Por Helio Vianna
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Pe. José Joaquim Correia de Almeida (✰ Barbacena, 4/9/1820 ✞ Barbacena, 6/4/1905) |
Entre os poetas satíricos brasileiros do século passado, constitue cincunstância digna de atenção a condição sacerdotal de muitos dêles. Sòmente em Minas Gerais, cinco padres que cultivaram esse gênero poético podem ser assinalados naquela época: Domingos Simões da Cunha, de Paracatú, autor, entre outras, de uma sátira intitulada “Ao abuso que se faz do chapéu de sol”; o célebre Padre Silvério do Paraopeba, aliás Padre Silvério Ribeiro de Carvalho, autor de engraçadas “Trovas Mineiras”; Manuel Xavier, da vila do Tamanduá, hoje Itapecerica; Manuel Joaquim de Castro Vianna, de São João d’El-Rei e, finalmente, o mais notável de todos, Padre José Joaquim Corrêa de Almeida, de Barbacena, do qual nos ocupamos.
Compreende-se, perfeitamente, a preferência dos sacerdotes pela poesia satírica. Observadores dos costumes vigentes em seu tempo, naturais corretores dos excessos então registrados, não poderiam desdenhar o recurso aos versos críticos na campanha pelas reformas que se faziam necessárias. E, quando um companheiro de batina, menos informado a respeito, declarava —
podia responder, com vantágem, o referido vate barbacenense:
acrescentando, noutro soneto, dirigido ao mesmo opositor —
No caso, porém, do Padre Corrêa de Almeida, a função da sátira poética foi perfeitamente compreendida. No dizer de seu parente e amigo Aureliano Pimentel,
“por alvo de suas invectivas tomou êle os vícios e bobagens do viver comum, que escapam à punição legal. Mostra indignação contra o que se afasta da retidão de que êle tem cabal conceito como sacerdote católico, respeitável pela sua pureza de costumes. E, emfim nunca fere pessoa em particular, nem ofende o pudor e a boa educação. Em última análise, a sátira do ilustre escritor tem por fundamento o amor do bem, que o impele a ministrar um remédio amargo e desagradável, mas oportuno e salutífero. Quando ridiculariza as fatuidades, é êmulo de Horácio, abstendo-se de expôr à irrisão o que é digno de todo respeito. Quando, como Juvenal, se mostra cheio de indignação contra o mal triunfante, como, por exemplo, contra a escola realista, ou, por melhor dizer, corruptora, nenhum cristão deixará de aplaudí-lo”. ¹
Nascido na então vila de Barbacena, a 4 de setembro de 1820, filho do advogado Fernando José de Almeida e de D. Barbara Marciana de Paula, foi o Padre José Joaquim Corrêa de Almeida ordenado presbítero secular no Rio de Janeiro, tendo exercido, durante trinta anos, em sua “muito nobre e leal cidade”, o cargo de professor de latim, no qual foi aposentado.
Sua primeira produção poética, segundo consta, foi um “Hymno à Maioridade de Sua Magestade o Senhor D. Pedro II”, o qual foi musicado, não se sabendo, entretanto, quando e onde foi impresso e publicado.
