sábado, 27 de julho de 2024

DISCURSO DE POSSE DO DESEMBARGADOR ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA NO IHG DE MINAS GERAIS

Exmo. Sr. Dr. José Carlos Serufo, DD. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Minas Gerais; Exmas. Autoridades já nominadas; Exmos. Sras. e Srs. Confreiras e Confrades; meus queridos familiares e amigos aqui presentes; senhoras e senhores: 
As minhas primeiras palavras são de gratidão aos confrades Ozório José Araújo do Couto (proponente), Beatriz Coelho Morais de Sá, Bruno Terra Dias e Marcos Henrique Caldeira Brant, signatários da proposta da minha admissão; aos integrantes da Comissão de Admissão e do Conselho Diretor; e a todos os confrades e confreiras. 
Agradeço ao confrade Ozório Couto as generosas e eruditas palavras, no discurso de recepção. A fidalguia estimula a necessária disposição para bem servir à nossa instituição. Ozório é natural da bela cidade de Luz, no oeste de Minas Gerais. Meu avô paterno, Euclides Garcia de Lima, era nascido em Córrego Danta, ainda distrito de Luz naqueles idos de 13 de dezembro de 1905. Dia de Santa Luzia. Luzes que iluminam as trevas de um mundo turbulento. Sem as luzes da razão e da honestidade intelectual, nenhum historiador poderá esquadrinhar o passado. 
Agradeço ainda aos meus saudosos pais Laís e Euclides, familiares, mestres e amigos, pelo constante incentivo ao aprendizado e aventuras intelectuais. 
A aceitação do meu nome como sócio efetivo deste egrégio Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais é imensa honraria, que jamais imaginei merecer. 
 
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Este sodalício “tem por finalidade o estudo, a pesquisa, a divulgação e a consultoria, nas áreas da cultura delimitadas por este Estatuto e com ênfase no Estado de Minas Gerais”. Elege como áreas de estudo, pesquisa e divulgação a História, Geografia, Antropologia, Arqueologia, Genealogia, Heráldica, Medalhística, Paleontologia, Sociologia, entre outras. ¹
E proclama os valores a serem observados nas nossas atividades: verdade, justiça, liberdade, esforço, estudo, trabalho, colaboração, honestidade, amor, amizade, caridade, bondade, gratidão, altruísmo, generosidade, desprendimento e respeito. ²
Fundado em 15 de agosto de 1907, o Instituto aclamou João Pinheiro - então Presidente do Estado de Minas Gerais - seu primeiro presidente. ³
Em homenagem ao patrono e ocupante da cadeira de número 1, esta associação é denominada “Casa de João Pinheiro”. 
Nascido no Serro/MG (1860) e falecido precocemente em Belo Horizonte (1908), João Pinheiro da Silva foi advogado, político e industrial.
Eleito Presidente do Estado de Minas Gerais, foi o ponto de equilíbrio entre diversas forças em disputa pelo poder estadual. Era uma personalidade alheia aos quadros da política tradicional e representava diretamente as classes produtoras. Resgatou as causas republicanas históricas e promoveu audaciosa inovação nos ultrapassados programas de administração. Foi um desenvolvimentista do seu tempo:
“Para ele, (a ordem e o progresso) andavam juntos, inseparáveis. Defendia a nova ordem, não só republicana, mas uma nova ordem econômica, a consolidação da transição do trabalho escravo para o livre, a afirmação da burguesia e do capitalismo, mas sem sobressaltos, sem jacobinismos ou desrespeito à ordem democrática. Essa era uma questão cara a ele, e foi um dos focos de seu ‘afastamento’ da política (na época de Floriano Peixoto)”.
João Pinheiro foi precursor de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976), outro notável mineiro, Governador de Minas Gerais (1951-1955) e Presidente da República (1956-1961). Não tivesse falecido prematuramente, Pinheiro talvez também se elegesse Presidente do Brasil. 
Seu filho Israel Pinheiro da Silva (1896-1973) foi um destacado engenheiro e político coestaduano. Em 1956, o Presidente Juscelino o indicou para presidir a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, a NOVACAP. Renunciou ao segundo mandato de deputado federal para enfrentar o desafio da construção de Brasília.
Israel foi eleito Governador de Minas Gerais, em 1966. No ano seguinte, cedeu ao Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, em comodato, esta sede localizada na sobreloja do Edifício JK.
 
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Sobre Minas Gerais, o professor Mário Casassanta assinalava:
“O culto da justiça, a tolerância, a hospitalidade, a solidariedade, a devoção pelas atividades espirituais, como a religião, as letras e as artes acenderam, entre as nossas montanhas, um nobre lar de cultura e de humanidade”.
Proclamava João Guimarães Rosa, autor de Grande sertão: veredas:
“Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas”.
Arrematou o poeta e cronista Affonso Romano de Sant’Anna:
“A riqueza de Minas está inscrita no seu próprio nome – é um estado plural. Plural de montanhas, plural de minérios e mineiros. (...) Minas são muitas em uma. Há um mineiro mais paulista, um mineiro mais carioca, um mineiro mais baiano, um mineiro mais capixaba, um mineiro mais goiano. E eis o mistério: todos convergem para a mesma identidade”. ¹
Nasci em São João del-Rei/MG, em 8 de setembro de 1961. Cidade histórica, barroca, religiosa, musical e libertária. Com a primeira inspirada de oxigênio, inspirei simultaneamente História. 
Muito apropriadamente, o saudoso são-joanense Cardeal Dom Lucas Moreira Neves assinalou:
“As cidades, como as pessoas, são um composto de corpo e alma. O corpo é a estrutura externa, visível e palpável da cidade. A alma é a história, a tradição, a vida da cidade e a vida e a atitude das pessoas, que, num determinado período, representam o seu espírito”. ¹¹
Não me canso de decantar a querida terra natal. Arrisquei versejar: 
 
