Por Maria Auxiliadora Muffato
PARUSIA
Morte, ó peregrina invisível.
Anjo, arauto do inevitável fado,
desvenda teu semblante indefinível,
pois que o tempo já é terminado.
Vão-se as trevas, no cosmo azul,
desfeitas
das névoas densas e seus mistérios.
Findas oferendas tão logo aceitas,
ao descerrarem os templos etéreos.
Eternamente! Na essência que amiúde
ascende da saudade ao infinito,
Alma busca o que ainda não foi dito.
Do sono profundo à plenitude,
em êxtase, vivo, o ser permanece
perene no amor que não fenece.
Maria Auxiliadora Muffato, novembro 2020.
“Aos nossos amados do outro lado.”
PELO TEU ANIVERSÁRIO
No áureo dia em que nasceste,
Deus a vida te concedeu
para que, no tempo que é teu,
cada momento fosse este:
de alegria e de paz,
ou de luto e sofrimento;
tanto sabes que és capaz
de acolher todo sentimento.
Prova o gosto do bem-querer
sem tua sina maldizer.
Se é que nada se faz à toa,
sorve, então, com intensidade,
o sabor de cada idade;
Assim... viver é coisa boa.
Maria Auxiliadora Muffato, em 05/08/2017.
Segundo a autora, “este sonetinho foi escrito, certa ocasião, pelo aniversário de um amigo querido.”
SEMANA SANTA
DOMINGO DE RAMOS
E o povo caminha pela via triunfal...
Pisa o chão salpicado de galhos de oliveira,
de folhas de alecrim e de manjericão.
Entoa hinos e aclama com hosanas o Rei, que é bendito.
Ergo aos céus as palmas, ramos verdes de tantas vitórias,
e me entusiasmo por toda a gala desta manhã de sol.
E segue a procissão... uns e outros no caminho que é um só...
QUINTA-FEIRA SANTA
Tal como o Mestre na ceia antiga —
Mensageiro da Vida Plena —,
trago meu ser despojado, purificado,
e sento-me à mesa com os convidados
para o banquete vespertino.
Faço do pão oferenda e partilha,
consagro o vinho rubro do regozijo,
por vezes, as gotas ácidas dos dissabores.
E sacramento, em comum união, o alimento
que aos caminhantes sustenta nestas andanças.
SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO
Tons de roxo matizam a tarde outonal.
Na brisa morna o rosmaninho agreste
rescende suas essências, arrebatando-nos
às cruentas passagens do sacrifício do Calvário.
Também sob o peso de suas cruzes,
o povo implora bálsamo para as infindas dores
e o gesto do perdão para toda culpa.
Ouvem-se ladainhas e preces dolentes,
que ecoam na penumbra dos templos.
Nesta hora de redenção, sutil aura violácea
envolve os átrios sagrados, onde o Redentor,
apenas, descansa resguardado
pelos linhos de sua efêmera mortalha.
DOMINGO DE PÁSCOA
... E a Luz verdadeira irrompe liberta,
na suprema glória da Ressurreição.
Há vida no corpo resplandecente
onde a morte jaz derrotada.
Também de nós, criaturas,
de nossos sepulcros desnudos,
vibrações luzentes emanam.
Trevas se esvaziam,
e a branca manhã se aclara,
na esperança singela de que
a Páscoa se faça, então.
Maria Auxiliadora Muffato, Páscoa 2018.
O VÉU DE MARIA
(Dia da Primeira Comunhão)
Branco era o véu de Maria,
Que seus cabelos escondia:
Nívea nuvem de candura,
Dentre as graças a mais pura.
Ingênua, a menina sorria
Pra si mesma, com alegria.
Oh! quão suave a formosura
Da cena que ainda perdura!
Das florezinhas da grinalda,
Leve... a renda pendia alva,
Com aromas de açucena.
Ora, quanto segredo envolto
No pano que, assim tão solto,
Orna essa face serena.
Maria Auxiliadora Muffato, maio 2016.
