sexta-feira, 2 de abril de 2021

MÚSICA SACRA DO PADRE JOSÉ MARIA XAVIER EDITADA EM MUNIQUE (1884-85)


Por Francisco José dos Santos Braga

 
A Missa e Credo nº 5 (1880) e as Matinas do Natal de Nosso Senhor Jesus Christo (1866?) são as duas obras do compositor e instrumentista Padre José Maria Xavier, cujas partituras foram editadas em 1884 e 1885, respectivamente, em Munique, na Alemanha, fato singular na música sacra oitocentista mineira. 

Matinas do Natal de N. S. Jesus Christo – para quatro vozes e pequena orquestra. Obra composta em 1866? e impressa em Munique (Alemanha), em junho de 1885. É orquestrada para violino I, violino II, viola, baixos, oficleide, flauta, clarineta, trompete e trompas, além das quatro vozes (tiple, alta, tenor e baixa). Segue a forma geral das Matinas: Invitatório (Christus natus est nobis. Venite adoremus) – 1º Noturno (três Responsórios), 2º Noturno (três Responsórios) e 3º Noturno (dois Responsórios). 
Essa obra foi gravada integralmente pela Orquestra Ribeiro Bastos, sob a regência do Dr. José Maria Neves, que é também autor de instrutivo folheto sobre o autor e obra, que acompanha o disco. 
 
Capa da partitura das Matinas do Natal, editada em Munique em 1885 (presente do musicólogo são-joanense Aluízio José Viegas em 1963)

 

Missa e Credo nº 5, composta em 1880, foi impressa em 1884, em Munique. Foi gravada pela Orquestra e Coro do 14º Inverno Cultural, da UFSJ, sob a regência de Paulo Miranda, sendo ao mesmo tempo lançada, em esmerada edição, a partitura dessa Missa. 
 
Capa da partitura da Missa nº 5, composta em 1880, impressa em 1884 em Munique (presente do Maestro Paulo Miranda)

 
CD que acompanha a partitura da Missa nº 5


Na tradição luso-brasileira, o gênero "Missa" compreendia o Kyrie e o Glória; e o gênero "Credo", o Credo propriamente dito, o Sanctus (com o Benedictus) e o Agnus Dei. Logo, toda a Missa nº 5 é composta de cinco partes: Kyrie, Glória, Credo, Sanctus e Agnus Dei. 

Encontrei na coluna NOTICIÁRIO da GAZETA MINEIRA, edição de 1º de abril de 1884, informações sobre a Missa e Credo nº 5, impressa em Munique em 1884. Aqui segue o texto, respeitada a sua grafia de época, apresentado naquele histórico periódico são-joanense: 

Missa e Credo 
O nosso distincto amigo e conterraneo Revmº Padre José Maria Xavier acaba de mandar imprimir, em Munich, uma missa e um credo de sua composição.
Sentimos immensa satisfação em transmittir aos nossos leitores noticia tão importante.
Aqui, e em alguns pontos desta provincia, são justamente apreciadas muitas das bellas producções do Revmº Padre José Maria: ellas, porém, são, por todos os titulos, destinadas a ser muito e muito mais conhecidas.
O nosso illustre conterraneo cultiva a musica sacra mas o estylo puramente sacro e em todas as suas composições denota alto talento musical. Nota-se nellas um mimo especial e, além disso, a revelação de uma poderosa inspiração e do perfeito conhecimento das difficillimas regras de contra-ponto.
Junte-se a tudo isto o cunho da originalidade patenteado pelo insigne compositor, e ter-se-ha idéa exacta de quão apreciavel é tudo o que são (sic) da inspirada penna do notavel maestro.
Fazemos votos sinceros para que os primeiros esforços do Revmº Padre Xavier, affim de extender o conhecimento de suas bonitas composições, sejam coroados dos mais brilhantes resultados.
Fonte: GAZETA MINEIRA, São João del-Rei, Anno I, nº 17, edição de 1º de abril de 1884, p. 3.