A ponte 
 
São João del-Rei, 
minha terra, 
tem pontes. 
Pontes seculares. 
Da Cadeia e do Rosário. 
Ligam passado, presente e futuro. 
Testemunham histórias. 
Pontes inconfidentes: 
Tiradentes queria transpor 
o rio da opressão 
até a margem da liberdade. 
Pontes da democracia: 
Tancredo transpôs 
o rio do autoritarismo 
no rumo da redemocratização. 
Também ligam 
tristeza e alegria; 
descrença e fé; 
procissão e carnaval; 
saudade e reencontro; 
silêncio e musicalidade; 
angústia e sossego; 
derrota e vitória; 
morte e vida. 
Minas é travessia. 
Grande sertão: veredas, 
de Guimarães Rosa. 
Dois poetas, 
Milton e Brant, 
soltam a voz 
nas estradas. 
Já não podem parar 
de sonhar.  ¹²
 
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Magistrado de carreira e já antigo Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sinto-me aqui em minha casa. 
O erudito desembargador, professor e escritor paulista José Renato Nalini explanou com maestria:
“A cultura do Judiciário se caracteriza por contemplar apenas uma dimensão do tempo: o passado. O processo é ciência reconstitutiva e a melhor decisão judicial é aquela que restaura o passado”. ¹³
Mário Guimarães, antigo ministro do Supremo Tribunal Federal, comparava a atividade do juiz com a do historiador:
“Apreciando os fatos, exercita o juiz seus conhecimentos de ordem geral e atua com os atributos que lhe são pessoais de perspicácia, de bom senso, de objetividade, de homem experiente. Nessa fase, pouco intervirá o jurista.
“Procede a investigações como se fora historiador: coteja documentos, compulsa datas, esmiúça indícios, examina declarações e, levanta, com base nos autos, a versão que terá por verdadeira. Sobre ela será calcada a sentença.
“Como historiador consciencioso, também, o juiz não afirmará tese que não possa demonstrar. Mas aquele não estará sujeito a limites no seu voo. O juiz há de restringir-se ao que conste dos autos. ‘Quid non est in actis, non est in mundo’”. ¹
Não destoa o jurista e filósofo português Paulo Ferreira da Cunha:
“(A) busca do justo, do équo, sendo perseguida por homens falíveis e finitos, parciais mesmo, apenas pode aspirar à probabilidade. O objeto da arte jurídica não é uma verdade absoluta, nem uma verdade formalmente pressuposta ou postulada, axiomática. É, pelo contrário, uma questão aporética e não apodítica.
“Trata-se de uma investigação a levar a cabo por forma dialética, procurando-se que a luz nasça da discussão entre as versões adversas, pela intervenção decisória de um juiz, um terceiro, independente das partes e conhecedor dos respectivos argumentos.
“Afirma Aristóteles na ‘Metafísica’, como que alargando este processo a todo o tipo de julgamento, como um bom método para formar um juízo:
‘(...) aquele que ouviu todos os argumentos em conflito, tal como se fosse as partes de uma causa, tem de encontrar em melhor posição para julgar’.
(...) “O método (meta – odos, caminho para) do Direito, caminho para a realização da Justiça (ainda que caminho imperfeito e semeado de escolhos), não pode deixar de ser fundamentalmente dialético.
“Há, nesta metodologia, importantes intersecções interdisciplinares ou afins. Por exemplo, uma das questões relevantes é o problema de reconstituir a verdade histórica – até para efeitos probatórios. E a História clama, também, pelos seus documentos, pelas suas provas”. ¹
O jesuíta e historiador francês Michel de Certeau (1925-1986) afirmava que “a história nunca tem certeza”. ¹
Se na instrução dos processos o magistrado reconstitui o passado, Pontes de Miranda enfoca a relevância do conhecimento histórico no momento de interpretar os textos legais:
“O valor dos estudos históricos para o conhecimento do direito vigente assenta em que não se pode conhecer o presente, sem se conhecer o passado, não se pode conhecer o que é, sem se conhecer o que foi. Não se poderia situar, no tempo, na evolução jurídica, cada enunciado do sistema lógico; nem se colheria o que estava na psique dos elaboradores da lei, porque estava no ambiente social (e continuou a estar), e se supôs incluso nos textos, ou entre os textos; nem se poderia fixar certos conceitos, nem se determinariam certas categorias, que têm os seus limites marcados pelos fios históricos. Ainda onde o direito mudou muito, muito se há de inquirir do que não mudou. O direito muda muito onde em muito deixou de ser o que era”. ¹
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Refletia Cícero, o grande filósofo, jurista, político, orador e escritor romano (106-43 a.C.):
“De que vale uma vida humana se não estiver entrelaçada à vida de nossos antepassados, através dos registros da História?”. ¹
O historiador francês Fustel de Coulanges convergia, no clássico A cidade antiga (1864):
“Felizmente, o passado nunca morre totalmente para o homem. O homem pode esquecê-lo, mas continua sempre a guardá-lo em seu interior, pois o seu estado, tal como se apresenta em cada época, é o produto e resumo de todas as suas épocas anteriores. E se cada homem auscultar a sua própria alma, nela poderá encontrar e distinguir as diferentes épocas, e o que cada uma dessas épocas lhe legou”. ¹
. Ainda no final do século XX celebrava Jacques Le Goff (1924-2014), outro notável historiador francês:
“É fácil hoje constatar o que, sem pomposidade, pode ser definido como o triunfo da história. E, se de contradição se trata, o fato apresenta-se ainda mais interessante se tomar em consideração o plano particular em que tal triunfo se manifesta. Refiro-me à procura do grande público a que assistimos. Se lançarmos um olhar pela imprensa, pelas revistas, pelos livros, pelos mass media, como a rádio e a televisão, pelo número de obras históricas publicadas pelas editoras e pelas respectivas vendas, o triunfo da história é inegável; é uma realidade para a qual os próprios interessados não estavam preparados”. ²
Advertia, no entanto:
