Por Francisco José dos Santos Braga
“Eu sou o João da Matta.”
Objetiva
este breve artigo informar o leitor sobre novos “achados” que tenho feito sobre
o mestre e compositor são-joanense João Francisco da Matta.
O
musicólogo, historiador e pesquisador Aluízio José Viegas dizia ter quase
certeza de ter localizado o batistério, contendo uma lacuna, do meu homenageado
no arquivo paroquial da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, segundo o
qual ele seria filho legítimo de João da Mata e Antonia Maria de São Pio, foi
batizado e recebeu os santos óleos aos 28 de maio de 1832 na Matriz de Nossa
Senhora do Pilar de São João del-Rei. Quanto à data de seu falecimento, parece
haver um consenso de que ocorreu em 4 ou 5 de junho de 1909, no distrito de
Serranos, município de Aiuruoca. Da
sua certidão de óbito exarada em 28/08/2017 pela tabeliã de Serranos, a pedido
do confrade do nosso IHG e presidente da Academia Lavrense de Letras, José Passos de Carvalho, consta a informação de que
seu corpo se acha sepultado no adro da Igreja Matriz daquela localidade, ou
como mais poeticamente descreve Alvino Ferrari, no jornal O Correio, São João del-Rei, Ano XIII, nº 619, edição de 07/09/1938:
“O que me leva a lançar estas linhas é o fato de, dias atrás, em atividades cinegéticas em Serranos, o 'paraíso dos caçadores', haver deparado com o jazigo de João da Mata, ao lado da Igreja Matriz dessa localidade, túmulo raso e modesto, ‘sub umbra palmarum’, pois lhe monta guarda uma palmeira solitária batida pelo vento, esguia e agitada como a imaginação do artista que ela relembra...”.
Outra informação importante é
dada pela mesma certidão de óbito: o
finado João da Matta era casado com Ambrosina Silva da Matta. Além disso, o saudoso Aluízio Viegas
contou-me ainda que um filho do maestro, Targino da Matta, violoncelista e
trompetista, brilhou na Orquestra Ribeiro Bastos no final do século XIX e
início do XX, notabilizando-se em Belo Horizonte para onde se transferiu
posteriormente.
É conhecido que Martiniano Ribeiro Bastos – mestre na sua escola
de música na Rua da Prata, onde residia – transmitiu um vasto cabedal de
conhecimentos musicais ao discípulo João da Matta, este, autor de variada
produção musical que deixou espalhada não só pelo Sul e Oeste de Minas, mas
também na Corte (Rio de Janeiro). Consta ainda que “Almirante”, em sua notável
“História do Rio pela Música”, cita
João Francisco da Matta como companheiro dos precursores do samba no Brasil, na
cidade do Rio de Janeiro.
Grande parte da sua obra foi impressa em editoras
brasileiras de música, podendo-se afirmar que ele foi o compositor são-joanense
mais divulgado em todos os tempos, no sentido de que foi quem teve mais obras
musicais publicadas em vida. Fala-se
muito da música sacra produzida por João da Matta; de fato, ele se superou no
esmero de algumas peças sacras. Algumas delas são ouvidas frequentemente em São
João del-Rei, destacando-se as seguintes: Tota
Pulchra es Maria (peça de devoção mariana tocada com frequência, mas
especialmente dedicada à festa da Imaculada Conceição no dia 8 de dezembro) e Stabat Mater (na Sexta-feira Santa). Em
Prados, a Marcha Fúnebre “João da Matta”
é executada anualmente na Quarta-feira
Santa e na Procissão do Enterro. Além dessas obras sacras de inegável valor
artístico, de fato ele compôs muita música profana igualmente preciosa. Segundo
o pradense Luiz Fonseca, in Expressão Cultural: João da Matta,
jornal Pérolas do Samba, São João del-Rei, Ano
0, nº 6, dez 2008, p. 8, o acervo da Biblioteca Nacional dispõe de inúmeras
peças profanas deste autor, infelizmente sem especificar se todas se achavam impressas ou quais estavam
impressas e quais manuscritas, desde poesias musicadas, marchas festivas, quadrilhas
para banda, tango brasileiro, etc. Mencionou claramente que uma Marcha Fúnebre
tinha sido impressa em 1870 na Casa Narciso & Arthur Napoleão, no Rio de
Janeiro. O mesmo articulista consultou edições do jornal A Gazeta Mineira de 1891, nas quais era anunciada para venda a
música “Tango das Moças”, de João da Matta, impressa em Juiz de Fora na
tipografia dos Drs. Leite Ribeiro & Cia. O conceituado historiador Luiz
Gonzaga da Fonseca, autor de História de
Oliveira, publicada em1961, atribui a João da Matta um Hino da Liberdade,
comemorando a Abolição da Escravatura, e um Hino à República, comemorando o 15
de novembro de 1889. Além dessas partituras, o próprio João da Matta publicou
um anúncio, no jornal são-joanense A
Pátria Mineira de 26/9, reiterado nas edições de 3, 17 e 24/10/1889, onde se lê que
estava colocando à venda a “seus bons
conterrâneos” músicas de sua autoria constando de dobrados, polkas, valsas,
modinhas, hinos da Princeza e do Tiradentes, sem também especificar infelizmente se
todas se achavam impressas ou quais se achavam impressas e quais manuscritas.