Como o Padre-Mestre foi muito bem estudado pelo respeitado musicólogo Aluízio José Viegas, que é considerado uma autoridade indiscutível em música barroca brasileira em geral e são-joanense em particular, vou servir-me de um seu texto sobre meu homenageado, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, Volume V, de 1987, rendendo por minha vez homenagem ao exemplar Padre-Mestre neste bicentenário de seu nascimento. Esse extenso artigo de Viegas, musicólogo, regente, copista, violoncelista e flautista são-joanense, além de analisar a música em São João del-Rei anterior e posterior a Pe. José Maria Xavier, é base fundamental para a compreensão da vida e obra do Padre-Mestre e se baseia nos seus biógrafos contemporâneos que com ele conviveram e inclui informações e conclusões próprias tiradas após esmerado estudo de partituras e documentos existentes no arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense. In Música em São João del-Rei — de 1717 a 1900, vejamos apenas o que escreveu Viegas sobre a vida e obra do Padre-Mestre: 

“(...) Em 1819, aos 23 de agosto, nasce em São João del-Rei José Maria Xavier. Este notável personagem irá viver intensamente pela sua cidade. Filho do Alferes João Xavier da Silva Ferrão e de Maria José Benedita Miranda, era neto, pelo lado materno, de José Joaquim Miranda. Ainda menino inicia o aprendizado de música com seu tio, Francisco de Paula Miranda, participando das atividades da corporação então por ele dirigida, como menino cantor no registro de tiple ou soprano. Posteriormente passa a ser o primeiro clarinetista e também ótimo violinista e violista. Desde jovem trabalha com seu cunhado, o advogado José Maria da Câmara, para prover o sustento de sua mãe, então viúva e de suas irmãs. Lecionava música em casas particulares. Estudou primeiras letras com o professor Guilherme José da Costa e iniciou-se no estudo do latim com o padre mestre José Joaquim de Santana, também músico, frequentando depois, aulas práticas de latim, francês, história, geografia e filosofia, tendo como professores Reginaldo Pereira de Barros, D. Domingos José da Cunha, e cônego Antônio Marinho. Em 15 de janeiro de 1840, recebe medalha de prata como um dos melhores alunos dos colégios secundários sanjoanenses. Aos 23 anos de idade, resolve tomar o estado eclesiástico e das mãos do venerado Bispo de Mariana, D. Antônio Ferreira Viçoso, recebe o presbiterado em 19 de abril de 1846, e aos 23 de maio do mesmo ano canta sua primeira missa solene na Igreja de Nossa Senhora do Pilar, de sua terra natal. Nomeado vigário de Rio Preto, lá permanece pouco mais de um ano, retornando a São João del-Rei, por motivos de saúde, de onde não mais sairá. Assume então a Vigararia da Vara e leciona no Colégio Duval. Nomeado capelão de diversas irmandades, a todas elas presta os seus serviços inestimáveis, como sacerdote, músico e cidadão. 

Como sacerdote, oficiando as cerimônias litúrgicas; como músico, escrevendo composições musicais para abrilhantar estas mesmas cerimônias e como cidadão, lutando pelos direitos destas corporações religiosas, inscrevendo-se como irmão em todas elas e participando ativamente, pois, em todas elas serviu cargos administrativos. Na Ordem Terceira do Carmo prestou tantos serviços como padre comissário, que ao término de seu comissariado, oficia ao padre José Maria comunicando-lhe ter inserido em ata um agradecimento pelos relevantes serviços prestados. Como compositor, escreveu obras para todas as solenidades religiosas até hoje celebradas em São João del-Rei. Segundo um cronista da época, o Pe. José Maria Xavier era seguidor dos estilos de Antônio dos Santos Cunha e Manoel Dias de Oliveira. É contestável esta afirmação. O padre José Maria Xavier é dono de um estilo próprio, facilmente reconhecível. O ter empregado melodias parecidas às de Antônio dos Santos Cunha e Manoel Dias de Oliveira, não indica nem define ter seguido um estilo e os estilos de Santos Cunha e Manoel Dias são inteiramente opostos um do outro. Santos Cunha totalmente operístico, empregando o recitativo e o bel canto virtuosístico em suas obras, com melodias de estilo italiano. Note-se que no Cum Sancto Spiritu da Missa a 5 vozes, ele antecipa o estilo de Paganini na maneira de empregar a melodia nos violinos. Manoel Dias justamente o oposto de Santos Cunha, emprega a polifonia coral, sendo grande parte de sua obra composta para dois coros, num estilo próprio, severo, de grande conhecedor dos corais renascentistas utilizando um contraponto constante até nas menores obras; e não é nenhum destes o estilo do Padre José Maria Xavier. Pode ter empregado melodia idêntica à de Santos Cunha, que cito como exemplo: Kyrie, da Missa Grande, de Santos Cunha, e Primeiro Responsório das Matinas da Conceição de Nossa Senhora, de Padre José Maria Xavier. Admirador incontestável dos compositores mineiros do século XVIII, legou à posteridade cópias de obras do Pe. João de Deus Castro Lobo, Jerônimo de Souza Lobo, Manoel Dias de Oliveira, e outros, sendo algumas destas cópias feitas em Mariana, quando se preparava para o Sacerdócio, conseguidas do rico acervo daquela cidade. Sua primeira obra: Qui sedes e Quoniam a solo de baixo foi feita em 1839, baseada em um terceto de Rossini, como especifica no manuscrito. Dedicou esta obra à seu amigo e contemporâneo absoluto, Hermenegildo José de Souza Trindade, a quem dedicará a maioria de suas obras. O ter utilizado melodia de Rossini, adaptando-a para um texto religioso, porém empregando harmonização e instrumentação próprias, era fato comum na Corte do Rio de Janeiro, onde os compositores como Pedro Teixeira de Seixas, Fortunato Mazziotti, e outros, sofreram a influência da música operística em voga, principalmente de Rossini, a ponto de enxertar em suas obras para igreja reminiscências de óperas em voga. Atesta Manoel de Araújo Porto Alegre quando escreve: “Tínhamos, nas grandes festas, Missa do Barbeiro de Sevilha, da Pega, de Aureliano, da Cenerentola e da Italiana em Argel”... Empregando o mesmo artifício, o Pe. José Maria Xavier escreve algumas obras das quais cito: Missa do Cerco de Corinto, solos ao pregador, e hinos para as novenas, usando melodias das óperas Moisés e Semiramide, todas de Rossini. 