“Estou cada vez mais convencido de que a história não poderá manter uma qualquer função no âmbito da ciência e da sociedade se os historiadores não souberem pôr-se em dia no que se refere aos novos meios de comunicação de massa. (...) “Há, primeiro que tudo, um problema grave, mas que julgo estar em vias de resolução. Esse problema é simplesmente, se assim se pode dizer, o medo e o desprezo do historiador em velhos moldes relativamente aos novos meios de comunicação, e, em particular, aos mass media. Até há não muito tempo, o historiador universitário julgava praticamente indigno, se não mesmo imoral, divulgar as suas ideias, particularmente através da televisão. Esta era considerada uma prática embrutecedora. (...) “Estou certo de que, pelo menos em parte, o desprezo ostentado nascia principalmente do medo em relação a estes novos meios que o historiador tinha dificuldade em dominar”.
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As liberdades de opinião e de expressão estão internacionalmente consagradas por relevantes documentos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (aprovada pela Assembleia Nacional das Nações Unidas em 1948), Convenção Europeia de Direitos Humanos (Roma, 1950) e Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969). 
Ao estabelecer os direitos fundamentais, dispôs a Constituição Brasileira de 1988:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (...)”.
Igualmente, estatuiu sobre a comunicação social:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
O filósofo britânico John Stuart Mill era ardoroso defensor da liberdade. Em 1859, juntamente com a esposa Harriet Taylor, publicou o Ensaio sobre a liberdade. Contém vigorosa defesa da liberdade de pensar e discutir, bem como da limitação ao poder do Estado para intervir na vida dos cidadãos. ²¹
O jurista e político baiano Rui Barbosa considerava a liberdade de pensamento a maior e a mais alta de todas as liberdades:
“Dela decorrem todas as demais. Sem ela, todas as demais deixam mutilada a personalidade humana, asfixiada a sociedade, entregue à corrupção o governo do Estado”. ²²
As liberdades de opinião e de expressão, no entanto, foram e são frequentemente violadas ao longo das épocas. 
Não navegam num mar de rosas... 
Na Europa, notadamente na Espanha em 1492, houve cruel perseguição aos judeus. As “blasfêmias” da religião judaica eram combatidas. Exemplares do Talmude (coletânea de livros sagrados) foram queimados em praças públicas. ²³
Em Portugal, Camões, Gil Vicente, Sá de Miranda, António Ferreira, Bernardim Ribeiro, João de Barros e outros escritores, tiveram obras proscritas ou mutiladas pela censura. Eram os tempos da Inquisição. ²
Desde o século XIX, delineou-se a cisão ideológica entre direita (associada ao conservadorismo capitalista) e esquerda (associada ao comunismo). 
A extrema direita triunfou na conturbada Alemanha em 1933, quando Adolf Hitler assumiu o poder como Chanceler. 
Em 27 de fevereiro de 1933, ocorreu o suspeito incêndio do Parlamento alemão (Reichstag), cuja autoria foi atribuída a um militante comunista. 
Logo em seguida, Hitler promulgou um decreto, assinado pelo presidente Hinderburg, que proibia o direito da livre expressão do pensamento. ²
Joseph Goebbels, ministro nazista da Propaganda, promoveu a “Noite da Grande Fogueira”, em 10 de maio de 1933. Inúmeros livros foram queimados, em vários pontos da Alemanha. ²
A esquerda não procede melhor. 
O inglês Archie Brown, historiador, professor emérito da Universidade de Oxford e membro da Academia Britânica, aponta como característica dos sistemas comunistas a rejeição das instituições sustentadoras das liberdades individuais e do pluralismo político. ²
Na antiga União Soviética, embora a Constituição de 1936 proclamasse garantias individuais, o regime de Josef Stalin não permitia as liberdades de expressão e de imprensa. ²
Igualmente, a China comunista reprime manifestações contrárias ao regime. O auge da opressão ocorreu entre os anos de 1966 e 1976, durante a chamada “Revolução Cultural”:
“O Partido Comunista Chinês (...) mobilizou os estudantes e as camadas mais jovens da população para que juntos perseguissem e denunciassem todos aqueles que ainda mantinham os ‘velhos hábitos’, definitivamente relacionados à burguesia. Era um decreto de morte para os inimigos do Novo Homem chinês – e isso incluía pais, cônjuges ou qualquer outro integrante da família. E havia também os professores, denunciados e massacrados. (...) O propósito era, justamente, destruir a educação e a família. E, por tabela, perpetuar Mao Tsé-tung no topo do poder”. ²
Na América Latina, os governos de Cuba e da Venezuela perseguem duramente seus opositores e lhes cerceiam a liberdade de se exprimirem. ³
No Brasil, exemplificativamente, o Estado Novo foi implantado por Getúlio Vargas com o golpe de 1937. Instituiu o famoso DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Era um verdadeiro “ministério da propaganda” e exercia amplas funções, incluindo cinema, rádio, teatro, imprensa, literatura social e política:
“Proibiu a entrada no país de ‘publicações nocivas aos interesses brasileiros’; agiu junto à imprensa estrangeira no sentido de se evitar que fossem divulgadas ‘informações nocivas ao crédito e à cultura do país’; dirigiu a transmissão diária do programa radiofônico ‘Hora do Brasil’, que iria atravessar os anos como instrumento de propaganda e de divulgação das obras do governo”. ³¹
O Regime Militar, instaurado em 1964, também estabeleceu censura aos meios de comunicação - sobretudo a partir da edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 1968. 
Enfim, com censura não se faz jornalismo; não se ensina, nem se aprende, nas escolas e universidades; não se pesquisa; e tampouco se revela a verdade histórica. 
A censura causava repulsa a Capistrano de Abreu - patrono da cadeira número 69 deste venerando Instituto, na qual tomo assento. Em carta escrita ao historiador português João Lúcio de Azevedo (15 de novembro de 1916), Capistrano dizia detestar a censura, assim como a Inquisição. ³³
 