“Envolveu-se, em sua terra natal, em algumas questões políticas, o que lhe trouxe dissabores e até um processo e a condenação a quatro meses de prisão, da qual o livrou o Imperador D. Pedro II. Chamava-se Faria o juiz que o processou, e Malheiro o advogado partidário que promoveu a ação”. A propósito, publicou o Padre Corrêa a seguinte poesia, intitulada “Ad perpetuam rei memoriam”, amplamente reproduzida na imprensa da época:
Em 1854 começou o Padre Corrêa a publicar as suas coletâneas de “Satyras, Epigrammas e outras poesias”, de que lançaria sete volumes, até 1879. Entre as “outras poesias”, citadas no título, incluiam-se, ao gosto da época, parábolas, apólogos, diálogos, máximas e pensamentos rimados até mesmo simples trocadilhos em verso. Caracterizavam-nas uma graça inegável, certa ingenuidade de formas, que constituiam verdadeiro encanto, servindo para adoçar o gênero satírico, tantas vezes grosseiro ou violento. Não eram raras, entre os epigramas dessa primeira fase da obra do Padre Corrêa, as simples quadrinhas assim:
O primeiro tomo das “Satyras, Epigrammas e outras poesias”, impresso na “Empreza Typographica Dous de Dezembro”, de Paula Brito, o amigo e protetor de Machado de Assis, foi oferecido a Honório Augusto José Ferreira Armond, que seria, em 1861, segundo Barão de Pitanguí. A um parente deste, o ilustrado Barão, Visconde e Conde Prados, foi dedicado o quarto volume da série, aparecido em 1868. O segundo tomo das “Satyras”, de 1858, dedicou-o o Padre Corrêa a seu irmão Mariano Carlos de Sousa Corrêa, alto funcionário da Secretaria da Guerra. O terceiro, de 1863, foi oferecido a seu amigo Desembargador Pedro de Alcantara Cerqueira Leite, depois Barão de São João Nepomuceno. O quinto, de 1868, “ao advogado” José Cesário de Faria Alvim. O sexto, de 1876, ao “parente e amigo” Antônio José Gomes Brandão, editor do sétimo e último volume daquele título, contra o qual, aliás, mais tarde, o próprio poeta se rebelaria:
Possuidor de sólida cultura clássica, Padre-Mestre ³ que longamente fôra, de latim, sabendo corrigir-se a tempo, como se vê, também não perdia ocasião de corrigir aos demais, como poeta satírico, em grandes e pequenos delitos, inclusive os que dizem respeito à linguagem usual, falada ou escrita. São mesmo numerosos os exemplos que a respeito podem ser colhidos em sua vintena de livros e folhetos de poesia, não havendo, ainda hoje, nenhum desproveito, na citação de alguns exemplos dessa polícia gramatical tão pitorescamente exercida pelo Padre Corrêa.
Limitando-nos a uma colheita apenas em tres de seus últimos volumes — “Semsaborias Metricas”, segundo tomo, de 1892, “Producções da Caducidade”, de 1896, e “Puerilidades de um Macróbio”, de 1898, conseguimos anotar as seguintes correções: “explendido” — que significa, rigorosamente, claridadade, brilho, só devia ser empregado para cristais e talheres, não para todo um banquete; entre as tolices da conversação comum, uma, que aliás já passou para a escrita, a expressão “tão somente”, não será das menores; “eterna gratidão” não lhe fica atraz em sandice, pois, além da morte, ninguem pode ser grato; um achado, digno de alegre comentário, isto é, uma “pérola”, como diríamos hoje, forneceu-lhe um compêndio que dava “coisíssima” como “substantivo superlativo”; asneiras parlamentares eram, para êle, os “apoiados gerais” e os “apoiadíssimos”, sempre tão repetidos; também, para o rigoroso censor, “direção” não pode ser sinônimo de “orientação”, avôs — e não avós — é o exáto plural de avô, lábio e lágrima não devem ser empregados no singular, etc. Parecerão pirronices muitas dessas reprimendas do poeta de Barbacena. Entretanto, como êle as faz com permanente graça, serão fàcilmente perdoadas, se não serviram para que outros as evitassem daí (ou daquí?) por diante. Assim, por exemplo, êsse “Aborto gramatical”, ainda hoje de tão largo consumo:
aquela estranha dição.
