Por Augusto Ambrosio Fidelis *
Cadeira nº 26
Patrono: Malba Tahan
Senhoras e senhores,
A década de 1960, mundo afora, foi de total ebulição, seja na política, nas relações exteriores, nos costumes, nas ciências e nas artes. O ano de 1961, por exemplo, foi marcado pelo voo espacial do cosmonauta russo Yuri Gagarin, quando disse: “A terra é azul”. No mesmo ano, os Estados Unidos cortou relações diplomáticas com Cuba e lhe impôs o embargo econômico, dentro do processo chamado de Guerra Fria.
No Brasil, a crise política parecia não ter fim, inclusive com a renúncia do presidente Jânio Quadros, no mês de agosto daquele ano.
Divinópolis, arejada com os ventos que sopravam de fora, tornou-se uma fábrica de novidades, com a criação de empresas e entidades, que ainda emprestam ao município relevantes serviços. Somando-se a isto, há os registros do florescimento da cultura, com destaque para a literatura, teatro e música.
Neste contexto, num determinado dia, em que o escrivão de polícia Sebastião Bemfica Milagre, dentro da sua rotina de visitas, se encontrava com o farmacêutico José Maria Álvares da Silva Campos, para conversarem sobre literatura, surgiu a ideia de se fundar uma academia de letras em Divinópolis.
Com o passar dos dias, engajou-se à ideia o grande orador Carlos Altivo, conhecido como "Patativa do Oeste", mas precisava de pelo menos mais um nome para reforçar a proposta, e este foi o empreendedor e poeta Jadir Vilela de Souza, que retornava a Divinópolis a trabalho.
Assim, no dia 8 de junho, data do aniversário de Carlos Altivo, os quatro literatos reuniram-se na residência de Sebastião Milagre, para dar forma ao que era ainda uma ideia. Aí nascia, então, a Academia Divinopolitana de Letras, fato ocorrido há 57 anos.
Os pais da academia a idealizaram no mesmo formato da Academia Brasileira de Letras, com 40 cadeiras, que tem como modelo a Academia Francesa de Letras, criada pelo Cardeal Richelieu, em 22 de fevereiro de 1635, sob reinado de Luís XIII, inspirado pela Escola de Atenas, de Platão.
Os idealizadores do Sodalício acharam por bem convocar mais oito membros para iniciarem a empreitada com doze, a exemplo dos doze apóstolos.
A primeira reunião acadêmica realizou-se na biblioteca pública municipal nove dias depois, sob presidência de José Maria Campos, este o de mais idade, sendo eleita a primeira diretoria, sob comando do romancista Gentil Ursino Vale.
Vale ressaltar que os doze primeiros membros da Academia eram pessoas das mais respeitadas em Divinópolis, tanto no meio social quanto literário e, muitos deles deixaram expressiva obra, tanto em prosa como em versos.
Nessa primeira reunião, realizada na biblioteca, foi empossado na Cadeira nº 1 o poeta Jadir Vilela de Souza, cuja coleção de objetos históricos deu origem ao Museu Histórico de Divinópolis. Sua contribuição à literatura é enorme, tanto na poesia como no teatro. São famosos seus sonetos de amor, como neste “Recado”:
“Quando passares por aquela rua
E vires, debruçada na janela,
Sorridente, formosa uma donzela
Que tem no olhar toda a vaidade sua,
Dize-lhe, sim que achei-a muito bela,
E que nas noites quentes e sem lua
Fico a espreitar a imagem quase nua
Que o corpo seu nos mostra com cautela!
Que a possuir é meu desejo ardente
Que me devora e me perturba a mente
E que me traz a mais perversa dor.
E refletindo sobre o meu recado,
Não me condene pelo meu pecado
Em dedicar-lhe tão profundo amor!”
Na Cadeira nº 2 foi empossado Sebastião Bemfica Milagre, poeta dos mais brilhantes, que nos legou uma extensa obra. Além de fatos da vida social e do amor, a sogra foi um tema preferido, principalmente nas trovas.
“A vida vai me apertando,
Mais pesado fica o lenho,
Pois de novo me casando,
Duas sogras hoje tenho.”
Em vida, Sebastião recomendou que, quando da sua passagem para o infinito, não queria nenhuma flor no seu caixão, para não se sentir sufocado. Em versos disse o seguinte:
“Enterro bonito é a pé.
O cortejo vai andando
Pela rua lentamente.
Alguns parentes vão chorando
Alguns amigos passando
Ele era bom, era um santo
Era bondosa, uma santa.”