Do gênero profano, o Padre José Maria Xavier compôs valsas, minuetos, aberturas, e fez arranjos orquestrais de diversas aberturas de óperas como: Recreio dos Clérigos, de Herold, Les Bacchantes, de Generali; árias, duetos e coros de óperas, e escreve fantasias para o instrumento muito em voga na época, o oficleide. Para banda de música, escreveu algumas marchas processionais, destacando-se a que compôs para a procissão de Nossa Senhora da Boa Morte, que se realiza em 14 de agosto. A partir de 1851, aumenta consideravelmente a sua produção musical, escrevendo nesse ano a Missa (Kyrie e Gloria) para o dia 15 de agosto de 1851, comumente chamada de Missa da Assunção de Nossa Senhora. A seguir compõe as Matinas da Assunção e em 1855 as Novenas de Nossa Senhora da Boa Morte, utilizando nesta obra maior orquestração, em que, além das cordas usuais, são necessárias 2 flautas, 2 clarinetas, 2 trompetes, 2 trompas e 1 oficleide. 

Parece ter sido pensamento de o Padre José Maria imprimir todas as suas obras, porém só duas chegaram a ser impressas, a Missa nº 5 e as Matinas do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, respectivamente em 1884 e 1885, em Munique, em ótimo trabalho gráfico. Vultosa sua obra ultrapassando a mais de cem produções, não estando ainda, totalmente catalogada. Merece um trabalho analítico profundo, paralelo ao levantamento histórico de sua vida que é intensa, pois o padre [e] mestre militou em todos os ambientes de sua época: religioso, artístico, politico e social. Faleceu em 22 de janeiro de 1887, cercado da veneração de seus conterrâneos. (...)” (grifo nosso)
  

II.  AGRADECIMENTOS 

Gostaria de agradecer à minha amada esposa Rute Pardini Braga, por sua indispensável colaboração ao formatar as imagens deste trabalho editorial. Gostaria ainda de agradecer ao funcionário Fernando Conceição do Escritório Técnico do IPHAN/13ª Superintendência Regional por ter facilitado meu acesso à GAZETA MINEIRA e possibilitado o bom andamento da pesquisa. 
 
 

III. BIBLIOGRAFIA

 
 
BRAGA, F.J.S.: Há 2 séculos nascia o benemérito Padre-Maestro José Maria Xavier (⭐︎ 1819 ✞ 1887).  
 