DEEP PEACE
Nota do Gerente do Blog: Maria Auxiliadora Muffato respondeu-me nos seguintes termos, em 05/07/2014, um mês após o falecimento de minha mãe, quando lhe tinha enviado o post “ELOGIO FÚNEBRE DE DONA CELINA DOS SANTOS BRAGA (Palavras de solidariedade à família Santos Braga por ocasião de seu passamento)”:
Prezado amigo Braga:
Sua mamãe repousa tranquila no coração de Deus, e seu espírito habita a
vastidão do cosmos. "Deep Peace", como uma carícia, nos transporta
àqueles universos dos quais também somos partes.
Esta música foi um presente de Maria Célia, uma professora de canto da
linha da Antroposofia, que hoje passo a você. Peça a sua esposa
Rute Pardini para cantá-la para você.
MEU SANTUÁRIO QUERIDO
Maria Auxiliadora Muffato
Costumo dizer que nasci sob a proteção da Virgem Mãe Auxiliadora, em meio ao afeto paternal de Dom Bosco. Cresci à sombra da torre longilínea, que alonga sua energia benfazeja sobre o bairro das Fábricas. Do alto da colina, ela é o farol, o marco das horas, nossa cidadela, refúgio de paz e espiritualidade. No topo da ladeira, o templo majestoso permanece. É reconfortante adentrar seus átrios e reconhecer, nos detalhes da límpida arquitetura, os fragmentos sedimentados de nossas idades, como se nós mesmos fizéssemos parte desse conjunto. As lembranças infantis, por serem as primeiras, habitam nossa mente mais profunda e jamais serão desmanchadas.
A igreja de Dom Bosco foi a primeira que conheci. Pelas mãos de nossos pais, nossa numerosa família foi conduzida à fé e à religião católica. Papai era congregado mariano, e mamãe “mãe cristã” e “do apostolado”. As crianças participavam da missa aos domingos de manhã e, à tarde, o catecismo paroquial; confissão todos os sábados (pra contar sempre os mesmos pecadinhos, com promessas de arrependimento).
Meus irmãos coroinhas, João Bosco e Carlos Alberto, se ocupavam em decorar a missa em latim. Introibo ad altare Dei... Mamãe tomava a lição. Um dos folguedos era o Oratório São João, onde é hoje a Cacel. Ali aconteciam brincadeiras assistidas pelos clérigos; o escorregador era uma delas. Menina não entrava. Mas, é certo que uma tarde, portão aberto, o pátio vazio, me arrisquei a dar uma escorregada. Outra diversão era o cineminha aos sábados. No Colégio São João, seminaristas e alguns senhores costumavam encenar teatrinhos. Muito suspense e divertimento. Cenas da História Sagrada, assim como os territórios bíblicos, nos eram mostrados em “sessões de projeção” numa tela branca.
Minha irmã Ângela e eu pertencíamos ao coro das cantorinhas, regido pelo Padre Duarte (o pároco) e assistido pela Célia Montrezor. Sr. Emílio Campos nos acompanhava com o harmônio. Ingressei no coro aos cinco anos. Foi nesse espaço harmonioso que aprendemos belos hinos religiosos a duas vozes, partituras impressas nuns livros bonitos de capa preta dura. Padre Duarte nos iniciava no canto gregoriano que soava melodioso aos nossos ouvidos, já acostumados às vozes dos clérigos com suas batinas pretas. As vozes das cantorinhas ecoavam cristalinas, alegrando as missas, procissões e bênçãos do Santíssimo. Sempre me entusiasmei pela novena do Natal cantada em latim. Vem- me à mente um coral de meninos, do qual meu primo Euclides fazia parte. “Vola Colomba”, “Tiro-liro-liro”, “A Lenda do Bem-te-vi” constavam do repertório. Lembranças afáveis dos idos meses de maio me encantam: vestidinhos brancos de tafetá, véu e grinalda; chuva de pétalas de rosas e dálias; cantos de louvor, tudo para coroar a Rainha.
A torre sempre foi para mim um segredo a mais. Certas ocasiões, o padre nos presenteava com uma visita a suas salas sobrepostas. Cada janelinha era de uma sala. Havia uma especial, a sala mágica dos brinquedos, onde passávamos tempo indefinido, nos divertindo com os jogos de dominó, damas, ludo... E também montando castelos, igrejinhas e pontes com os tijolinhos de madeira. O relógio ficava num espaço mais acima. Surpreendente ver de perto aquela engrenagem!
