Por Lincoln de Souza
I. INTRODUÇÃO, por Francisco José dos Santos Braga
Sob o título geral de "Coisas e aspectos do Brasil", o poeta, jornalista, escritor e folclorista são-joanense Lincoln de Souza publicou inúmeros tópicos curiosos e históricos sobre suas apreciações dos locais que visitou em suas viagens pelo Brasil.
Sobre São João del-Rei ele assinalou, através de vários textos de sua autoria, normalmente no periódico "Carioca", seus atrativos turísticos, num momento (início da década de 1940) em que nossa cidade não tinha assumido ainda, na sua inteireza, sua vocação turística. Portanto, nós, são-joanenses, devemos muito a Lincoln de Souza ter divulgado o nosso patrimônio histórico e contribuído conclusivamente para o peso atual do turismo nas receitas de nosso município, conforme ocorreu com sua matéria sobre a Casa da Pedra, quando narrou a lenda do índio Irabussu, no jornal "Carioca", edição de 23/08/1941.
Somente em 1963, portanto mais de 20 anos depois das publicações de Lincoln de Souza, é que foi criada uma Diretoria de Turismo e Recreação sob a Administração de Nélson José Lombardi (que se inspirou nas reuniões, discussões e atas da "Sociedade dos Amigos de São João del-Rei", presidida por Fábio Nelson Guimarães, em 1960, quando aquele era um de seus membros mais ilustres). Essa Diretoria de Turismo foi confiada a Djalma Tarcísio de Assis, que por todos é tido, sem nenhum favor, como o "1º Secretário de Turismo e Cultura" de São João del-Rei, e o mais ilustre.
II. "UMA OBRA MARAVILHOSA DA NATUREZA: A CASA DA PEDRA DE S. JOAO DEL REY", por Lincoln de Souza
I. INTRODUÇÃO, por Francisco José dos Santos Braga
Sob o título geral de "Coisas e aspectos do Brasil", o poeta, jornalista, escritor e folclorista são-joanense Lincoln de Souza publicou inúmeros tópicos curiosos e históricos sobre suas apreciações dos locais que visitou em suas viagens pelo Brasil.
Sobre São João del-Rei ele assinalou, através de vários textos de sua autoria, normalmente no periódico "Carioca", seus atrativos turísticos, num momento (início da década de 1940) em que nossa cidade não tinha assumido ainda, na sua inteireza, sua vocação turística. Portanto, nós, são-joanenses, devemos muito a Lincoln de Souza ter divulgado o nosso patrimônio histórico e contribuído conclusivamente para o peso atual do turismo nas receitas de nosso município, conforme ocorreu com sua matéria sobre a Casa da Pedra, quando narrou a lenda do índio Irabussu, no jornal "Carioca", edição de 23/08/1941.
Somente em 1963, portanto mais de 20 anos depois das publicações de Lincoln de Souza, é que foi criada uma Diretoria de Turismo e Recreação sob a Administração de Nélson José Lombardi (que se inspirou nas reuniões, discussões e atas da "Sociedade dos Amigos de São João del-Rei", presidida por Fábio Nelson Guimarães, em 1960, quando aquele era um de seus membros mais ilustres). Essa Diretoria de Turismo foi confiada a Djalma Tarcísio de Assis, que por todos é tido, sem nenhum favor, como o "1º Secretário de Turismo e Cultura" de São João del-Rei, e o mais ilustre.
II. "UMA OBRA MARAVILHOSA DA NATUREZA: A CASA DA PEDRA DE S. JOAO DEL REY", por Lincoln de Souza
Salões imensos com tetos em forma de docel - Púlpitos e cadelabros de granito rendilhado - Formações calcáreas à maneira de nuvens e "icebergs" - Suterrâneos escuríssimos e passagens impressionantes - O que sobre a Casa da Pedra escreveram Bernardo Guimarães e Olavo Bilac
Cf. Antologia Brasileira: Coletânea em prosa e verso de escritores nacionaes, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1942, 22ª edição, p. 55-56, in http://www.archive.org/stream/antologiabrasil00werngoog/antologiabrasil00werngoog_djvu.txt
Casa da Pedra em 1824, segundo desenho de Rugendas Crédito: historiador são-joanense Silvério Parada |
Quem movido pelo desejo de contemplar as curiosidades de nossa terra, percorre o grande Estado montanhez, não pode deixar de conhecer em São João del Rey a famosa Casa da Pedra, situada a nove quilômetros, por via férrea, da legendária e histórica cidade mineira.
