Meus Senhores,
Cabe-me a subida honra de presidir à nossa festa de anniversario, dirigindo os trabalhos da sessão de hoje; subida honra, disse eu, tanto pelo facto de ver-me colocado à frente dos bons companheiros de lides, mas ainda por ter de substituir ao illustrado e venerando cidadão, que é o melhor amigo da nossa modesta associação.
É muitissimo de lastimar que estejamos privados, por pouco tempo embora, da sua valiosissima cooperação, tendo vós de ver substituida a sua palavra sempre ouvida com o respeito, religiosidade quasi que lhe tributamos, como o primeiro incontestavelmente d’entre nós, pela de um moço que, sentindo no coração, ainda bem vivo, o fogo das illusões, ouve a consciencia traçar-lhe, alto, o limitadissimo circulo dos conhecimentos, a esphera diminutissima do seo valimento.
Consola, anima-me no desempenho da ardua commissão de hoje, a grande somma de benevolencia, que sei haver em vós, e a certeza de que, d’aquellas portas a dentro, a boa vontade dos trabalhadores é moeda muito valiosa entre os revolvedores das ruinas que aqui accumulamos.
Ruinas, sim, de um passado que se desenrola aos nossos olhos, dando-nos o direito de indagar do que fomos, para deixar dito às gerações que virão, o que ellas deverão ser; uma aspiração de realidade para o antigo facto miraculoso de um presente constante, eliminados o passado e o futuro da historia da humanidade.
É a isto que tende, para este objectivo concentra os seos esforços a sciencia antropologica, à qual vae a archeologica levar as fartas messes dos seos descobrimentos.
Ir aos sepulchros onde jaz a humanidade que passou, pedir à terra os depositos confiados às suas entranhas de mãi commum pelos filhos que já foram, fazer thesouros nossos as ossadas que as gerações passadas depositaram no seio sempre fecundo, sempre renovado, e pedir-lhe os resquicios do viver de outr’ora para concluir de onde viemos, para onde iremos, o que fomos, o que seremos, eis a missão das duas sciencias que dão-se as mãos para o resultado commum.
E n’esse afan de indagações, n’essa romaria do saber, em que o homem persegue, sem treguas, obstinadamente o passado em busca da sua origem, do seo primeiro progenitor, o que faz, o que tem feito "a sciencia do homem e da humanidade", como a chamava James Hunt ¹, "a biologia do genero humano", como a definia Broca ² ?
Onde a verdade, qual a certeza, quem afugentará a duvida sobre a solução do problema que atormenta o espirito d’essa pleiade brilhante cujos nomes a historia registra como os affirmadores da superioridade da raça humana?
Imaginai que o espirito perde-se em investigações no campo vastissimo de um passado contado por seculos; é ahi, pelos dados que fornecem exemplares mudos de uma vida completamente extincta, que se procura decidir se é verdadeira a theoria orthodoxa, monogenista, que deriva as raças humanas da mesma fonte, sugeitas à influencia dos meios, dentro, não dos 5876 annos da primitiva tradição, mas em numero incalculavel de seculos, segundo a versão biblica adaptada às descobertas archeologicas, ou se deve ser aceita a doutrina revolucionaria, polygenista ³ e que sustenta serem os typos permanentes nas condições actuaes sob os nossos olhos e por consequencia, deverem ter sido multiplos no passado.
Se de um lado Isaac de La Peyrère ⁴ fundou, desde 1635 (sic), a theoria dos pre-adamitas, lembrando que, na frase da propria biblia, Deus marcára Caim na fronte para ser conhecido pelos que o vissem; se Linneo ⁵ fez o homem entrar para a sua classificação dos annimaes, dando-lhe a ordem dos primatas, tendo como precursores o macaco e o morcego, Blumenbach ⁶ assenta a historia natural sobre a anatomia comparada e divide o genero humano em cinco raças distinctas, pela conformação do craneo.
