terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

DIVINA MÚSICA


Por Antônio Gaio Sobrinho


Este texto foi publicado originalmente pela Gazeta de São João del-Rei, postado em 4 de fevereiro de 2017.



Foi no dia 15 de janeiro de 2017. Eram 9 horas e 15 minutos de uma bonita manhã de domingo, na igreja de São Francisco de Assis, nesta musical cidade de São João del-Rei. Lá, em cima, no coro, Rodrigo Sampaio molhava-se de suor na regência da Ribeiro Bastos. Mas, Carlos Gomes sorria-se refestelado da eternidade. Regente, músicos e cantores, vocês todos, de ambos os sexos, talvez ganhem em dinheiro quase nada, se é que ganham, mas que glória! Eu sou um Antônio Ninguém e minha homenagem a vocês nada significa. Mas, ainda assim, os homenageio a todos e a todas em seu regente e nesta nossa pequena grande soprano que nos arrebata em seus solos. Um concerto de graça, que se renova semanalmente, a cada domingo, no mesmo lugar e hora. E tem gente ruim dos olhos e dos ouvidos, que não vê e não ouve, embora estando na mesma igreja, se é que dali não se afasta exatamente porque é missa com orquestra. Mas naquele dia, felizmente, a igreja estava cheia, com muitos turistas, que, ao final da missa, prorromperam em bem merecidos aplausos. Eu, que assistia de um cantinho no coro sem saber se chorava ou se ria, estava em êxtase de felicidade e desvanecimento. Rodrigo, você se casou e não me convidou, mas que bom ter você. Desejo a você e a Valdirene muita boa ventura nesta nova fase da vida. Boa sorte e muito obrigado!

Frequentei também, no Pilar, a novena de São Sebastião, que nem é das mais bonitas desta cidade, musicalmente falando. Mas lá estava a Lyra Sanjoanense, hoje dirigida pelo maestro Modesto Flávio. E tanto me comprazia na voz límpida e educada de seu tenor negro quanto na de sua soprano solista em O Beate Sebastiane. Refiro-me ao Rubens e à Kátia, mas, como lá diz o anexim, uma andorinha só não faz verão. A obra, tanto na Ribeiro como na Lyra, é arte de conjunto e cada pessoa da orquestra e do coral se sinta por mim homenageada. Sublime! Regente, cantores e instrumentistas da velha Lyra de Luiz Baptista Lopes e Benigno Parreira, quanto do meu amigo, que tanta falta faz, Aluízio Viegas. Falo de Luiz Baptista e de Parreira, porque se eles nada mais compuseram do que apenas a Abertura para o dia 14 de Agosto e a Saudade, para mim, por somente estas duas composições, eles já se fizeram imortais, eternos, nos anais de nossa rica história musical. Se eu pudesse reger o meu velório, de bom grado dispensaria coroas de flores e orações de qualquer espécie, só por ouvir, quase em surdina, essas duas comoventes obras. 

Música! Divina Música! Que de emoções e sentimentos você nos desperta. Que milagre é esse, capaz de nos levar à guerra ou de nos amansar o coração numa doce sensação de paz? De nos fazer dançar de alegria ou chorar de tristeza, sem mesmo qualquer razão para tanto? De turbar-nos a pele de arrepios ou de enternecer-nos a alma de sublimes paixões? Se uma composição musical tem letra que se cante, que bom que é, se for de poesia que valha! Mas, aquela Abertura e aquela Saudade não têm letra. E como me falam no silêncio com que as escuto, como mexem com minha sensibilidade, como, ao ouvi-las compungido, se arrebentam em lágrimas as comportas de meus olhos! E por quê! Porque Deus está mais na música do que na letra, que até pode ser teologicamente insuportável. Por isso, sem querer ofender a ninguém, eu penso que os celebrantes das missas com orquestra, bem que podiam dispensar o sermão. Deixem que a música, a divina música, somente ela, nos fale por si mesma. Nada mais precisa. Pois ela é a própria voz de Deus.

6 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Tenho a informar que ANTÔNIO GAIO SOBRINHO está participando mais uma vez do Blog de São João del-Rei, desta vez com sua crônica DIVINA MÚSICA.
Foi durante a Novena de São Sebastião, no dia 15 de janeiro de 2017, que o autor se sentiu tocado pela musa Euterpe, que impregnava de melodias inefáveis todo o templo de São Francisco de Assis, de São João del-Rei. Suas impressões variadas vão surgindo, enquanto ele ouvia aquela divina música, e a crônica prossegue ao sabor de suas recordações.
A crônica homenageia principalmente três figuras expressivas da música são-joanense: Luiz Baptista Lopes (autor de célebre Novena de São Sebastião), Benigno Parreira (autor da marcha fúnebre Saudades) e Aluízio José Viegas (musicólogo, historiador e pesquisador), todos da bicentenária Orquestra Lyra Sanjoanense.
Coincidentemente, nesta data de 13/02/2018, recebo o seguinte comentário sobre essa efeméride da autoria do irmão de Benigno Parreira, chamado José Lourenço Parreira:
"No dia de hoje, 13 de fevereiro, em 1931, nasceu o Maestro Benigno Parreira. Sua mãe o batizou com o nome de Benigno por causa do Santo deste dia.
Benigno quer dizer bondoso e o Maestro o é.
Possuidor, ainda hoje, de belíssima voz, encanta a todos que vão à Santa Missa, todos os domingos, ao som da Orquestra Lira Sanjoanense, nas Igrejas do Rosário e Nossa Senhora das Mercês, em São João del-Rei-MG.
Dentre outras realizações, Benigno Parreira, no Rio de Janeiro, com apoio de seus superiores, reunia na Vila Militar, no Dia da Música e de Santa Cecília, nos anos 1980, todas as Bandas de Música da cidade e vizinhas: do Exército, Marinha, Força Aérea, Polícia Militar e Bombeiros Militar.
Um espetáculo magnífico com cerca de 700 músicos! Fato único em toda a História do Brasil!
Benigno Parreira é o autor da Canção do Serviço de Assistência Religiosa do Exército Brasileiro!"