Trata-se de uma enorme gruta rochosa, de mais de uma dezena de metros de altura, em cujo interior há salas imensas, corredores apertadíssimos como que cavados entre paredes grossas como fortalezas, passagens subterrâneas que conduzem o visitante a lugares onde jamais chega a luz do sol, verdadeiros labirintos úmidos e apavorantes.
Para que o leitor faça uma idéia, embora ligeira, do que é a Casa da Pedra de S. João del Rey, nome por que é ali conhecida, essa maravilhosa obra da Natureza, basta que multiplique por mais quatro ou cinco vezes a altura e por umas dez a largura daquela grutazinha artificial que existe no jardim da praça da República. Ainda assim, o desenho mental não será muito fiel, em consequência da diversidade do aspecto tanto externo como interno entre uma e outra gruta.
É na Casa da Pedra que as famílias sanjoanenses realizam, de ordinário, seus piqueniques, deixando nas paredes da gruta, como lembrança, tal como fazem os turistas, seus nomes gravados a carvão ou arranhados com qualquer estilete. Podem-se ler ali os nomes de brasileiros e estrangeiros ilustres, sendo que o de D. Pedro II e o do Conde d'Eu eram ainda visíveis alguns anos atrás.
Com referência à famosa gruta, vale a pena transcrever o que escreveu Bernardo Guimarães no seu romance "Maurício ou os paulistas em S. João del Rey". O escritor mineiro está narrando a aventura de alguns "emboabas" e um índio (Irabussú) levado à força por aqueles à Casa da Pedra, para desvendar-lhes os imensos tesouros que o silvícola sabia ali existir:
"O pavimento é plano, liso, coberto de areia e de folhiço, como um solo de aluvião; os emboabas penetram com facilidade pela gruta a dentro. Logo à entrada, entre os broncos pilares da arcada imensa, que serve de pórtico aos outros, observa-se um curioso e estupendo fenômeno. Um enorme rochedo está como pendurado da abóbada, à semelhança de lustre colossal, colocado à entrada daquele templo subterrâneo. Mas o monstruoso lustre está envolto em crepe pardacento, suas luzes estão extintas e é mistér brandir o archote em volta dele para admirar-lhe as dimensões titânicas, e ver como se acha preso à cúpula por um ligamento proporcionalmente tão delgado, que faz estremecer. Está ali como a espada de Dâmocles, suspensa por um fio, aquela massa enorme de milhares de quintais, como ameaçando esmagar, pulverizar com sua queda os imprudentes mortais que ousarem passar-lhe por baixo para devassarem os mistérios daqueles áditos tenebrosos.
Mas Irabussú e seus companheiros não estão ali para admirar semelhantes maravilhas; passam por debaixo do imenso candelabro sem prestar-lhe atenção, internam-se mais alguns passos, e acham-se no recinto de um vasto salão, amplo e circular à maneira da nave de magnífica rotunda. Curvava-se sobre suas cabeças uma abóbada de pasmosa elevação, e, de profunda que era, mal seria apercebida ao fraco clarão do archote, se não fôra o cintilar das pedras úmidas, polidas e ponteagudas, de que estavam crivados o teto e as paredes da gruta.
À luz daquele archote demasiado escassa para alumiar tão vasto recinto, o interior da lapa, já de si mesmo curioso e surpreendente, tomava um aspecto solene e fantástico, que inspirava, a um tempo, pavor e assombro. Os muros e a abóbada pareciam cobertos de ornatos e esculturas caprichosas, de frisos, relevos, cornijas, colunas, nichos e volutas em desordenada profusão. Aqui via-se um altar mutilado; ali cavava-se no muro um trono em ruínas; além ressaltava da parede um magnífico púlpito; mais além um renque de colunas decepadas se estendia a perder-se na escuridão. E tudo isto se revestia de brilhantes e variadas cores, reverberando à luz do facho com reflexos de ouro e rubis, de esmeralda e safira, de topázio e ametista.
Era uma gruta de estalactites, curioso brinco, em que a natureza parece comprazer-se dando as mais singulares e caprichosas figuras a essas rochas formadas no côncavo das cavernas pela congelação de gotas de água infiltradas durante séculos através das fendas dos rochedos." ¹
A narração continua. Impossível seguir Irabussú e seus ganaciosos companheiros até o fim - e que fim trágico! Vejamos, por isso, o que Bilac - o grande poeta - fixou em letra de forma a propósito da Casa da Pedra, quando, fugindo à punição de suas atitudes antiflorianistas, errou pelo tradicional Estado montanhez:
"Às nove horas, munido de archotes, entramos na formosa gruta de pedra, uma maravilha natural. Dentro da gruta, um frio fino e cortante. Grandes salões, de cujo teto escuro pendem colossais candelabros de pedra, sucedem-se unidos por galerias mudas, de chão úmido e escorregadio.