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Na era da globalização e da Internet, o ódio é propagado velozmente, mundo afora, pelas redes sociais. 
As fake news (notícias falsas) são disseminadas por fanáticos adeptos dos ideologias de direita e de esquerda. Como se parecem... 
Surgiu recentemente o movimento Woke ³, na esteira da luta afro-americana contra o racismo. 
Alertou Leandro Narloch:
“A cultura de cancelamento criou um ambiente em que é perigoso discordar de ideias, propostas e até de termos preferidos por minorias identitárias. Quem ousa discordar corre o risco de ser linchado virtualmente, perder o emprego, o patrocínio ou a verba de pesquisa. É um ambiente terrível para o debate aberto e a liberdade de expressão”. ³
Em 2020, mais de 150 escritores, acadêmicos e intelectuais — incluindo Noam Chomsky, Salman Rushdie, Gloria Steinem, Margaret Atwood e Martin Amis — assinaram uma carta aberta denunciando a crescente “intolerância” contra ideias divergentes, por parte do ativismo progressista dos Estados Unidos:
“Segundo o grupo, isso está afetando ambientes acadêmicos e culturais, por meio de denúncia e boicote, ‘punição desproporcional’ e uma consequente ‘aversão ao risco’, o que empobrece o debate público. ‘Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa-fé, sem consequências profissionais terríveis’, destacam. “O texto,publicado na revista ‘Harper’s’, com o título ‘Uma carta sobre justiça e debate aberto’, aplaude os protestos pela justiça racial e social, por maior igualdade e inclusão, mas alerta que esse ‘ajuste necessário de contas’ também intensificou ‘um novo conjunto de atitudes morais e compromissos políticos que tendem a enfraquecer nossas normas de debate aberto e tolerância de diferenças em favor da conformidade ideológica’”. ³
É sofrida a missão do autêntico historiador na era Woke. 
 
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Minha antecessora imediata na cadeira nº 69 deste Sodalício é a saudosa engenheira, urbanista, historiadora, professora e escritora Ismaília de Moura Nunes. Ela nasceu em Piumhi/MG e foi criada na histórica cidade do Serro/MG. Era filha de Nicodemos Nunes e Zoraida de Moura Nunes. 
Foi engenheira civil, sanitarista e urbanista, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais; pós-graduada em Urbanismo pelo Instituto Politécnico de Milão, Itália; engenheira concursada da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte; professora da Escola de Arquitetura da UFMG; e professora de História da Arte da Escola de Biblioteconomia de Minas Gerais, do Colégio Sacré Coeur de Jesus de Belo Horizonte e do Centro Brasileiro de Cultura Italiana de Belo Horizonte.
Além de associada efetiva deste Instituto, integrou a Arcádia de Minas Gerais, a Academia Feminina Mineira de Letras e a Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Possui diversos trabalhos e artigos publicados nas revistas das referidas entidades e em diversos jornais. 
Publicou os livros História, arte, literatura (2004) e Memória de ruas (como coautora, editado pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte). ³
Uma curiosidade: quando exercia o cargo de Secretária de Planejamento Urbano de Belo Horizonte, em 1976, Ismaília de Moura Nunes atribuiu o nome “Buritis” a um novo bairro criado na capital mineira. Era leitora e admiradora de João Guimarães Rosa, que mencionou diversas vezes a árvore buriti no seu consagrado romance Grande sertão: veredas. ³
 
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Finalmente exaltarei Capistrano de Abreu, ícone da historiografia brasileira e patrono da cadeira nº 69 deste Instituto, a qual passo a ocupar. 
Estudante de Direito, há quase quatro décadas li Política & paixão, coletânea de crônicas do poeta e escritor mineiro Affonso Romano de Sant'Anna. 
Um dos textos tem como epígrafe famosa pilhéria do meu patrono: 
 
“Projeto de Constituição atribuído a Capistrano de Abreu: 
Art. 1º - Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. 
Parágrafo único - Revogam-se as disposições em contrário”. ³
 
Gostei muito da citação. 
No desditoso Brasil, este chiste é sempre atual... 
Não imaginava, então, a honraria de ter Capistrano de Abreu como patrono. 
 
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João Capistrano Honório de Abreu era nascido em Maranguape, Estado do Ceará, no dia 23 de outubro de 1853. É a data consagrada a São João de Capistrano, de quem recebeu o nome.   Nasceu no Sítio de Columinjuba, propriedade da família. 
O pai era considerado um dos “homens bons” da região, pois tinha o suficiente para sustentar a família e gozar de algum prestígio social. Pertencia à Guarda Nacional e à burocracia provincial. Ostentava a patente de major. 
No sítio, plantavam cana, algodão, mandioca, feijão e milho. O trabalho era feito pela própria família, escravos e agregados. Era uma “casa-grande” modesta, mas abastecida. Capistrano viveu até a juventude em ambiente pouco aristocrático. Era um autêntico sertanejo: caboclo matuto, feioso, agreste e desagradável. Todavia, a má impressão inicial era desanuviada pela personalidade brilhante e envolvente. 
Considerada a origem modesta e rude de Capistrano, sua formação intelectual foi um “milagre”. Era autodidata, leitor apaixonado e desordenado. Foi alfabetizado no próprio sítio. Posteriormente, estudou no “Ateneu Cearense” - um colégio pobre de Fortaleza – e no seminário. Sempre fracassava nos exames escolares. 
Passou dois anos em Recife, com apoio financeiro do pai. Preparou-se para ingressar na Faculdade de Direito, mas não obteve sucesso. Retornou ao sítio familiar, no Ceará. 
Lecionava em colégios e, de lá, escrevia para jornais de Fortaleza. 
Capistrano foi um dos fundadores, em 1872, da Academia Francesa. Era uma associação progressista e anticlerical da capital cearense. 
 
