Por Anna JAMROZEK-SOWA *
Droga do Rio. Historie polskich emigrantów, em polonês |
“Caminho para o Rio” ¹ (em polonês: Droga do Rio ²) é o quinto livro de autoria de Aleksandra Pluta. A jovem autora, formada em jornalismo pela Università La Sapienza, em Roma, doutoranda no Instituto de Teoria Literária da Universidade de Brasília, reside em Brasília e visita regularmente a Polônia. Escreve livros em língua polonesa.
“Caminho para o Rio” consta de catorze entrevistas realizadas pela autora no Rio de Janeiro. Seus interlocutores são personalidades significativas no ambiente da emigração polonesa. O livro contém igualmente as fotos dos heróis e cópias de documentos migratórios. Na introdução, a autora apresenta o contexto cultural e histórico. Faz uma breve revista da história da colonização polonesa no Brasil. Aludindo ao caráter predominantemente camponês dessa emigração, aponta para a excepcionalidade dos seus catorzeinterlocutores: pessoas bem educadas, artistas, empresários. Pela primeira vez introduz no livro os seus próprios comentários. Nas publicações anteriores, cita opiniões de outras pessoas.
Como no caso dos livros precedentes , a autora se deixa conduzir pelos narradores dos relatos autobiográficos. Não espera deles um relato detalhado. Dá-lhes o direito de apresentar a verdade particular. A analogia de situações, a repetição das reações, a unidade do lugar de fixação (Rio de Janeiro) conferem aos destinos dos narradores individuais as marcas da tipicidade. Eles viajavam à América do Sul tendo apenas escassas informações a respeito do país que se tornaria o lugar de destino da sua jornada.
“Durante esses vinte anos educou-se uma geração realmente maravilhosa. Naturalmente, sempre em alguma parte há alguns defeitos, mas de maneira geral essa foi uma geração maravilhosa” − dirá um dos interlocutores, Cristóvão Gluchowski (p. 91).
“Quando eu ia de casa para a escola, a NKVD ³ já havia ido para pegar minha mãe [...]. Em Pinsk todos os judeus foram mortos, talvez uns três se tenham salvado. De maneira que foi um milagre termos podido viajar à Sibéria, onde, apesar da fome e do frio, conseguimos sobreviver” (p. 45).
“Tanto as colegas como as irmãs [...] eram muito carinhosas, porque sabiam que eu tinha vindo de um país em guerra” (p. 78-79).
“E quanto à minha vida de emigrado, estou satisfeito, não me posso queixar. Eu seria muito ingrato se me queixasse. [...] Os brasileiros me receberam muito bem, desde o início o nosso relacionamento foi muito amigável. Todos me tratavam com gentileza, não havia preconceitos” (p. 40-41).
“Os brasileiros nos aceitaram e por isso rapidamente ingressamos nessa sociedade. [...] Sempre nos convidavam para suas casas, para passarmos juntos as festas do Natal [...], sempre eram amistosos e hospitaleiros” (p. 232).
“[O Rio] era limpo e tão belo como Paris... [...] Havia muita elegância. Uma Paris nos trópicos” (Danuta Haczynska da Nóbrega, p. 78);
“A viagem foi horrível. Nós a fizemos de navio, na terceira classe, no porão, onde os passageiros sentiam fortemente o balanço, as crianças choravam, as pessoas vomitavam. Em toda a parte o mau cheiro e a sujeira. Isso era horrível. Mas chegamos ao Rio. Quando começamos a nos aproximar, quando vi essa bela cidade, essas montanhas, esse mar!... Faltam-me palavras” (Liliana Syrkis, p. 51);
“Apaixonei-me por esta cidade à primeira vista. Até hoje estou muito satisfeito por aqui morar” (Alexandre Laks, p. 64).
Os relatos dos protagonistas de Pluta são histórias de sobrevivência, de salvações milagrosas, de instinto de vida que fornece forças para superar sucessivos obstáculos. Coerentemente a autora constrói a narrativa sobre imigrantes poloneses espalhados pelo mundo como pessoas de sucesso. O Brasil, o Chile ou a Argentina que a envolvem são lugares mentalmente distantes da Polônia. Situam-se à margem da nossa percepção, acostumada a captar informações provenientes do círculo da cultura anglo-saxônica. Os imigrantes residentes nos Estados Unidos estão mais presentes na nossa reflexão do que aqueles que se fixaram sob o Cruzeiro do Sul. Basicamente, influenciaram essa exclusão os rigores introduzidos pelos regimes militares sul-americanos e a interrupção dos laços com o país de origem, também governado autoritariamente. Os livros de Pluta devolvem a lembrança dos Ausentes.
“é inexplicável e imprevisível, que, subtraindo-se ao conhecimento e à clara compreensão, ao mesmo tempo não deixa de inquietar a mente” (Buczyńska-Garewicz 2010, 7).
“Não sou emigrante − estou entre os emigrados” (p. 86)
“ser ao mesmo tempo brasileiro e polonês não encerra em si nenhuma contradição.”
“Na minha situação [...], sou uma coisa e outra. [...] Aqui sou tratado como um local. No Brasil há tantas pessoas de origem estrangeira que ninguém nem sabe se alguém é um imigrante recente ou antigo [...]. Eu não trato a minha emigração como uma perda. Para as pessoas mais velhas a emigração certamente pode ser uma perda, mas pra mim não foi” (p. 140-141).
