Por Ann M. Lingg
(Traduzido do alemão por Francisco José dos Santos Braga)
Este artigo foi originalmente publicado in Das Beste aus Reader's Digest, Stuttgart, RFA, como "Die Oper geht in die Schule". Jahrgang 16 Nr. 6 Juni 1963, 137-42 pp.
Uma experiência bem sucedida para despertar compreensão da Música em jovens
Numa
manhã cinzenta em dezembro de 1960, um caminhão parou em frente de uma escola
comunitária de New York, e dois homens começaram a descarregar costumes e
uniformes coloridos, cortinas azuis e mobília branca de época. Umas horas mais tarde compareceram
algumas centenas de alunos no salão nobre, e um senhor elegante, de cabelos
escuros subiu ao palco.
“Eu
me chamo John Gutman”, apresentou-se, “e atuo no Metropolitan Opera House. Além
disso, leciono na Universidade de Colúmbia. Mas não vim para ensinar-lhes algo
– senão uma coisa: Amor àquilo que nós apreciamos e o que para nós na casa de
ópera é o melhor do mundo.”
O
Metropolitan-Opera-Guild – fundado em 1935 com o objetivo de tornar o “Met” uma
instituição de todo o país – e o novo Lincoln Center nova-iorquino para as
artes teatrais tinham enviado à escola seis cantores e cantoras e um pianista. Do programa constava a ópera buffa Così
fan tutte produzida numa versão especialmente reduzida para esse projeto. A
maioria das crianças nunca tinha visto uma ópera. Muitos conheciam apenas o
habitual conflito nas moradias pobres e apertadas e becos sujos. Mas o apelo do
exótico, seu amor de compartilhar algo lindo, fez uma corda secreta soar.
“Lá
fora há um dia horrível”, continuou o diretor do Met, “mas nós nos dirigimos
agora pelo oceano para a Itália, na bela cidade de Nápoles. Lá brilha o sol, e
tudo é jovem, bonito e alegre. Nós nos encontramos no século XVIII...”
Música
animada soava do piano, e a cortina do palco se abriu. As crianças viram
fascinadas três elegantes senhores a uma mesa de toalha vermelha quadriculada
brindando seus cálices. Então começaram os senhores a cantar, e então foi
preciso traduzir o texto italiano para o inglês; foi bom entender tudo. Na
ópera um solteirão grisalho (Alfonso) faz uma aposta com dois oficiais jovens
(Ferrando e Guglielmo), de que não é possível confiar nas mulheres. O primeiro
convence ambos a despedirem-se com um adeus choroso de suas noivas e
regressarem disfarçados com trajes orientais, para fazer-lhes a corte. (O
solteirão ganha a aposta.)
Gargalhada
solta encheu o salão nobre, à medida que a ação se desenvolvia. A música
fascinante fez a sua parte. Gutman percebia como semblantes concentrados se
animavam, como rostos entediados e irritados se acendiam. Ele sabia fazer seu
sonho de uma ópera tornar-se realidade para público juvenil.
Gutman,
antes de ser crítico musical em Berlim, já tinha sido desde sua juventude em
Nürnberg um apaixonado apreciador de óperas. Nos anos da década de 50, tornou-se
um colaborador do recém-nomeado superintendente geral do Met, Rudolf Bing, que já o
conhecia da Europa. Quase diariamente se ocupava agora com cantores da nova
geração, que queriam uma oportunidade na ópera. Ele constatou que as
apresentações vespertinas agendadas pela Guild (Associação) despertavam o interesse tão
devastador dos alunos que sete vezes por ano não pareciam também bastar
remotamente.
A
mesma impressão tiveram as autoridades do Lincoln Center, do qual naquela época
ainda não havia muita coisa para se ver certamente. Exatamente então tinha
começado com o envolvimento de seus planos radicais, incluindo a construção
daquele gigantesco complexo no Lincoln Square em Manhattan, da primitiva Casa
da Ópera, Sala de Concerto, Teatro de Repertório e Balé, Academia de Música e
outras construções culturais. Mas o “fundo para educação” do Lincoln Center com
dotação de U$10 milhões já deu retorno, e o Conselho de Administração se
compromete com o princípio: “Servir a juventude é nosso objetivo supremo. Não
devemos esperar até que concluamos a construção.”
Em
maio de 1960 o Centro de Ópera propôs apoio financeiro; em caso positivo, seria
possível dar mais apresentações aos alunos. Mas Bing considerava isso
impossível, achando que “o Coro e a Orquestra estão, de qualquer forma,
próximos a um colapso.” A isso Gutman objetou: “Por que não engajarmos alguns
cantores jovens e os mandarmos encenar nas escolas?”
Enquanto
isso, foram visitados acima de 150.000 escolares graças à boa ideia de Gutman
quanto ao fascínio da ópera.