A 6
de março de 1938, foi comemorado o 1º centenário de elevação de São João
del-Rei à categoria de cidade, cem anos depois da promulgação da Lei Provincial
nº 93 de 6/3/1838. Praticamente durante quase todo aquele ano de 1938, quando era Prefeito Municipal Antônio das Chagas Viegas, O CORREIO prestou homenagem àquela data
cívica, bem como rememorou os seus preeminentes vultos políticos e artísticos naquele
século da história municipal que se findava. O DIÁRIO DO COMÉRCIO, lançado como órgão oficial da Associação Comercial em 06/03/1938 (Ano I edição nº 1), deixou para mais tarde fazer uma excelente cobertura dos acontecimentos comemorativos do centenário na sua edição de 17/08/1938, dando maior ênfase à visita do governador Benedito Valadares a São João del-Rei a fim de inaugurar o obelisco ("pirulito") na Av. Rui Barbosa, a ponte que leva o seu nome sobre o Córrego do Lenheiro ("cortou a fita simbólica") e um cruzeiro no Bonfim, com mudança em algumas denominações de ruas. Em artigo assinado por Asterack Germano de Lima,
intitulado “A nossa Música e o seu Passado”, publicado em O Correio, São João del-Rei, edição de 28 de julho
de 1938, lê-se:
“No grande acervo da arte que palpita scintillante e immorredoura nos annaes desta historica cidade que pomposamente festeja o seu centenario, a 28 do corrente, a grandeza do seu passado artistico mais se accentúa, quando se manuseam as paginas que registam os fastos da arte musical, tão soberbamente cultuada pelos nossos maiores, nas partituras que nos legaram. (...) No domínio da música sacra (...) João da Mata – o preto tropeiro – que daqui sahia acompanhando cargas destinadas ao interior do oeste mineiro, por vezes, em interessantes peripecias, deixava à mostra o seu grande talento artistico.
Em certa occasião aportara à cidade de Pitanguy, descalço e com uma indumentaria mais que humilde. Assentara-se à porta de uma casa de abastado senhor, afim de ouvir a execução de uma sua partitura. O violino cantava o texto, tendo por acompanhamento um piano.
Tal era a deturpação do que estava escripto, que João da Matta não se conteve – bateu à porta, pediu licença às senhoritas executantes e disse-lhes: “Ha um engano, as senhoras não estão acertando no compasso”.
– Que! Você tem coragem de dar opinião sobre musicas de João da Matta?!...
Tanto insistiu, que lhe deram o violino; ficaram então scientes de que o tropeiro era um grande musico, e mais ainda, que era o João da Matta. (...)”
A 31
de março de 1889 procedeu-se à bênção solene do Estandarte da Sociedade Lira
Sanjoanense, trabalho de Luiz Batista Lopes. Constam do mesmo os nomes dos
diretores da entidade e de alguns compositores mineiros, entre os quais o de
João Francisco da Matta.
Estandarte original da Sociedade Lyra S. Joanense, trabalho de Luiz Batista Lopes, benzido solenemente a 31/03/1889. |
Mesmo estandarte refeito em 1976 a partir do original. O nome de João F. da Matta aparece à direita do ramo verde superior. Crédito pelas imagens: Rute Pardini. |
No Histórico
feito por Roberto Múcio da Silva em 30/10/1995, em homenagem ao primeiro
centenário da Corporação Musical “Lira do Oriente Santa Cecília”, ele observou
que esse grupo musical atuava tanto como Banda de Música quanto como Orquestra
Sacra, estava sediado no distrito de Rio das Mortes Pequeno e fora fundado em
22/11/1895 por dois Mestres-fundadores, a saber: Srs. Pedro “Sapo” e João da
Matta, ambos negros e membros integrantes da Orquestra Lira Sanjoanense.