Empossado na Cadeira nº 3, José Maria Álvares da Silva Campos, além dos seus afazeres como farmacêutico, legou ao município belíssima obra, particularmente no que tange à poesia, como no soneto de sua autoria, “Saudade”:
“Quando um dia seguires o teu caminho,
Guia os teus passos com serenidade;
Não penses nunca que ficou sozinho,
Quem ficou sob o amparo da saudade.
Esse sentir não nasce da verdade,
E sim do grande afeto, do carinho
E na sua azulada claridade
O distante se torna tão pertinho.
Há de ser venturoso todo aquele
Que conseguir deixar um pouco dele
Após o instante da separação.
A vida é assim. Mas seja como for
Há glória no destino quando o amor
Permanece no nosso coração.”
Carlos Altivo foi empossado na Cadeira nº 4. Não deixou nenhum livro publicado, mas colaborou ativamente com a imprensa local. Suas crônicas foram muito apreciadas pelo público leitor. Há mais de 70 anos, Carlos Altivo escreveu uma crônica com elogios ao nascimento da Rádio Cultura de Divinópolis, hoje Rádio Minas e, em determinado trecho, afirma ele:
“Assim, tu serás a preferida de todos; assim, serás a atalaia intemerata
desta nossa Princesa do Sertão!
O céu da cidade agora é teu, Rádio Cultura,
Podes tomar conta do que te pertences.
Podes inundá-la com a sonoridade de tuas ondas. Queira Deus que elas sejam/
sempre puras, sempre limpas de ódio, semelhantes às de hoje.”
Gentil Ursino Vale, o primeiro presidente do Sodalício, foi empossado na Cadeira nº 5. O seu grande legado está na prosa, particularmente no conto e no romance. Na primeira antologia da ADL “Mar: todas as águas te procuram”, encontra-se o conto “Voltou o sol”, com o seguinte começo:
“A memória nunca envelhece, patrão. É a única coisa que os anos não conseguem transformar.”
Rosenwald Hudson de Oliveira, que inaugurou a Cadeira nº 6, também se destacou na prosa, particularmente na crônica de viagem. Na crônica, “Bororós do Mato Grosso”, ele diz no segundo parágrafo:
“Descrever a viagem, os panoramas, costumes, e o que vimos no puro interior selvagem e deserto desse decantado gigante, seria mister de escritor emérito, a fim de poder dizer com palavras mais bonitas e escolhidas, o que não conseguimos, que a Cachoeira das Palmeiras é bem mais bonita do que a hoje sofisticada praia de Copacabana.”
Na Cadeira nº 7 foi empossado o professor Odilon Ferreira Santiago. Odilon foi professor de Língua Portuguesa de várias gerações. No entanto, não encontramos registro de nenhum texto seu.
Na Cadeira nº 8 foi empossado Geraldo Moreira, o qual se destacou na crônica. No texto publicado na Antologia do ano 2000, “Uma história de cinco mil reis”, ele termina assim:
“Deus o abençoe, meu filho, e permita que no tempo próprio, se for preciso, você disponha de uma nota de cinco milhões para fretar um avião a jato e voar para os braços da sua namorada.”
Empossado na Cadeira nº 9, Joaquim Coelho Filho ("Dr. Quito"), além do exercício da medicina, deixou-nos uma linda obra poética, como nas três primeiras estrofes de “Nossa Casa”:
“Nossa casa que ali vês
Onde há paz, amor, ternura
Com flores em todo o mês
Num jardim em miniatura.
Minha alma quando a ideou,
Fê-lo com tanto carinho.
Que a casa, aos poucos, tomou
A forma e o jeito de um ninho.
Custou-me tanto trabalho
E vejo nela um senão,
Pois devia estar num galho
A casa que fiz no chão... ”
Petrônio Bax, empossado na Cadeira nº 10, foi poeta, inclusive autor de poemas em honra de Nossa Senhora. Porém o seu destaque foi nas artes plásticas, tornando-se famoso, mundo afora.
A Cadeira nº 11 foi fundada por José Carlos Pereira. Sabemos que foi um intelectual dos mais respeitados, embora não tenhamos encontrado nenhum dos seus escritos.
Completando o grupo, na cadeira nº 12, Rosa de Freitas Souza, a primeira mulher a adentrar os umbrais de uma Academia de Letras, muito antes de Raquel de Queiroz na Academia Brasileira. Até então, esse tipo de instituição era composto apenas por representantes do sexo masculino.
Rosa de Freitas se envolveu com a música, foi maestrina em Belo Horizonte, e nos deixou belíssimos poemas, encharcados de lirismo, como em o “Sopro”.
“O ato de escrever
É um ato de solidão,
É uma resposta de vida
Soprando o tempo
Cicatrizando-o no papel.
