Por Arnaldo Viana
Missão médica brasileira enviada para a França durante o conflito contou com profissionais da Faculdade de Medicina (hoje da UFMG), que se destacaram em procedimentos cirúrgicos. (Matéria publicada em 02/08/2014 pelo jornal ESTADO DE MINAS)
Nas comemorações do centenário da vitória aliada sobre a Alemanha e a Áustria-Hungria, festeja-se também a marcante presença da missão médica brasileira nos últimos meses do conflito, da qual fazia parte um grupo de profissionais enviado pela então Faculdade de Medicina de Minas Gerais (hoje Faculdade de Medicina da UFMG). Os mineiros, sob o comando do doutor Eduardo Borges da Costa, se destacaram, principalmente em procedimentos cirúrgicos. E as façanhas desses homens estão bem guardadas e documentadas.
Antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, conflito de origens não muito claras, que envolviam questões econômicas, culturais e territoriais, a Itália era aliada da Alemanha e do Império Austro-Húngaro. Quando a luta começou, os italianos pularam fora e se juntaram às forças aliadas. O Brasil tentou não se envolver, respaldado pela Convenção de Haia, e declarou neutralidade. O governo não se mexeu nem mesmo ao ver o navio mercante Paraná atacado por submarino alemão, com morte de três brasileiros.
O povo, indignado, foi às ruas. As manifestações, tais quais às de junho de 2013, começaram pacíficas e depois se tornaram violentas, com depredação de propriedade de alemães no país. Houve até uma greve geral. A confusão aumentou quando grupos políticos contrários à entrada do país na guerra também começaram a se manifestar publicamente. Venceram os que queriam ir à luta e, em 11 de abril de 1917, o Brasil rompeu relações diplomáticas com o bloco germânico e, em 26 de outubro do mesmo ano, assinou a declaração de guerra.
Houve outros ataques a navios brasileiros e, em apoio às forças aliadas, o país ficou responsável pelo patrulhamento do Atlântico sul. E, em vez de enviar tropa e armas para reforçar os 70 milhões de soldados que combatiam na Europa, decidiu mandar a campo missões médicas para curar os feridos em batalha. E no fim de 1917 embarcou o primeiro grupo de 96 profissionais, incluindo farmacêuticos, para hospitais da França, país que sofria assédio violento das tropas do bloco germânico.
Em 1918, começou a ser formada a segunda missão. A Faculdade de Medicina de Minas Gerais se omitiu e em 2 de julho decidiu formar uma equipe, capitaneada pelo doutor Eduardo Borges da Costa, para se juntar ao grupo de 92 profissionais, comandados por Nabuco Gouveia, que embarcou em navio no Rio de Janeiro em 18 de agosto de 1918 e, em 24 de setembro, chegou ao porto de Marselha.
A viagem de 36 dias não foi tranquila. A missão deixou o Brasil assolado pela gripe espanhola, que matou, entre outras pessoas, o presidente Rodrigues Alves, pouco tempo depois de tomar posse. O vírus estava espalhado por quase todo o mundo e, evidentemente, também embarcou no navio e estava presente na França. E, além de tratar dos feridos de guerra, os médicos brasileiros tiveram de cuidar de enfermos vítimas da epidemia.
ORGULHO ACADÊMICO
Nomes, fotos e parte do equipamento usado pelos médicos mineiros na França fazem parte do acervo do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, unidade da Faculdade de Medicina de Minas Gerais. São mais que um troféu. São motivo de orgulho de toda a comunidade médica. Além de participar de um momento histórico do país, a façanha do grupo chefiado por Eduardo Borges da Costa foi importante instrumento de afirmação para a faculdade.
No início do século passado, só havia três escolas da medicina no país: no Rio de Janeiro, na Bahia e no Rio Grande do Sul. Quando um grupo de 13 profissionais, entre os quais Eduardo Borges da Costa e Alfredo Balena, decidiu fundar uma faculdade em Minas, houve forte reação contrária dos cariocas. Chegaram a publicar um artigo no jornal A notícia, do Rio, sob o título “Basta de doutores”. Isso instigou ainda mais os mineiros e em março de 1911, nascia a Faculdade de Medicina de Minas Gerais.
Neste ano do centenário da Primeira Guerra Mundial, o tema das conversa na instigante sala de recepção do Centro de Memória, repleta de retratos, registros, quadros referentes à história acadêmica da faculdade, não poderia ser outro a não ser a aventura da missão médica mineira. Invariavelmente à mesa, o professor de clínicas médicas e diretor da unidade, João Amílcar Salgado, que, orgulhoso, conta: “Os europeus diziam que nossos médicos operavam com uma velocidade e elegância que eles não conheciam”.
