Em homenagem ao talento multiforme de ORIANO DE ALMEIDA — artista completo: pianista virtuoso, compositor, educador, comunicador de programas radiofônicos e televisivos como intérprete vigoroso, redator e apresentador da vida e obra de Chopin, jornalista e escritor —, escrevo o presente trabalho, ciente de que ele fez por onde merecer os diversos prêmios e honrarias que conquistou no Brasil e no exterior.
Ficou conhecido por diversos epítetos, todos muito adequados a seu enorme talento como consagrado pianista. Assim, "o Chopin brasileiro", de acordo com jornais cariocas, ou "o embaixador de Chopin no Brasil", título que lhe foi conferido pelo Instituto Chopin de Varsóvia, em 1972, ou ainda, "personalidade cultural", como o cultuou a União Brasileira de Escritores e, finalmente, "glória da música do Brasil", como o consagraram por unanimidade os membros da Academia Brasileira de Letras.
Gostaria de destacar uma qualidade inegável do pianista Oriano de Almeida, que nunca é demais realçar: a sua resiliência ou capacidade de recobrar forças diante de mudanças sofridas em desfavor de seus planos. Também considero que não houve no Brasil um artista mais "midiático" do que esse pianista, cujo centenário de nascimento está sendo aqui homenageado. Oriano fez uso de todo o aparato tecnológico à sua disposição, desde as gravações fonográficas (em 78 rpm, LP de 33rpm, fitas magnéticas, mini-cassete e CD) até o rádio, a imagem televisiva, a imprensa escrita e os livros. Acredito que tenha sido ele quem inaugurou a prática de levar ao vivo as melodias de Chopin sobre um caminhão-palco, prática esta iniciada em sua viagem a Natal em 20/03/1946 e que, a partir dali, iria se tornar rotina em sua vida artística, sem prejuízo dos seus "recitais Chopin" em teatros e salões de todo o País, onde difundia a obra do notável polonês. Aos 27 anos, como 1º pianista colocado, selecionado em concurso nacional, representou o Brasil no IV Concurso Internacional de Piano Frédéric Chopin realizado em Varsóvia, que consistiu de provas que duraram 30 dias (de 15/09 a 15/10/1949); foi-lhe conferido um dos cinco diplomas de distinção. De 25/07 a 28/11/1958 foi entrevistado por Jota Silvestre, no programa "O Céu é o Limite", respondendo com exatidão, diante de um auditório lotado, a perguntas sobre Chopin na PRF-3 TV Tupi Difusora de São Paulo e eventualmente interpretando as peças sobre as quais respondia. Em 1960, Oriano foi contratado pela rádio MEC para desenvolver 44 programas intitulados "Ciclo Chopin", todas as segundas-feiras, às 20h 30 min, durante todo aquele ano. O trabalho radiofônico, além da apresentação oral, incluía a gravação de 180 obras para piano do mestre polonês. Em razão do prestígio adquirido no campo dos conhecimentos chopinianos, Oriano passou a ser muito requisitado pelos jornais cariocas, aos quais concedia constantes entrevistas e declarações.
Da Revista BRASILEIRA nº 50 de jan/mar 2007 p. 33 da ABL-Academia Brasileira de Letras extraio o seguinte trecho do artigo "Câmara Cascudo: sábio e erudito" assinado pelo jornalista, escritor e membro da ABL Murilo Melo Filho, subtitulado "Para o povão, concertos de música clássica", quando trata da presença do grande pianista em Natal, seu torrão adotivo ao qual dedicou o melhor de sua vida e o maior de seu afeto:
"Não raro o governador Sylvio Pedroza e o historiador Luís da Câmara Cascudo percorriam, felizes, os bairros populares, levando, em cima de um caminhão, o maestro Oriano de Almeida e o seu piano, para dar concertos de Chopin nas praças da cidade, ou então para assistirem aos folguedos da Nau Catarineta e do Bumba-Meu-Boi.