Aliás, sobre o perigo das correções exageradas, é o próprio poeta que oferece elementos, e êste, exceto o trocadilho, será realmente oportuno:
“Correção incorreta”
Por tudo isso, que fere os ouvidos do poeta, provocando a sua veia satírica, é que êle não deixou de elogiar a iniciativa do ator português Furtado Coelho, abrindo, no Rio, um curso de prosódia. Não o fez, porém, sem dizer que:
Não se pense, com isso, que o padre-poeta tenha sido precursor da chamada “lingua brasileira”. Embora nunca se descuidasse de anotar omissões de brasileirismos em dicionários portugueses (“bilontra”, “sinhá” e “xará” — êste aliás um termo tupí, por exemplo, e “carrapicho”, que em Portugal é “namorado”...), não se mostrando infenso aos galicismos como “instalar” e outros, — convém notar que também se penitenciou dos pronomes brasileiramente mal colocados em seus primeiros quatro livros, decisivamente declarando:
Espalhando, assim, durante anos seguidos, em jornais, revistas, almanaques e albuns, de todo o Império as suas “Satyras e Epigrammas”, como depois os seus “Sonetos e Sonetinhos”, publicados em 1884 e 1887, era natural que ao Padre Corrêa ocorresse a idéia de coordenar em um só poema os muitos motivos de censura que habitualmente lhe serviam de tema às jocosas recriminações.
Nasceu daí “A Republica dos Tolos”, “poema herói-cômico-satírico”, publicado em 1881, no qual, “em dez cantos, ocupa-se de todos os tipos da estultícia, que classifica em fumadores, usurários, papelões, especuladores de casamentos, caçadores fanfarrões, cônegos honorários, livre-pensadores e carólas; dos costumes merecedores de censura, dos materialistas, dos especuladores e darwinistas, do espiritísmo, da ociosidade da rua do Ouvidor e, por último, dos católicos a ouvirem missa do sétimo-dia e dos sectários das sociedades político-secretas”. ⁴
Exibido tão amplo quadro, assim o termina o Padre-Mestre:
Fechando assim o pitoresco e impressionante quadro que longamente traçou, fiel à epígrafe “stultorum infinitus est numerus”, continuou o Padre Corrêa a zurzir também isoladamente quantos ridículos lhe passassem ao alcance, para tanto se servindo, amplamente, dos próprios acontecimentos de sua época, internacionais ou nacionais, longínquos ou próximos, políticos ou pessoais.
Assim, se no 6º volume das “Satyras”, publicado em 1876, encontram-se reflexos da questão romana, em que se vê —
no mesmo tomo não é de se estranhar que apareça uma violenta e excepcional apóstrofe “À Municipalidade do Tejuco”, a propósito da questão dos bispos:
Compreende-se, também que às questões políticas, tão discutidas em seu tempo, dirigisse o poeta satírico muitas de suas farpas. O sistema eleitoral vigente, o revesamento dos partidos no poder, mereceram-lhe, em verso, as acusações que o nosso oposicionismo fácil nunca economizou:
Nessa crítica, um lugar de destaque é, naturalmente, reservado ao preguiçoso poder legislativo, geral e provincial, no Império, como depois federal e estadual, na República, pois
Dizendo, assim, duras verdades, seriam inevitáveis as polêmicas, em que gostosamente se envolveu o Padre Corrêa, várias vezes.
Talvez tenha sido das primeiras a provocada pela poesia “As Baldas”, elegantemente refutada por um Fidelis, de Paraibuna, em 1858. Mais violenta teria sido, no ano seguinte, a crítica publicada no jornal carioca “Actualidade”, onde alguem rudemente o atacou, recebendo resposta pelo “Correio Mercantil”, havendo réplica e tréplica, à moda do tempo.
Alguns anos depois, seria o joven estudante gaucho Gaspar da Silveira Martins, que das colunas do “Ensaio Philosophico Paulistano” arrojadamente afirmaria — “frade nunca fez bom verso”; quarenta anos mais tarde, ainda se recordaria disso o padre-poeta, piedosamente não citando mais o autor da tolice, falecido após uma das mais agitadas carreiras políticas do Império e do início da República.
