Por José Carlos Hernández Prieto
Este artigo saiu originalmente no JORNAL DA ASAP publicado em São João del-Rei, MG, edição nº 133, Ano 22, maio/junho de 2017, p. 5.
Em 15 de
novembro de 1889 o Brasil sofreu seu primeiro golpe militar. Rui Barbosa foi
convocado pelos militares para ser Ministro da Fazenda. Saiu desiludido. Em 17
de dezembro de 1914, no Senado, discursou:
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da república nos últimos anos. No outro regime o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre - as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam a que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais. Na República os tarados são os taludos. Na República todos os grupos se alhearam do movimento dos partidos, da ação dos Governos, da prática das instituições. Contentamo-nos, hoje, com as fórmulas e aparência, porque estas mesmo vão se dissipando pouco a pouco, delas quase nada nos restando. Apenas temos os nomes, apenas temos a reminiscência, apenas temos a fantasmagoria de uma coisa que existiu, de uma coisa que se deseja ver reerguida, mas que, na realidade, se foi inteiramente. E nessa destruição geral de nossas instituições, a maior de todas as ruínas, Senhores, é a ruína da justiça, colaborada pela ação dos homens públicos, pelo interesse dos nossos partidos, pela influência constante dos nossos Governos. E nesse esboroamento da justiça, a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem...".
Antes de
proferir esse discurso, Rui visitara D. Pedro II em 1891, no exílio de Paris, quando
então lhe dissera: “Majestade, me perdoe,
eu não sabia que a República era isso”. Mas, afinal, o que teria acontecido
para ele chegar a essas tristes conclusões?
Ainda jovem, estudando a história do Brasil e das
Américas, eu notava a diferença fundamental entre o devir da América espanhola
e o da portuguesa. A primeira esfacelou-se em 17 repúblicas. Já a segunda tinha
permanecido unida, formando nosso país, o Brasil! Descobri mais tarde que não
foi bem assim. Nossa província Cisplatina conseguiu a secessão, proclamando sua
independência do Brasil em 1828, dando origem ao Uruguai. Porém, fora esse caso
específico, o fato é que nosso país conseguiu manter-se unido.
Então, o que o Brasil teve de diferente? Avançando
nas leituras, comecei a desconfiar que foi a manutenção da monarquia entre nós
até 1889 a “culpada” por essa união toda! Todos sabemos da vinda da corte
portuguesa em 1808, motivada pela invasão napoleônica em Portugal. De fato, a saída foi precipitada, com as tropas
francesas já quase às portas de Lisboa. Apesar disso, conseguiu-se que cerca de
15 mil pessoas viessem para o Brasil, transferindo quase todos os quadros do
aparelho estatal. Vieram também muitos nobres, comerciantes, eclesiásticos e
pessoas de posses. Em suma, a nata da sociedade. Essa inédita transposição de
toda uma corte de um continente para outro fez com que o Brasil deixasse de ser
colônia em 16 de dezembro de 1815, quando foi proclamado o Reino Unido
luso-brasileiro, com capital e corte no Rio de Janeiro. Todos conhecemos os
fatos que se sucederam e desembocaram no desmembramento desse Reino Unido em 1822,
com a proclamação da independência brasileira como nação soberana. Só que...
Não era república.
Era monarquia... A única das Américas! Assim permaneceu até 1889. Contudo, o
jovem Império viu sua unidade ameaçada pelo espocar de inúmeros movimentos
revolucionários e secessionistas de matriz republicana. Sofremos a Cabanagem, a
Balaiada, a Sabinada, a revolução praieira, a Confederação do Equador, a Guerra
dos Farrapos... A todas o Império soube resistir e vencer, graças ao poder
aglutinador de um Estado unitário baseado na ideia de União. Enfim, liberto das
tentações caudilhistas. As mesmas que esfacelaram a América Espanhola. Ao longo
do Segundo Reinado, o Brasil agigantou-se entre as nações mais prósperas. Já em
1843, foi o segundo país do mundo a promover a reforma dos correios,
implantando a postagem na origem, mediante a criação dos selos de correios.