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Capistrano decidiu se mudar para a Corte. Foi para o Rio de Janeiro em 1875. Levava uma carta do escritor cearense José de Alencar, apresentando-o aos jornais do Rio; e 700 mil réis, obtidos com a venda de um escravo herdado do avô. 
Solitário, chegou a um mundo desconhecido. Tinha vinte e um anos e boa bagagem intelectual. Lia francês e inglês. Conhecia filosofia, literatura, história e geografia. Trabalhou na Livraria Garnier; lecionou no Colégio Aquino, onde tinha casa e comida; escreveu vários artigos em jornais; e obteve um cargo público, estável e seguro, ao ser aprovado no concurso da Biblioteca Nacional. 
Em 1883, prestou o famoso concurso para lecionar “Corografia e História do Brasil” no Colégio Pedro II. Passou e foi nomeado, mas deixou a função em 1899. Sua cátedra de “História do Brasil” foi extinta por razões misteriosas. 
 
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Em 1878, três anos depois da sua chegada ao Rio, Capistrano escreveu o “Necrológio de Varnhagen”. Foi o trampolim para o futuro sonhado. Repercutiu tão intensamente – diziam à época - que até o insuperável Machado de Assis evitou publicar o seu texto em homenagem ao historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, falecido naquele ano. 
O jovem cearense começou a sentir o gosto da vitória e do sucesso, depois de experimentar fracassos sucessivos no Nordeste. 
Viveria o resto de sua vida com os seus únicos recursos: as funções públicas e a escrita concisa. A sua obra, entretanto, era pequena e composta de textos curtos. Viveu mais da renda de funcionário público, bibliotecário e professor, do que dos escritos. Ele próprio parecia não apreciar muito os textos que criava. Quando concluídos, afirmava sentir “alívio e nojo”. 
 
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Capistrano de Abreu renovou os métodos de investigação e interpretação historiográfica no Brasil. 
Baseou-se inicialmente nos princípios de Comte, Taine, Buckle e Spencer. Afirmava-se adepto do determinismo sociológico e pretendia, com as suas investigações, descobrir “as leis fatais que regem a sociedade brasileira”:
“Mais tarde, com o trabalho na Biblioteca Nacional e com a leitura de pensadores alemães como Ranke, Bücher, Eduard Meyer, Sombart e Wundt, evoluiu do positivismo para o realismo histórico, e a pesquisa cuidadosa e imparcial das fontes conferiu às suas interpretações um caráter objetivo.
Sua análise da civilização brasileira parte do estudo do ambiente, dos fatores geográficos, raciais, econômicos e psicológicos. De acordo com o pensamento de Buckle, ressalta a influência das massas e do homem comum na evolução histórica e diminui a importância atribuída aos chefes ou heróis”. ¹
Dissertou o historiador mineiro José Carlos Reis:
“Os intelectuais brasileiros do final do século XIX começaram a perceber a distância entre a realidade brasileira e o pensamento que eles próprios produziam. Silvio Romero criticava o ambiente intelectual brasileiro, vazio e banal, e aspirava ter contato com o verdadeiro Brasil. Há um esforço de todos para encarar de forma nova o passado brasileiro. Eles têm, agora, uma preocupação ‘cientificista’. Comte, Buckle, Darwin, Spencer serão as referências intelectuais predominantes (ORTIZ, 1985). A preocupação cientificista de Capistrano era a de toda uma nova geração. No pós-Guerra do Paraguai, esta geração quer reinterpretar a história brasileira privilegiando não mais o Estado Imperial, como Varnhagen, mas o povo e a sua formação étnica. A formação intelectual de Capistrano se deu neste ambiente determinista, cientificista, até racista. Discutia-se, então, o positivismo, o determinismo climático, o determinismo biológico, o spencerismo, o comtismo, o darwinismo, as teorias raciais. Pensava-se que a sociedade poderia ser estudada com a mesma objetividade com que se estudava a natureza, pois também submetida a leis gerais de desenvolvimento. A história seria como o universo: um mecanismo autorregulado, submetido a leis, passível de um conhecimento objetivo. A ciência passava de método a visão de mundo, desvalorizando as verdades trazidas pela tradição, pela religião, pela filosofia. Euclides da Cunha, O. Vianna, Silvio Romero, Tobias Barreto, enfim, a geração de Capistrano de Abreu, discutia darwinismo social, luta pela vida, seleção das espécies e defendia um conhecimento anti-metafísico, empírico, histórico (CHACON 1977; WEHLING, 1994)”. ²
Enfim, Capistrano foi um “historiador firmemente voltado para os documentos”. ³
 