As dores do mundo
Estão no sopro
Que o rio carrega
E o fio navega
Levando o poeta como barqueiro
Navegante das palavras.
Carregando um fardo
Leva a sede no sopro do amor,
A dor, a luz e a nascente
Da paz.”
Senhoras e senhores,
Ao recordarmos aqueles que nos deram razão para estarmos aqui hoje, com uma pequena mostra de suas obras, fazemos memória também aos demais que estiveram conosco, mas que já partiram, nos antecedendo na imortalidade junto de Deus. Portanto, rogamos ao Altíssimo que volva seu olhar para os nossos confrades e confreiras, que necessitam a benevolência divina:
— Antônio Lourenço Xavier — Dom Belchior Joaquim da Silva Neto
— Edite Silva
— Guilherme Sanches
— João Augusto Dias
— José de Arimathea Mourão
— José Lara
— José Lindolfo Fagundes
— Júlio Régis Freire Fuscaldi
— Maria Fernandes Quadros
— Nylce Mourão Gontijo
— Frei Odulfo Van Der Vat
— Oswaldo Diomar
— Pedro Pires Bessa
— Waldemar de Almeida Barbosa
— Washington dos Santos
— Yara Ferreira Eto
— Zoroastro Ferreira de Andrade
É justo recordarmos também os nossos acadêmicos honorários que, embora não fossem efetivos, muito contribuíram com a presença e colaboração nas atividades da Academia:
— Frei Benardino Leers — Dr. Simão Salomé de Oliveira
— Maria Aparecida Nogueira
— Maria Aparecida Viegas Viana
Em 57 anos de vida, a Academia Divinopolitana de Letras cresceu em importância, tornou-se madura e dinâmica, e tem vida ativa no seio da sociedade. Promove palestras, concursos literários, celebra as efemérides mais significativas e incentiva novos escritores.
Logomarca da Academia Divinopolitana de Letras |
Nos últimos quatro anos, promoveu com sucesso a entrega do troféu ORFEU, reconhecendo o mérito de seus colaboradores e os talentos divinopolitanos no campo da arte e do jornalismo. Inclusive, neste ano, no evento realizado no Teatro Municipal Usina Gravatá, mereceu a presença do Secretário de Estado de Cultura de Minas Gerais, Ângelo Oswaldo.
Sob presidência do acadêmico Fernando de Oliveira Teixeira, que entra no segundo mandato, a Academia está de vento em popa. Vale lembrar que, numa iniciativa do vereador Edson de Souza e empenho pessoal do deputado federal Jaime Martins Filho, a Academia está instalada em nova sede, ampla e confortável, localizada no Bairro Esplanada.
Troféu Orfeu 2016, obra do artista Vicente Tarcísio Batista |
Enaltecemos também a Parceria da Prefeitura de Divinópolis, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e da Diretoria de Comunicação, e da Câmara Municipal, gentilmente nos disponibilizando este espaço.
Acreditamos que isto aumenta o entusiasmo dos acadêmicos e o desejo de escrever sempre mais e melhor para que o legado de cada um e, consequentemente da própria Academia, seja o mais expressivo possível, porque Divinópolis merece.
Assim, ao agradecermos ao presidente Fernando Teixeira pela oportunidade que nos dera de ocupar esta tribuna, em noite tão memorável, abraçamos a cada acadêmico, com os votos de grande sucesso:
— Álisson Israel Rodrigues — Bruno Godoi
— Célio Tavares
— Edson Gonçalves
— Beth Quadros
— Elizeu Ferreira
— Ernane Reis
— Flávio Ramos
— Francisco José dos Santos Braga
— Geraldo Valadão
— Gilberto Osório
— Jacir de Freitas
— Joana Lúcia Rios
— João Carlos Ramos
— Joaquim Medeiros
— José Dias Lara
— José Raimundo Bechelaine
— Manoel Ferreira do Amaral
— Márcio Carvalho
— Márcio Zacarias Lara
— Marco Antônio Pinto
— Maria Aparecida Camargos
— Maria Conceição da Cruz
— Maria da Conceição Eloi
— Maria de Fátima Batista Quadros
— Maria Lúcia Mendes
— Marlene Moreira Gandra
— Mercemiro Oliveira Silva
— Neuza Laboissière de Carvalho
— Paulo Milagre
— Renato Diniz Santos
— Ruy Franca
— Vinícius Peçanha
— Wagno José Ribeiro
— Waldemar Rosa Ferreira
Estendemos o nosso carinho também aos nossos honorários, com os votos de que estejam sempre conosco:
— Conceição Maciel — Ênia Azevedo de Freitas
— Frei Leonardo Lucas Pereira
— Márcia Aparecida Cecílio
Quanto a vocês, caríssimos convidados e convidadas, que gentilmente vieram juntar-se a nós nesta noite de celebração, o nosso agradecimento, porque, com a presença dos amigos, a festa fica mais completa. Muito obrigado.