Latinista que era, o pronome relativo latino qui foi motivo de discussão rimada com um Erasmo, de Mar de Espanha, o qual, tendo imprudentemente invocado a questão da evolução da gramática, foi logo advertido pelo Padre de que —
Com um tal Sin-di-k, andou igualmente forte a liça a propósito da mudança da capital de Minas para Belo Horizonte, iniciativa tenazmente combatida pelo poeta, defensor da escolha de Barbacena, ou mesmo da Várzea do Marçal, em vez do Curral d’El-Rei, para localização da nova metrópolemontanhesa:
Respondeu-lhe, violento, Sin-di-k, aludindo às antigas quadrilhas de salteadores que infestaram, em certo tempo, a região da serra da Mantiqueira. Replicou o Padre Corrêa, chamando ao adversário “poeta de engenho... ou de engenhóca”, para ser classificado, por sua vez,
Não se deu, porém, por achado, o poeta de Barbacena, que treplicou, com feroz alusão política:
Quem assim discutia, por assuntos tirados aos acontecimentos da época, não deixaria, forçosamente, de brigar, tambem, por motivos literários. E o Padre Corrêa não fugiu à regra: poeta satírico, possuidor de sólidos estudos humanísticos, à maneira de seu tempo e de sua província, não acederia, com facilidade, a quaisquer inovações que surgissem, visando modificar os padrões que reputava certos. Contra os prosadores realistas e os poetas parnasianos que de algum modo quizessem infringir as leis da poética estabelecida, êle lançaria os dardos de sua “verve” rimada, em ataques e corrigendas que atingiram, muitas vezes, os limites do sarcasmo e da intolerância, mas que sempre se revestiram do sadio bom-humor que vale por uma crônica pitoresca do Brasil de 1854 a 1904.
Quanto ao realismo, por exemplo, além de indignadas alusões a Zola e seus discípulos nacionais, basta citar este enérgico fecho de soneto:
Em matéria poética, naturalmente, não seriam menores as suas exigências. Respeitador, embora, das regras firmadas por Castilho, e entusiásta dos sonetos que a tudo se prestam, isto não o impedia, entretanto, de, por brincadeira, oferecer aos modernistas de então, um em que os tercetos antecediam aos quartetos,
Mas, como de êrros alheios muito se alimentava a sua sátira, não podia perdoar que num soneto de Luís Delfino se encontrasse
em peito mulheril auréola de cabelos!
Aos nefelibátas, que em fins do século passado constituiam legião, não deixou, tambem, de combater devidamente, ponderando-lhes que
E, apesar de já aludir, a propósito dos dois Alvarengas do século XVIII, às “desfrutáveis parnasianas arengas”, não deixou de lembrar, aos seus sucessores de cem anos depois, o que mais tarde tambem teria cabimento quanto aos mais estremados futuristas da última revolução literária:
Levava, porém, o Padre Corrêa a sua intransigência a ponto de não considerar poeta o autor de simples versos brancos, comentando:
Além de literato que muito se prezava de sê-lo, não deixava o sacerdote barbacenense de ser, tambem, homem de seu tempo, preocupado com todos os acontecimentos dos últimos decênios do século XIX.
A Abolição, por exemplo, não lhe foi estranha, nem o encontrou sem títulos à inclusão entre os seus precursores. Já no 6º volume das “Satyras e Epigrammas”, publicado em 1876, aparecem condenações aos máus tratos às vezes dispensados aos escravos. E em 1887, no segundo tomo de seus “Sonetos e Sonetinhos”, prudentemente avisava:
A República, porém, não a recebeu com bons olhos o sincero admirador de D. Pedro II ⁵. Pelo contrário, corajosamente a combateu antes e depois do 15 de Novembro, notadamente durante o governo de Floriano Peixoto. Alusões à frase de Aristides Lobo, relativa ao povo que “bestializado” assistiu à queda do ministério do Visconde de Ouro Preto, ao positivismo influente nos primeiros tempos do novo regíme, ao “ensilhamento”, à decadência do ensino e aos excessos consequentes à revolta da Armada, aparecem, com frequência, em seus volumes dos anos que se seguiram a 1889. Confessando-se sebastianista, no sentido restaurador então dado à palavra, não poupou recursos de combate às novas instituições do país, ora incisivo em suas acusações, ora apenas irônico, sempre, porém, com a espontânea graça e a simplicidade métrica que caracterizaram a sua veia satírica.