Se em 1809 coube a Lamarck a honra de ter fundado o transformismo ⁷ , affirmando que as especies não variam e passam ao contrario por uma infinidade de transmissões até chegar a um pequeno numero de germens primordiaes vindos por geração espontanea, apresentam-se-nos os trabalhos de Cuvier, o defensor das doutrinas orthodoxas e que poude suffocar, ao nascer, o transformismo de Lamarck ⁸ , levantando a sua theoria das revoluções periodicas da terra, do renovamento constante dos reinos vegetal e animal e da intervenção incessante e miraculosa de uma vontade creadora.
Fonte: até aqui, Gazeta de Oliveira, edição de nº 34, datada de 22/04/1888, Ano II, p. 3
M. de Quatrefages ⁹ defende a unidade da especie humana, com um lugar à parte na serie zoologica, sob o nome de reino humano, proposto por Geoffroy Saint-Hilaire ¹⁰
, sendo as variedades de raça devidas à influencia dos meios e do cruzamento; vae procurar, como Agassiz ¹¹ , a origem das especies na intervenção de uma vontade superior, aguido (sic / agindo?) em virtude de um plano preconcebido, nascendo em oito pontos distinctos pela fauna como pela flora; um professa um monogenismo classico e o outro um polygenismo especial.
Carlos Darwin proclama a luta pela existencia como a grande lei da animalidade, a que o homem não escapa, firmando a selecção natural para os animaes como para os homens, revolucionando o mundo scientifico com a doutrina Darwiniana, do nome do seu autor.
Seo digno successor Haeckel ¹² estabelece os vinte e um gráos de transformações, sempre por geração espontanea, desde os primeiros godilhões albuminoides, dando formação às primeiras cellulas conhecidas com o nome de moneras até a aparição do homem, tal qual é, seguidor do homem simiano, sem linguagem e sem cérebro correspondente.
Pasteur, nos seus recentes e assombrosos trabalhos microbianos, destroe a theoria da geração espontanea, deixando perplexo o mundo scientifico ante a incógnita do problema humano que se apresenta ainda hoje enigmatica, na solução que não foi achada ainda!
O que prova, entretanto, tudo isto, meus senhores?
É que, typo unico da creação, na sua origem, descendente de um specimen formado com todas as faculdades, tal qual é hoje, ou animal aperfeiçoado, o mais subido gráo, partindo do godilhão minusculo, como o entende Haeckel, homem é o unico da ordem dos animaes que tem a sede do saber, que perscruta os segredos do seo nascimento, que se afunda nos mysterios incomprehensiveis da sua formação, que se perde no insondavel problema da sua origem. É elle o unico que affirma a sua existencia no mundo onde vive; é elle o unico a quem, por uma disposição providencial (quem sabe?) das depressões intercircumvolucionarias da massa encephalica, pode dirigir-se à natureza e interrogal-a, por tantas e tão differentes formas, de onde proveio, qual o papel que deve representar na creação.
Se ao descobrir que não era o centro, o objectivo de toda a creação, mas o simples habitador de satelite minusculo de planeta inferior, o homem sentio-se ferido no seu orgulho; se pelas descobertas scientificas soffreo elle segunda e profundissima decepção, vendo-se derrubado do seu throno de rei da creação, obra-prima à imagem, semelhança e ao supremo esforço de Deus, para entrar na classe dos mamiferos, descendente de antropoides ou um pitheciano, deve sentir-se elevado, cheio de orgulho de si mesmo, ao reconhecer que é o unico dos seres creados que estuda a sua origem, preocupa-se em descobril-a, faz baixar os mundos à sua investigação, doma a natureza, fazendo com que ella sirva às necessidades que ella propria lhe creou, extingue as distancias, transforma os elementos, harmonisa as diversidades de condição da materia e vive a trabalhar para reunir todos os individuos da sua ordem em uma só classe, sem nacionalidades, sem distincção de raças, em um só povo: é este o problema do futuro, a realisar pela sciencia!
Encarando a creação universal e as muitas e assombrosas descobertas feitas pelo animal-homem, deve este sentir-se grandemente satisfeito ao reconhecer que é animal, sim, mas pode, hoje mais que nunca, parodiar o dito celebre do não menos celebre philosopho cartesiano, dizendo, autorisado pela sciencia:
“Se eu penso; portanto sou animal superior.”
