Por Jair Vicente de Andrade ("Jair da Purina")
Tentaremos descrever, principalmente para os sortudos que estão cursando a terceira idade, ou mais. Alguns personagens que nos deixaram grandes recordações saudosas de um período que não sabíamos que éramos felizes.
Em décadas passadas nos bons tempos, apareciam normalmente ao entardecer, e à noite, muitas vezes muito fria, os vendedores que procuraremos relembrar em suas atividades.
O LEITEIRO
Aparecia ao raiar do dia, e silenciosamente colocava uma ou mais garrafas de leite no sopé de nossa porta, sem fazer qualquer ruído. Essas garrafas eram de vidro, com tampa de papelão branco, com desenho interno de uma vaca em cor escura, que nos dava uma bela visão do produto.
O PADEIRO
Lá pelas seis horas da manhã, ou antes, infalivelmente aparecia, com a consciência de que as crianças precisavam ser alimentadas antes do horário escolar. Os pães eram embrulhados no chamado papel de pão, de cor cinza, e deixados em nossas janelas com o soar do alerta: - PADEIRO!!!
A VERDUREIRA
Também pela manhã em torno das sete matinal, com seus grandes balaios carregados num dos braços ou carrinho de mão, apregoando: - VERDUREIRA!!!
Ofereciam diversas verduras, ervas e frutas, colhidas horas antes, com a nossa completa confiança, pois não existiam agrotóxicos.
O AMOLADOR DE TESOURAS
Aparecia na parte da manhã, vindo sempre pelo meio da rua, num horário que sabidamente não incomodaria às mulheres em seus afazeres culinários.
Trazia consigo uma música aguda, que tirava de sua roda de amolar, essa engenhoca que tocava com um pedal, usando uma lâmina, para anunciar a sua presença.
O VENDEDOR DE AREIA
Vinha antes do almoço. Seu produto era a areia branca, muito fina, apanhada nas fraldas da Serra do Lenheiro e também das montanhas que compunham a Serra de São José. Era oriunda de pequenos pedregulhos que se deslocavam das rochas com a força das águas das chuvas e vinham rolando serra abaixo se reduzindo em pequenas partículas, no atrito com as pedras, até chegar ao sopé da serra.
Esses vendedores eram garotos, ou melhor meninos de dez ou onze anos. Carregavam às suas costas um saco de pouco mais de dez quilos. Essa areia refinada era usada para arear vasilhas e panelas que ficavam sujas do carvão dos fogões à lenha; e bacias de banho ou de cozinha onde se juntavam os vasilhames para lavar.
Esse produto era medido em canecas de folha de flandres de 250 gramas. Era oferecido de casa em casa, e quando recebiam um negativo, sempre mencionavam:
- Ô Dona!! Só uma canequinha para diminuir o peso...
Naquele tempo, após seu caminhar, seu rosto e cabeça tornavam-se brancos com a poeira da areia.
Continuava o seu andar cantarolando: OLHA ARIIIEIA!!!
O VENDEDOR DE CANJICA
Era tradicional que logo no início do inverno e durante todo esse período lá estava ele anunciando seu produto, transportado em um carrinho adaptado para tal comércio, com duas latas de vinte litros, reluzentes por fora e na parte debaixo das mesmas, um braseiro que emitia calor, mantendo-as sempre quentes. Este foi um personagem inesquecível, com seu alarido inconfundível:
CANJIQUEIROOO!!!
O VENDEDOR DE BOLINHO DE MANDIOCA
Também apareciam nas tardes, com seu produto muito apreciado pelos adultos, e que hoje, ao relembrar, nos enche a boca d’água das delícias de outrora.
O VENDEDOR DE PINGUELIN
À tarde tínhamos o vendedor de Pinguelins. Aparecia com seu latão às costas, de tempos em tempo o apoiava no chão. Em seu interior continha o produto que era um canudo de casquinha que desmanchava na boca, sendo muito apreciada pelas crianças e pelos adultos. Na tampa desse latão havia uma roleta, “Jaburu”, com numeração para incitar a criança a girá-la na esperança de ser contemplado com a sorte de conseguir mais de uma guloseima.
O VENDEDOR DE AMENDOIM TORRADO
Quase todos os dias ao findar das tardes, aparecia o nosso vendeiro, divulgando seu amendoim torrado, conduzido em uma lata com braseiro embaixo, com alça de arame grosso, e na parte de cima uma tampa quente com os pacotes já preparados com ou sem sal.
O VENDEDOR DE BOLINHO DE FEIJÃO
Este era um dos ambulantes notívagos, com o seu prenunciar inconfundível: Ê Ô Ô... E Ô...BOLI...Ê O BOLIEIROOO!!!
Tínhamos a impressão que em seu cantar havia um lamento nostálgico, um certo romantismo, que nos impulsionava a adquirir seu produto, que por sinal era delicioso. Este personagem também marcava o horário de irmos para a cama:
- Crianças! O Bolieiro já passou, está na hora de dormir.
Que importante figura do nosso folclore noturno.
A LAVADEIRA
As lavadeiras eram sempre vistas nas segundas e sextas-feiras. Nas segundas nós a encontrávamos carregando em suas cabeças as trouxas de roupas sujas, bem amarradas impedindo que se desmanchassem. Nas sextas eram vistas na entrega das mesmas já lavadas. O formato do volume já se diferenciava para um retangular, de diversos tamanhos, muito bem feito, como se fosse para presente.
Temos aqui a protagonista que promoveu a escrita dessas reminiscência.
Vamos lembrar Dona Joana, uma senhora de meia idade, de porte pequeno, franzina, bastante ágil em seus movimentos, mas muito ingênua em suas perguntas e respostas.
