domingo, 9 de agosto de 2020

OBRA SALESIANA EM SÃO JOÃO DEL-REI: TRÊS ORATÓRIOS FESTIVOS


Por Francisco José dos Santos Braga
Neste Dia dos Pais de 2020, dedico este trabalho ao meu saudoso pai Roque da Fonseca Braga (✰ 15/04/1918- ✞ 26/09/1984), que me levava ao Oratório São Caetano em sua companhia para as reuniões da SSVP do Tijuco vinculada à Paróquia de São José Operário, nos anos 50.

 

ORATÓRIO FESTIVO SÃO JOÃO 

 

Dom Bosco inicia os oratórios na intenção de educar na fé, de acolher os jovens pobres (em sua maioria, trabalhadores na construção civil) que vinham de aldeias próximas. Oratório é a primeira obra de Dom Bosco. Dom Bosco começa a reuni-los em praças e em ruas. Essas reuniões receberam o nome de oratório festivo. Oratório, porque, de acordo com seu ponto de vista, a finalidade principal era de ordem espiritual e daí saíam as outras atividades. Dom Bosco sempre se referia a São Felipe Neri, apóstolo de Roma no século XVI, como criador primeiro de oratórios. Dom Bosco dava a seguinte definição ao termo oratório: "lugar destinado a divertir os jovens com agradáveis divertimentos, após haverem cumprido com as obrigações religiosas". Festivo, porque a princípio o Oratório abria somente aos domingos e dias de festas. 

Hoje vemos oratórios como este que Dom Bosco idealizou e colocou em prática, por todo o mundo. Vem sendo uma ótima alternativa de educação em setores menos privilegiados da população, em áreas já desacreditadas. 

Para começar com o pé direito, acertando o passo, a obra salesiana na cidade, era necessário abrir um lugar onde as crianças mais pobres da cidade tivessem lazer sadio, instrução religiosa bem preparada, ou seja, a criação de mais um oratório (marca salesiana). Era preciso ganhar o coração da garotada sanjoanense, e não foi tarefa difícil para os salesianos entusiasmados, a quem foi dada essa nobre missão. Alguns não gostavam de padres, mas por não conhecer de perto. A imagem que recebiam era um pouco distorcida pelos teatros, jornais e cinemas da época. Mas com a aproximação e convivência foram quebrados todos os tabus. 

Inicia-se no dia 12 de maio de 1940 sob as bênçãos de São João Bosco e as devidas licenças das autoridades eclesiásticas, o oratório que recebeu o nome de Oratório São João. Com o aspirantado mais organizado, o trabalho no oratório se via mais eficaz. O número de oratorianos crescia espantosamente, havia ambiente de sobra para a meninada pular, gritar, correr. A cada grito de gol ou som de um lindo canto, em cada pedaço daquele ambiente se percebia a presença de Deus. Notava-se logo o ambiente sadio que era aquele local, percebia-se que os frutos aos poucos estavam brotando. 

Com muita paciência e alegria, pouco a pouco eram conquistados. Geralmente os meninos se afeiçoam com facilidade àquelas pessoas que por eles se sacrificam. Pe. Francisco Gonçalves (responsável pelo oratório no início) tudo conseguia com os meninos, principalmente quando soltava a bola de futebol. 

Os oratorianos participavam das celebrações dominicais e depois se divertiam nos pátios até a hora do almoço. Depois da refeição retornavam para a diversão e catecismo. A capela que comportava 45 meninos recebia em geral mais de 200 meninos, ficava menino por toda a parte, na janela, à porta. Cada palmo da capela era ocupado pelos meninos. Cantos vibrantes e entusiasmantes eram entoados por aquele coro de 200 vozes, muitos se perguntavam como saía tanto fôlego daqueles pequenos pulmões.

Havia dentro mesmo do oratório pequenas companhias, melhor dizendo, eram quatro (sendo a de São José, São Luiz, Santíssimo Sacramento e Imaculada) que se reuniam semanalmente em horas diferentes. Dessas pequenas companhias faziam parte os melhores meninos do oratório (os mais obedientes, comportados, disponíveis, etc.). Cada uma com sua função, ou seja, carisma diferente. Destaca-se dentre elas a Companhia da Imaculada: somente os melhores membros das outras companhias faziam parte dela. Esta pequena seleção de meninos ajudava os salesianos a assistir os companheiros no pátio; dava também aulas de catecismo. 

Desse oratório saíram com as graças de Deus Pai inúmeras vocações sacerdotais e religiosas. Meninos que se sentiram verdadeiramente tocados pelo verdadeiro testemunho de fé dos salesianos. Ou os que não seguiram vocação religiosa constituíram na maioria famílias bem estruturadas e solidificaram a prática cristã. Garotos mal educados arrancados da rua e preparados com uma sólida instrução da fé cristã e ensinamentos morais. 