LEITE E OITICICA
LEITE E OITICICA
Fonte: até aqui, Gazeta de Oliveira, edição de nº 35, datada de 29/04/1888, Ano II, p. 2-3
NOTAS EXPLICATIVAS por Francisco José dos Santos Braga
¹ James Hunt (1833-1869) foi terapeuta da fala em Londres, o qual tinha entre seus clientes Charles Kingsley, Leo Tennyson (filho do poeta Alfred Tennyson) e Lewis Carroll. Em 1859, lançou seu Manual da Filosofia da Voz e da Fala.
Seu outro principal interesse foi na antropologia. Em 1854, ele se juntou à Sociedade Etnológica de Londres por causa de seu interesse em diferenças raciais e de 1859 a 1862 foi o secretário honorário. Contudo muitos membros dessa sociedade se desgostaram com seus ataques às sociedades humanitárias e missionárias e ao movimento antiescravagista. Consequentemente, em 1863, com a colaboração do explorador Richard Burton ele fundou a Sociedade Antropológica de Londres, tornando-se seu primeiro presidente, e lançou a Revista Antropológica como órgão oficial da Sociedade. Seu paper intitulado “O lugar do negro na natureza” foi recebido com vaias e assovios quando apresentado na assembleia da Associação Britânica em 1863, devido à sua defesa da escravidão nos Estados Confederados da América e à sua crença na pluralidade das espécies humanas.
² De fato, Pierre Paul Broca (1824-1880) foi médico, anatomista e antropólogo francês, e era assim que definia a antropologia: “a biologia do gênero humano”. E é à “sciencia antropologica” que está se referindo o Dr. Leite e Oiticica quando usa a definição de Broca. Sobre Broca, sabe-se que concluiu o liceu aos 16 anos e, no ano seguinte, entrou no curso de Medicina da Universidade de Paris, tornou-se professor nessa mesma universidade, e aos 29 anos, tornou-se professor agregado. Fundou a Sociedade Antropológica de Paris em 1959. Foi eleito para a Academia de Medicina, em 1867, onde recebeu vários prêmios e honras. Em 1872 lançou a Revista de Antropologia e fundou a Escola Antropológica de Paris em 1876. É muito na linha do que diz Dr. Leite e Oiticica o que diz também Henri Thulié, diretor da École:
"Se é útil para a satisfação do homem saber de onde vem e quais foram seus erros, é mais útil ainda apoiar-se sobre esses conhecimentos para esforçar-se em saber para onde vai; é a antropologia que pode indicar-lhe isto. Assim como o estudo do homem em sua anatomia e na fisiologia traz noções para sua higiene e para o tratamento de suas doenças, também o estudo dos povos nas raças que os compõem, em suas necessidades sociais, em sua perfectibilidade, em suas grandezas como em suas fraquezas, pode indicar em que sentido o destino dessa nação deve evoluir.” *
* THULIÉ, H. "L’ École d’Anthropologie depuis sa fondation". In: 1876-1906. L’École d’Anthropologie de Paris. Parais: Félix Alcan, 1907, p. 24 (apud Blanckaert).
Broca foi pioneiro na investigação da antropologia física, tendo desenvolvido estudos na antropometria craniana, apresentando novos craniômetros e índices numéricos. Com Broca, todos os caracteres físicos passaram a ser submetidos à mensuração e à classificação. Esta regra desdobrou-se numa outra recomendação que Broca impôs como um critério erudito: o emprego do método estatístico e o tratamento quantitativo dos dados visando à maior objetividade. A partir daí, eram as massas de homens que contavam, não os indivíduos considerados exemplares. Portanto, ao fornecer à antropologia bases estáveis, Broca e seus sucessores procuraram reunir uma comunidade de especialistas perseguindo os memos objetivos. Os médicos seriam os mais numerosos a responder à convocação. Definida como “a biologia do gênero humano”, a antropologia tendeu a restringir seu campo de ação apenas a considerações anatômicas.
