terça-feira, 29 de agosto de 2017

CONSIDERAÇÕES DE ESCRITORES SOBRE O MAESTRO E COMPOSITOR SÃO-JOANENSE JOÃO DA MATTA


Por Francisco José dos Santos Braga



I.  INTRODUÇÃO




Durante a minha pesquisa exploratória para a produção do artigo "João da Matta, maestro e compositor são-joanense", publicado neste Blog de São João del-Rei em 18 de agosto de 2017, li diversos escritos - uns produzidos durante a vida (principalmente uma notícia publicada no jornal Arauto de Minas na edição de 11/10/1883), outros na época da morte e, finalmente, em maior quantidade, outros posteriores ao trespasse de nosso homenageado, especialmente por ocasião do 1º centenário da Cidade de São João del-Rei festejado em 1938 - que trazem as impressões de seus autores sobre os traços marcantes de João da Matta, sua vida e sua obra. Este trabalho visa compartilhar com meus leitores  dois desses "achados" nos periódicos antigos da Biblioteca Baptista Caetano de Almeida. Aqui serão meramente reproduzidos com a sua grafia original de época.

Também aqui se verá como o maestro negro João Francisco da Matta, de poucas posses e de vida errante, foi pranteado e homenageado pelos jornais da cidade e de Minas Gerais após sua morte na localidade de Serranos, em Aiuruoca, ficando evidenciado como seu nome era reverenciado em São João del-Rei e no meio musical. 

O grande envolvimento dos mulatos (especialmente mineiros) com a música fez com que o musicólogo teuto-uruguaio Francisco Curt Lange cunhasse a expressão “mulatismo cultural” associando-a à atividade musical no Brasil, principalmente em Minas Gerais. Esse termo associa a figura do mulato com música e brasilidade.

Durante o século XVIII e início do XIX, a contratação dos músicos no plano civil era feita pelo sistema de arrematação, por meio da qual o Senado da Câmara pagava pela música das festividades estatais e das celebrações religiosas que promovia. A música se beneficiava dos recursos públicos devido à instituição do regime do padroado, no qual o Rei acumulava as funções de chefe de Estado e da Igreja no Brasil. O sistema de arrematação desapareceu na segunda década do século XIX, o que, para José Maria Neves, provocou um desaquecimento na atividade musical. Considerava ainda que, enquanto vigorou o regime da arrematação, dentro do padroado, houve um grande surto de composições. Neste caso, o Senado da Câmara de São João del-Rei, por exemplo, encomendava as composições e os grupos musicais que eram contratados para as suas solenidades e festividades. ¹ Aluízio Viegas pensava diferente de Neves, no que se referia à Vila (e depois cidade) de São João del-Rei. O que se nota, segundo ele, foi a profusão de compositores no século XIX, ao contrário de outras vilas. A vida musical em São João del-Rei se intensificou na segunda metade do século XIX. Segundo ele, "(...) o calendário religioso amplia-se e as duas corporações compostas de coro e orquestra, sentem a necessidade de ampliar seus repertórios, num sentido competitivo de fornecer a melhor música a quem as contratasse". ²  Com isso, a atividade musical se tornou uma via que conferia prestígio aos melhores executantes e, principalmente, aos compositores. Daí, o crescente surto de composições em São João del-Rei no século XIX. 