 

Oratório Festivo São João localizava-se onde hoje está situada a CACEL, 
na Av. Leite de Castro, 727 em São João del-Rei

Time do Oratório São João - 1959 - Crédito: Marca do Pênalti, Gazeta de São João del-Rei    

 

ORATÓRIO FESTIVO SÃO CAETANO 

 

O oratório Festivo São Caetano funcionou antes em vários lugares, cedidos pelas autoridades locais. Em 1945 encontrou enfim seu lugar definitivo: uma chácara, doada pelo cooperador Sr. José do Nascimento Teixeira. Situava-se no Bairro São Caetano, daí o nome do oratório. Pertencia à paróquia São José Operário. A inauguração oficial e solene só foi mesmo no dia 10 de março de 1946, com presenças de Dom Helvécio Gomes de Oliveira e autoridades civis e eclesiásticas locais. Foi esse dia muito marcante para a obra como tal, pois celebrou inauguração também o novo pavilhão do Ginásio São João e primeira pedra da capela do Ginásio. 

O terreno era bem espaçoso, foram construídos então uma singela capela, um teatro, espaçosas salas de aula, campo de futebol e um parquinho bem estruturado. Todo esse espaço seria colocado à disposição da juventude pobre e abandonada daquele bairro. 

A garotada se divertia à beça com as várias atividades que havia naquele ambiente. Havia aulas de instrução religiosa, de moral e civismo. A criançada encantava a todos quando colocava em prática as aulas de canto e teatro que aprendiam no oratório São Caetano. 

O método educativo salesiano aos poucos conquistou seu espaço nesse bairro pobre. Aquele bairro foi privilegiado por ter pessoas tão atenciosas, carinhosas e trabalhadoras ajudando-o. Pessoas de Cristo educando e auxiliando a juventude a crescer fortificada na fé. Ensinando a andar com as próprias pernas sem esperar nada em troca. 

Desde o início de 1946 até os fins de 1951, foi diretor do oratório o Pe. Questor Avelino de Barros. Era muito atencioso e prestativo para com as necessidades do oratório. Sempre conversava com os meninos e atendia confissões todos os finais de semana. 

Neste oratório, como nos outros, funcionava com muito êxito as companhias religiosas. Havia também funcionando nesse local as conferências de São Vicente de Paulo. Mensalmente os meninos do oratório faziam passeios em lugares diversos (por perto mesmo), faziam adoração ao Santíssimo Sacramento na matriz São José (centro da paróquia). Era tradição todo primeiro domingo do mês fazerem o exercício da Boa Morte ¹ e uma pequena procissão, muito piedosa, em honra à Nossa Senhora Auxiliadora. 

A catequese ficava por conta dos aspirantes e clérigos (estudantes de filosofia). Os seminaristas salesianos se empenhavam bastante para passar para os meninos uma fé esclarecida. As turmas eram divididas conforme a sua série nas escolas. 

Nos fins de 1953, Pe. Questor é transferido para Barbacena, assume seu lugar o Pe. Martinho Gaydis, que logo em 1953 deixa o cargo com o Pe. João Bosco Nunes de Oliveira. Eram matriculados por ano no oratório cerca de 380 meninos, sendo que frequência contínua era por volta de 250 meninos. 

O oratório abria suas portas a todos os meninos (com idade mínima de 7 anos e sem idade máxima), a fim de dar divertimento, formação de consciência cidadã e cristã, dando ao menino oportunidade de crescer como pessoa, sendo mais tarde um bom pai de família, engajado na igreja, ou até mesmo seguindo a vocação religiosa. 

Nos finais das reuniões do oratório, cada menino tinha direito a uma senha com seu valor monetário, que no final do ano era trocada por presentes ou prêmios de frequência. Havia então no oratório muitas atrações e motivações que conseguiam com muito êxito tirar os meninos dos perigos da rua, ocupando-os com coisas construtivas, não tendo espaço, tempo e nem vontade de fazer coisas prejudiciais à alma (coisas que à primeira vista são boas). 

Era totalmente gratuito o trabalho oferecido pelos padres salesianos, seminaristas, como também o dedicado trabalho de toda a diretoria e auxiliares (alguns leigos). Foram gastos milhares de cruzeiros para a conservação do oratório (campo de futebol, parque de diversões). Mas todos eram conscientes de que o dinheiro ali empregado iria, sem muito tardar, retornar em forma de famílias bem constituídas, muitas pessoas engajadas na igreja, etc. 