Interessado na teoria da seleção natural de Darwin, o médico francês realizou ainda importantes estudos comparativos de anatomia em vários primatas, analisando a relação entre as especificidades anatômicas do cérebro e do crânio e as respectivas competências mentais. Broca, envolvido no estudo da anatomia cortical cerebral, eternizou seu nome na história da medicina ao correlacionar o fenômeno clínico de afasia de expressão com o achado patológico de lesão da porção posterior do giro frontal inferior. Foi pioneiro no estudo e descrição precisa da anatomia cortical, resultando na teoria das localizações cerebrais e na popularização da ideia de que determinadas funções corticais poderiam ser localizadas em regiões específicas superficiais do cérebro. Desta forma, podemos considerar que Broca é responsável pelo nascimento da moderna neurocirurgia.
Maiores informações serão fornecidas na Bibliografia em artigo de Claude Blanckaert.
³ O Monogenismo é a teoria que defende que a humanidade constitui uma única espécie, descendente de um ancestral comum.
O Poligenismo é a teoria que defende que a humanidade não tem uma origem comum, isto é, que diversos grupos humanos pré-históricos e as raças humanas atuais descendem de espécies distintas.
Essa é uma discussão que envolve a antropologia.
Também o ocultismo também se manifesta sobre a antropogênese. [BLAVATSKY, 1973, vol. III, 186-7] assim se manifesta a esse respeito:
“(...) Dando a César o que é de César, examinemos primeiro todas as possibilidades de aceitação da teoria poligenética pelos homens de ciência.
Ora, a maioria dos evolucionistas da escola de Darwin inclinam-se por uma explicação poligenética da origem das raças. Aliás, sobre este ponto, como sobre muitos outros, reina a maior confusão entre os cientistas: só estão de acordo em se desentenderem.
“Descende o homem de um só casal ou de vários casais – monogenismo ou poligenismo? Tanto quanto se possa opinar sobre a questão, que, por carência de testemunhos (?), jamais será conhecida (?), a segunda hipótese é muito mais provável.” *
* A. Lefèvre, Philosophie, página 498.
Abel Hovelacque, em sua Science of Language, chega a conclusão semelhante, argumentando com provas recolhidas pela investigação filológica.
Em discurso proferido na Associação Britânica, o Professor W. H. Flower faz as seguintes observações a esse respeito:
“A teoria que parece mais conforme ao que hoje se sabe dos caracteres e da distribuição das raças humanas... é uma modificação da hipótese monogenista [!]. Sem entrar na difícil questão do método que presidiu ao primeiro aparecimento do homem na Terra, devemos assinalar-lhe uma remota antiguidade, tanto, pelo menos, quanto se possa medi-la sobre uma base histórica. Se pudéssemos de algum modo dispor de anais paleontológicos completos, a história do homem poderia ser reconstituída, mas não existe nada semelhante.”
Tal confissão deve ser tida como fatal ao dogmatismo dos evolucionistas físicos, deixando grande margem para as especulações ocultistas. Os adversários da teoria de Darwin eram e ainda são poligenistas. “Gigantes intelectuais”, como John Crawford e James Hunt, discutiram o problema e se manifestaram em favor da poligênese, e em sua época havia mais forte sentimento nesse sentido que contra a teoria. Só em 1864 principiaram os darwinistas a aderir à hipótese da unidade, da qual os Srs. Lubbock e Huxley foram os primeiros corifeus. (...)”⁴ Em 1655 um livro intitulado Prae-Adamitae em latim (em inglês, Men Before Adam, em 1656), pelo cortesão francês Isaac La Peyrère (1596-1676), apareceu em Amsterdam. Questionou a precisão da Bíblia e insistiu que a disseminação dos seres humanos por todas as partes do globo implies que deve ter havido homens antes de Adão e Eva. Assim, de acordo com La Peyrère deve ter havido duas criações: primeiro a criação dos gentios e então a de Adão, que era pai dos Judeus. La Peyrère concluiu que a Bíblia é a história dos Judeus, não a história da humanidade. Embora se ignore se Spinoza se encontrou com La Peyrère nesta época, um dos professores de Spinoza, Menasseh bem Israel, conhecia La Peyrère e até desafiou-o a um debate em 1655. “Prae-Adamitae” logo foi condenado na Holanda e em toda parte, e veio a ser considerado uma das mais perigosas obras heréticas na imprensa. Spinoza possuía uma cópia da obra, e muitas das ideias de La Peyrère sobre a Bíblia mais tarde apareceram nos escritos de Spinoza. Entretanto, este relato das origens humanas tornou-se base para teorias do século XIX de poligenismo e do racismo moderno. Esse poligenismo dos pagãos foi seu método de explicar a existência dos Negros, Chineses, Esquimós, Índios Americanos, Malaios e outros povos sendo descobertos.