É sabido que, em São João del-Rei, na época do Brasil Império e Brasil Colônia, a organização social se achava muito estratificada com base na cor de sua população e as corporações musicais e irmandades de São João del-Rei espelhavam essa situação. A Lira Sanjoanense, fundada em 1776 por Mestre José Joaquim de Miranda, avô do compositor Pe. José Maria Xavier, era integrada por "rapaduras (membros negros, negros forros, pardos, etc.), ao passo que a Orquestra Ribeiro Bastos, fundada em 1840 por Mestre (Francisco José das) Chagas e concorrendo com a Lira Sanjoanense, era integrada por "coalhadas" (membros oriundos da elite branca). Também as irmandades religiosas são-joanenses se dividiam entre aquelas que faziam contratos com a Orquestra Lira Sanjoanense (Irmandades da Nossa Senhora da Boa Morte dos Homens Pardos, de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora das Mercês) e as outras que mantinham contrato com a Orquestra Ribeiro Bastos (Irmandade do Santíssimo Sacramento, Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Carmo e de São Francisco de Assis). Claro que não havia uma regra rígida para essa estratificação. Comumente a música, a pintura, a escultura e outras artes possibilitavam a ascensão social de negros e pardos através do prestígio alcançado nas profissões citadas. No caso da música, pela qual o negro mostrava especial pendor e jeito, constata-se que houve um grande envolvimento dos mulatos com a música em Minas Gerais, através da qual muitos deles alcançavam a glória por sua musicalidade inata, como foi o caso de Martiniano Ribeiro Bastos, que não só se tornou regente como até foi enterrado no cemitério de São Francisco de Assis. 

Quem me despertou a curiosidade de conhecer melhor a vida de João da Matta foi o saudoso maestro Ademar Campos Filho, o "Ademarzinho", de Prados, compositor, regente de orquestra, instrutor, regente de coral e professor de música, atividades que ele desempenhava simultaneamente “com o pé nas costas”. Na década de 90, passei a frequentar a casa de meu amigo e a sede da Lira Ceciliana, banda de música pradense. Toda Quarta-feira Santa, lá estava eu para apreciar a execução única da Visitação de Dores, de Manuel Dias de Oliveira, e de uma marcha fúnebre que era tão popular da autoria de João da Matta no interior da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, chamada carinhosamente pelos pradenses como marcha “João da Matta”, desconhecida por mim até aquela época. Em verdade conhecia desde minha adolescência o famoso Stabat Mater de João da Matta, porque todo ano era e é executado pela orquestra Ribeiro Bastos na Sexta-feira Santa na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, na Adoração da Cruz durante a Solene Ação Litúrgica.

O objetivo deste trabalho é ampliar o debate salutar sobre o genial João Francisco da Matta, trazendo a lume o que já existe escrito sobre ele e, ao mesmo tempo, contando com o compartilhamento de novas informações e produções do compositor são-joanense ainda desconhecidas, porventura existentes nas cidades que ele percorreu em sua profissão de tropeiro.
 


II.  ARTIGOS PRODUZIDOS SOBRE JOÃO DA MATTA




1) Artigo intitulado JOÃO DA MATA



Por Alvino Ferrari



No momento histórico em que a veneranda cidade de S. João del-Rei vai comemorar o seu primeiro centenário, nesse instante em que tudo vibra uníssono cantando o hino magnífico da celebração, é justo que todos os cidadãos se manifestem no sentido do maior esplendor dos festejos grandiosos projetados.



Identificando-me com esse movimento sadio de patriotismo, lembro, data venia, quem de direito, a oportunidade de considerar-se o nome do inspirado compositor sacro João da Mata, uma das glórias da arte mineira, falecido há perto de trinta anos, em Serranos e oriundo de São João del-Rei.



Não tentarei uma biografia do modesto músico são-joanense, já porque, melhor que eu, o dr. José Garcia da Fonseca Sobrinho lhe traçou o perfil de artista, de maneira magistral, quando do seu passamento.



O que me leva a lançar estas linhas é o fato de, dias atrás, em atividades cinegéticas em Serranos, o “paraíso dos caçadores”, haver deparado com o jazigo de João da Mata, ao lado da Igreja Matriz dessa localidade, túmulo raso e modesto, sub umbra palmarum, pois lhe monta guarda uma palmeira solitária batida pelo vento, esguia e agitada como a imaginação do artista que ela relembra...



Contaram-me algumas pessoas da localidade, que parece haver uma verba governamental para a creação de uma herma a João da Mata, afim de perguntar-lhe a sagrada imaginação estética.



Tal monumento, que assinalaria a sua morada eterna, contribuiria ainda para o embelezamento da principal praça de Serranos.