Segundo o Histórico, os dois Mestres-fundadores teriam dito que estavam
fundando a “Lira do Oriente”, por não serem aceitos na “Lira Sanjoanense”, com
a qual ficaram descontentes diante de restrições sofridas à sua participação
musical nas principais festividades onde a presença da Lira Sanjoanense era
solicitada, mencionando que sofriam duas discriminações: sua cor negra e o fato
de se exaltarem em bebidas. Quanto a João da Matta, o autor do Histórico
esclarece que ele “exercia a profissão de
tocador de porcos, desta região para a Zona da Mata”. Em minha visita aos arquivos
daquela corporação musical, localizei pelo menos duas marchas festivas da
autoria de João da Matta, intituladas “Belleza” e “João da Matta”, cujas cópias
me foram gentilmente cedidas por seu atual dirigente e instrutor Márcio dos
Reis.
Consta
ainda que João da Matta tocava todos os instrumentos de sopro que possuem três
chaves (válvulas ou pistões), tendo sido virtuose no oficleide, e alguns instrumentos de corda, além
de pianista, tendo se apresentado em concertos em todo o Oeste e Sul de Minas,
atuando também como insigne professor de música, hábil afinador de pianos e
compositor ativo e fértil, com forte influência da ópera italiana, como a
maioria dos seus contemporâneos.
As
suas proezas nas várias localidades que visitou (entre as já conhecidas,
pode-se citar as de Oliveira, Lavras, Pitangui, Juiz de Fora, Rio de Janeiro, distrito de
Aventureiro pertencente à Vila Mar de Hespanha e distrito de Serranos do
município de Aiuruoca) acabaram por transformá-lo em lenda viva, projetando o
nome de sua cidade natal por todo o Sul e Oeste de Minas Gerais e
principalmente na Corte.
Oficleide antigo |
Queria encerrar esta síntese com uma última
informação: a opinião de Carlos Gomes a respeito do grande talento do músico
tropeiro João da Matta. A esse respeito, tomo o depoimento de Gustavo Pena na
primeira página do periódico O Pharol,
de 12/10/1890 (reproduzido por [GUERRA, 1968: 72]), comentando uma
apresentação do músico são-joanense no Teatro Novelli, de Juiz de Fora:
“Há talvez 17 anos ouviu o escritor destas linhas este juízo a respeito do maestro mineiro pronunciado pelo imortal autor do ‘Guarany’: ‘Que esplêndido talento tão desaproveitado!... Se vocês querem, eu vou pedir ao Imperador que lhe conceda uma pensão para ir seguir o curso no conservatório de Milão.’ ”
Tomo ainda outro depoimento do poeta, escritor e músico Bento Ernesto Júnior que, no artigo de A Tribuna, de 07/04/1935, também destaca o encontro de João da Matta com Carlos Gomes, bem como a admiração deste pela qualidade da obra que passou a conhecer:
“(...) O pobre negro, na noite de sua desgraça, teve um raio de luz a iluminar-lhe a personalidade humilde na grande admiração que por toda a parte se lhe dedicava e a consagração invulgar do aplauso da mais rutilante glória da música brasileira – o grande, o imortal Carlos Gomes que proclamou João da Matta uma das mais admiráveis organizações musicais que lhe fora dado a conhecer.”
O que se comenta em São João del-Rei é que João
da Matta teria recusado a ajuda de Carlos Gomes para estudar na Itália por
causa de seu casamento recente. Seja como for, uns seis anos depois, outro
são-joanense, desta vez Presciliano José da Silva (18/02/1854-1910), igualmente negro,
discípulo de Martiniano Ribeiro Bastos e músico talentoso, como o meu
homenageado, é quem embarca em 19/04/1879 para a Itália, de posse de uma bolsa
de estudos obtida junto ao imperador D. Pedro II, e matricula-se na Real Escola
de Milão, onde se gradua. De volta ao Brasil, desenvolveu atividades musicais
em Cantagalo, Nova Friburgo e Campinas.