⁵ Carl Nilsson Lineu (1707-1778) foi um botânico, zoólogo e médico sueco, criador da nomenclatura binomial e da classificação científica, sendo assim considerado o “pai da taxonomia moderna”, ao criar o moderno sistema de reinos, classes, gêneros e espécies, substituindo e adaptando o anterior sistema de John Ray. Foi aos Países Baixos em 1735 e lá obteve graduação em Medicina e lançou a publicação do seu “Systema Naturae”, onde apresenta a classificação dos seres vivos, descrevendo-os nos hoje familiares nomes “gênero-espécie” (nomenclatura binomial) . Em 1737, de volta aos Países Baixos, publica “Genera Plantarum”, o ponto de partida para o seu sistema de taxonomia. Entre as suas viagens dentro da Suécia, que tinham como motivação “a necessidade de explorar o próprio país”, com a promessa de que as suas descrições seriam publicadas em sueco, destacam-se a viagem à Lapônia (1732), a Dalarna (1734), à ilha de Olândia (1741), a Gotalândia Ocidental (1746) e à Escânia (1749).
O Dr. Leite e Oiticica parece referir-se às descrições de Lineu para uma espécie dos seres humanos (Homo sapiens), enquanto chamou uma segunda espécie de Homo troglodytes (homem das cavernas), nome dado por ele ao chimpanzé, hoje comumente colocado em outro gênero (Pan).
⁶ Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840) foi um medico, naturalista, fisiólogo e antropólogo alemão. Foi um dos primeiros a explorar o estudo da humanidade como um aspecto da história natural. Seus ensinamentos em anatomia comparativa foram aplicados a sua classificação das raças humanas, que ele defendia serem cinco, popularizando o termo “caucasiano” para povos daqueles de descendência europeia. Dividiu a espécie humana em cinco raças em 1779, pesquisa que mais tarde expandiu com o estudo de crânios, denominando-as: raça caucasiana ou branca; raça mongólica ou amarela; raça malaia ou marron; raça etíope ou negra; raça americana ou vermelha. Estudos anatômicos posteriores embasaram seus argumentos de que características físicas como cor da pele, perfil de crânio, etc. dependiam da geografia, dieta e maneirismo. Como outros monogenistas, Blumenbach aderiu à “hipótese degenerativa” das origens raciais. Afirmava que Adão e Eva era habitantes caucasianos da Ásia e que outras raças resultaram por degeneração devido a fatores ambientais, tais como o sol e dieta pobre. Além disso, concluiu que os Africanos não eram inferiores ao resto da humanidade “com respeito às faculdades saudáveis de compreensão, excelentes talentos naturais e capacidades mentais”.
⁷ Lamarck (1744-1829) foi um célebre biólogo evolucionista. Na sua época, foram feitas diversas descobertas de fósseis na França, o que o desafiou a formular uma teoria que explicasse a evolução das espécies. Foi assim que desenvolveu o seu transformismo, com a suposição da necessidade evolutiva no meio biótico, em contraposição ao fixismo defendido pela Igreja. No seu livro Filosofia Zoológica (1809), Lamarck primeiro formulou explicitamente sua teoria sobre a transmutação das espécies, embora a tenha formulado já em 1801. Segundo ele, as mudanças orgânicas se operam através dos esforços incessantes de cada organismo para atender às necessidades impostas por seu ambiente. Esforço constante significa o uso constante de certos órgãos. Assim, explicava ele, um pássaro correndo à beira-mar é permanentemente tentado a vadear cada vez mais em busca de comida. Isso ocorrendo em várias gerações explicaria o desenvolvimento de enormes pernas para aquela ave específica. De maneira semelhante, através do esforço individual e da tendência transmitida, todos os órgãos diversificados de todas as criaturas foram desenvolvidos – a barbatana do peixe, a asa do pássaro, a mão do homem; mais ainda, o próprio peixe, o pássaro, o homem. Coletivamente, os órgãos formam todo o organismo: é o que é verdadeiro dos órgãos individuais deve ser verdadeiro também de seu conjunto, o ser vivo.