Apelo, por isso mesmo, para o elevado senso de administrador do digno Prefeito do município de Aiuruoca – farmº Artur Milward de Azevedo, no sentido de providenciar, associado ao seu colega distintíssimo, o prefeito de São João – Dr. Antônio Viegas, para que sejam consubstanciadas no bronze eterno as linhas fisionômicas do grande musicista de côr.



Certo estou de que os srs. dr. Viegas e farmº Milward de Azevedo praticariam um soberbo ato de justiça, embalsamado pela gratidão mineira.



Fonte: O CORREIO, Ano XIII, nº 619, edição de 7 de setembro de 1938, p. 2.


2) Artigo intitulado MAESTRO E COMPOSITOR JOÃO FRANCISCO DA MATA – GLÓRIA DA CULTURA MUSICAL SANJOANENSE


Por Sebastião de Oliveira Cintra – do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais



A 04-06-1909 faleceu em Serrados, então município de Serranos o maestro sanjoanense João Francisco da Mata. Ao inspirado compositor conterrâneo dedicou o escritor Eduardo Frieiro, membro da Academia Mineira de Letras, as linhas seguintes:

São João e Lavras disputam a honra de haver dado o berço a João da Mata, preto de notável merecimento, na opinião de seus coetâneos, que o celebraram principalmente como compositor sacro, embora escrevesse de preferência música leve. Ao tempo da presidência Melo Viana, o escritor Gustavo Pena ventilou pela imprensa a idéia de se erigir em Belo Horizonte um monumento a João da Mata. Tal monumento, ao nosso ver, não consagraria unicamente aquele músico genealógico e humilde, mas valeria também como um preito de reconhecimento a todos os negros que trabalharam pela cultura musical mineira. A idéia, parece, esteve a ponto de concretizar-se. Veio outro governo, e não se pensou mais nela.


Esclarecemos que Dr. Fernando Melo Viana presidiu Minas Gerais de 22-12-1924 a 07-09-1926. 

Dr. Augusto Viegas, figurante de meu livro Galeria das Personalidades Notáveis de São João del-Rei, na 3ª edição – 1969 – de seu primoroso livro Notícia de São João del-Rei, informa, laconicamente, que o maestro João da Mata nasceu em Oliveira-MG. O conceituado historiador Luiz Gonzaga da Fonseca, autor da valiosa obra História de Oliveira, editada com sucesso em 1961, não endossa a opinião do preclaro Dr. Augusto Viegas. Afirma que o padre sanjoanense José Teodoro Brasileiro, - “então moço e idealista, procurou atrair para Oliveira uma centelha da cultura sanjoanense, trazendo de lá músicos e educadores: Maestro João da Mata, Maestro Marcos dos Passos, Professor Francisco de Paula Brasileiro e sua esposa a Mestra Ambrosina Brasileiro”. Diz, ainda, o Prof. Luiz Gonzaga da Fonseca, págs. 371 e 372 do citado livro: “Maestro João da Mata. João Francisco da Mata era pobre, preto e plebeu, percorrendo os três PPP que José do Patrocínio atribuía a si mesmo. Mas era um gênio esse esmolambado João da Mata que percorria as ruas de Oliveira, bebendo a sua cachacinha e espargindo à flux as suas magníficas composições musicais. Se estala a Abolição da Escravatura, brota-lhe do cérebro o Hino da Liberdade. Se vem o 15 de Novembro de 1889, rabisca João da Mata um Hino Republicano, para concorrer com os maiores compositores do país. Em Oliveira, fez ele muita música bonita que, reunida, constituiria uma boa contribuição ao patrimônio musical do Brasil”. A mesma obra estampa clichê, no qual colocou-se a legenda: “Estudo para um busto do grande compositor João da Mata, feito pelo artista oliveirense Francisco Virote. João da Mata compôs um Hino à República, além de dezenas de outras composições.” O citado estudo encontra-se no Museu Bárbara Eliodora.


