Julimar Cardoso: Como sua obra "No País de Ulisses" foi recebida na Bahia? Que outras informações valiosas traz o seu currículo, porventura existente? Existem outras obras de sua autoria? Há descendentes vivos de Julimar Cardoso?
Infelizmente, a Internet (Google) nada informa sobre ele, nem tampouco os estudiosos utilizam o seu brilhante trabalho em suas pesquisas acadêmicas, com uma única exceção.
Era o que tinha para informar ao leitor, contando com sua colaboração para trazer maiores informações sobre esse grande baiano, desconhecido na atualidade, mas que realizou um belo trabalho de pesquisa da Antiguidade clássica e que o Blog de São João del-Rei, dentro do possível, pretende resgatar.
Os comentários e notas explicativas são de minha autoria, pelos quais assumo inteira e exclusiva responsabilidade.
Caro Braga,
Grande aquisição. Aqui no Rio de Janeiro, o livro encontra-se disponível na Biblioteca Nacional, na estante "Literatura grega - História e crítica". Terei oportunidade de ler.
M. Pozzato (Nascido no RJ, mas de raízes Sãojoanenses!).
Prezado Senhor Francisco.
O Consulado Honorário da Grécia no Rio de Janeiro agradece muitíssimo a sua mensagem. Encaminhamos para Sociedade Helênica do Rio, para Embaixada da Grécia em Brasília e para o Consulado Geral da Grécia em São Paulo.
Atenciosamente,
Selma
Extraordinário!
Como sempre, alegrando com maestria a todos os leitores do Blog.
Obrigado!
Prezado Braga, há preciosidades literárias, cujos autores se perdem no anonimato. Deve ser o caso desta obra. Seria, talvez, interessante sondar informações na Universidade Federal da Bahia. Saudações amigas para você e Rute. Fernando Teixeira
BRAGA, tudo bem?
Foi com imensa satisfação que recebi seu E-mail de hoje e que requinte você ter o livro em hard cover.
A Bahia é uma terra rica de talentos e de pesquisadores notáveis! E você sempre a nos presentear com o fruto de suas descobertas!
Hoje é o Dia Mundial da ALFABETIZAÇÃO! Como é importante um homem como você que ama a literatura, a música e está sempre ampliando seu conhecimento e os dividindo com as pessoas de cabeça aberta!
Parabéns! Muito obrigado!
Muita saúde e energia!
Mário Celso
Muito interessante essa sua descoberta. Entrei na ESTANTE VIRTUAL e pesquisei por Título: existem 9 exemplares, um em cada sebo, em várias cidades do Brasil; o mais próximo é em BH, na Livraria e Sebo Planeta.
A pesquisa por Autor levou aos mesmos 9 sebos. Parece que o Julimar não publicou outra obra (pelo menos não foram encontradas).
Um grande abraço,
Francisco.
Bom dia, professor.
Realmente uma descoberta fantástica a dessa obra. E justamente num "sebo" de Barbacena! O que mais haveria por lá; não é?
Chama mesmo a atenção o fato de não haver dados sobre esse autor, para além do que o prefácio informa. Muito valiosas as descrições da música, dos instrumentos e seus sentidos na Grécia Antiga. Mas gostaria de saber de si até que ponto esses levantamentos de Julimar Cardoso são reveladores em relação ao que já se conhece a respeito.
Obrigado.
Aquele abraço - Cupertino
Prof. Cupertino,
Nosso atrevimento é muito grande ao escrever sobre temas gregos.
Veja o que produziram de mais notável lá fora sobre elegia e jambo, poesia lírica e coro dramático, entre 1920 e 1989.
Ter uma visão unificada do todo é algo muito difícil de ser adquirido.
Link: http://greeksong.ruhosting.nl/index.php?title=Bibliography
Abraço.
Realmente, professor! Um atrevimento e uma grande coragem! Nota-se o crescimento exponencial dos estudos nos últimos 25 anos. Leigo, não imaginava tal profusão. Muito obrigado.
Abraço.
Parabéns por seu contínuo trabalho de divulgação – entre tantas outras importantes pesquisas – da milenar cultura grega, sobre a qual o ilustre amigo nos envia constantes atualizações.
Este e-mail agora passa a fazer parte de meus arquivos pessoais, aos quais recorro com frequência. Junto aos meus agradecimentos, receba o abraço,
Do amigo Mario.
Braga, seu trabalho é sempre excepcional. Acredito que você seja o guardião da cultura são-joanense.
Grande abraço do Ozório Couto
Agradeço muito a oportunidade de fazer este contato com você, e ao mesmo tempo, a divulgação que você ensejou à obra de meu pai, que ficou todo este tempo (mais de meio século), desconhecida.
Por isso mesmo, estou lhe enviando, como solicitado, uma foto dele, aos 33 anos, que obtive, extraindo de uma foto de minha primeira comunhão em 1958.
Gostaria de deixar aqui um agradecimento especial de toda a
minha família, Francisco!
Um grande abraço e desejo que você continue o seu valioso
trabalho à frente do Blog de São João del-Rei, que nos proporcionou essa alegria e orgulho pela passagem terrena do nosso pai, Julimar Esteves Cardoso!
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