Por Raquel Naveira
Tenho alma de ipê. Nasci no cerrado, no centro-oeste, na primavera, no dia 23 de setembro, quando ele, finalmente, floresce. As folhas cruzadas e oblongas caíram todas, deixando o tronco escuro, cheio de sulcos e fissuras, semelhante a uma escultura de madeira nobre. Aí, de repente, pelada de todo orgulho, transbordo flores. Cachos impressionantes. Florada fantástica. Amarela. Pequeninas cornetas que atraem bicos de colibris e zunidos de abelhas. Depois, as flores caducarão, cobrirão o chão como um tapete dourado, ardente ao sol de inverno.
Igualmente belos os ipês roxos, róseos e os brancos, que combinam com a lua e os lagos. A palavra “ipê” vem do tupi “i’ pé” e significa “árvore cascuda”. Com ela os índios confeccionavam arcos e flechas, por isso é também conhecida como “pau-d’arco”. Uma lei oficializou o ipê amarelo, num campo verde, como símbolo nacional.
Houve um artista plástico para quem o ipê foi fonte de inspiração, marca de essência e sopro. Parece que ele foi colhendo pelo solo as pétalas dos ipês, no final das estações, misturando com água e éter, calcando o sumo na sua paleta de cores. Esse pintor chamava-se Isaac de Oliveira, publicitário baiano, formado em Belas Artes, que residiu toda uma vida em Campo Grande. Direcionou sua arte de gestos rápidos, texturas únicas, camadas grossas de tinta a óleo, para as musas, as flores, a fauna pantaneira, principalmente peixes e pássaros. Mas os ipês tornaram-se a sua marca especial, impactante, encantadora. Vou passando os olhos por suas telas: ipê roxo em fundo azulado, ipê amarelo em fundo terroso, ipê branco em noite preta. São lindos! Fazem bater o coração. Parecem plantados no Jardim do Éden. Escorrem gotas de orvalho e harmonia. Hastes que se equilibram no espaço. Instáveis e efêmeros. Receptáculos da atividade celeste. Taças prontas para abocanhar fagulhas de estrelas.
Seus ipês se tornaram murais imensos, espalhados pelos bulevares, pelas fachadas dos prédios e também xilogravuras e mimos delicados, derramando virtudes e auroras pela cidade e pelos seres que caminham por ela: errantes passageiros.
Que estranha coincidência! Isaac partiu sem esforço, numa explosão de tons e matizes intensos, justamente no dia em que nasci: um 23 de setembro, dia consagrado à Primavera, à Poesia, às mágicas inflorescências. Também ele tinha uma alma de ipê.
11 comentários:
Prezad@,
A colaboradora do Blog de São João del-Rei, RAQUEL NAVEIRA, natural de Campo Grande-MS, nos brinda novamente com uma segunda crônica intitulada ALMA DE IPÊ.
Juntamente com seu texto anterior, Manacá, fica evidente sua predileção por árvores do cerrado, que proporcionam um belo espetáculo a nossos olhos com sua floração no campo aberto ou nas ruas de algumas cidades brasileiras.
Os ipês são lindas árvores que embelezam e promovem um rico colorido no final do inverno, antecipando a chegada da primavera, estação adornada de outras florações e muita chuva.
De fato, a coloração das flores do ipê produz belíssimo efeito tanto na copa da árvore como no pavimento das ruas, formando um tapete de flores em lindo contraste com o cinza do asfalto.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/09/por-raquel-naveira-tenho-alma-de-ipe.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Muito bem!
Ipês estão esplendorosos este ano.
Abs
Maravilhoso, caro Francisco Braga.
Obrigada pelas palavras e pelo belo tratamento dado à nossa crônica.
Abraço fraterno,
Raquel Naveira
Sensacional
Belíssimo texto de Raquel Naveira. De fato, o ipê é uma árvore resplandecente de energia e cor.
Ipês em Flor
Por Maria Auxiliadora Muffato ("Gina")
Cabeleiras de fogo
no azul de agosto.
Fosco.
Flocos de ouro
no arvoredo.
Ledo.
Vida em seus matizes.
Risos.
Beleza e cor.
E a estrada se alonga...
Em festa.
30 de agosto de 2015
Caro professor Braga
Emocionante crônica ! Também passei a conhecer a personalidade e obras do artista Isaac Oliveira. Verdadeiramente almas de ipê.
Cumprimentos. Gratidão
Cupertino
São realmente maravilhosos
Mestre Francisco Braga, gostei muito de seu comentário (altamente poético) sobre as crônicas "Manacá" e "Alma de ipê", da grande escritora Raquel Naveira. Nós, que amamos as árvores, as flores, os pássaros, os rios, mares, lagoas, cachoeiras, olhos d' água, etc., gostamos muito quando os escritores abordam esses temas de graça primaveril e campestre. Parabéns, mestre Braga! Abraço do Danilo Gomes.
Agradeço aos amigos Francisco Braga e Danilo Gomes pela postagem e comentário. São mesmo estonteantemente belos os ipês.
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