Crédito: Conservatório Pe. José Maria Xavier |
Crédito: Aluízio José Viegas |
Conforme se vê, a vida e obra de João da Matta estão sujeitas a uma permanente atualização, porque o que se encontra ainda envolto em “mysterio” demanda outros achados esclarecedores.
14 comentários:
Envio-lhe minha mais recente pesquisa sobre JOÃO DA MATTA (São João del-Rei, 28/05/1832-Serranos, 04/06/1909), com achados esclarecedores sobre a biografia do compositor, maestro e instrumentista negro e tropeiro e sobre seu legado musical.
É surpreendente como o talento desse grande compositor são-joanense foi reconhecido pelo glorioso Carlos Gomes e pelas editoras brasileiras de música, numa época de forte discriminação de raça e de cor.
Só mesmo uma vontade férrea e confiança inabalável em si mesmo explicam o sucesso que o maestro negro e tropeiro alcançou com suas composições, projetando o nome de sua cidade natal por todo o Sul e Oeste de Minas e principalmente na Corte.
Meu caro Braga
Você é um homem imbatível!
Meu encantamento pela extraordinária pesquisa, que merece ser roteirizada e filmada, a fim de que exemplos desta dimensão não se percam.
Dizem que o brasileiro não tem memória.
Parabéns pelo denodo e pertinácia comportamental.
Meu aplauso.
Do seu admirador,
Estimado Sr. Francisco,
Recebi seus últimos e-mails!
Agradeco e farei atenciosa leitura!
Estou em viagem pelo Paraná!
Uma saudação de Curitiba
Importantes e necessários registros memoriais sobre a vida e obra do compositor João da Matta. Parabéns, prezado Braga!
EXCELENTE SEU ARTIGO SOBRE O COMPOSITOR JOÃO DA MATA. PARABÉNS.
Recebi sua pesquisa sobre João da Matta que gostaria de publicar na edição 638 do Arruia mas estou precisando de seu aval pois no blog informa que a mesma não poderá ser reproduzida. Penso em reduzi-la por falta de espaço no jornal, você poderia fazer isso enfocando tão somente tópicos de interesse dos corais. Sempre foi meu objetivo com o CJP reverenciar os compositores mineiros. Você deve ter conhecido Curt Lange, um uruguaio que foi responsável pelo lançamento de obras de compositores de Ouro Preto e Mariana, da mesma época de João da Matta. Como o Arruia de Novembro está em fase final, você poderia fazer o resumo do seu artigo que eu publicaria no mesmo na pag. 2. Você pode ver pelos jornais anteriores (tem recebido os mesmos?) e calcular o tamanho do texto. Ficarei muito honrada e agradecida com sua colaboração.
Caro amigo Francisco,
Mais uma página fabulosa, resgatando a história de nossa terra amada e a memória de seus ilustres e inteligentes cidadãos, que há muito se foram e cuja contribuição cultural para nossa urbe é de inestimável vulto. João da Matta... mais um negro que vem mostrar que não é a cor da pele que faz uma pessoa inteligente, culta e capaz. Parabéns, meu amigo. Siga com sua obra!
Abraço do amigo Artur Cláudio
Caríssimo Francisco Braga,
Texto enriquecedor sobre João da Matta, expoente da música são-joanense.
Abraço
Muito grato, meu caro Francisco.
Um forte abraço do
Gurgel
Caro amigo Braga
Que belo texto em homenagem a João da Matta, resgatando a sua memória histórica.
Parabéns!
Abraços, Mario.
Mestre Braga, parabéns pela divulgação da vida e obra do grande compositor são-joanense,o tropeiro negro João da Matta, aplaudido por Carlos Gomes e pela Corte Imperial do Rio de Janeiro. Cordial abraço do Danilo Carlos Gomes, escriba marianense.
Bom dia, professor Braga.
Lembro-me de já ter lido e comentado matéria sua sobre esse compositor, cuja personalidade e obra vem recuperando e destacando, com toda justeza.
Uma vez mais, muito agradecido.
Obrigado pelo material bastante interessante.
Samuel
Parabéns, prezado Braga, por mais esta excelente contribuição à biografia de nossas personalidades. O alvejado por seu texto é plenamente merecedor das homenagens por sua vasta e esplêndida obra.
Abç. do admirador,
Ulisses Passarelli
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