A 08-05-1888 chegava à cidade de Oliveira, vindo de São João del-Rei, o bispo-mártir Dom Macedo Costa, que se fazia acompanhar do cônego Francisco de Paula da Rocha Nunan, Vigário de São João del-Rei. Foi triunfal a entrada de Dom Macedo na referida localidade, quando uma corporação musical executava um ECCE SACERDOS MAGNUS, musicado, a propósito, em Oliveira, pelo maestro João Francisco da Mata. Os bispos D. Macedo e D. Vital foram protagonistas da questão epíscopo-maçônica.


Também Juiz de Fora soube valorizar o talento de João da Mata. No livro de Albino Esteves – “O Teatro em Juiz de Fora” (Tip. do Faro, Juiz de Fora, 1910) foi transcrita a crônica de Gustavo Pena, sobre o famoso filho de São João del-Rei, que realizara no Teatro Novelli, em Juiz de Fora, um concerto musical. Vejamos as palavras do cronista: 
propositalmente omito o qualificativo ilustre, embora seja minha crença íntima que bem pouca gente merece-o tanto. João da Mata, se não encarnasse o que o gênio tem de mais singular, de mais esquisitão, de mais fora do comezinho e do trivial, teria um nome tão prestigioso no mundo musical como o de Carlos Gomes e de Mesquita. Há, talvez, 17 anos ouviu o escritor destas linhas este juízo a respeito do maestro mineiro, pronunciado pelo imortal autor do ‘Guarani’
Que esplêndido talento tão desaproveitado... Se vocês querem, eu vou pedir ao imperador que lhe conceda uma pensão, para ir seguir o curso no Conservatório de Milão.
E acrescentava, com franqueza escoimada de falsa modéstia
“assim como encontrei quem me amparasse, quando não passava de um pianista acaipirado, desejo também por minha vez ser útil aos que ainda lutam na obscuridade”.


O escritor e poeta Bento Ernesto Júnior, membro da Academia Mineira de Letras, exímio musicista, compunha partituras muito apreciadas para as festas, em São João del-Rei, de N. Srª da Conceição, das Mercês e do Mês de Maria. No harmônio das igrejas locais executava peças de compositores sanjoanenses. No periódico A Tribuna nº 1268, em edição especial de 40 páginas, publicou o artigo “A Música em São João del-Rei”. Daremos do mesmo o trecho sobre João da Mata: 


A justiça da história, conjugada com uma grande e sincera saudade, leva o escritor dessas notas singelas sobre a música em São João del-Rei, e encerra a lista acima, tão deficiente à míngua de informes na ocasião, nela inscrevendo o nome de João da Mata, um desses deserdados da fortuna, destinados, na vida, a só palmilhar abrolhos, ao qual a providência, pelo mais assombroso dos contrastes, deu, a fulgurar-lhe na alma desditosa a ofuscante radiação do mais assombroso talento artístico. João da Mata é uma figura singularíssima nos reinos de Euterpe.  Queda-se profundamente surpreso iniciado nos mistérios da arte encantadora, em ouvindo as composições que emanaram de sua inspiração de escol, verdadeiramente portentosa, admiravelmente original. Que emoção avassaladora não causam os trechos que ele traçou, despreocupadamente, indiferente, de todo, aos aplausos das multidões, trechos que são o reflexo nítido de uma alma lírica aninhada em arcabouço tão em contraste com a beleza, a radiosidade, a graça e a correção que a musa de João da Mata sabia imprimir ao seus estupendos trabalhos.


O pobre negro, em a noite de sua desgraça, teve um farto raio de luz a iluminar-lhe a personalidade humilde na grande admiração que por toda parte se lhe dedicava e a consagração invulgar da mais rutilante glória da música brasileira – o grande, o imortal Carlos Gomes, que proclamou João da Mata uma das mais admiráveis organizações musicais, que lhe fora dado conhecer”.


A 11-10-1883 publicou o Arauto de Minas:

Acha-se nesta cidade, de passagem para Mar de Espanha, onde pretende dar alguns concertos, o nosso inteligente conterrâneo, João Francisco da Mata, insigne professor de música e hábil afinador de piano. O nosso maestro, retirando-se da cidade de Oliveira, trouxe honrosos atestados de autoridades e pessoas altamente colocadas, asseverando ter sido irrepreensível o seu procedimento naquele lugar”.