O Blog de São João del-Rei se une a essas manifestações de carinho, desejando a Benigno Parreira, nesta sua data natalícia, vida longa, paz e amor entre nós.

rof. José Lourenço Parreira (capitão do Exército, historiador, professor de música, violinista, maestro e escritor, além de diretor do "Evangelho Quotidiano") disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Prof. José Lourenço Parreira (capitão do Exército, professor de música, violinista, maestro, historiador e escritor, além de redator do "Evangelho Quotidiano") disse...

Caríssimo Braga, muito lhe agradeço solidarizar-se conosco neste celebrar do 87º aniversário natalício de meu querido irmão Benigno, seu amigo.
A bela crônica de Antônio Gaio, que eu já lera na Gazeta, é página áurea sobre a Divina Música da nossa São João del-Rei.
SAUDADES é a Marcha Fúnebre mais tocada no Estado de Minas Gerais; além dela, a da Paixão.
Essa descoberta foi feita por um, hoje, Doutor em Música, no seu trabalho de doutorado.
Certo dia, estando eu, Aluízio e Benigno, atrás da Matriz, chegou um jovem alegre que nos saudou com entusiasmo. Aluízio o conhecia.
Cumprimentou Benigno e lhe disse:
"Estou fazendo um trabalho de doutorado e escolhi as Marchas Fúnebres. Raríssimos os autores que escreveram duas Marchas Fúnebres.Normalmente, só escrevem uma.
O senhor, Maestro Parreira, é um dos poucos compositores que escreveram duas Marchas Fúnebres."
Estando, novamente, em São João del-Rei, meu querido amigo, o inesquecível Aluízio me disse:
"O.....(não sei mais o nome!) terminou seu doutorado sobre Marchas Fúnebres. E descobriu que a Marcha Saudades, do Parreira, seu irmão, é a mais tocada em todo o Estado de Minas Gerais. Veja como são as coisas. O Parreira, na sua simplicidade e sem nenhuma pretensão, fez uma obra-prima que conquistou Minas Gerais!".

Caro amigo Braga, vou lhe contar um detalhe que muito honra e faz feliz meu irmão:

SAUDADES tem mais de 50 anos. Benigno era Sargento quando a compôs. À frente da Banda do 11 estava o Tenente (ou Capitão?) Alberto Wilson de Castro e à frente da Banda Teodoro de Faria, o "Sô" Teófilo.

No Depósito de Nossa Senhora das Dores, que sai da Catedral para a Igreja do Carmo, a Banda Teodoro de Faria quebrou a tradição e deslocou-se conduzindo a Imagem de Nossa Senhora das Dores tocando SAUDADES!
Naquele ano, não sei o porquê, a Irmandade de Nossa Senhora do Carmo veio, em procissão, aguardar, diante o Passinho que fica naquela rua, a Imagem de Nossa Senhora das Dores que saíra da Catedral!
Juntamente, com a Irmandade do Carmo veio a Banda do Batalhão tocando, também, SAUDADES!
Foi assim a brilhante estreia da Marcha Fúnebre SAUDADES: os dois grandes Maestros, Teófilo, da "Teodoro de Faria", e Castro, da Banda do Batalhão, tocaram-na no Depósito de Nossa Senhora das Dores, sendo que o Senhor Teófilo quebrou, inclusive, a tradição...

Que página bela, não é caro amigo?

Uma vez mais, muito obrigado pela homenagem ao meu querido irmão, Benigno!

Eduardo Oliveira (professor e coordenador de reuniões salesianas) disse...

Cada vez mais me orgulho de minha querida cidade natal.

forte abraço

Com Dom Bosco sempre

Edu

Dra. Merania de Oliveira (jornalista e viúva do Dr. Roque Camêllo, saudoso presidente da Academia Marianense de Letras e diretor-executivo da Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana-FUNDARQ) disse...

Paz, saúde e alegria!

Exemplo de vida a do Maestro Benigno Parreira pela dedicação à música.

Conheci muito o musicólogo e historiador Aluízio Viegas que trabalhou na Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana (FUNDARQ), da qual Roque Camêllo, como voluntário, foi presidente e diretor-executivo por muitos anos.

Roque sempre elogiava o trabalho do Sr. Aluízio que durante as restaurações das partituras dos séculos XVIII, XIX e início do séx. XX teve um papel importante para que a publicação dos CDs e dos livros se tornasse realidade e com resultado também de qualidade. Foram 3 anos de muita dedicação.

Parabéns ao Blog de São João del-Rei pela participação de Antônio Gaio Sobrinho com o texto Divina Música, excelente.

Merania de Oliveira

Paulo Sousa Lima disse...

Parabéns, prezado Francisco Braga,pela publicação desse texto mavioso. O Mestre Gaio consegue nos puxar pra dentro do tema dos seus textos e nos emocionar com sua poética emoção. A cada dia mais aprendo a admirar vcs dois: ele por que nos brinda com belos textos. Vc por que tem a sensibilidade de publicá-los.