 

ORATÓRIO FESTIVO SANTA TEREZINHA 

 

Sendo o Santuário São João Bosco matriz e centro da Paróquia, abrangia então também os bairros de Matosinhos e Santa Terezinha. Vendo a necessidade daquele povo abandonado que de nenhuma igreja dispunha (era na época os bairros operários da cidade), com a ajuda de bons cooperadores do local, foi possível assim, juntamente com o pároco Pe. Francisco Gonçalves, com muito esforço levantar enfim uma igreja. Ela foi benta solenemente no dia 6 de julho de 1947 pelo Arcebispo de Mariana, Dom Helvécio. 

O oratório aí não funcionou logo de imediato por carência de material humano para o trabalho de assistência e no catecismo. Mas em março do ano seguinte com a chegada dos clérigos começaram fervorosamente as atividades pastorais do oratório. À frente tinha grande espaço para um bom futebol e na lateral, um pequeno espaço para balanços. 

O oratório funcionava aos domingos e dias santos, havia celebração eucarística e, em seguida, catecismo e brincadeira. Havia mais tarde também a bênção do Santíssimo. 

Crianças e adolescentes do oratório procuravam com frequência se confessarem e comungarem, faziam mensalmente o exercício da Boa Morte. ¹ O ar que se respirava era de alegria, paz e piedade. Como nos outros oratórios, a existência das companhias eram marcantes. Daí surgiam grandes vocações salesianas. 

Hoje a Igreja Santa Terezinha não pertence mais à paróquia São João Bosco; faz parte agora da paróquia de Nosso Senhor Bom Jesus do Matosinhos. A igreja é ainda muito frequentada. A situação geral do bairro melhorou bastante com a breve passagem dos educadores de Dom Bosco. Uma catequese participativa, fiéis que se envolvem com a celebração. Depois de muito sacrifício, enfim vem a hora esperada dos frutos. 

Há ainda a área em frente à Igreja Santa Terezinha, onde a garotada se divertia com o futebol no fim de tarde e finais de semana. Não há mais a assistência salesiana que marcou aquele lugar. A Prefeitura é a responsável pela conservação dessa pequena praça de esportes. 

Fonte: "OS SALESIANOS EM SÃO JOÃO DEL-REI", p. 29-36, por Hélio José Ribeiro, publicado pelo Centro de Formação Sabino José Ferreira-Noviciado em Barbacena, em 2 de dezembro de 1999)



III. NOTA EXPLICATIVA PELO GERENTE DO BLOG



¹  Exercício da Boa Morte, também conhecido por "piedoso exercício de preparação para uma boa morte ou Memento mori!", é uma das práticas espirituais salesianas que consiste em antever a própria morte e pedir, em súplice oração, a proteção divina na hora da própria morte, constando de inúmeras orações. Consta ainda a promessa de que "o fiel cristão que em qualquer dia, tendo-se confessado e comungado, com sincero afeto de amor para com Deus, rezar estas palavras, ganhará uma indulgência plenária na hora da morte". 
Santo Afonso Maria de Ligório, em seu livro "Escola da Perfeição Cristã" afirma que, quando fazemos esse exercício, temos os mesmos méritos de um mártir, daí a Indulgência Plenária que se ganha na hora da morte. 
Com efeito, segundo São Tomás, "quem sofre a morte para praticar um ato de virtude, é um mártir. Donde se segue que se tem o merecimento do martírio não só quando se sacrifica a vida pela fé, às mãos do carrasco, mas também quando se recebe de boa mente a morte para cumprir com a vontade de Deus e agradar ao Senhor. É este um ato de virtude sumamente grande, porque então dá-se a si mesmo a Deus sem reserva." 
Segundo [BUCCELLATO, 2015, 46], desde a primeira regulamentação das práticas de piedade, no Autógrafo Rua, de 1858, Dom Bosco prescreve o exercício mensal da boa morte. De fato, ali podemos ler: “O último dia de cada mês será dia de retiro espiritual; cada um fará o exercício da boa morte pondo em ordem suas coisas espirituais e temporais como se devesse abandonar o mundo e encaminhar-se para a eternidade” (este artigo permanecerá substancialmente intocado até a aprovação definitiva das Constituições).  



IV. BIBLIOGRAFIA 
 


BRAGA, Francisco José dos Santos: Oratório São Caetano dos Salesianos de Dom Bosco de São João del-Rei, publicado no Blog de São João del-Rei em 10/06/2020. 
 
BUCCELLATO, Giuseppe: Raízes da Espiritualidade de São João Bosco, trad. D. Hilário Moser, Brasília: EDB-Editora Dom Bosco, 2015, 171 p.  
 