“Sou meio polonês, meio brasileiro. Há pouco obtive a cidadania polonesa. Sou meio a meio, um pouco dividido, mas basicamente me sinto um cidadão brasileiro de origem polonesa” (p. 141).
“Eu me senti bem no Brasil e assim me sinto até hoje. [...] Não sentia que era judeu ou polonês, ninguém me perguntava isso. O Brasil é para mim uma nova pátria, embora não me tenha esquecido de que nasci na Polônia. Sou também membro da Sociedade ‘Polonia’ no Rio de Janeiro. Sou judeu e sou hoje muito respeitado no Brasil. Fui nomeado cidadão honorário da cidade do Rio de Janeiro. Não me sinto estrangeiro, visto que os brasileiros aceitam a todos, não têm quaisquer preconceitos” (p. 65).
“Sou brasileiro, mas não pareço brasileiro. Sou um judeu. Meu pai casou-se com uma judia de origem polonesa, de maneira que tanto meu pai como minha mãe são judeus poloneses. No Brasil não me tratam como brasileiro, na Polônia não sou polonês. [...] Não tenho um país” (p. 221).
“o que é difícil na figura da volta é a continuidade. A falta de continuidade na experiência de permanecer não permite [...] reencontrar plenamente o que se abandonou, reassumir as coisas onde foram deixadas, reencontrar a si mesmo ainda não mudado” (Augé 2009, 73).
“Tínhamos muita dificuldade, porque não falávamos em polonês. As crianças nos chamavam de imperialistas, porque havíamos vindo da América. Elas tinham incutido na cabeça que a América é terra de imperialistas” (p. 183).
Aleksandra Pluta olha para os seus protagonistas de uma perspectiva especial. Há catorze anos reside fora da Polônia, sucessivamente: na Itália, no Chile e no Brasil. Ao formular perguntas a compatriotas que há setenta anos aportaram no litoral da América do Sul, a respeito do que lhes ofereceu o país de fixação e a respeito da sua autoidentificação − adquire conhecimentos e perspectivas que lhe possibilitam olhar para as escolhas próprias e as da sua geração. Em Caminho para o Rio inscreve-se a tensão que existe entre a emigração imaginada e o seu formato real. Encontra-se também o elogio do multiculturalismo e da tolerância, o respeito às pessoas de mente aberta e energia inesgotável. As biografias dos protagonistas de Pluta testemunham que, residindo a milhares de quilômetros da pátria, alguém pode continuar a sentir-se polonês, que o ser brasileiro não apaga o primitivo “eu” e que a consciente aceitação dos condicionamentos do país de fixação resulta num sentimento de realização. Como declaram os interlocutores, o duplo enraizamento não é um obstáculo, mas um estímulo ao seu desenvolvimento. A autora destaca a posição deles, de emigrantes e imigrantes, bem como as consequências que resultam do cumprimento desses dois papéis. Os livros precedentes de Pluta são o registro de histórias faladas ou assumem a forma de relatos autobiográficos e biográficos. Em seu último livro, ela reúne entrevistas realizadas com decanos da imigração polonesa no Rio de Janeiro.
II. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ O livro resenhado por Anna Jamrozek-Sowa foi publicado no Brasil pela Verve Editora em 2018 com o título Caminho para o Rio.
³ Na União Soviética, o serviço secreto NKVD (sigla para Comissariado Popular para Assuntos Internos, em português) teve duração de 1930 até 1954, antecedendo a KGB (1954 até 1991), órgão ligado ao Partido Comunista.
III. BIBLIOGRAFIA
AUGÉ, M. Formy zapomnienia, trad. A. Turczyn, introd. J. Mikułowski-Pomorski. Kraków, 2009
BUCZYŃSKA-GAREWICZ, H. Człowiek wobec losu. Kraków, 2010.
6 comentários:
Obrigado!
Muito bom, histórico, instrutivo!!!!
Repassei...
Heitor
Tenho o prazer de compartilhar com os leitores do Blog de São João del-Rei a RESENHA (intitulada Uma Paris nos trópicos) feita por ANNA JAMROZEK-SOWA para o livro "Droga do Rio", em polonês (em português, Caminho para o Rio).
Caminho para o Rio (2018) é o 5º livro da colaboradora do Blog de São João del-Rei, ALEKSANDRA PLUTA.
O livro é o resultado de uma série de entrevistas realizadas durante dois anos com 14 imigrantes poloneses e alguns descendentes que emigraram para o Rio de Janeiro durante o período da Segunda Guerra Mundial.
O que une as histórias dos protagonistas é que todos começaram uma nova vida no Brasil, país distante de sua terra natal, cuja língua, clima e costumes estavam fora do alcance daqueles poloneses nativos. As memórias narradas no livro são hoje uma valiosa fonte histórica.
Os 4 livros anteriores dela são:
Na onda da história,
Raul Nałęcz-Małachowski: Recordações de dois continentes,
Andrés-Uma vida em mais de 3 mil filmes e
Ziembinski: Aquele Bárbaro Sotaque Polonês.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/08/uma-paris-nos-tropicos.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Parabéns!
Muito obrigada.
Interessante poder conhecer um pouco da aventura destes polonêses.
Abc
Parabéns pela iniciativa, muito interessante. Tenho particular interesse por ser filho de imigrantes poloneses.
Abcs
Roberto Rymer
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