Em
1º de julho de 1960 Gutman indagou a George Schick, um regente nascido em Praga,
que dirigiu a Casa de Ópera londrina Covent Garden e outras temporadas no Met,
se ele gostaria de assumir a direção musical dos Programas Escolares. Schick
aceitou entusiasmado e começou visitando os cantores em New York. Ao mesmo
tempo, o jovem assistente de Gutman, Glen Sauls, frequentou diversos festivais
de verão, à procura de talentos. Neste ínterim, foi integrada Rose Landver, uma
experiente soprano, que tinha se lançado na direção de palco. Ela propôs como
primeira obra Così fan tutte, porque
essa ópera permite facilmente ser compactada, sem, com isso, comprometer a sua
essência. Schick cortou a partitura à metade, enquanto ela adaptava o libretto.
Em
setembro se reuniram dezoito cantores e cantoras para o primeiro ensaio. Seis
vieram do Met; os doze restantes eram jovens cantores profissionais, que ainda
lutavam por reconhecimento. Schick e Madame Landver os dividiram em três grupos
corais e com eles ensaiaram firme e cuidadosamente durante seis semanas.
Em
outubro o sucesso foi alcançado. Gutman anunciou que Così fan tutte estava disponível às escolas. Estas, no espaço de uma
semana, fizeram 75 solicitações.
A première teve lugar em 16 de dezembro de
1960 numa escola primária complementar na favela do bairro do Bronx. 65% dos
alunos eram de Porto Rico, 15% negros. Para sua grande satisfação, Gutman
vivenciou ali como seu breve discurso, a bela cenografia e a música de Mozart deixaram iluminar 500 rostos.
Desde
esse dia a ópera foi levada 245 vezes, e quase sempre a repercussão foi
estrondosa. Um diretor de escola no Brooklyn descreveu a apresentação de Così como o mais belo espetáculo a que
ele, em 37 anos de atividade como educador, tinha assistido. Um outro recebeu
frequentemente “reclamações de professores, alunos e pais, porque apenas um
quarto dos membros da escola teve licença para assistir”. Um jovem disse que a
apresentação de Così o tinha encorajado a “conhecer cultura”. Bem mais comovente foi a
afirmação de uma moça do Bronx: “Que pena que Mozart já morreu há tanto tempo;
essa magnífica audição foi um bálsamo para o meu coração.”
No
corrente ano letivo estão levando os três grupos corais 70 apresentações,
dentro do “Estúdio do Metropolitan Opera”; mas muito mais escolas ainda estão
na lista de espera. Em vista da sempre crescente demanda, faz-se um grande
esforço para conseguir cantores adicionais para acolher no repertório uma
segunda ópera, O Barbeiro de Sevilha
de Rossini.
Será
que vai continuar o interesse despertado dos jovens na música clássica através
de sua primeira experiência de ópera? Só o tempo pode ensinar isso. No que
tange o presente momento, alegram-se John Gutman e seus colaboradores cada vez
mais, quando eles pensam no menino pobremente vestido, que, depois de uma
apresentação, se ergueu diante da diretora Rose Landver e disse: “Posso apertar
a sua mão? Nunca tinha experimentado algo tão lindo em minha vida.”
7 comentários:
No Blog do Braga publiquei em 21/05/2012 um artigo intitulado "Poder da Ópera de levar a um 'sentir coletivo'", onde mostrei minha experiência como participante de associações de amantes de ópera tanto na cidade de São Paulo quanto em Brasília.
Também, no Blog de São João del-Rei, Bohumil Med, trompista, professor universitário de trompa e teoria musical, editor e crítico musical, colaborou com um artigo sobre "Ópera (excerto do livro Música é coisa séria... mas nem sempre", publicado em 30/05/2017.
Agora, tenho a satisfação de anunciar uma nova contribuição sobre o mesmo tema: A ÓPERA VAI À ESCOLA, pela musicóloga e escritora ANN M. LINGG, que escreveu esse artigo pensando numa experiência real: a iniciativa pioneira de criar um Estúdio do Metropolitan Opera para visitar 150.000 alunos primários, em Manhattan, principalmente no bairro do Bronx. Como a autora já não está entre nós, traduzi seu artigo de uma revista alemã e sua biografia de material em inglês existente na Internet.
Caro amigo Braga
Li o artigo da musicóloga e escritora Ann M. Lingg e agradeço pelo envio.
Que bom exemplo para a disseminação da cultura musical em mentes ainda jovens!
Abraços, Mario.
Grata ,
Eudóxia .
Muito obrigado pela excelente matéria A OPERA VAI Á ESCOLA. Elizio.
Prezado confrade e amigo.
Agradeço o brinde com a matéria.
Grande abraço amigo.
Bem, professor. Tudo o que se refira a iniciativas educacionais - ainda mais como essa - me comove profundamente. O último parágrafo do texto da Sra. Lingg resume bem esse sentimento.
Por outro lado, tinha a curiosidade em saber o que ficaria daquele magnífico trabalho para o futuro. É a mesma que tenho hoje. Houve continuidade? Quais efeitos duradouros pode ter tido junto àquela comunidade do Bronx?
Obrigado.
Querido Francisco!
Obrigada!!
Aproveito o tema para enviar notícia sobre o projeto Ópera vai à Escola.
Abraço.
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