Isso revolucionou as comunicações no século XIX a ponto de, uma década mais
tarde, todas as grandes nações terem adotado o novo sistema. Foi o segundo país
do mundo a ter redes telefônicas, teve a segunda maior marinha do mundo, o Rio
de Janeiro teve iluminação elétrica antes de Nova Iorque e foi a quarta cidade
a ter rede de esgoto, depois de Londres, Hamburgo e Paris... O Brasil era um
país respeitado mundo afora. Até a Inglaterra, potência hegemônica da época,
teve que se curvar ao brio brasileiro, solicitando a volta das relações
diplomáticas, após um curto período em que o Brasil rompeu relações
diplomáticas com essa grande nação, por causa da questão Christie... Sim, o
Brasil tinha cacife para desafiar a maior potência do mundo...
No campo social
havia lei e ordem. Sem perseguição política, sem censura à imprensa. Celebre
foi a reação de D. Pedro II ao ser criticado (deram-lhe o apelido de Pedro
Banana) porque deixava solta a imprensa, que não deixava de baixar o malho nos
governos que se sucediam: “Leio
constantemente todos os periódicos da corte e das províncias. A tribuna e a
imprensa são os melhores informantes do monarca.”
D. Pedro II era
apelidado também de Muquirana. De fato, tinha um profundo respeito pelo
dinheiro público. Era morigerado nos gastos, e isso repercutia na estrutura do
estado, ao longo de toda a sua cadeia de comando. Jamais autorizou qualquer
aumento de sua verba ao longo de seus 49 anos na chefia do Estado. Como ninguém
podia ganhar mais do que ele... Tirando as poucas recepções oficiais, os
jantares no Paço Imperial eram às cinco da tarde, para aproveitar a luz do dia
e economizar a iluminação artificial. Recusava o luxo. Disse: “Entendo que despesa inútil é furto à Nação”.
Quando fez sua primeira viagem à Europa, o Senado quis pagar a viagem e
reservar uma fragata para a viagem. Não aceitou. Viajou com recursos próprios.
Pediu dinheiro emprestado em bancos. Quando foi deposto, o segundo decreto do
governo provisório da República determinou um pecúlio para ele de cinco mil
contos de réis, dinheiro que, à época, daria para comprar 4.500 quilos de ouro.
O equivalente hoje a 600 milhões de reais. Pedro recusou a oferta dizendo: “Não sei com que autoridade esses senhores
dispõem dos dinheiros públicos”. Morreu de forma modesta em Paris, num
hotel de segunda classe, para onde levou, em vez do dinheiro do Brasil, um
punhado de areia colhida das praias de seu país e com a qual mandou
confeccionar um travesseiro que lhe serviu de repouso definitivo quando faleceu.
Por certo, havia
o trágico estatuto da escravidão. Foi abolida em 1888. O último governo do
Império (gabinete Ouro Preto) elaborou planos para a inserção social dos ex-escravos.
Cartas da Princesa Isabel à sua prima comprovam esses planos. Não foram levados
adiante. A República, apoiada pelos fazendeiros prejudicados pela Abolição,
ignorou-os, já que tais planos pressupunham uma carga econômica para os antigos
senhores de escravos.
E assim, chegamos
a esta república e nela continuamos.
P.S.: Quem tiver
curiosidade e quiser se aprofundar mais a respeito da matéria acima, acesse https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_II_do_Brasil.
8 comentários:
Tenho o prazer de apresentar o artigo "QUANDO O BRASIL VIROU A CASA DA MÃE JOANA", por José Carlos Hernández Prieto, que, além de colaborador do Blog de São João del-Rei, é jornalista, tradutor juramentado, tesoureiro e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei.
Venho, portanto, convidar você à leitura do citado artigo de Prieto,sobre um tema tão instigante.