Tempo bom dos piqueniques na Candonga e dos passeios de trem para as Águas Santas. Era a festa da criançada saudável e feliz, obediente às assistentes catequistas e auxiliares como Dona Afife Nacif, Assunta Tortoriello, Célia Montrezor e outras carinhosamente lembradas. Padre Duarte se divertia, contando casos engraçados, cantando conosco o Piccolo naviglio, O florista, A velha, e tanta coisa boa que ele arrumava. Muitos desses “fragmentos da vida” foram documentados em fotos: cenas dentro e fora do santuário, turmas de Primeira Comunhão, coroações, festas, passeios. Tudo isso nosso pároco fotografava. Era visível sua paixão pelo registro dos fatos. Sempre de olho no foco.
Era minha intenção contar alguma coisa sobre a história da Paróquia Dom Bosco, em homenagem à data de nascimento do nosso patrono, em 16 de agosto de 1815. Mas, o pensamento tomou outro rumo. Fica para outro artigo. Confio aos leitores estas preciosas recordações, profundamente imersas no halo de religiosidade, de leveza e amor que este santuário me oferece. Para sempre em meu coração, meu querido santuário!
Nota do Gerente do Blog: Em 11/07/2020 a poetisa enviou-me a seguinte mensagem:
Boa tarde, Francisco.
Motivada pela publicação sobre o seu "Oratório São Caetano dos Salesianos de Dom Bosco em São João del-Rei", pensei em enviar-lhe dois artigos meus já publicados no Jornal da ASAP, que dizem de meu envolvimento pessoal com a Paróquia Dom Bosco, assim como do interesse em informar-me sobre sua história. O primeiro saiu ainda ano passado, e o segundo em princípios de março de 2020. Tendo o jornal ficado retido na sede, sem a distribuição, poucos tiveram acesso aos exemplares. Espero que as coisas se normalizem.
Agradeço sua atenção e... boa leitura.
Sempre atenta a sua produção.
Motivada pela publicação sobre o seu "Oratório São Caetano dos Salesianos de Dom Bosco em São João del-Rei", pensei em enviar-lhe dois artigos meus já publicados no Jornal da ASAP, que dizem de meu envolvimento pessoal com a Paróquia Dom Bosco, assim como do interesse em informar-me sobre sua história. O primeiro saiu ainda ano passado, e o segundo em princípios de março de 2020. Tendo o jornal ficado retido na sede, sem a distribuição, poucos tiveram acesso aos exemplares. Espero que as coisas se normalizem.
Agradeço sua atenção e... boa leitura.
Sempre atenta a sua produção.
Maria Auxiliadora Muffato
12 comentários:
Caro confrade e amigo Braga;
Mais uma vez, nos honra com excelente poesia e prosa. Nesta ocasião, pela mão e pena de Maria Auxiliadora, nossa parceira nesta arte imortalizada por escritores eternos, como Machado, Camões, Shakespeare, Cervantes... Junto dos quais, num preito de reconhecimento, elevo a Gina, seu apelido carinhoso e através do qual privamos de sua amizade.
Agradeço imensamente pelo espaço que dá à Gina. Assim, muitas pessoas mais poderão conhecê-la e conhecer sua arte.
Grande e afetuoso abraço,
José Carlos Hernández Prieto
Tenho o prazer de apresentar ao leitor do Blog de São João del-Rei sua nova colaboradora, MARIA AUXILIADORA MUFFATO, poetisa são-joanense que publica parte de sua produção no jornal da ASAP-Associação dos Aposentados e Pensionistas de São João del-Rei, onde suas poesias são muito apreciadas.
Com frequência lhe envio meus escritos e recebo em retorno, embora com menos frequência, como comentários, parte dessa produção, onde se destacam seus lindos e elaborados poemas, normalmente sob a forma de sonetos, preciosos diamantes que exibem fina lapidação.
A poetisa aprecia também música e se apresenta como coralista no Coral da ASAP, um parceiro muito atuante do IHG local sob a regência do confrade Paulo Miranda.