Para Ajax Pinto Ferreira, professor de cirurgia e coordenador do centro, a missão médica mineira reafirmou um compromisso da faculdade de estar sempre presente nos momentos em que o país precise de serviços médicos. O angiologista Márcio de Castro Silva é um dos entusiastas da divulgação do trabalho dos mineiros na guerra. E se emociona em lembrar que o tio, José Camilo de Castro Silva, integrou o grupo.
Mural no Centro de Memória traz mais detalhes da participação dos mineiros na primeira grande guerra(Foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press) |
Os profissionais brasileiros se espalharam por províncias francesas durante a guerra. Parte dos mineiros ficou em Paris, no hospital improvisado em um convento jesuíta. Borges da Costa atuou como braço direito de Nabuco Gouveia. A guerra terminou em 11 de novembro de 1918, mas a missão médica brasileira só foi oficialmente desfeita em fevereiro de 1919. Alguns profissionais ficaram por mais tempo na França e outros foram para outros países, inclusive da África.
MÉDICOS COM PATENTE MILITAR
Os integrantes da missão levaram para a França apenas seus jalecos e instrumentos de trabalho. Mesmo assim, trabalharam fardados e com patente de oficial. Antes do embarque do grupo para a França, a faculdade deliberou em reunião de conselho, com ata específica, fazer uma solenidade de despedida, na qual foi servido um lanche, regado a champanhe. A missão mineira foi formada por Eduardo Borges da Costa (tenente-coronel), Renato Machado (capitão), Abel Tavares de Lacerda (capitão), José Camilo de Castro Silva (tenente), Salomão de Vasconcellos (1º tenente), Luiz Adelmo Lodi (2º tenente) e Manoel Taurino do Carmo (2º tenente).
LINHA DO TEMPO
1914 – Em 28 de julho começa a Primeira Guerra Mundial, com a invasão da Sérvia pelo Império Austro-Húngaro, que formava aliança com Alemanha
1914 – Em 4 de agosto, o Brasil declara neutralidade diante do conflito, respaldado pela Convenção de Haia
1917 – O vapor brasileiro Paraná, carregado de café, é afundado por submarino alemão na costa francesa
1917 – Em 11 de abril, depois de pressões populares e políticas, o Brasil rompe relações diplomáticas com o bloco germânico e tem outros navios atacados
1917 – Em 26 de outubro, o Brasil declara guerra à aliança Alemanha e Império Austro-Húngaro
1918 – Em 2 de julho, a Faculdade de Medicina de BH (hoje Escola de Medicina da UFMG) decide se juntar à missão médica brasileira que iria prestar serviço às forças aliadas na Europa
1918 – Em 18 de agosto, 96 médicos, entre os quais os mineiros, embarcam rumo a França para se juntar aos 96 profissionais de saúde brasileiros que desde o ano anterior já estavam na Europa. Em 11 de novembro a guerra acabou
FRANCISCO OLIVEIRA, pesquisador e autor barbacenense, residindo atualmente em Belo Horizonte, tendo lido o artigo "NÓS TAMBÉM TEMOS HERÓIS", por Maria Tereza Mendes, publicado pelo Blog de São João del-Rei, escreveu-me o seguinte e-mail:
"Xará, muito interessante o artigo sobre a participação de equipe médica brasileira na 1ª guerra. Estou enviando uma reportagem do ESTADO DE MINAS sobre a participação de médicos mineiros naquela equipe.
Um grande abraço,
Francisco."
Foi uma surpresa para mim constatar que, entre os heróis brasileiros de 1918, havia médicos mineiros na Missão Médica Militar Brasileira participando daquela ajuda do Brasil para o esforço de guerra voltada à causa humanitária.
10 comentários:
Nas nossas escolas são sempre transmitidas informações ricas a respeito da Missão Artística Francesa de 1816, sendo Jean-Baptiste DEBRET (1768-1848) considerado "a alma da Missão Francesa".
Por outro lado, não sei de escolas brasileiras transmitindo a seus alunos informações sobre a Missão Médica Militar Brasileira que prestou ajuda humanitária à França. Também a História a esqueceu.
Apenas uma placa solitária no Jardim do Hôpital de Vaugirard denuncia a presença de médicos, cirurgiões, enfermeiros e farmacêuticos brasileiros há 100 anos atrás, através da placa com os seguintes dizeres: “Aqui se ergueu o hospital franco-brasileiro dos feridos de guerra criado e mantido pela colônia brasileira de Paris como contribuição na causa aliada (1914-1918). Placa inaugurada por ocasião do 80° aniversário da presença da Missão Médica Especial Brasileira.”
O Blog de São João del-Rei presta aqui homenagem singela ao grupo de profissionais mineiros enviado pela então Faculdade de Medicina de Minas Gerais (hoje Faculdade de Medicina da UFMG).