Certa vez em uma de suas visitas à uma freguesa, Dona Joana se anuncia na porta; LAVADEIRAAAA! É atendida pelo marido da cliente, que alerta a patroa com o seu costumeiro modo de a tratar:
- MÃE! A lavadeira chegou!
A patroa chega à porta, entrega à Dona Joana a trouxa e escuta:
- Seu filho já é bem grande, né?
A patroa, chateada comenta:
- Como é possível ser meu filho, não vê que é meu marido!
Na sexta, na entrega da roupa, Dona Joana foi dispensada.
13 comentários:
Confrade Braga, parabéns para você que nos traz de volta a lembrança destes tempos que hoje só existem emoldurados por nossa saudade. Parabéns também ao confrade Jair que tão bem soube captar as nuances ligadas a cada guloseima e cada vendedor. Esta matéria me encantou
O Blog de São João del-Rei tem a satisfação de publicar nova colaboração do escritor JAIR VICENTE DE ANDRADE, agora discorrendo sobre profissões e personagens de antigamente e, com este artigo, prestando homenagem ao Dia Internacional do Trabalho.
Boa noite amigo e confrade Francisco Braga.
O texto do confrade Jair fez-me lembrar dos mascates que iam à roça onde nasci vender panos e bugigangas, mas meu velho e querido pai ainda conseguia vender lâ de carneiro para alguns, ou outros trocavam por panos.
Muito obrigado pela deferência.
Abraço fraterno,
Passos de Carvalho
Membro do IHG/SJDR
Muito bom o artigo. Nos levou a um passado cujas lembranças nos deixam muitas saudades!
Belo artigo.
A título de colaboração cito o vendedor se pirulito, em geral era um garoto, que levava pendurado ao pescoço uma tábua cheia pequenos orifícios redondos, onde eram colocados aquelas pequenas delícias,acredito eu, feitas somente com açúcar e água. Quanto mais "puxa" melhor era.
Grande homem Jair ao qual tive e tenho prazer de conviver desde que tinha 2meses de vida e hoje com 24 anos ainda desfruto dessa honra .
Prezado confrade Braga, bom dia. Quero agradecer pelo envio da interessante matéria e cumprimentar o autor. Saudações confraternas para você e Rute. Paz e bem. Fernando Teixeira
Muito obrigado, meu amigo Francisco.
Bom feriado.
Abraço.
Diamantino Bártolo
Caro amigo Braga
Era eu menino, na década de quarenta, e presenciei muitas figuras típicas como estas que você gentilmente me enviou. Convivi com algumas delas.
Naquela época Valença ainda não contava com as facilidades de comércio que – felizmente – temos hoje.
Por exemplo: não havia açougue por aqui! Por isso, compensando esta falta, toda quinta-feira o “mestre Bruno” passava pelas casas com um carrinho de mão feito por ele mesmo, todo de madeira, lembro-me bem (!), vendendo carne de vaca, linguiça e outras iguarias, que eram conservadas por minha mãe em latões especiais cheios de gordura de porco.
Leite (em garrafas de vidro grosso e transparente) e pão fresco nos eram deixados na porta lá de casa, pela manhã bem cedo: ninguém roubava! ...
Agradeço pelo envio deste e-mail, que me transportou a alguns aspectos de minha infância.
Abraços fraternos, do amigo Mario.
Estes personagens... ofícios, profissões, vendedores... fazem ou fizeram parte do cenário cultural de São João del-Rei e de tantas outras cidades mineiras. Quantas vezes lhes fazemos "vista grossa" sem se dar conta que são trabalhadores, que vivificam a urbe. Parabéns ao autor pelo texto e ao amigo Braga pela publicação. Att.UP.
Meu caro irmão Francisco,
Excelente o texto do Sr. Jair. Parabéns! Nos retorna ao tempo, a um tempo que não volta mais, só intensificando nossa saudade. Me lembrei do Sr. Malhado que vendia pães num balaio. Havia os que vendiam carne num triciclo, com a inscrição "Carne verde". Mais uma vez: - Parabéns, Sr. Jair, por nos trazer de volta esse mundo de lembranças e saudades!
Seu irmão, Fernando
Caro professor!
Muito grato! Belíssima ideia a do autor em relembrar na descrição essas profissões que aos olhos atuais podem parecer até prosaicas. Havia também o jornaleiro, pelo menos por aqui. Podemos até ver poesia nessas atividades, como fazia o Dorival Caymmi. A verdade é que ainda temos aqui em São Paulo esses mesmos pregoeiros, sob outras formas, com seus apelos e propagandas que beiram o folclórico. Mesmo agora ouço o sinal de um vendedor de gás, vindo lá de fora.
Mas, na medida em que a "modernização" capitalista avança, muitas profissões tornam-se obsoletas até a perspectiva de termos futuramente o fim do próprio emprego como o conhecemos. Por outro lado, há a interpretação do primeiro de maio, que pode ser interpretado como dia do Trabalho, entendendo-se este como um conceito geral de que todos trabalham, embora até um relógio também o realize. Historicamente, entretanto, a data diz respeito à luta dos trabalhadores por relações sociais de produção mais justas, remontando aos episódios de Chicago, em 1886.
Abraços.
Cupertino
Prezado Francisco,
Boa noite.
Excelente, elucidativo e saudoso conteúdo. Vi e vivi, próximo a estes profissionais, que hoje os tenho em forma de saudade. E este texto veio avivá-la.
Fraternal abraço.
Prof. Arnaldo de Souza Ribeiro
Presidente da Academia Itaunense de Letras - AILE
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