quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O BAR DO CADETE DURO


Por AMARO Luiz ALVES *

Amaro Luiz Alves

Os bares e restaurantes de Barbacena no início da década de 1960 eram as opções disponíveis, nos sábados e domingos, para fugirmos um pouco do tempero do rancho da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR). 
Naquela época, a cidade contava com pequeno número de bares, restaurantes e lanchonetes, que ofereciam serviços para os variados níveis de renda da sociedade local. 
Na EPCAR estudavam alunos originários de famílias de todas as regiões do Brasil e, também, dos mais variados níveis de renda. Os menos abastados, obviamente, buscavam na cidade locais de alimentação compatíveis com as suas limitadas finanças. 
O "Bar do Cadete Duro" não tinha o glamour do Gino's, nem as iguarias do restaurante do Hotel Palace, nem os cardápios das boas lanchonetes da cidade. Era uma padaria simples, afastada do centro, na Rua Quinze de Novembro, no meio do percurso entre a EPCAR e a Praça dos Andradas. No jargão de caserna chamávamos esse local de “bar do cadete duro”. 
Seu "prato" mais solicitado, talvez por ser o único, era o pão com queijo minas ou mortadela, regado a guaraná ou café com leite, bem ajustado às finanças combalidas dos Alunos de origem mais humilde. 
Aos domingos, quando saíamos à cidade vestidos com o 5° uniforme completo, a liturgia da farda exigia que fôssemos discretos em nossos hábitos simples de menos afortunados. Por essa razão, esse bar mantinha um pequeno cômodo, chamado de "reservado", de modo que a simplória refeição ficasse ao resguardo dos olhares baldios dos passantes. 
Quando o dinheiro disponível estava muito mais escasso, havia outro recurso para não dormirmos com a “barriga roncando”. Era um pequeno bar, de meia porta, na descida da rua Artur Bernardes em direção à EPCAR, que servia um energético infalível: copo médio com leite quente adoçado com groselha. Era o “bar do cadete duríssimo”. 
Nesta jogada de rede no fundo do mar das lembranças, tento descrever e localizar o "bar do cadete duro" (em desafio de memória, auxiliado por testemunhas oculares da História) e, também, faço referência a outro, último recurso alimentar, quando retornávamos à EPCAR no fim da noite. Esse, que servia leite quente colorido com groselha, que passei a chamar de "bar do cadete duríssimo", localizado na Rua Artur Bernardes, à direita de quem desce no rumo da EPCAR, pertencia ao Mariano, portador de um clássico bigode à moda portuguesa. 
O "bar do cadete duro", que na realidade era uma padaria de propriedade da família Pardini, localizava-se na Rua Quinze de Novembro, onde hoje funciona uma loja de propriedade de comerciantes orientais, à direita de quem vai da EPCAR em direção à Praça dos Andradas (Praça dos Macacos). O recinto "reservado", onde se degustavam saborosos e baratos sanduiches, era um cômodo situado no mesmo nível da padaria. 
O Gino’s, pizzaria inaugurada em 1957, na galeria do Cine Apolo, funciona hoje na rua Primeiro de Maio, quase esquina com a Bias Fortes, em amplas instalações. 
O restaurante do Hotel Palace fechou junto com o hotel que, ainda hoje, exibe, saudosamente, as ruínas da fachada que viveu dias de pompa. Junto com o hotel e o restaurante, fecharam-se as cortinas do Cine Palace, palco de elegantes sessões dominicais. 
A Praça dos Andradas, apelidada de “Praça dos Macacos, em razão de ter árvores habitadas por macacos-prego, não abriga mais esses símios. Passaram-se seis décadas e muitos dos fregueses do pão com queijo e do pingado com groselha estão merecidamente aposentados, depois de galgarem altos postos nas Forças Armadas e Auxiliares, bem como nos altos escalões da vida civil nacional. 
Tenho certeza de que eles ficarão muito felizes por terem sido lembrados.
 
* Aluno-Veterano/EPCAR 60-24; hoje sanitarista aposentado, fotógrafo de Natureza.
 
 
(Texto escrito com o auxílio de muitas mãos, mentes e corações, em resposta a desafio de memória lançado na página Barbarascenas, do facebook, por Farah (Aluno-Veterano/EPCAR 61-337).  23/12/2020

10 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Faz um ano que o colaborador do Blog de São João del-Rei, sanitarista aposentado e fotógrafo de Natureza, AMARO Luiz ALVES, enviou-me seu texto de memorialista, uma crônica homenageando os PARDINI de Barbacena nos seus tempos de cadete da EPCAR-ESCOLA PREPARATÓRIA DOS CADETES DO AR no início da década de 60. Sabedor de que me casei com Rute Pardini, o cronista homenageia minha esposa por extensão, embora seus antepassados tenham escolhido a cidade de Divinópolis para ali desenvolver o ramo de cinema.
Devido à demora que retardou até hoje a publicação do seu texto, eu me penitencio perante meu ex-colega do Senado, ambos consultores aposentados, e acredito na sua generosidade e tolerância diante da minha folha de serviços, que não foi pequena neste ano que finda.
Na crônica relembra um bar do passado e suas interfaces com os Pardini. De fato, consta ter sido Agostinho Pardini, como imigrante italiano, pioneiro no ramo da panificação em Barbacena. (RIBEIRO, Silvério: 2012, p. 259)

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/12/o-bar-do-cadete-duro.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Amaro Luiz Alves (graduado em Administração pela UFMG e pós-graduado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública; autor do livro "Aves brasileiras: uma visão fotográfica") disse...

Caro amigo Braga
De generoso e tolerante, como roga o prezado amigo, promovo-me à privilegiada posição de admirador de seus feitos pela Cultura. Você faz coisas bem feitas.
Abraço fraterno
Amaro

Roberto Carvalho disse...

Grande Amaro,
Bela crônica.
Nos anos de 1966, 1967 e 1968, frequentei com fidelidade, o Bar do Mariano, posto que a minha classificação era "Cadete Duríssimo". Confesso que nutria uma leve inveja dos meus contemporâneos do nível superior: "Cadetes Duros". Confesso que o recinto - Bar do Cadete Duro" eu reservava para datas comemorativas, aniversários etc. Até hoje minha família consome o saboroso leite com groselha, só que preferimos gelado. Experimente. Meus netos adoram.
Abraços,
Roberto Carvalho - 66-163

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Necessário pelo registro histórico, envolvendo o nome da família Pardini, e nele as pitorescas memórias do antigo cadete.
Cumprimentos

Cupertino

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Grato pelo envio.

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Fui aluno da EPCAR.

سيو بارتنرز للتسويق الالكتروني disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Unknown disse...

Abração deste veterano.

Unknown disse...

Abraço, Professor.