De quando em quando, o caminho sobe. E o visitante, surpreso, chega a uma nova sala, a um segundo andar da espantosa gruta. À luz do archote, que vacila e desmaia, resvalando pelas paredes rugosas, de anfracto em anfracto, de furna em furna, aparecem e desaparecem, como por encanto, abismos negros, vultos formidandos de penedos acastelados uns sobre os outros.
Às vezes, de uma eminência, o olhar mergulha pelos corredores vagamente alumiados, e percebe ao longe, caída de uma fenda de rocha sobre um chão que brilha dubiamente, a luz do dia, incerta, azulada, fantástica. E, prestando atenção, num silêncio absoluto, ouve-se o tique-taque das gotas de água pingando sobre as lajes, filtradas pelas estalactites, continuando o trabalho secular da formação daquelas assombrosas colunas de pedra." ²
Fonte: jornal CARIOCA, Rio de Janeiro, edição de 23 de agosto de 1941.
(no livro encadernado pelo próprio Lincoln de Souza, intitulado "VIAGENS pelo Brasil e ao Estrangeiro", nº 2)
III. NOTAS EXPLICATIVAS, por Francisco José dos Santos Braga
¹ Lincoln de Souza extraiu este texto descritivo do capítulo XXII de "Maurício ou os paulistas em S. João del Rey", denominado "A gruta de Irabussu". Há um curioso trecho anterior ao transcrito por Lincoln de Souza, também do capítulo XXII, que reflete a realidade daquela paragem: "No tempo das chuvas com o transbordamento do rio, a água entra pela caverna e torna muito mais difícil o seu acesso." O rio, no caso, é o Rio das Mortes que corre não muito distante da famosa gruta.
² Esta é outra descrição da "Casa da Pedra", extraída por Lincoln de Souza do texto (em prosa) de Olavo Bilac intitulado "A gruta de pedra", aqui transcrita. Neste segundo caso, há igualmente um curioso trecho imediatamente seguinte ao selecionado por Lincoln de Souza, que descreve um fenômeno bastante comum dentro daquela caverna, que eu próprio presenciei, a saber:
(no livro encadernado pelo próprio Lincoln de Souza, intitulado "VIAGENS pelo Brasil e ao Estrangeiro", nº 2)
III. NOTAS EXPLICATIVAS, por Francisco José dos Santos Braga
¹ Lincoln de Souza extraiu este texto descritivo do capítulo XXII de "Maurício ou os paulistas em S. João del Rey", denominado "A gruta de Irabussu". Há um curioso trecho anterior ao transcrito por Lincoln de Souza, também do capítulo XXII, que reflete a realidade daquela paragem: "No tempo das chuvas com o transbordamento do rio, a água entra pela caverna e torna muito mais difícil o seu acesso." O rio, no caso, é o Rio das Mortes que corre não muito distante da famosa gruta.
² Esta é outra descrição da "Casa da Pedra", extraída por Lincoln de Souza do texto (em prosa) de Olavo Bilac intitulado "A gruta de pedra", aqui transcrita. Neste segundo caso, há igualmente um curioso trecho imediatamente seguinte ao selecionado por Lincoln de Souza, que descreve um fenômeno bastante comum dentro daquela caverna, que eu próprio presenciei, a saber:
"Nos pontos raros em que a abóbada se rasga, deixando aparecer um palmo de céu azul, a claridade põe no solo úmido uma nódoa de cor indefinível. Há um sítio, de que irrompe, em plena treva, em pleno subterrâneo, um tronco de árvore secular. Há quantas centenas de anos terá ali caído abandonada e triste, a semente que foi o berço daquele colosso? Sem ar, sem luz, o pequenino rebento cresceu talvez uma polegada de dez em dez anos.
Subiu a custo, como uma cobra, pelas paredes da imensa caverna.
Engrossou, desenvolveu-se, cresceu.
E, já tronco, prosseguiu a sua viagem desesperada e heróica para a luz, para aquele céu, que adivinhava lá em cima...