Em noites de luar, os dois rendiam homenagens às estátuas silenciosas. Abandonavam seus compromissos e encontros, para, juntos, ouvirem os quartetos, as sinfonias, os musicais, a ópera Fidélio e a Missa Solemnis, do alemão Ludwig van Beethoven.
Era aquele um lirismo pouco encontrado em homens comuns e, menos ainda, em homens importantes, como eles dois. (...) "
Outros detalhes curiosos a respeito podem ser lidos no livro "O Céu era o limite: uma biografia de Oriano de Almeida", capítulo "Andante com Motto", subtítulo "Chopin num caminhão" (p. 110-111), da autoria de Cláudio Galvão, o maior biógrafo do pianista brasileiro em minha opinião.
Finalmente, gostaria, ao relembrar aqui o centenário do nascimento do magistral pianista, de reproduzir neste espaço o elogio fúnebre publicado por Vicente Salles, correspondente em Brasília da Academia Brasileira de Música, na seção "Obituário", constante da edição de nº 18 (setembro de 2004) da revista Brasiliana, p. 26, que endosso plenamente.
I. Oriano de Almeida, pianista e compositor (1921-2004)
Por Vicente Salles (de Brasília)
Publicado originalmente in Brasiliana-Revista Quadrimestral da ABM-Academia Brasileira de Música, nº 18, setembro de 2004, seção Obituário, p. 26.
Oriano nasceu em Belém do Pará em 15/07/1921, onde iniciou os estudos de piano com sua mãe. Tinha oito anos quando os pais resolveram mandá-lo para Natal, a fim de continuar os estudos com o tio Waldemar de Almeida, que o orientou. Aos doze anos, realizou os primeiros recitais em Natal e Recife, excursionando também a Manaus e Salvador. Transportou-se para o Rio de Janeiro e aperfeiçoou seus estudos com Magdalena Tagliaferro. Homenageou a mestra publicando o livro Magdalena dona Magdalena, Natal, publicado em 1993.
Por essa época, realizou numerosos concertos, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Fez parte do grupo Música Viva, liderado por Hans Joachin Koellreutter, sendo signatário do Manifesto de 1944. Apresentou nos seus concertos a música dos compositores de vanguarda. Em 1946, fez a primeira viagem ao exterior, demorando-se em Paris. Tocou na Salle Chopin-Pleyel, na Maison de l'Amérique Latine e na Radiodifusão Francesa.
Retornando ao Brasil, empreendeu extensa turnê pelo País. Tendo ainda o Rio de Janeiro como centro de atividades, aí participou em 08/05/1949 da finalíssima do Concurso Internacional Chopin, do qual foi vencedor. Viajou para Varsóvia como representante oficial do Brasil no IV Concurso Internacional Chopin, realizado no centenário de morte do pianista e compositor, chegando às provas finais, com diploma de honra e apresentação com a orquestra sinfônica polonesa, recebendo convite para apresentar-se no British Council de Londres. Em 1954, viajou para os Estados Unidos, apresentando-se em 25 cidades. Nesse intervalo compôs as primeiras obras para piano e se casou com a pianista Iris Bianchi. Teve uma filha, Lílian e, em sua homenagem, compôs uma canção. Tomou coragem e mandou imprimir as primeiras composições: Valsa de Paris e Canção de Lílian, também gravadas em disco RGE-10139, solos do autor, lançado em dezembro de 1958. Apresentou-se em televisão e trabalhou durante algum tempo na Rádio MEC.
