domingo, 24 de outubro de 2021

O dia em que a Esquadrilha da Fumaça bagunçou a feira do Crato


Por Geraldo Ananias Pinheiro  

Voo rasante da Esquadrilha da Fumaça na feira do Crato

Meados da década de 60, do século passado, por aí. Dia de feira no Crato (CE). 
Acordei cedinho lá no Sítio Almécegas, zona rural do Crato, onde morávamos e trabalhávamos, em regime de economia familiar. Tínhamos (lá) criação de alguns animais (gado, porcos, galinhas), e da nossa terra tirávamos nossa sobrevivência. 
Papai tinha uma bicicleta alemã, ano 1951, que, depois dos jegues, era o meio de transporte mais eficiente que tínhamos para ir ao Crato. Não havia transporte melhor, pois, obviamente, não precisava alimentá-la, tampouco dar-lhe água, quando fosse para a cidade, ao contrário do que acontecia com os jegues. 
Já estava combinado que, naquele longínquo dia, eu desceria na garupa da bicicleta do papai, que era o único e exclusivo piloto desse fascinante veículo de duas rodas. Por falar em garupa da bicicleta, já ouvi discussão de minha mãe com ele por causa disso: 
— Olhe, Assis (apelido do meu pai), não quero saber de você dar bigu (carona) na garupa da bicicleta para aquela cadela (uma moça nova e bonita que costumava pedir carona a meu pai), ouviu?! 
Acordei apreensivo, pois havia a confirmação de que o Comandante Macedo — filho da terra e comandante da Esquadrilha da Fumaça em Fortaleza, — realmente viria, com diversos aviões, fazer umas putarias (acrobacias) no Céu do Crato. E o pior de tudo, num dia de feira. E mais importante ainda, havia pessoas — moradoras do pé da Serra do Araripe e dos sertões que nunca tinham visto avião. Imagine o que estava para acontecer! 
lá com meu pai no meio da feira. Daí a pouco a gente vê é um reboliço dos diabos: o Céu do Crato “cheio de uns besouros grandes, com dois caçuás de lado, voando ligeiro e roncando mais que a besta-fera” (descrição feita por uma velhinha que nunca tinha visto avião). 
E como o Comandante da esquadrilha era filho do Crato, parece que ele “pôs pra lascar” mesmo, no capricho. Eu mesmo quase que me lasco de medo, no momento em que uma aeronave — deveria ser a do comandante, pois sempre se encontrava à frente das demais — fez um vôo tão rasante por cima da rua principal do Crato, que chegou a levantar poeira, pó de goma e de farinha da feira, além de ter causado “um estrondo da gota serena”. Parecia realmente o fim do mundo... Arre égua! 
Já se pode imaginar o que aconteceu com os mais variados tipos de produtos (farinha, goma, arroz, feijão, fava, milho, pequi, frutas e por aí vai), que eram simplesmente colocados livremente em cima de lonas, por todas as ruas da feira. O pessoal saiu correndo com medo dos aviões e pisou em tudo, misturando e destruindo o que encontrava pela frente: parecia um tsunami. 
Só ouvia era gente gritando: 
Valei-me, Meu Deus do Céu, chegou o fim do mundo! 
Outros: 
— Isso é obra dos seiscentos mil diabos! 
Uma romeira chegou a gritar: 
— Isso é castigo mandado pelo meu Padin Pade Ciço pra acabar com o Crato (historicamente, há rivalidade entre o Crato e o Juazeiro do Norte). 
Meu pai me pegou pelo braço e falou: 
— Não fique com medo, meu filho, isso é muito bonito. É a nossa gloriosa aviação, dando demonstração de sua perícia. É o Comandante Macedo mostrando o valor de um filho da Terra. 
E completou: 
— Fico muito orgulhoso com isso. Que coisa linda é nossa aviação no céu! 
 
 (Capítulo extraído do livro FOI ASSIM..., p. 49-51)
 
 
 
II.  BIBLIOGRAFIA
 
 
PINHEIRO, Geraldo Ananias:  FOI ASSIM..., Brasília: Thesaurus Editora de Brasília Ltda., 2006, 214 p.

5 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

A muitos de nós pode ter passado despercebido o Dia do Aviador, celebrado ontem, 23 de outubro, mas não para o escritor cearense GERALDO ANANIAS PINHEIRO, que nasceu na cidade de Santana do Cariri em 1951 e cresceu no sítio Almécegas, município do Crato.
Tenho dele as seguintes obras: livros de contos Foi Assim... (2006) e Réstias do Tempo (2008); romances Levado ao Vento (2010), Nos Ombros do Destino (2012), A Força de um Mistério (2014) e Difícil Regresso (2016).
A data 23 de outubro de 1906 é lembrada no Dia do Aviador, em que o brasileiro Alberto Santos Dumont tornou-se o primeiro ser humano a voar, a bordo do 14-Bis, num voo no Campo Bagatelle, na França. Tal data é historicamente registrada como o início de uma grande revolução nos meios de transporte na Terra: o avião.
Em homenagem ao Dia do Aviador, encontrei uma página bem-humorada do escritor cearense, extraída de seu livro de contos de 2006, intitulado FOI ASSIM... e está sendo reproduzida no Blog de São João del-Rei por autorização de seu autor.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/10/o-dia-em-que-esquadrilha-da-fumaca.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

João Paulo disse...

Legal.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga
Bela crônica! Realmente essas apresentações eram um frenesi geral e as reações as mais pitorescas possíveis ! E lembrar do seu xará, o lendário comandante coronel Braga.
Grato pela oportunidade da leitura.
Cupertino

Bernardo Diniz (professor da rede de ensino fundamental do Governo do Distrito Federal) disse...

Parabéns
Obrigado.
Abraços a vc e a Rute

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Ases do ar!!!