Em A Pátria Mineira, jornal fundado e dirigido pelo professor Sebastião Rodrigues Sette e Câmara, edição de 03-10-1880, João Francisco da Mata anuncia a venda de diversas coleções de músicas (marchas, dobrados, polcas, modinhas e hinos patrióticos), frisando sua condição de sanjoanense: “Espero que os meus bons conterrâneos me favoreçam, comprando-me algumas músicas, visto ser o seu produto para auxiliar a minha viagem à corte, onde vou publicar uma artinha musical e diversas composições minhas”.


A 31-03-1889 procedeu-se a bênção solene do Estandarte da Sociedade Lira S. Joanense, trabalho de Luiz Batista Lopes. Constam do mesmo os nomes dos diretores da entidade e de alguns compositores mineiros, entre os quais o de João Francisco da Mata.


O periódico A Opinião, nº 7, de 31-07-1909, publicou o seguinte, sob o título João da Mata. A propósito do nosso saudoso conterrâneo, maestro João da Mata, considerado um dos distintos discípulos, do seu tempo, do notável professor sanjoanense Martiniano Ribeiro Bastos, escreveu Francisco Lins, no Jornal do Comércio, de Juiz de Fora, na sua apreciada e brilhante seção O DIA:

Poucas e frias homenagens tem a nossa imprensa rendido a João da Mata, o negro genial recentemente falecido em um deserto recanto de Minas, creio que em Distrito de Aiuruoca, plantada ao pé de longínqua ramificação da Mantiqueira. Entretanto, esse negro pertenceu ao número dos bons engenhos, que, segundo uma frase de Latino Coelho, ‘popularizam na Terra de Santa Cruz’. Foi um simples, um rústico, porém na sua cabeça brilhou o diadema soberbo com que a providência, de longe em longe, assinala alguns seres humanos, elevando-os, tornando-os semelhantes aos seres divinos. Houvesse João da Matta nascido em outro meio e o seu nome houvera chegado aos píncaros da fama. Pode-se compará-lo a um diamante lançado em um muladar, ignorado, desprezado por jamais haver sofrido a ventura de chegar às mãos de um lapidário. Nasceu para a glória, porém caprichosamente o coagiu a viver nas sombras a ignorância, o egoísmo, a estupidez, de que se viu cercado durante toda a existência.


O seu nome, com certeza, estaria hoje ao lado dos grandes nomes que, pela música, ascenderam à celebridade, si um pouquinho cultivado o seu peregrino espírito. As composições inúmeras que deixou, todas cheias de inspiração, francamente reveladoras de gênio constituem uma prova de meu asserto. João da Mata atravessou a vida no Sertão de Minas sempre viajando, muitas vezes a pé, pobremente. Contam-se episódios impressivos das suas longas e penosas excursões, pelos quais se vê quanto era ele despretensioso e bom, quanto era extraordinário o seu engenho. Ainda agora leio em uma folha Fluminense: “uma feita, João da Mata chegou a uma vila do Triângulo Mineiro, a zona pastoril por excelência, em Minas, como capataz de boiada. Encostada a boiada no pasto, João da Mata saiu e correu o povoado. E, em dado momento, se lhe deparou uma casa, onde um grupo da roça ensaiava uma missa. João da Matta encostou-se à janela, ao lado de fora, a ouvir o ensaio; mas não se pôde conter se que, em dado momento, aventurasse uma corrigenda sobre a maneira de tocar. Os músicos não receberam de bom grado a observação daquele tropeiro, mestiço e rude na aparência, que se permitia criticar o que executavam eles. Responderam com rispidez que não se metesse com aquilo que não entendia; mas o intruso insistiu e disse-lhes que sabia mais do que eles, porque a música era sua e a estavam estropiando. Os outros riram-se e disseram que a missa era de João da Matta. E o tropeiro retrucou: ‘Pois João da Mata sou eu’. Não acreditaram, supuseram que era um farçola ousado que se queria divertir; repeliram-no; mas João da Mata, para provar a identidade, pediu um dos violinos, e, tendo-o obtido a custo, executou diante dos outros, surpresos, a sua missa como devia ser executada. Todos lhe conheciam as produções, sem conjectura que era aquele o autor”.