Ainda outras campanhas tiveram o forte apoio constituido pelos versos do clérigo mineiro, livremente distribuidos pela imprensa de todo o Brasil, favorável que êle era ao “inocente, lisongeiro e honroso costume das transcrições, que só pode ser prejudicial aos nosso grandes e beneméritos homens de letras”, os quais, por essa época, resolveram taxar em 5$000 as desautorizadas reproduções de seus trabalhos, então, como hoje, comuns e incontroladas.
Já aludimos, por exemplo, à questão da mudança da capital de Minas, de Ouro Preto para Belo Horizonte, que no Padre Corrêa teve um adversário terrível, propagador da lenda de que os habitantes do antigo Curral d’El-Rei eram todos papudos, etc.
A fundação da Academia Brasileira de Letras e a escolha de seus membros tambem não poderia escapar à “verve” do Padre Corrêa. Êle, que tanto prezava os elogios antes recebidos de Antonio Feliciano de Castilho e de Camilo Castelo Branco, não se conformava com o esquecimento a que o votavam Valentim Magalhães e José Veríssimo. E, se procurava consolar o conterrâneo Augusto de Lima, por não ter sido eleito para a douta companhia, à primeira investida, maldosamente insinuava alguma cousa, ao sugerir que, como a sua colega de Lisboa, não levasse ela o seu dicionário apenas ao vocábulo azurrar: chegasse mesmo a zurrar...
Já a esse tempo, entretanto, a idade avançada ia se tornando uma idéia fixa no poeta de Barbacena, como bem mostram as constantes alusões contidas em seus versos e os seguintes títulos das respectivas coletâneas:
— “Semsaborias Metricas ou Versos Piegas” — “do septuagenário Padre José Joaquim Corrêa de Almeida — Ramerraneiro e rabugento ex-professor de latim”, dois volumes, de 1890 a 1892.
— “Decrepitude Metromaníaca”, de 1894.
— “Producções de Caducidade”, de 1896, trazendo a seguinte epígrafe de Nicoláu Tolentino:
— “Puerilidades de um Macrobio”, de 1898, em que mais uma vez Tolentino fornece a epígrafe, esta, porém, menos desconsolada, embora revelando a idéia permanente:
— “Aplausos Incondicionaes”, apresentado como “poemeto chocho, em monótonas quadrinhas, atamancadas pelo caduco octogenário Pe. J. J. C. de A.”, é de 1900, ano em que, sob a epígrafe —
tambem em sua cidade, publicou outro pequeno “poema inepto — em antiquadas sextilhas”, intitulado “Destampatorios Rimados”.
Nada, porém, o impedia de continuar versejando. Em 1903, fez imprimir em Belo Horizonte, a cidade cuja construção tanto combatera, o volume “Marasmo Senil”, que apresentou como contendo “versos anti-poéticos do caduco e desmemoriado Pe. J. J. C. de A. — letho vicina senectus”.
Suas duas últimas produções reunidas em folhetos datam do ano anterior ao de sua morte, ocorrida em 1905, quase aos 85 anos de idade. Impressos na tipografia do jornal “Cidade de Barbacena” (com cujo título implicára antes), foram êles, à sua moda, denominados:
— “Agudezas Rombas — ou Versos Prosaicos” — “do impertinente e massante e intolerável Pe. J. J. C. de A.” — e
— “Chocha Prosa Rimada” — “pelo desenxabido e decrépito Pe. J. J. C. de A.”, no qual, àquela penúltima epígrafe citada, de Tolentino, modestamente resolveu acrescentar:
Apesar dos títulos e sub-títulos, não será de justiça supor-se que a decadência tenha atingido, em seus derradeiros tempos, o éstro do velho sacerdote. Se lhe faltava certa suavidade, como já em 1892 confessara nas “Semsaborias Metricas” ⁶, nem por isso esquecia os seus deveres de comentador das cousas de sua época, permitindo-lhe a inteligência até mesmo profeticamente antever os resultados guerreiros das experiências de Santos Dumont, então ainda em começo. É o que nos mostra, surpreendentemente, o soneto intitulado “Navegação Aérea”, incluído no “Marasmo Senil”, publicado em volume, repetimos, em 1903:
Mas não era só quanto às cousas do futuro, aparentemente então ainda longínquas, que se voltava a musa do octogenário. Mais próxima de seus sentimentos patrióticos, a obra gigantesca que então realizava o Barão do Rio Branco, relativa à consolidação das fronteiras nacionais, provocava o entusiasmo do nosso vate, que em soneto publicado em vários jornais, em dezembro de 1900, sob o título “Digna e proveitosa recompensa”, lembrava a conveniência de ser levantada a sua candidatura à Presidência da República:
Se assim se aventurava a sugerir um candidato à Presidência da República, isto não quer dizer que esquecia o Padre Corrêa a gratidão devida a D. Pedro II. Recordando-o, assim terminava um soneto recolhido na mesma coletânea intitulada “Marasmo Senil”:
Entretanto, já era hora de dizer adeus à longa carreira poética ⁷. Tendo-a começado, em 1840, com um “Hymno à Maioridade de Sua Magestade o Senhor D. Pedro II”, era corrente que com aquele soneto, e mais dois hinos, um publicado por ocasião do quarto centenário do descobrimento do Brasil, outro destinado às creanças das escolas, ambos da mais pura inspiração patriótica e cristã, — terminasse o Padre Corrêa a sua missão de poeta acima de tudo popular.