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Nos Capítulos de história colonial: 1500-1800, sua famosa obra histórica, Capistrano traçou as características do Brasil-Colônia. Iniciou por afirmar a precedência espanhola na descoberta do Brasil:
“O descobrimento do Brasil, realizado alguns anos depois por Pedr’Álvares Cabral, foi precedido pela expedição de Vicente Yañez Pinzón; mas os espanhóis não alegaram prioridade nem duvidaram coubesse a Terra dos Papagaios dentro na raia portuguesa. Seus interesses estavam ao norte, não ao sul da equinocial, que só começou a ter valor com a expedição de D. Nuno Manuel”.
Mais adiante, apontava diferenças entre o mineiro e o paulista, ao transcrever impressões do naturalista e viajante francês Auguste de Saint-Hilaire:
“O mineiro e o paulista diferiam bastante de aspecto. ‘O mineiro em geral é esbelto e magro, de peito estreito, pescoço comprido, rosto um tanto alongado, olhos negros, e vivos, cabelo preto na cabeça e no peito; tem por natureza um nobre orgulho e no exterior um modo brando, afável e inteligente, é sóbrio e parece gostar de uma vida cavalheiresca, assegura Martius. Em todas estas feições assemelha-se mais ao árdego pernambucano que ao paulista pesadão... Seu vestuário nacional difere do paulista. Em geral usa jaqueta curta, de algodão ou de manchéster preto, colete branco de botões de ouro, calça de veludo ou de manchéster, longas botas de couro branco, presas acima do joelho por fivelas; um chapéu de feltro de abas largas abriga-o do sol; a espada e não raro a espingarda são com o guarda-chuva seus companheiros inseparáveis, desde que sai de casa. As viagens, mesmo as mais breves, são feitas em mulas. Os estribos e as rédeas de prata e do mesmo metal o cabo do facão que enfia na bota abaixo do joelho. Nestas jornadas as mulheres são carregadas em liteiras por negros ou bestas, ou sentam-se, vestidas de longa montaria azul com chapéu redondo, em uma cadeirinha presa à mula.’ A pequena estatura do paulista, o cabelo corrido, a face pálida, os olhinhos penetrantes revelavam a procedência americana, no entender de Eschwege, que acrescenta em desacordo com Martius: ‘Sua coragem, sua impavidez no perigo, sua agilidade e espírito de iniciativa, sua repugnância a canseiras, sua sede de vingança, patenteiam a procedência selvagem pelo lado materno, assim como sua finura e a vivacidade de seu espírito denunciam a ascendência portuguesa pelo lado paterno.’”.
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O professor paulista Elias Thomé Saliba perquiriu:
“Capistrano de Abreu sempre foi reconhecido unanimemente, pelos mais diversos analistas e estudiosos, como um dos maiores historiadores brasileiros. Caminhos antigos e o Povoamento do Brasil ou Capítulos de História Colonial, possuem uma longa lista de citações e menções como livros importantes e indispensáveis para integrar quaisquer bibliotecas básicas da historiografia brasileira. Mas Capistrano foi apontado, também por quase unanimidade, como uma ‘grande promessa de historiador’. Já num ensaio de 1955, Hélio Vianna se perguntava por que Capistrano não teria escrito uma grande obra de história do Brasil. O incansável erudito cearense teria sido uma espécie de ‘promessa não cumprida’, como observou Laura de Mello e Souza.
“Por que Capistrano não escreveu uma grande história do Brasil?”.
Saliba especula algumas razões para tal lacuna. 
Disperso e extravagante, Capistrano consumiu os últimos anos de sua vida num estudo aprofundado da tribo Bakairi, formada por índios da região do Alto Xingu. 
Foi prisioneiro de uma vida infeliz. A esposa e o filho morreram prematuramente. A filha Honorina optou pela reclusão em um convento de freiras. 
Era um missivista contumaz. 
E concluiu Saliba:
“O destino do historiador Capistrano confunde-se, de forma inextricável, com as contingências existenciais do homem Capistrano. E que homem! Um lobo solitário – não da estepe, como sugeria o famoso título de Hermann Hesse, mas talvez o da caatinga ou do sertão – um cenário bem mais apropriado ao historiador cearense. Não passava de um ‘velho esquisitão’, segundo o testemunho de um seu contemporâneo famoso, o pernambucano Gilberto Freyre”.
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Ainda conforme Elias Saliba, Capistrano era espirituoso nas cartas e provoca risos. Cita algumas pérolas:
“Punge-me sempre, cada vez mais a dúvida: o brasileiro é um povo em formação ou dissolução?”.
“Esqueça os políticos... nenhum será capaz de endireitar o Brasil, nenhum de metê-lo a pique de uma vez”.
“O jaburu é a ave que, para mim, simboliza nossa Terra. Tem estatura avantajada, pernas grossas, asas fornidas, e passa os dias com uma perna cruzada na outra, triste, triste, daquela austera, apagada e vil tristeza”.
Capistrano – prossegue Saliba – possuía um desejo profundo de convivência e reconhecimento, subjacente à sua aparente misantropia. 
Contudo, mantinha-se distante dos meios típicos de realização como intelectual ou escritor, incluindo o circuito rarefeito de livros, editoras e instituições de pesquisa:
“(Há) uma especificidade mais brasileira: as coteries, capelinhas literárias e outros agrupamentos, quase sempre constituídos em torno de jornais, revistas e outras publicações efêmeras; relações de parentesco e amizade com alguns (raros) mecenas; grupos associados por relações institucionais (Igreja) etc. (...) Capistrano nutria um horror profundo a grupos e sociedades – horror expresso numa ocasião em que, instado a inscrever-se na Academia, respondeu, de chofre, com uma única frase: ‘fui inscrito na Academia Humana independente de consulta e já acho excessivo’. Ao contrário, portanto, de alguns dos intelectuais, seus coetâneos, Capistrano permaneceria afastado dos grupos e das coteries. (...)
"Subsiste a questão inquietante: por que Capistrano só conseguiu expressar-se livremente – sem bloqueios e rodeios – sobre o país e a sua história, através dessas páginas truncadas, desses segredos disfarçados, dessas confissões pessoais que, se não fossem preservados, permaneceriam nos limbos da memória de uns poucos amigos?
“Lembre-se que – antes de qualquer coisa – a correspondência é um ato de sociabilidade. (...) Fernando Amed sugere que a obsessão pelas cartas traduzia o profundo desconsolo de Capistrano com a precariedade da esfera pública. Não seriam tais referências, por trás do seu humorismo truncado e anedótico, uma confissão disfarçada do fracasso da modernidade brasileira? E no fundo – bem lá no fundo – uma vergonha de confessar o seu próprio fracasso existencial, como extensão e metáfora do próprio fracasso brasileiro como nação?”.

 

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Capistrano de Abreu faleceu no Rio de Janeiro,em 13 de agosto de 1927. 
Desde 1925, passara a assinar suas cartas com as alcunhas “João Ninguém”, “Doutor João Ninguém”, “J. N.” ou ‘Hans Niemann”. 
Um país que relega seus próceres ao sentimento de um “João Ninguém” e festeja falsos heróis, jamais alcançará a prosperidade econômica e cultural. 
Os autênticos historiadores executam hoje um trabalho de Sísifo. Esforçam-se para levar a “pedra” da honestidade intelectual ao topo da montanha. Ela rola em seguida, montanha abaixo, impelida pelos ventos da ignorância, da incivilidade, do ódio, das ideologias e da censura... 
Evoco mais uma vez o culto conterrâneo Cardeal Dom Lucas Moreira Neves, ao encerrar o seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras:
“Cesso as palavras porque percebo ser hora de colocar-me à disposição dos insígnes colegas acadêmicos na ingente tarefa de ajudar o País a REESCREVER (OU REINVENTAR) O FUTURO”.
E encerro com as palavras do nosso Patrono João Pinheiro:
“É a História que nos ensina a confiar no Direito, na Justiça, na Liberdade, no Bem e na Vitória definitiva dos grandes princípios da consciência humana. Há forças positivas governando a atualidade e elementos poderosos sustentando o presente e dirigindo o futuro no ensinar ao homem que deve confiar somente nesta justiça da História, que nunca falta, contra a onda das paixões efêmeras e dos interesses passageiros, que desaparecem com o tempo que os criou, para deixar, eterno e duradouro, o que foi feito a serviço da Humanidade e da Pátria, que nunca morrem”.
Muito obrigado! 
 