Hoje é curioso seguir esse percurso: o tronco vai de pedra em pedra, confundindo-se com a rocha, subindo sempre, acompanhando aqui uma anfractuosidade, galgando ali uma cavidade, até que emerge da treva por um buraco aberto no teto da gruta, e abre-se, e expande-se e pompeia, e triunfa, e irradia, e canta em plena luz, alastrando pelo ar a sua gloriosa copa verde, onde garganteiam pássaros, onde vivem ninhos, e de onde pendem os grandes reposteiros fulvos das barbas de velho, como mantos régios... "
Cf. Antologia Brasileira: Coletânea em prosa e verso de escritores nacionaes, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1942, 22ª edição, p. 55-56, in http://www.archive.org/stream/antologiabrasil00werngoog/antologiabrasil00werngoog_djvu.txt
11 comentários:
Tive a honra de proferir discurso em defesa de meu patrono LINCOLN DE SOUZA (1894-1969) no dia 2/2/2013, quando passei a ocupar com muito orgulho a cadeira nº 22 patroneada pelo grande poeta, jornalista, escritor e folclorista são-joanense no Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. Tal discurso encontra-se publicado no Blog do Braga.
A partir de então, tenho sido um buscador de matérias de nosso conterrâneo no intuito de oferecer aos leitores a real dimensão de um dos nossos maiores intelectuais.
No presente post no Blog de São João del-Rei, tenho o prazer de trazer ao conhecimento dos leitores um dos tópicos de Lincoln de Souza, produzidos sob o título geral de "Coisas e aspectos do Brasil" e que ele conservou cuidadosamente num relatório de viagens que o próprio escritor encadernou, contendo também, em forma de recortes, vários de seus artigos, publicados em diferentes jornais. No caso presente, ele busca retratar as belezas da Casa da Pedra, narrando a lenda do índio Irabussu, através de matéria no jornal "CARIOCA", DE 23/08/1941.
Belo registro memorial!
Muito boa a matéria do Lincoln de Souza sobre a Casa da Pedra, Franz!
Lembrou-me muito os nossos passeios a esse lugar que, ao mesmo tempo, me assombrava e encantava.
Lindas as descrições de Olavo Bilac e Bernardo Guimarães!
Importante trabalho de memória você tem feito.
Petete
Prezado amigo FJSBRAGA , ao terminar a leitura de seu artigo sobre Lincoln de Souza e a Casa de Pedra, lembrei-me de minha primeira visita àquela fantástica manifestação da natureza. Linda.
Parabéns.
Abraços do Lucio Flávio.
Caro amigo Braga
Na década de 1980, quando eu e Beth visitávamos São João del-Rei, o nosso saudoso amigo Prof. Sebastião de Oliveira Cintra levou-nos até a entrada dessa “Casa de Pedra”.
Naquela ocasião, (se não me engano!) também fomos levados por ele ao Chafariz de São José.
Agradecemos pelo envio desse minucioso relato, que agora passa a fazer parte de nossos melhores arquivos.
Abraço, Mario.
Prezado Francisco,
Já acompanhava o seu blog, por causa do Ginásio de Santo Antônio. Agora, e por ter gostado muito do que li e da maneira como o escreveu, vou acompanhar também este blog.
Abraço
Meu caro Francisco,
Insignes os textos, tanto o anterior mais descritivo, analítico topograficamente, como o atual, nobilitando seu patrono Lincoln de Souza. Aliás, o autor de Contam que..., onde quer que esteja, se enche de contentamento vendo sua cadeira sendo ocupada por um conterrâneo que lhe dá o valor e notabilidade devidos.
A cada postagem sua, aprendemos muito. Não conhecia essa obra em prosa de Olavo Bilac "A gruta de pedra", linda manifestação artística.
Muito obrigado e parabéns mais uma vez. Fernando
PS: Assim que o tempo me permitir, voltarei à Casa da Pedra, puras recordações...
Obrigado pelo texto. Infelizmente não vi a Casa de Pedra.
Abraços.
Alaor Barbosa.
Grande amigo Francisco. Parabéns, merecido, você realmente tem o dom da oratória, desperta em nós a sensibilidade, nos leva a refletir, sentir orgulho e lembrar dos grandes homens de nossa Terra, como você. Ruth
BRAGA, bom dia!
SJDR seria mais pobre sem o talento de Lincoln de Souza!
Ainda bem que no campo da sensibilidade, temos pesquisadores como você!
Abraços - incluindo Rute - de
Mário Celso
Caro Francisco José Braga,
Lindo texto sobre a saudosa "Casa da Pedra". Leva-nos às memorias boas de quando a meninada lá íamos em excursão, porém sem os guias de visitação que há nas cavernas atualmente, só na coragem infantil.
Hoje só saudades e, como diz o primo Carlos Fernando, precisamos repetir esses feitos amenos e generosos de nossa Terra.
Grato.
Abraços aos conterrâneos.
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