* Acadêmico e ex-Presidente da ADL que dirige a Gerência de Cerimonial da Prefeitura de Divinópolis. Este seu discurso foi proferido no salão nobre da Câmara Municipal de Divinópolis em 8 de junho de 2018.
* Acadêmico e ex-Presidente da ADL que dirige a Gerência de Cerimonial da Prefeitura de Divinópolis. Este seu discurso foi proferido no salão nobre da Câmara Municipal de Divinópolis em 8 de junho de 2018.
12 comentários:
No dia 8 de junho de 2018, tive a oportunidade de comparecer, em comunhão com outros Acadêmicos, à solenidade de comemoração dos 57 anos da ADL-Academia Divinopolitana de Letras, no salão nobre da Câmara Municipal de Divinópolis, que contou com as presenças ilustres do deputado federal Jaime Martins Filho e do vice-prefeito Dr. Rinaldo Valério.
O Presidente da Academia, Dr. Fernando de Oliveira Teixeira, houve por bem designar o Acadêmico AUGUSTO AMBRÓSIO FIDÉLIS para ser o orador do discurso oficial do evento, no qual este reconheceu os passos que foram dados por uma plêiade de literatos abnegados, visando dotar a "Casa de Sebastião Bemfica Milagre" de "vida cada vez mais ativa no seio da sociedade divinopolitana, promovendo palestras, concursos literários, celebrando as efemérides mais significativas e incentivando novos escritores". Destaque especial é dado à entrega anual do troféu ORFEU a talentos divinopolitanos no campo da arte e a colaboradores da imprensa escrita e televisiva com a proposta da ADL. Tal projeto foi idealizado e todo ano é desenvolvido por Augusto Fidelis. A sua 5ª edição em 2019 já é aguardada.
SOBRE O AUTOR
http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2017/03/colaborador-augusto-ambrosio-fidelis.html
SEU DISCURSO
http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2018/06/discurso-oficial-na-solenidade-do-57.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Acadêmico da ADL
Cadeira nº 14
Patrono: Pe. António Vieira
Boa Nite
Muito obrigado Nobre acadêmico.
Também gostaria de ser membro da Academia Divinopolitana de Letras, já que
sou membro da Confraria Cultural Brasil Portugal em Divinópolis.
Um grande abraço.
Diamantino Bártolo
Portugal
Parabéns...
Gilberto Resende
Grato pelo envio. Fernando Teixeira
Mestre Braga,
Bom dia!
Agradeço-lhe imensamente o envio do texto do Blog acerca do aniversário da ADL.
Indubitavelmente o maior nome que há na ADL hoje é FRANCISCO BRAGA e a maior cantora de Divinópolis RUTE PARDINI.
Agradeço a Deus pelo grande presente em ter vocês como amigos.
Todos ficam espantados com sua bagagem cultural,educação,fineza e espírito crítico refinado.
Confesso-me,pequeno!
Que Deus continue te iluminando!
Obrigado!
Obrigado confrade Francisco Braga,
Fiquei feliz em ver o meu texto publicado na sua página. Afinal, é muito privilégio.
Abraço
Augusto Fidelis
Muito me alegra receber também notícia de Divinópolis. Somos todos Brasil.
BRAVO!
Para registro histórico, informo que, na parte artística da solenidade, o duo Rute Pardini e Francisco Braga se apresentou com o seguinte repertório:
Solo da soprano lírica, em alemão e russo, acompanhada ao piano (duo Rute e Braga):
1) Da unten im Tale ou Lá embaixo no vale (Música: Johannes Brahms; Letra: tradicional da Baviera)
2) Cantiga Noturna do Caminhante II (Música: Anton Rubinstein; Letra: Wofgang von Goethe (1870), trad. para o russo por Lermontov).
Caro amigo,
Parabéns ao Augusto Fidélis por sua oratória.
Tenha um excelente dia abençoado por Deus.
Lembranças para Rute.
Abraços.
Divinópolis, 7/6/2018
Prezado Braga e honrosa esposa Rute Pardini,
Bom dia!
Estamos na expectativa de mais um show, ofertado a Divinópolis pelos ilustres amigos.
Nossa cidade é pequena diante da voz da cantora Rute e do maestro Braga que por obra dos céus se tornaram meus amigos pessoais. Jamais imaginei tal bem-aventurança.
Já demonstrei várias vezes minha gratidão e fidelidade ao famoso casal.
Sucesso sempre!
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