                        Em 2019 São João del-Rei comemorou o bicentenário do nascimento do seu filho ilustre: Padre José Maria Xavier (1819-2019)
 
                         São João del-Rei na vida e obra do Padre-Mestre Correia de Almeida
 
                         A inauguração da herma do Padre José Maria Xavier
 
                         Impressões religiosas por occasião da Semana Santa em S. João d'El-Rei em 1860
 
                      Semana Santa de São João del-Rei: o mais empolgante espetáculo de fé em todo o Brasil
 
                         Semana Santa de São João del-Rei: Crônica do Domingo de Ramos
 
                       Crônica do Ofício de Trevas da Quinta-feira Santa - Semana Santa de São João del-Rei
 
                         Procissão do Entêrro em 1825

TIRADO, Abgar Antônio Campos: Padre José Maria Xavier, sua vida e sua obra, no contexto de sua época (em 5 partes)

VIEGAS, Aluízio José: Música em São João del-Rei de 1717 a 1900 in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, Volume V, ano de 1987, p. 53-65.

10 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

É com enorme satisfação que dou seguimento a meu trabalho de pesquisa sobre PADRE JOSÉ MARIA XAVIER, realizado principalmente sobre o jornal são-joanense GAZETA MINEIRA, que circulou de 1884 a 1894. É de lamentar que aparentemente a única coleção desse magnífico periódico só se encontre sob guarda do Escritório Técnico do IPHAN/13ª Superintendência Regional de São João del-Rei e que no presente se apresenta com lacunas por um longo período (1885, 1886, 1887, 1888, 1889 e 1890), ou seja, dos 11 anos de sua publicação apenas 5 anos constam da referida coleção.
Ao que nos consta, nem a hemeroteca digital do Arquivo Público Mineiro nem a da Biblioteca Nacional possuem a coleção completa desse periódico.
Aproveito a oportunidade para desejar ao leitor do Blog de São João del-Rei uma Semana Santa plena, regada por fé, esperança e amor.

https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2020/03/musica-sacra-do-padre-jose-maria-xavier.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Parabéns pela sua dedicação e pela sua fundamental contribuição à Memória Cultural de São João del Rei e do Brasil, no objeto da talentosa obra do padre Xavier.
Grato
Cupertino

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Que relíquia!!!

Antônio Guilherme de Paiva (membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Confrade Braga

Você verificou se no site da UFSJ tem este jornal sob a forma digital? Todos os jornais antigos da nossa Biblioteca foram digitados e postos à disposição via Internet. Acho que vale a pena dar uma olhada.

Boa pesquisa.

Agpaiva

Milton Teixeira (fotógrafo são-joanense e parente do saudoso contista e poeta Lincoln Teixeira de Souza) disse...

Amigo Francisco.
Quero agradecer todos os emails enviados por você para mim. São de uma preciosidade muito grande.
Aproveito para desejar ao amigo e esposa uma Feliz Páscoa e que Deus nos proteja desse vírus.
Um grande abraço.
Milton.

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Seu constante trabalho de divulgação – e exaltação – de figuras históricas, como a do Padre José Maria Xavier, é de grande importância e merece as nossas melhores felicitações. Parabéns!

Obrigado pelo envio.

Abraços, meus e de Beth.

Mario.

Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...

Parabéns pelo trabalho de pesquisa e erudição, Francisco Braga.
Isso é Brasil, Minas Gerais, História Brasileira.
Saudações literárias,
Raquel Naveira

Pe. Dr. Zdzislaw Malczewski SChr (escritor e redator da Revista Polonicus, revista de reflexão Brasil-Polônia) disse...

Mui Estimado Prof. Francisco,

Muitíssimo obrigado por todas as ricas notÍcias de Sao Joao del-Rei!
Meus melhores votos por ocasião da Solenidade da Ressurreição do Senhor!
Desejo muita alegria espiritual, a paz interior e fé convicta!
Que Deus proteja o Sr. e sua Bem-Amada Esposa e pessoas mais próximas dos ataques deste diabólico vírus!
Na celebração da S. Missa hoje à noite e amanhã lembrarei do Sr. e sua Esposa!

Com uma respeitosa saudação - pe. Zdzislaw

Anizabel Nunes Rodrigues de Lucas (flautista, professora de música e regente são-joanense) disse...

É sempre um prazer muito grande e enriquecedor ler suas publicações. Parabéns e, cada vez mais nos orgulhamos do nosso conterrâneo Padre José Maria Xavier.

Dr. José Afrânio Vilela (desembargador, palestrante no Judiciário brasileiro, confrade e colaborador do Programa "IHG-SJDR Virtual" do Instituto Histórico e Geográfico de SJDR) disse...

Bom dia.
Obrigado pela remessa.
Excelente trabalho em prol da memoria e da história nossas!!
Parabéns, Francisco!