Como gerente do referido blog, cumprimento o colaborador Prieto pelo excelente trabalho que certamente enriquece o blog.
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Caro amigo Braga
Agradecemos pelo envio deste belíssimo artigo, da lavra do nosso prezado amigo Prieto, com o qual nos correspondemos pela Internet.
Abraços, Mario.
Prezado Prieto, muito pertinente e atualíssima sua abordagem! Abraços, Rafael Braga
Realmente, amigo Braga. A ética na conduta social e a moralidade nos costumes, pressupostos da honestidade e retidão de postura nos homens públicos, perdeu-se no perpassar dos anos. Afinal, a república estimula a ganância e o apego ao poder, pois o escancara aos menos escrupulosos. Foi bom o jornalista José Carlos Hernandez Prieto recordar Dom Pedro II. Há exemplos, mas não seguidores destes exemplos. Cumprimente-o por mim. Uma peça que recomenda leituras. Abraço do Fernando Teixeira.
Prezado Francisco Braga, agradeço o envio do artigo do jornalista José Carlos Hernández Prieto. Ele colocou bem os pontos da História do Brasil e da América Espanhola, que se esfacelou. O Brasil, sob o Império, manteve a unidade, apesar das revoltas, revoluções, sedições regionais. Não conseguiram destruir a União, sob o cetro imperial de D.Pedro I, a Regência e D. Pedro II. A República começou com a ditadura dos Marechais, notadamente de Floriano Peixoto, dito Marechal de Ferro. D.Pedro II foi magnânimo, democrata, honesto, a ponto de os adversários o chamarem de Pedro Banana. Antes Banana que Ladrão, Corrupto, Tirano. Foi um homem culto e tolerante, um liberal. Morreu pobre, num modesto hotel parisiense, em 1891. D. Teresa Cristina morreu de desgosto, em Lisboa, creio que um ano antes. Foi chamada A Mãe dos Brasileiros. Não a Mãe do PAC... A Lava Jato está dando uma faxina ética no Brasil republicano. Vamos ver se alcançamos uma verdadeira Nova República com políticos e empresários mais honestos. O Império deu conta do recado. A República ainda invoca os grandes discursos do Conselheiro Rui Barbosa, que morreu em 1923, cercado de glória. Ele foi a Paris beijar a mão do velho Imperador, arrependido do golpe de 15 de novembro, que baniu a família imperial em 19 de novembro de 1889. Abraço.
Prezado mestre Braga,
O Brasil possui o que merece. O texto do ilustre colega José Prieto é fantástico. A república tem rosto angelical, mas é crudelíssima.
A monarquia jamais voltará e a democracia nunca funcionou. Resta-nos unir aos "bons" que ainda restam e de mãos dadas aguardar o fim.
Segundo informações, a maior potência econômica mundial,os EUA, possui a maior dívida interna do planeta e, se Israel retirar seu capital
de giro, ela vira outra Venezuela. O Brasil vive na sombra da sombra...
A seriedade do historiador Prieto muito me alegra e me anima.
Parabéns!
Esse texto é muitíssimo interessante!
Por várias vezes questionei o desmembramento da colônia espanhola e a manutenção/expansão territorial da portuguesa.
A vida de D. Pedro II é tão pouco conhecida e mencionada no estudo da História do Brasil. Como desconhecemos a história de nosso país...
Como a citação de Rui Barbosa se encaixa nos dias atuais...
O Brasil não merece o Brasil!
Professor Braga.
É muito difícil culpabilizar uma ou outra forma de governo, estas ou aquelas instituições pelas mazelas brasileiras. Tivemos entretanto há não muitos anos aquele plebiscito que mostrou taxativamente a rejeição à Monarquia. Talvez a República e suas democratizações revelem melhor a face contraditória de nossa sociedade que custa desde sempre a se tornar igualitária e justa.
Obrigado pelo brilhante texto do jornalista.
Abraços, Cupertino.
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