Ao mesmo tempo, Lamarck era partidário da teoria da abiogênese. Tentando explicar a origem da vida na terra, essa teoria defendia a geração espontânea de seres vivos, a partir de uma matéria bruta sem vida. Essa teoria contou com o apoio de muitos cientistas, até que, em 1862, foi definitivamente derrubada por Louis Pasteur. Com isso, a teoria da biogênese ganhou mais visibilidade e apoio dos cientistas e atualmente é aceita para explicar o surgimento dos seres vivos na Terra, ou seja, os seres vivos são originados a partir de outros seres vivos preexistentes.
Finalmente, Lamarck foi o primeiro cientista da época a usar a palavra “biologia”.
Segundo [PINO, 2009, s/p],
Segundo [PINO, 2009, s/p],
“em 1809, Lamarck pensou que tinha condições de propor um modelo evolutivo e criar uma árvore genealógica que ligasse todas as espécies, dos microorganismos ao homem, especulação que ele teria abandonado por não encontrar sustentação a seus pontos de vista.”
⁸ George Cuvier (1769-1832), tendo assistido às aulas de anatomia comparada na Karlsschule em Stuttgart, logo se destacou pela perícia na dissecção, sobretudo de invertebrados marinhos. Seus trabalhos culminaram na publicação de “Quadro elementar da história natural dos animais” (1797) e “Lições de anatomia comparada” (1805). Nessas obras, relacionou o funcionamento de cada órgão com o corpo em seu conjunto e sustentou que o ambiente natural do animal condiciona em grande parte sua anatomia. Contrariamente às ideias de Lamarck, acreditava que as espécies animais não haviam mudado desde a criação. Ele defendia a fixidez absoluta das espécies. Como uma prova final e tangível de sua posição, apresentou os corpos de íbis que haviam sido embalsamados pelos antigos Egípcios, e mostrou, por comparação, que estes não diferiam dos íbis que habitavam o Nilo na ocasião.
⁹ M. de Quatrefages (1810-1892) vulgarizou a palavra “antropologia” a partir de 1855, tendo em 1867 escrito para a Exposição de Paris “Relato sobre os progressos da antropologia”. Para Quatrefages, a antropologia devia ter em conta não só o estudo das raças humanas viventes, mas também as fósseis. Defendia a unidade da espécie humana, quer dizer, o monogenismo, em oposição a outros antropólogos franceses poligenistas, como Broca ou Topinard. É muito possível que o monogenismo de Quatrefages fosse religioso no fundo, pois sempre defendeu a ideia de um reino humano à parte do reino animal, como fez em sua obra “A unidade da espécie humana”, publicada em 1861. Este reino à parte teve ao princípio tanto seguidores como detratores, porém com o tempo foi rechaçado praticamente pela maioria dos antropólogos. Também assumiu uma posição antievolucionista, publicando várias obras críticas sobre Darwin: “Darwin e seus precursores franceses” (1870) e “Os êmulos de Darwin” (1894). Não obstante, o naturalista Darwin e o antropólogo Quatrefages se citaram reciprocamente em suas obras, pois que se tinham em alta conta como cientistas.
¹⁰ Étienne Geoffroy Saint-Hilaire (1772-1844) graduou-se em direito, mas, convencido pelo naturalista Louis Daubenton a dedicar-se à pesquisa científica, tornou-se naturalista e zoólogo. Integrou a comissão científica de Napoleão ao Egito (1798), onde coletou grande número de espécimes e fundou o Instituto do Cairo. De volta a Paris, foi eleito membro da Academia de Ciências, que mais tarde passou a presidir. Nomeado catedrático de zoologia da Sorbonne (1809), passou a se dedicar aos estudos de anatomia comparada, porém acometido de cegueira, teve que abandonar suas atividades científicas, acadêmicas e administrativas (1840) pouco antes de sua morte, em Paris. Ele acreditava na unidade subjacente do plano organismal e na possibilidade de transmutação de espécies no tempo, acumulando evidências para suas afirmações por meio de pesquisas em anatomia comparativa, paleontologia e embriologia. Sua obra principal, Philosophie anatomique (1818-1822) gerou uma intensa polêmica com Cuvier. Como alguns de seus conceitos, no entanto, vêm sendo comprovados pela ciência moderna, é considerado o fundador da Embriologia.
