Por Geraldo Ananias Pinheiro
Voo rasante da Esquadrilha da Fumaça na feira do Crato |
Meados da década de 60, do século passado, por aí. Dia de feira no Crato (CE).
Acordei cedinho lá no Sítio Almécegas, zona rural do Crato, onde morávamos e trabalhávamos, em regime de economia familiar. Tínhamos (lá) criação de alguns animais (gado, porcos, galinhas), e da nossa terra tirávamos nossa sobrevivência.
Papai tinha uma bicicleta alemã, ano 1951, que, depois dos jegues, era o meio de transporte mais eficiente que tínhamos para ir ao Crato. Não havia transporte melhor, pois, obviamente, não precisava alimentá-la, tampouco dar-lhe água, quando fosse para a cidade, ao contrário do que acontecia com os jegues.
Já estava combinado que, naquele longínquo dia, eu desceria na garupa da bicicleta do papai, que era o único e exclusivo piloto desse fascinante veículo de duas rodas. Por falar em garupa da bicicleta, já ouvi discussão de minha mãe com ele por causa disso:
— Olhe, Assis (apelido do meu pai), não quero saber de você dar bigu (carona) na garupa da bicicleta para aquela cadela (uma moça nova e bonita que costumava pedir carona a meu pai), ouviu?!
Acordei apreensivo, pois havia a confirmação de que o Comandante Macedo — filho da terra e comandante da Esquadrilha da Fumaça em Fortaleza, — realmente viria, com diversos aviões, fazer umas putarias (acrobacias) no Céu do Crato. E o pior de tudo, num dia de feira. E mais importante ainda, havia pessoas — moradoras do pé da Serra do Araripe e dos sertões que nunca tinham visto avião. Imagine o que estava para acontecer!
Tô lá com meu pai no meio da feira. Daí a pouco a gente vê é um reboliço dos diabos: o Céu do Crato “cheio de uns besouros grandes, com dois caçuás de lado, voando ligeiro e roncando mais que a besta-fera” (descrição feita por uma velhinha que nunca tinha visto avião).
E como o Comandante da esquadrilha era filho do Crato, parece que ele “pôs pra lascar” mesmo, no capricho. Eu mesmo quase que me lasco de medo, no momento em que uma aeronave — deveria ser a do comandante, pois sempre se encontrava à frente das demais — fez um vôo tão rasante por cima da rua principal do Crato, que chegou a levantar poeira, pó de goma e de farinha da feira, além de ter causado “um estrondo da gota serena”. Parecia realmente o fim do mundo... Arre égua!
Já se pode imaginar o que aconteceu com os mais variados tipos de produtos (farinha, goma, arroz, feijão, fava, milho, pequi, frutas e por aí vai), que eram simplesmente colocados livremente em cima de lonas, por todas as ruas da feira. O pessoal saiu correndo com medo dos aviões e pisou em tudo, misturando e destruindo o que encontrava pela frente: parecia um tsunami.
Só ouvia era gente gritando:
— Valei-me, Meu Deus do Céu, chegou o fim do mundo!
Outros:
— Isso é obra dos seiscentos mil diabos!
Uma romeira chegou a gritar:
— Isso é castigo mandado pelo meu Padin Pade Ciço pra acabar com o Crato (historicamente, há rivalidade entre o Crato e o Juazeiro do Norte).
Meu pai me pegou pelo braço e falou:
— Não fique com medo, meu filho, isso é muito bonito. É a nossa gloriosa aviação, dando demonstração de sua perícia. É o Comandante Macedo mostrando o valor de um filho da Terra.
E completou:
— Fico muito orgulhoso com isso. Que coisa linda é nossa aviação no céu!
(Capítulo extraído do livro FOI ASSIM..., p. 49-51)
II. BIBLIOGRAFIA
PINHEIRO, Geraldo Ananias: FOI ASSIM..., Brasília: Thesaurus Editora de Brasília Ltda., 2006, 214 p.
5 comentários:
A muitos de nós pode ter passado despercebido o Dia do Aviador, celebrado ontem, 23 de outubro, mas não para o escritor cearense GERALDO ANANIAS PINHEIRO, que nasceu na cidade de Santana do Cariri em 1951 e cresceu no sítio Almécegas, município do Crato.
Tenho dele as seguintes obras: livros de contos Foi Assim... (2006) e Réstias do Tempo (2008); romances Levado ao Vento (2010), Nos Ombros do Destino (2012), A Força de um Mistério (2014) e Difícil Regresso (2016).
A data 23 de outubro de 1906 é lembrada no Dia do Aviador, em que o brasileiro Alberto Santos Dumont tornou-se o primeiro ser humano a voar, a bordo do 14-Bis, num voo no Campo Bagatelle, na França. Tal data é historicamente registrada como o início de uma grande revolução nos meios de transporte na Terra: o avião.
Em homenagem ao Dia do Aviador, encontrei uma página bem-humorada do escritor cearense, extraída de seu livro de contos de 2006, intitulado FOI ASSIM... e está sendo reproduzida no Blog de São João del-Rei por autorização de seu autor.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/10/o-dia-em-que-esquadrilha-da-fumaca.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Legal.
Caro professor Braga
Bela crônica! Realmente essas apresentações eram um frenesi geral e as reações as mais pitorescas possíveis ! E lembrar do seu xará, o lendário comandante coronel Braga.
Grato pela oportunidade da leitura.
Cupertino
Parabéns
Obrigado.
Abraços a vc e a Rute
Ases do ar!!!
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