Cena interessante, essa! Nela, a figura do notável artista se apresenta, cheia de humildade e cheia de grandeza. Reverenciar a memória de João da Mata, continuou o ilustre professor Francisco Lins, é um dever nosso.


Outro dia, os homens de cor, em Juiz de Fora, realizaram festas em homenagem a Monteiro Lopes, um vivo que triunfa. Por que não se lembram de homenagens render também a João da Mata, o assinalado morto, criminosamente imerso no olvido?


Francisco Lins (1866-1933), autor do artigo supra, exerceu o Magistério, o Jornalismo e publicou vários livros de poesia. Pertencia à Academia Mineira de Letras.


"Almirante" – Henrique Foréis Domingues (1908-1980) –, na sua notável “História do Rio pela música”, cita João Francisco da Mata como companheiro, na cidade do Rio de Janeiro,  dos precursores do samba no Brasil. "Almirante" organizou, abnegadamente, importante arquivo pioneiro da Música Popular Brasileira.


A Lei Municipal nº 436, de 26-02-1924, deu o nome de João da Mata à rua do Progresso, situada no bairro do Bonfim.


A memória de nosso talentoso conterrâneo maestro, compositor e instrumentalista João Francisco da Mata alcançou, indubitavelmente, renome privilegiado na história da música em São João del-Rei.

Fonte: TRIBUNA SANJOANENSE, edição de 14/11/1995, Ano XXVII, nº 824, p. 2.




III.  NOTAS  EXPLICATIVAS



¹  NEVES, José Maria. Situação e problemática da música mineira contemporânea. SEMINÁRIO SOBRE CULTURA MINEIRA, Belo Horizonte: CECMG, 1980, p. 95, apud COELHO, Eduardo Lara:  Coalhadas e rapaduras: estratégias de inserção social e sociabilidades de músicos negros – São João del-Rei, século XIX, p. 33.

²  VIEGAS, Aluízio José. Música em São João del-Rei de 1717 a 1900. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, São João del-Rei, nº V, 1987, p. 53-65.




IV.  BIBLIOGRAFIA 




BRAGA, F.J.S.:  João da Matta, maestro e compositor são-joanense, in http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2017/08/joao-da-matta-maestro-e-compositor-sao.html

CINTRA, Sebastião de Oliveira: Maestro e compositor João Francisco da Mata – Glória da Cultura Musical Sanjoanense. São João del-Rei: TRIBUNA SANJOANENSE, edição de 14/11/1995, Ano XXVII, nº 824, p. 2.

FERRARI, Alvino: João da Mata. São João del-Rei: O CORREIO, Ano XIII, nº 619, edição de 7 de setembro de 1938, p. 2.

NEVES, José Maria. Situação e problemática da música mineira contemporânea. SEMINÁRIO SOBRE CULTURA MINEIRA, Belo Horizonte: CECMG, 1980, p. 95, apud COELHO, Eduardo Lara:  Coalhadas e rapaduras: estratégias de inserção social e sociabilidades de músicos negros – São João del-Rei, século XIX, p. 33.

VIEGAS, Aluízio José. Música em São João del-Rei de 1717 a 1900. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, São João del-Rei, nº V, 1987, p. 53-65.
 

8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

É com satisfação redobrada que dou continuidade a minhas pesquisas sobre o maestro e compositor são-joanense João da Matta. Espero estar contribuindo para o conhecimento dos leitores interessados na vida e na participação do "negro tropeiro" na cultura musical são-joanense.