RIBEIRO, Hélio José: "OS SALESIANOS EM SÃO JOÃO DEL-REI", Barbacena: Centro de Formação Sabino José Ferreira, 2/12/1999, 44 p.

8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Recentemente, publiquei uma longa crônica sobre o Oratório São Caetano, que recebeu tão boa acolhida que me senti motivado a publicar outros trabalhos sobre a obra salesiana em São João del-Rei. Nesta oportunidade, será apreciada a sua atuação através de 3 Oratórios Festivos cujas marcas estão ainda presentes na alegria, na esportiva ou fair play e na hospitalidade do são-joanense típico.
A Família Salesiana (aqui incluídos diretores, padres salesianos, seminaristas, auxiliares leigos, cooperadores e meninos oratorianos) realizou obras de autênticos construtores, dignas de serem comemoradas em São João del-Rei, cujos frutos são ainda perceptíveis nos vários segmentos da sociedade são-joanense. Tenho o prazer de aqui compartilhar com meus leitores texto de HÉLIO JOSÉ RIBEIRO, intitulado "OS SALESIANOS EM SÃO JOÃO DEL REI" datado de 1999, correspondente aos capítulos 10 a 12 do livro, discorrendo sobre os três Oratórios Festivos, que reflete bem o espírito que norteou as referidas obras salesianas e confirma, em linhas gerais, as conclusões da minha crônica.
Quanto ao autor Hélio José Ribeiro e seu trabalho publicado pelo Centro de Formação Sabino José Ferreira-Noviciado em Barbacena em 1999 (o qual retoquei em alguns pontos, apenas em questões gramaticais, de concordância etc.), não localizei maiores dados na Internet. Apenas alguma luz surge na Bibliografia: mais especificamente tratando do assunto Oratórios Festivos, o autor menciona as seguintes obras consultadas:
BRITO, Henrique de. Aspirante Salesiano. São João Del Rei. 1954.
Relatório do Colégio São João apresentado ao visitador, Pe. Antal, 1953.
Crônica do Ginásio São João. São João Del Rei, 8 de agosto de 1943.
Lamento não ter ainda acesso a nenhum desses trabalhos ainda.           Os outros autores que menciona são: Pe. Ralfy Mendes (1951 e 1991), Augusto Viegas (1942) e Morand Wirth ("Dom Bosco e os Salesianos").
Em trabalhos posteriores, abordarei outras contribuições da Congregação Salesiana para a solidificação do nosso sentimento de sanjoanidade.

https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2020/08/obra-salesiana-em-sao-joao-del-rei-tres.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Bom dia
Estimado amigo Francisco
Muito obrigado.
Bom domingo.
Abraço.
Diamantino

Gilberto Mendonça Teles (autor de O terra a terra da linguagem e Hora Aberta-Poemas Reunidos e é membro da Academia Goiana de Letras) disse...

Francisco Braga,
Obrigado pelos textos.
Abraço do Gilberto Mendonça Teles

Targino Azeredo disse...

Abraço e obrigado por nos colocar sempre informados sobre a cultura dessa querida cidade.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Notável a obra pedagógica salesiana para a formação integral da juventude. Para quem não conhece na prática os "Oratórios Festivos", estes certamente devem suscitar muita curiosidade.
Agradecido e parabéns pela homenagem à memória de seu pai.
Cupertino

Paulo Roberto Sousa Lima (escritor, gestor cultural e presidente eleito do IHG de São João del-Rei para o triênio 2018-2020) disse...

Prezado confrade Francisco Braga, bom dia. Leio agora seu bom texto sobre as obras Salesianas em SJDR. Parabéns por esse levantamento sistemático desse esforço de tornar São João uma cidade mais católica e, por isso, mais humana. Parabéns pela matéria.
Abraços fraternos,
Paulo Sousa Lima

José Fernando Souza e Silva (especialista em estudos sobre folclore e membro da Comissão Nacional de Folclore) disse...

Parabéns, Braga.
Você é incansável.
Vou ler calmamente.
Fui aluno Salesiano (Carpina PE Ginásio Rural Padre Rinaldi 1958/1961).

Abraço

JF

Prof. José Lourenço Parreira (capitão do Exército, professor de música, violinista, maestro, historiador e escritor, além de redator do "Evangelho Quotidiano") disse...

Caro amigo Braga, paz!

Parabéns por seus escritos, singularmente profundos, no Blog São João del-Rei.
Meus escritos, honrando nosso berço comum "Berço de Tiradentes, Monsenhor Paiva, Aluízio Viegas, Abgar...", são muito bem aceitos por meus leitores. Dentre eles, além do ilustre Francisco Braga, tenho 17 Generais, o Arcebispo de Campo Grande, com a graça de Deus!