Belo Horizonte, 24 de fevereiro de 2024 
 
Rogério Medeiros Garcia de Lima 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SOBRE CAPISTRANO DE ABREU 
 
 
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-1800. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1998. 
 
AMED, Fernando. As cartas de Capistrano de Abreu e vida literária na belle époque. São Paulo: Alameda. 2006. 
 
As Cartas de Capistrano de Abreu de Fernando Amed. Disponível em https://www.alamedaeditorial.com.br/livro/as-cartas-de-capistrano-de-abreu-, acesso em 18.10.2023.
 
Capistrano de Abreu - Historiador brasileiro. Disponível em https://educacao.uol.com.br/biografias/capistrano-de-abreu.htm, acesso em 18.10.2023. 
 
COSTA, João Cruz. Correspondência de Capistrano de Abreu. São Paulo: Revista de História, Universidade de São Paulo, vol. 10, nºs 21-22, 1955, p. 541-543. 
 
GONTIJO, Rebeca. Capistrano de Abreu, viajante. São Paulo: Revista de História, Universidade de São Paulo, vol. 30, nº 59, 2010, p. 15-36. 
 
REIS, José Carlos. Capistrano de Abreu (1907). O surgimento de um povo novo: o povo brasileiro. São Paulo: Revista de História, Universidade de São Paulo, nº 138, 1998, p. 63-82.
 
 
 
NOTAS EXPLICATIVAS 
 
 
¹ Estatuto do Instituto Histórico e Geográfico de Minas, artigo 2º e § 1º. 
² Disponível em https://www.ihgmg.org.br/pagina/valores, acesso em 29.10.2023. 
³ Disponível em https://www.ihgmg.org.br/pagina/historia, acesso em 29.10.2023. 
Disponível em https://www.israelpinheiro.org.br/historia-da-familia, acesso em 29.10.2023. 
MARTINS DE OLIVEIRA, Marcos Flávio e CAETANO, Ana Carolina Ferreira. A trajetória de um propagandista no início da República: o discurso de João Pinheiro da Silva em prol do desenvolvimento; disponível em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.abphe.org.br/arquivos/marcos-fabio-martins-de-oliveira_ana-carolina-ferreira-caetano.pdf, acesso em 29.10.2023. 
Disponível em https://www.israelpinheiro.org.br/historia-da-familia, acesso em 29.10.2023. 
Disponível em https://www.ihgmg.org.br/pagina/historia, acesso em 29.10.2023. 
PRAZERES, Ângelo (seleção de textos). Momentos de Minas. São Paulo: Ática, 1984, p. 61.  
ROSA, João Guimarães. Ensaios, texto publicado na revista O Cruzeiro, em 25 de agosto de 1957, disponível em https://www.revistabula.com/21511-a-declaracao-de-amor-de-guimaraes-rosa-a-minas-gerais/#google_vignette, acesso em 04.03.2019. 
¹ SANT’ANNA, Affonso Romano de. Minas: um modo de ser e de estar, jornal Estado de Minas, Belo Horizonte-MG, edição de 01.09.2011, p. 20. 
¹¹ CINTRA, Sebastião de Oliveira. Galeria das personalidades notáveis de São João del-Rei. São João del-Rei: Fapec, 1994, prefácio.  
¹² GARCIA DE LIMA, Rogério Medeiros. A ponte. Belo Horizonte-MG: Revista MagisCultura, Associação dos Magistrados Mineiros, nº 23, abril de 2021, p. 37. 
¹³ NALINI, José Renato. A rebelião da toga. Campinas/SP: Millenium, 2006, p. 288.  
¹ GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 313-314. 
¹ CUNHA, Paulo Ferreira da. Iniciação à metodologia jurídica. Coimbra: Almedina, 3ª ed., 2014, p. 60-63. 
¹ “L'histoire n'est jamais súre”; cf. ZUNS, Olivier. O homem que compreendeu a democracia: a vida de Alexis de Tocqueville. Rio de Janeiro: Record, trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura, 2023, frase de abertura.  
¹ PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Editora Borsói, Tomo I, 1954, p. XV. 
¹ HADAS, Moses. Roma Imperial. Biblioteca de História Universal Time-Life, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1969, p. 7. 
¹ FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma. São Paulo: Hemus, trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca, 1975, p. 9. 
² LE GOFF, Jacques. Reflexões sobre a História: entrevista de Francesco Maiello. Lisboa, Portugal: Edições 70, trad. António José Pinto Ribeiro, 1982, p. 16-18. 
²¹ RUSSEL, Bertrand. História do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, trad. Laura Alves e Aurélio Rebello, 2004, p. 430. 
²² QUEIROZ, Edson Teixeira de (organizador). Antologia de Barbosa Lima Sobrinho: 100 anos lutando pelo Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 305-306.  
²³ EBAN, Abba. A história do povo de Israel. Rio de Janeiro: Edições Bloch, trad. Alexandre Lissovsky, 3ª ed., 1975, p. 153.  
² MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Barcarena, Portugal: Editorial Presença, 11ª ed., 2019, p. 276-277. 
² JORGE, Fernando. Hitler, retrato de uma tirania. São Paulo: Geração Editorial, 2ª ed., 2012, p. 156.  
² PEREIRA, Joseane. Desdém pelas artes: quando nazistas queimaram livros em praça publica. Portal Aventuras na História, disponível em https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/historia-queima-de-livros-na-alemanha-nazista.phtml, acesso em 27.02.2023.  
² BROWN, Archie. Ascensão e queda do comunismo. Rio de Janeiro: Record, tradução de Bruno Casotti, 2011, p. 80. 
² BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. Porto Alegre: Editora Globo, trad. Lourival Gomes Machado e outros, Tomo II, 3ª ed., 1975, p. 896. 
² BORGES, Antonio Fernando. A vida de Mao: assassino de milhões, “pai omisso, marido infiel e amigo traiçoeiro”, Gazeta do Povo, Curitiba/PR, disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/a-vida-de-mao-tse-tung-assassino-de-milhoes-pai-omisso-marido-infiel-e-amigo-traicoeiro/, acesso em 09.04.2021. 
³ RONSFIELD, Denis Lerrer. O mito de Cuba, jornal O Estado de S. Paulo, 02.08.2021, seção Opinião; e Chávez usa fachada democrática para perseguir oposição, diz ONG, jornal Folha de São Paulo, 18.07.2012, caderno Mundo. 
³¹ FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento Educacional, 1994, p. 375- 376.  
³² FAUSTO, Boris. História do Brasil cit., p. 480. 
³³ COSTA, João Cruz. Correspondência de Capistrano de Abreu. São Paulo: Revista de História, Universidade de São Paulo, vol. 10, nºs 21-22, 1955, p. 542. 
³ Do inglês: acordado, consciente. 
³NARLOCH, Leandro. Apedrejar infiéis, jornal Folha de S. Paulo, edição de 01.08.2020, p. A-2.
³Chomsky, Atwood e outros intelectuais lançam manifesto contra cultura do cancelamento na esquerda, por Amanda Mars, do El País, jornal O Globo, Rio de Janeiro, edição de 07.07.2020, seção Cultura. 
³ Acadêmica Ismaília de Moura Nunes: palestra sobre o escritor Português Júlio Dinis. Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, 25.09.2017, disponível em http://amulmig-bh.blogspot.com/2017/09/academcia-ismailia-de-moura-nunes.html, acesso em 29.12.2023. 
³ Bairro Buritis foi criado onde havia uma fazenda. Will Araújo, Diário do Comércio, Belo Horizonte/MG, 19.09.2020, disponível em https://diariodocomercio.com.br/negocios/bairro-buritis-foi-criado-onde-havia-uma-fazenda/#gref, acesso em 29.12.2023. 
³ SANT’ANNA, Affonso Romano de. Sobre a atual vergonha de ser brasileiro, in Política e paixão. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1984. 
As referências bibliográficas sobre Capistrano de Abreu estão no final deste discurso. 
¹ Capistrano de Abreu - Historiador brasileiro. Disponível em https://educacao.uol.com.br/biografias/capistrano-de-abreu.htm, acesso em 18.10.2023. 
² REIS, José Carlos. Capistrano de Abreu (1907). O surgimento de um povo novo: o povo brasileiro, p. 66-67. 
³ AMED, Fernando. As cartas de Capistrano de Abreu e vida literária na belle époque, prefácio de Elias Thomé Saliba. 
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-1800, p. 184. 
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-1800, p. 207-208. 
AMED, Fernando. As cartas de Capistrano de Abreu e vida literária na belle époque, prefácio de Elias Thomé Saliba. 
DISCURSO DE POSSE DE DOM LUCAS MOREIRA NEVES NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, em 18.10.1996. Portal da Academia Brasileira de Letras, http://www.academia.org.br, captado em 19.04.2011; letras maiúsculas no original. 
Palavras do Presidente João Pinheiro no seu discurso de posse neste Instituto, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Belo Horizonte, volume XXXIII, dezembro de 2009, p. 6.