ARNALDO VIANA, no post, dá notícia de 2 Missões brasileiras: a primeira, de 1917, composta de 96 profissionais de medicina para hospitais da França; a segunda, de 1918, composta de 92 profissionais (da qual fez parte o contingente mineiro, capitaneado pelo Dr. Eduardo Borges da Costa aqui mencionado), foi comandada por Nabuco Gouveia.
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Bonjour Francisco et Rute,
Bonjour São João del Rey,
je te remercie pour le post envoyé!!!
Este final de semana irei levar as crianças para passear por là, assim teremos conteúdo para uma pequena aula de história franco-brasileira com elas.
E por falar em crianças (como não tivemos muito tempo hahaha), gostaríamos de anunciar que esperamos o nosso terceiro filho... estamos grávidos!!!👍👍👍
E como conversei com alguns amigos de Uberlãndia, acabei de enviar teu mail sobre os médicos de Minas Gerais!!!
É sempre um prazer falar com vocês,
Um "Bonjour" de Puteaux- La Défense!!!
Abraços Brasileiros,
Fadi, Adriana, Carolina, Gabriel e bb3 🇧🇷🇧🇷🇧🇷
MEU AVÔ EUCLYDES GARCIA DE LIMA ATENDEU GRATUITAMENTE, EM SÃO JOÃO DEL REI, MILITARES QUE RETORNAVAM FERIDOS DO FRONT NO SUL DE MINAS, DURANTE A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932.
ESSAS HISTÓRIAS SÃO MUITO BELAS.
GRATO.
ROGÉRIO
Prezado Primo.
Parabéns pela divulgação deste fato histórico de que muito nos orgulhamos.
Só tenho notícia de divulgação dessa nossa participação na Primeira Guerra Mundial nas escolas militares.
Nunca vi uma foto de um brasileiro ao lado desta placa.
Nem eu, que sou militar, quando fui à França, lembrei-me de visitá-la. Me penalizo pelo esquecimento.
Mas ela está lá e os franceses valorizam. Precisamos resgatar essas memórias.
Att
Roberto Carvalho
Mestre Braga, um dos médicos mineiros que integraram o escalão que seguiu para a I Grande Guerra foi o Dr. Salomão de Vasconcellos, que se tornaria famoso historiador. Nasceu em Mariana. Fui amigo de seu filho Décio, também historiador. Uma vez, na década de 1960, pude ver o Dr. Salomão de Vasconcellos na Livraria Itatiaia, na Rua da Bahia.
E só um registro. De fato, a Missão Médica Militar Brasileira na I Grande Guerra Mundial está bem esquecida. Aliás, as duas estão bem esquecidas. Bom lembrar.
Abraço do Danilo Gomes.
Somos um povo desmemoriado e, por isso, quando surge u'a mente privilegiada como a sua, caro confrade, nos surpreendemos muito ao constatar que somente figuras como você têm coragem de resgatar do naufrágio no esquecimento, fatos tão relevantes como este. Obrigado, caro amigo, e parabéns por ter coragem de mergulhar no passado de nossa história.
Um abraço.
Alair
Notável confrade e amigo FJSBraga.
Mais um artigo que no remove à história de nossa Pátria, e dessa vez vamos conhecendo o árduo trabalho da equipe médica nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial.
Doutor Borges da Costa, ilustre mineiro, foi presidente da Filial da Cruz Vermelha em Minas Gerais, sucedendo o lavrense Capitão GN Francisco Ribeiro de Carvalho.
O artigo supra e outros aqui por você publicados,formatam nosso conhecimento e nos inspira à vivenciar a grandeza do Brasil, verde e amarelo.
Saudações basilianas.
Passos de Carvalho,
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MG.
Caro professor Braga
Esclarecedora nota sobre esse episódio da participação brasileira na Primeira Guerra Mundial. Apenas observo que o seu título pode dar a entender que médicos brasileiros tenham sido combatentes. Outro detalhe se refere à legenda da segunda imagem, na qual uma equipe "passeia por área de Paris devastada"; fico em dúvida quanto a ela, uma vez que a zona de guerra não atingiu Paris diretamente, naquela oportunidade, senão a cerca de 70 quilômetros de sua área urbana
Muito grato.
Cupertino
Caro confrade Prof Braga,
Muito grato pela remessa da excelente matéria sobre a participação
brasileira - em especial de médicos mineiros - em campos de batalha da
1ª Grande Guerra, assunto praticamente desconhecido entre nós, senão
pouco divulgado. Encaminhei ao nosso setor de comunicação & marketing
para possibilidade de divulgação.
Abraços
João
Prezado Braga,grato pelo envio da matéria. Abraço do Fernando Teixeira
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