No primeiro dêles, talvez inconscientemente, sua feição essencialmente combativa apareceu no próprio estribilho, em que não perdeu ocasião de dar uma marretada nos ateus, que então, talvez como nunca, ousavam ameaçar a formação católica do Brasil:
No mesmo sentido, em defesa da religião de que foi rigoroso sacerdote, embora utilizando-se, para isso, de recursos não habituais entre os membros do clero, isto é, os que forneciam as suas condições de poeta, e de poeta satírico, — assim terminava o seu “Hino Escolar” o Padre José Joaqum Corrêa de Almeida, — o único dos nossos poetas satíricos capaz de poder hombrear, e com sólidas vantágens, com o seu abominável antecessor Gregório de Matos:
Fonte: jornal A Ordem, Rio de Janeiro, 1942, edição nº 115, pág. 306-325.
¹ Aureliano Pimentel, apud Sacramento Blake — “Diccionario Biobliographico Brazileiro”, vol. 4º, pág. 473. Esse Dr. Aureliano Pereira Corrêa Pimentel, professor de latim em São João d’El-Rei, homem culto, modesto e generoso, forneceu a Richard Burton, quando de sua passagem por essa cidade em 1867, o 3º volume das “Satyras, Epigrammas e outras poesias”, do Padre Corrêa, pelo viajante inglês várias vezes (tê-lo) citado em seu livro “Viagens aos Planaltos do Brasil”, há pouco excelentemente traduzido pelo Sr. Américo Jacobina Lacombe, para a série Brasiliana, da Companhia Editora Nacional.
² As informações supra e a transcrição, figuram em Sacramento Blake, op. cit., vol. 4º, págs. 472/475.
³ Padre-Mestre é como principalmente chamavam ao Padre Corrêa em Barbacena, cf. artigo há alguns anos publicado na “Revista da Semana” por seu conterrâneo, o ex-deputado e embaixador José Bonifácio. O próprio Padre, em vários de seus volumes, fazia questão de intitular-se “ramerraneiro e rabugento ex-professor de latim”, ao seu nome acrescentando tais qualificativos.
⁴ Sacramento Blake, op. cit., pág. 474.
⁵ Faz parte da Coleção Teresa Cristina, da Biblioteca Nacional, um exemplar encadernado do 1º volume dos “Sonetos e Sonetinhos”, pelo Padre Corrêa publicado em 1884, com dedicatória ao Imperador, à cuja biblioteca particular pertenceu.
⁷ Tendo publicado os vinte volumes de poesia aquí citados, de 1854 a 1904, apenas um trabalho em prosa escreveu o Padre Corrêa, a “Notícia da Cidade de Barbacena e seu Município” — “pelo Padre José Joaquim Corrêa de Almeida — Ramerraneiro ex-professor de latim e filho bastardo da mesma cidade”, impresso em 1883, na Typographia Universal, de H. Laemmert & Cia.