Esta, portanto, é a ocasião de homenageá-la, apenas com aquela poesia que ela decidiu retornar-me e que guardei como um tesouro. Estou certo de que neste post vou apresentar uma condensada mas expressiva antologia de sua obra poética que deve ser muito mais vasta e rica.
Fui colega de seu irmão Carlos Alberto Muffato no antigo Ginásio Santo Antônio em 1961 e já estive presente em algumas celebrações religiosas de seu tio, Monsenhor Pedro Terra Filho, sacerdote que sempre se emociona quando convidado para colaborar com a Diocese de São João del-Rei, cidade onde cresceu e iniciou sua vocação sacerdotal.
Isso é lembrado aqui, apenas para mostrar a ótima cepa da poetisa que lhes é apresentada pelo Blog de São João del-Rei nesta data.
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2020/11/poemas-escolhidos-de-maria-auxiliadora.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Caro professor Braga;
Parabéns por trazer a possibilidade de divulgação junto a um público maior de mais uma personalidade de imenso talento, representativa da imorredoura verve de arte e sensibilidade da fecunda terra mineira.
Muitíssimo grato pela oportunidade de leitura de Maria Auxiliadora Muffato.
Saudações,
Cupertino.
Bravo!!!!
Parabéns pela escolha.
Abraços,
Lu
Muito bons !!! Parabéns !
Grata, abs.,
Eudóxia.
Bom dia!
Tive um colega de ginásio do Colégio Sao João, Djalma Luiz Muffato, cuja residência era na Paulo Freitas ao lado da fábrica Brasil. Seu pai foi professor de meu irmão no curso de contabilidade da Escola de Comércio e ele tem uma irmã Vitória que era professora de física.
Há muitos anos não o vejo. Tive noticias de que se aposentou como médico em Brasília e a mulher aposentada da Caixa.
Quanto à Maria Auxiliadora, alegro-me em saber de sua veia poética.
Parabéns por divulgar os valores da terra.
Abraço.
Caro Francisco Braga
Recebi e agradeço-lhe remessa da mensagem anexa.
Abraço,
Pe. Sílvio
Bom dia, amigo Francisco.
Depois da surpresa tão boa, simplesmente me sinto incentivada
e agradeço por essa gentil homenagem, vinda de você, pessoa
brilhante, sensível, generosa e comprometida com a cultura, com
a arte e tantos outros valores... e que eu respeito e admiro.
Gratidão. Grande abraço.
Maria Auxiliadora Muffato
Prezado confrade e amigo Braga, boa tarde.
A amostragem da poética de Maria Auxiliadora Muffato serve para revelar a valia de seu exercício literário. Entendo – dentro do pequeno álbum apresentado – que o trabalho mais denso se acha nos poemas de cunho religioso, como se vê nos cromos em torno dos episódios da paixão até a ressurreição do Senhor, que nos acordam as semanas santas de outrora, severas e serenas.
Releva ainda anotar que a poeta ( não gosto muito do vocábulo “ poetisa”, o que pode ser resquício de quem sobreviveu às vanguardas ) maneja com esmero a técnica do soneto. É caso raro entre os poetas contemporâneos. Maria Auxiliadora Muffato merece ser mais divulgada.
Abraço para você e Rute com votos de muita paz e todo bem.
Fernando Teixeira
Prezado confrade, bom dia. Começo este sábado com alguns minutos de reflexão: ler a poesia refinada da Maria Auxiliadora, que conheci lendo o Jornal da ASAP, e que me fala do Dom Bosco e a imponente torre da igreja, que de fato, domina o espaço urbano da região com sua sóbria arquitetura. Me penitencio de não ter visitado ainda essa igreja mesmo tendo ido ao campus Dom Bosco. Da poetisa (não tenho preconceito, como quanto a confreira...), compartilha espaço com Prieto, Evandro e outros confrades. Obrigado por me permitir um maior conhecimento da sua poesia densa de religiosidade, aspecto bom da mineiridade.
Abraço fraterno.
Paulo Sousa Lima
Olá, estimado amigo
Muito obrigado.
Continuação de boa semana.
Abraços
Diamantino
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