5 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA tomou posse, em 24/02/2024, como associado efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG). Ele passou a ocupar a cadeira de número 69, cujo patrono é o historiador João Capistrano de Abreu.
Foi saudado pelo 3º vice-presidente do IHGMG, Ozório José Araújo do Couto, autor de "Lyra Aterradense" entre outros livros, com um discurso no qual destacou as belezas da terra natal do recipiendário, sua querida São João del-Rei, a genealogia do novo membro, bem como seu currículo e trajetória na magistratura.
O desembargador brindou a audiência que compareceu à sua posse com um discurso comovente e atual, em que prestou suas honras a João Pinheiro, ex-governador de Minas Gerais e fundador e primeiro presidente do IHGMG, além de homenagear sua cidade natal, sua antecessora e o patrono de sua cadeira. Do discurso de Rogério Medeiros cabe destacar um trecho marcante em que defende o patrimônio histórico muito rico de Minas Gerais.
Após a solenidade, o recém-empossado Rogério Medeiros fez novo lançamento de seu livro "Redes Sociais em Prosa e Verso", obra que reúne histórias e anedotas inspiradas em vivências em sua terra natal e na terra de sua mãe e avós maternos, na Paraíba.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/07/discurso-de-posse-do-desembargador.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG-MG e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

MUITO GRATO AMIGO
FRATERNAL ABRAÇO

Merania Oliveira disse...

Paz, saúde e alegria para todos os leitores de São João del-Rei!

Tive a alegria de estar presente no IHGMG, no dia da posse do Dr. Rogério Mediros. O belo currículo dele encantou a todos.

Quanto ao discurso de posse feito por ele, destaca-se a beleza da prosa que ele apresentou sempre enriquecida por um conteúdo singular. De fato, um discurso que faz jus a um grande intelectual.

Mais uma vez, parabéns!
Merania Oliveira
Presidente-executiva do Instituto Roque Camêllo

Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...

Parabéns ao recém-empossado Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima pela rica obra e amor ao patrimônio histórico mineiro.
Saudações literárias,
Raquel Naveira

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Impressionante discurso! Verdadeiramente cativante aula sobre temas como Direito, Liberdade e História, bem como sobre alguns autores relevantes que os ilustram. Outro ocupante que honra o lugar de Capistrano de Abreu.
Saudações,
Cupertino.