Também aqui se verá como o maestro negro João Francisco da Matta, de poucas posses e de vida errante, foi pranteado e homenageado pelos jornais da cidade e de Minas Gerais após sua morte na localidade de Serranos, em Aiuruoca, ficando evidenciado como seu nome era reverenciado em São João del-Rei e no meio musical.

João Bosco Ribeiro (jornalista e editor da Gazeta de Minas) disse...

Grande trabalho, Francisco. João da Mata é a pérola negra do barroco mineiro. E dele muito pouco se sabia antes de suas pesquisas. Minas e nossa história agradecem.
Abraço
João Bosco Ribeiro - jornalista editor - Gazeta de Minas

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Muito obrigado

Prezado Francisco.

Continuação do excelente trabalho.

Abraço.

Um São-joanense na Capital de todos os Brasileiros disse...

Caríssimo amigo , professor , poeta , pianista , historiador , Francisco José dos Santos Braga,

Sempre com alegria na alma , recebo suas noticias históricas que sempre alimentam meu saber.
Já repassei para o Brasil e o mundo com muito prazer.
Obrigado sempre pelo carinho e amizade.
Gratidão.
Ray Pinheiro // Brasília - DF.

João Carlos Ramos (poeta, escritor, ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Estou impressionado com o talento e vida do maestro João da Mata.
Reconhecer homens desse nível é importantíssimo para o Brasil.
Parabéns!

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e presidente da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Grato pelo envio da mensagem. Fernando Teixeira

Elza do Val Gomes (regente do Coral Júlia Pardini, fundado em 6/01/1960, e editora-chefe do Jornal ARRUIA) disse...

Braga.
Suas pesquisas sobre a obra do músico João da Mata têem me despertado lembranças antigas do Coral Julia Pardini. Na década de 60 ou 70, não me lembro exatamente, fui procurada pelo Maestro Sebastião Viana, fundador da Orquestra da PMMG que, por sua vez, fora procurado por Curt Lange, um pesquisador da Música em Minas Gerais do século XVIII. Ambos vieram à sede do Coral (então deve ter sido por volta de l970 em diante) e propuseram-me divulgar as músicas de Emerico Lobo de Mesquita, Francisco Gomes da Rocha e Marcos Coelho Neto num trabalho conjunto com o Maestro Sebastião Viana. O convite feito a corais de BH não teve acolhida mas, para mim, foi como uma oportunidade de motivar os meus cantores que acolheram a ideia como um desafio pois iriamos mudar radicalmente o repertório religioso ao qual já estavam acostumados pois eu, como maestrina do Coro Regina Pacis, da Igreja N.Sra. das Dores, de BH, só conhecia o que encontrara nos arquivos daquela Igreja. O Coral Julia Pardini fez sua história de 58 anos através de desafios impostos e aceitos por mim e pelos que me seguiram nesta vida que escolhi traçar, a vida musical tão diferente daquela responsável pelo meu sustento: a de funcionaria pública! Apresentamos o trabalho de Curt Lange no Palacio das Artes em 10 de Setembro de 1972, o XIII Concerto anual que o "Julia Pardini" vem realizado há 58 anos.. Foi então que me dei conta da importância de mostrarmos em nossos concertos as obras de nossos compositores, mesmo não fugindo daquilo que ficamos conhecidos desde a fundação como "Coral do Povo". Por isso nosso repertorio sempre foi eclético sem fugirmos do nosso slogan "Cantar para a todos alegrar". Desculpe um trecho tão grande mas foi seu artigo que me fez retroceder à história dos Compositores Mineiros do século XVIII. E, também, pela curiosidade de conhecer e, se possivel incluir em trabalhos futuros a obra de João da Matta. Você pode me enviar pelo Correio a partitura daquela música que sugeriu estudarmos? Abraços.

Prof. Cupertino Santos (professor de história aposentado de uma escola municipal em Campinas) disse...

Prof. Braga!
Parece que a cada pesquisa, mais cresce a figura do seu biografado. Figura realmente curiosa e merecedora. Parabéns pelo seu empenho em trazê-lo cada vez mais à luz.
Abraços. Grato.