¹¹ Ambos os naturalistas Louis Agassiz (1807-1873) e Charles Darwin (1809-1882) fizeram expedições ao Brasil. O primeiro publicou um relato, escrito por ele e sua esposa Elizabeth Cabot Agassiz, com o título A Journey in Brazil (1868). As anotações redigidas pelo casal tinham o propósito de serem publicadas para um público letrado, especialmente na Europa; logo, o relato foi influenciado por essa perspectiva. Essa expedição, que partiu de Nova Iorque em 1º de abril de 1865, coletou grande número de espécimes animais, em especial de peixes de todo o território brasileiro, que resultaram na identificação de centenas de novas espécies, consolidando seu nome como especialista em ictiologia. Agassiz é citado por [BLAVATSKY, idem, idem, 187], quando explica como tudo na Natureza tende para a formação do Homem:
“O progresso é a sucessão dos seres: consiste em uma similaridade crescente da fauna viva e, sobretudo entre os vertebrados, em uma progressiva semelhança com o homem. O homem é a meta para onde se tem encaminhado toda a criação animal, desde que começaram a aparecer os primeiros peixes paleozóicos.” *
* L. Agassiz, Principles of Zoology, página 206.
Apesar de não ter conseguido refutar a teoria evolucionista, Agassiz deu inúmeras informações em seus artigos científicos, que ainda hoje têm interesse para os cientistas contemporâneos na área de ictiologia.
Charles Darwin partiu em 27 de dezembro de 1831, de Davenport, na Inglaterra, a bordo do navio Beagle, para uma viagem de quatro anos e nove meses ao redor do mundo e fez duas passagens pelo Brasil em 1832 e 1836. Também ele publicou seu diário de viagem (Voyage of a naturalist round the world), onde fez um detalhado registro de sua longa expedição. Na primeira passagem pelo Brasil em 1832, chegou a Fernando de Noronha (20/02), Salvador (28/02 a 18/03), Rio de Janeiro e excursão ao interior do Estado (04/04 a 05/07), de onde partiu em 5 de julho com destino à Patagônia e atual Passagem de Drake que o levaria às Galápagos e às observações que o conduziriam ao evolucionismo. Na segunda passagem pelo Brasil em 1836, no retorno à Inglaterra, permaneceu de 1º a 06/08, em Salvador e, de 7 a 12/08, em Recife.
Charles Darwin partiu em 27 de dezembro de 1831, de Davenport, na Inglaterra, a bordo do navio Beagle, para uma viagem de quatro anos e nove meses ao redor do mundo e fez duas passagens pelo Brasil em 1832 e 1836. Também ele publicou seu diário de viagem (Voyage of a naturalist round the world), onde fez um detalhado registro de sua longa expedição. Na primeira passagem pelo Brasil em 1832, chegou a Fernando de Noronha (20/02), Salvador (28/02 a 18/03), Rio de Janeiro e excursão ao interior do Estado (04/04 a 05/07), de onde partiu em 5 de julho com destino à Patagônia e atual Passagem de Drake que o levaria às Galápagos e às observações que o conduziriam ao evolucionismo. Na segunda passagem pelo Brasil em 1836, no retorno à Inglaterra, permaneceu de 1º a 06/08, em Salvador e, de 7 a 12/08, em Recife.
¹² Ernst Haeckel (1834-1919) foi um biólogo, naturalista, filósofo, médico, professor em anatomia comparada e artista alemão versado em ilustração, que ajudou a popularizar o trabalho de Darwin e um dos grandes expoentes do cientificismo positivista. Descreveu e nomeou várias espécies novas, mapeou uma árvore genealógica que relaciona todas as formas de vida. Foi um dos primeiros a considerar a psicologia como um ramo da fisiologia.