Mais conhecido como pianista, Oriano de Almeida deixou apreciável obra de compositor, principalmente solos de piano e canções. A obra não é inovadora, no sentido de acompanhar o seu tempo ou se apropriar de sua linguagem; é constituída de evocações do passado, olhares melancólicos sobre ruínas. Aliás, ele não se considerava compositor, mas "inventor de melodias". Saudosismo e melancolia são os traços dominantes. A ele se deve uma das mais bonitas harmonizações da modinha A Casinha Pequenina, cantada pela soprano paraense Maria Helena Coelho Cardoso em CD da MusikArt, abrindo o repertório, encerrado com outra bonita obra do compositor, Cajueiro, versos de Veríssimo de Melo. A Casinha Pequenina é criação do carteiro paraense Bernardino Belém de Sousa, composta em Belém do Pará no final do século XIX. Essa versão constitui, pois, a primeira — até agora única — homenagem dos paraenses à sua mais célebre canção.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) patrocinou a edição de três LPs — Oriano Interpreta Oriano — e um quarto título, O Velho Solar (Imagem musical baseada no poema Guaporé, de Diógenes da Cunha Lima), em que ele relaciona música e poesia. No Pará lhe foram dedicados dois CDs — Canções e solos de piano, com Maria Helena Coelho Cardoso e Oriano de Almeida, selo MusikArt, gravações realizadas no Teatro da Paz em 1975 e nova série de canções no CD Maria Helena Coelho interpreta Oriano de Almeida, produzido pela Secretaria Estadual de Cultura — SECULT (série A Música e o Pará, volume 6, 2000). Outras obras foram gravadas pela cantora potiguar Lucinha Lira em discos do Projeto Memória da Escola de Música da UFRN.
II. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2011/01/2010-ano-chopin-parte-14.html
––––––––––––––––––––––––––––: 2010 - ANO
CHOPIN > > > Parte 15 > > > Oriano
de Almeida: uma vida dedicada a Chopin (2ª Parte): Blog do Braga, publicado em 13 janeiro de 2011 (aos 90 anos do nascimento de Oriano de Almeida)
Link: https://bragamusician.blogspot.com/2011/01/2010-ano-chopin-parte-15-oriano-de.html
FILHO, Murilo Melo: "Câmara Cascudo: sábio e erudito", Revista BRASILEIRA da ABL-Academia Brasileira de Letras, Fase VII, Ano XIII, nº 50, edição de jan/mar 2007, p. 33
GALVÃO, Cláudio: O CÉU ERA O LIMITE: UMA BIOGRAFIA DE ORIANO DE ALMEIDA, Natal: EDUFRN-Editora da UFRN, 342 p.
SALLES, Vicente: Oriano de Almeida, pianista e compositor (1921-2004), in BRASILIANA-Revista Quadrimestral da Academia Brasileira de Música, nº 18, setembro de 2004, p. 26
5 comentários:
Prezad@,
"Uma vida inteira dedicada a Chopin" poderia ter sido o título desta matéria, o que obviamente exigiu do intérprete ORIANO DE ALMEIDA uma imensa tenacidade na realização de seu projeto de vida. Não se tratava de uma veleidade, mas de uma vontade férrea nutrida desde tenra infância.
Além de meu texto, estou publicando uma colaboração de VICENTE SALLES, autor consagrado de "Música e Músicos do Pará", para a revista Brasiliana da ABM-Academia Brasileira de Música, edição de setembro de 2004, na seção Obituário.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2022/04/tributo-ao-pianista-oriano-de-almeida.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Caro amigo Braga
É sempre prazerosa e enriquecedora a leitura de suas publicações, tais como esta sobre centenário de nascimento do extraordinário Pianista brasileiro Oriano de Almeida, bem como por sua pesquisa biográfica sobre ele, acrescida pelo obituário de autoria de Vicente Salles.
Como sabe o ilustre amigo e Poeta Braga, considero imensamente necessário este seu cuidado em exaltar a memória histórica de personalidades do passado que, de alguma forma, contribuíram com a cultura brasileira nas ciências, letras e artes, bem assim para a formação da nossa nacionalidade.
Parabéns por mais este seu trabalho incansável e brilhante!
Neste dia 21 de abril dedicado a Tiradentes, o Protomártir da independência de nosso País, aceite o meu abraço fraterno e o de Beth.
Mario P. Cupello
Caro professor Braga
Merecidos tributos. Personalidades como a do pianista Oriano, aliás, fazem muitíssima falta.
Cumprimentos
Cupertino
Muito bem, Francisco.
Abraços de
Anderson
Obrigado pelas NOTÍCIAS, sempre bem vindas. Abraço do Gilberto M. Teles
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