BIBLIOGRAFIA
BLANCKAERT, Claude: Lógicas da antropotecnia: mensuração do homem e bio-sociologia (1860-1920), São Paulo: Revista Brasileira de História, vol 21, nº 41, 2001
BLAVATSKY, H. P.: A doutrina secreta, vol. III (Síntese da ciência, da religião e da filosofia), São Paulo: Editora Pensamento, 1973, 478 p.
PINO, Angel: Ciência e educação: a propósito do bicentenário do nascimento de Charles Darwin, Campinas: Revista Educação & Sociedade, vol. 30, nº 108, out. 2009 in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302009000300011
PINO, Angel: Ciência e educação: a propósito do bicentenário do nascimento de Charles Darwin, Campinas: Revista Educação & Sociedade, vol. 30, nº 108, out. 2009 in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302009000300011
7 comentários:
Prezad@,
Conforme lhe havia prometido, em meu último artigo neste Blog de São João del-Rei, versando sobre uma correspondência do Dr. Leite e Oiticica proveniente de Maceió e datada de 03/12/1887 destinada à redação da Gazeta de Oliveira, que meu próximo artigo reproduziria o "discurso scientifico" do meu biografado, proferido em "sessão anniversaria do nosso Instituto Archeologico e Geographico, em presença do Presidente da Provincia e das pessoas mais gradas da capital" em 02/12/1887 (ou seja, um dia antes da referida correspondência), tenho o prazer de apresentar-lhe, em primeira mão, o discurso do mesmo letrado tratando da ciência antropológica, então nos seus alvores, suscitando muita polêmica e despertando espanto nos seguidores e fúria nos oponentes de determinada tendência.
Reitero que me servi do "Acervo Histórico Digital" da então Gazeta de Oliveira (hoje Gazeta de Minas) para realizar minha pesquisa.
Foi obedecida a grafia de época no texto do discurso de Dr. Leite e Oiticica.
Todas as Notas Explicativas são de minha lavra.
http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2018/06/discurso-proferido-pelo-sr-dr-francisco.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Leio atentamente todos os seus artigos, que, por sinal, são excelentes.
Boa tarde, amigo e confrade.
Obrigado pelo envio do discurso.
Saudações efsuivas a você e à dona Rute.
Passos de Carvalho
Prezado Braga, boa tarde. Agradeço o envio da matéria e comunico o falecimento do nosso confrade Pedro Pires Bessana, que ocupava a cadeira nº 6 da ADL. Foi meu contemporâneo no Seminário Seráfico Santo Antonio em Santos Dumont, chegando ao presbiterato, mas depois voltou ao estado secular, tendo aposentado como professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e da UEMG, publicou vários ensaios literários, obras de crítica e de poemas.Residia em Divinópolis, sua terra natal. Seu óbito ocorreu na data de hoje, devendo ser sepultado amanhã. Pax et bonum. Fernando Teixeira
Caro Amigo Braga
Agradecemos pela gentileza do envio.
Abraços dos amigos Mario e Beth
Prezado Braga.
Agradeço-lhe pelo convite para a solenidade do 57º aniversário da ADL quando sua esposa dará um concerto com seleto repertório. Lamento não poder estar presente, mas desejo a você e Rute muito sucesso neste e nos outros programas que fizerem, representando a boa música de que o Brasil tanto carece. Aproveito para agradecer-lhe, também, pelo envio do seu blog sempre nos enriquecendo com seus artigos que muito aprecio. Abraços
Elza do Val Gomes e Coral Júlia Pardini.
Prezado professor Braga.
Importantíssima a sua publicação desse curioso discurso em termos da história da ciência no Brasil. Interessante que, naquela época, havia uma certa preocupação estilística nas apresentações, contrastando com uma linguagem mais "técnica", digamos assim, usada atualmente, de um modo geral. Não poderia faltar, ainda, nos ambientes acadêmicos, referências aos elementos bíblicos, fonte do conhecimento dos tempos remotos da Terra e da humanidade.
Suas notas explicativas abordando estudos e autores do século XIX, servem de apontamentos para uma aula, dando-nos um verdadeiro panorama da ciência na época. Muito bom! Muito agradável leitura!
Agradecido.
Cupertino
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