Este ensaio foi publicado originalmente na revista "O Cruzeiro", em 25 de agosto de 1957.
Desenho: Milton Nascimento ("Bituca") |
Sei, um pouco, seu facies, a natureza física — muros montes e ultramontes, vales escorregados, os andantes belos rios, as linhas de cumeeiras, a aeroplanície ou cimos profundamente altos, azuis que já estão nos sonhos — a teoria dessa paisagem. Saberia aquelas cidades de esplêndidos nomes, que de algumas já roubaram: Maria da Fé, Sêrro Frio, Brejo das Almas, Dores do Indaiá, Três Corações do Rio Verde, São João del Rei, Mar de Espanha, Tremendal, Coromandel, Grão Mogol, Juiz de Fora, Borda da Mata, Abre Campo, Passa Tempo, Buriti da Estrada, Tiros, Pequi, Pomba, Formiga, São Manuel do Mutum, Caracol, Varginha, Sete Lagoas, Soledade, Pouso Alegre, Dores da Boa Esperança… Saberei que é muito Brasil, em ponto de dentro, Brasil conteúdo, a raiz do assunto. Soubesse-a, mais.
Sendo, se diz, que minha terra representa o elevado reservatório, a caixa-d’água, o coração branco, difluente, multivertente, que desprende e deixa, para tantas direções, formadas em caudais, as enormes vias: o São Francisco, o Paranaíba e o Grande que fazem o Paraná, o Jequitinhonha, o Doce, os afluentes para o Paraíba, e ainda; — e que, desde a meninice de seus olhos-d’água, da discrição de brejos e minadouros, e desses monteses riachinhos com subterfúgios, Minas é a doadora plácida.
Sobre o que, em seu território, ela ajunta de tudo, os extremos, delimita, aproxima, propõe transição, une ou mistura: no clima, na flora, na fauna, nos costumes, na geografia, lá se dão encontro, concordemente, as diferentes partes do Brasil. Seu orbe é uma pequena síntese, uma encruzilhada; pois Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas.
A que via geral se divulga e mais se refere, é a Minas antiga, colonial, das comarcas mineradoras, toda na extensão da chamada Zona Mineralógica, a de montes de ferro, chão de ferro, água que mancha de ferrugem e rubro a lama e as pedras de córregos que dão ainda lembrança da formosa mulher subterrânea que era a Mãe do Ouro, deparada nas grupiaras, datas, cavas, lavras, bocas da serra, à porta dessas velhas cidades feitas para e pelo ouro, por entre o trabeculado de morros, sob picos e atalaias, aos dias longos em nevoeiro e friagem, ao sopro de tramontanas hostis ou ante a fantasmagoria alva da corrubiana nas faces de soalheiro ou noruega, num âmbito que bem congrui com o peso de um legado severo, de lástimas avaliadas, grandes sinos, agonias, procissões, oratórios, pelourinhos, ladeiras, jacarandás, chafarizes realengos, irmandades, opas, letras e latim, retórica satírica, musas entrevistas, estagnadas ausências, música de flautas, poesia do esvaziado — donde de tudo surde um hábito de irrealidade, hálito do passado, do longe, quase um espírito de ruínas, de paradas aventuras e problemas de conduta, um intimativo nostalgir-se, que vem de níveis profundos, a melancolia que coerce.
Essa — tradicional, pessimista talvez ainda, às vezes casmurra, ascética, reconcentrada, professa em sedições — a Minas geratriz, a do ouro, que evoca e informa, e que lhe tinge o nome; a primeira a povoar-se e a ter nacional e universal presença, surgida dos arraiais de acampar dos bandeirantes e dos arruados de fixação do reinol, em capitania e província que, de golpe, no Setecentos, se proveu de gente vinda em multidão de todas as regiões vivas do país, mas que, por conta do ouro e dos diamantes, por prolongado tempo se ligou diretamente à Metrópole de além-mar, como que através de especial tubuladura, fluindo apartada do Brasil restante. Aí, plasmado dos paulistas pioneiros, de lusos aferrados, de baianos trazedores de bois, de numerosíssimos judeus manipuladores de ouro, de africanos das estirpes mais finas, negros reais, aproveitados na rica indústria, se fez a criatura que é o mineiro inveterado, o mineiro mineirão, mineiro da gema, com seus males e bens. Sua feição pensativa e parca, a seriedade e interiorização que a montanha induz — compartimentadora, distanciadora, isolante, dificultosa. Seu gosto do dinheiro em abstrato. Sua desconfiança e cautela — de vez que de Portugal vinham par ali chusmas de policiais, agentes secretos, burocratas, tributeiros, tropas e escoltas, beleguias, fiscais e espiões, para esmerilhar, devassar, arrecadar, intrigar, punir, taxar, achar sonegações, desleixos, contrabandos ou extravios do ouro e os diamantes, e que intimavam sombriamente o poder do Estado, o permanente perigo, àquela gente vigiadíssima, que cedo teve de aprender a esconder-se. Sua honesta astúcia meandrosa, de regato serrano, de mestres na resistência passiva. Seu vezo inibido, de homens aprisionados nas manhãs nebulosas e noites nevoentas de cidades tristes, entre a religião e a regra coletiva, austeras, homens de alma encapotada, posto que urbanos e polidos. Sua carta de menos. Seu fio de barba. Sua arte de firmeza.
É a Mata cismontana, molhada de ventos marinhos, agrícola ou madeireira, espessamente fértil. É o Sul, cafeeiro, assentado na terra-roxa de declives ou em colinas que européias se arrumam, quem sabe uma das mais tranqüilas jurisdições da felicidade neste mundo. É o Triângulo, avançado, forte, franco. É o Oeste, calado e curto nos modos, mas fazendeiro e político, abastado de habilidades. É o Norte, sertanejo, quente, pastoril, um tanto baiano em trechos, ora nordestino na intratabilidade da caatinga, e recebendo em si o Polígono das Secas. É o Centro corográfico, do vale do Rio das Velhas, calcáreo, ameno, claro, aberto à alegria de todas as vozes novas. É o Noroeste, dos chapadrões, dos campos-gerais que se emendam com os de Goiás e da Bahia esquerda, e vão até ao Piauí e ao Maranhão.
Se são tantas Minas, porém, e contudo uma, será o que a determina, então, apenas uma atmosfera, sendo o mineiro o homem em estado minasgerais? Nós, os indígenas, nem sempre o percebemos. Acostumaram-nos, entretanto, a um vivo rol de atributos, de qualidades, mais ou menos específicas, sejam as de: acanhado, afável, amante da liberdade, idem da ordem, anti-romântico, benevolente, bondoso, comedido, canhestro, cumpridor, cordato, desconfiado, disciplinado, desinteressado, discreto, escrupuloso, econômico, engraçado, equilibrado, fiel, fleumático, grato, hospitaleiro, harmonioso, honrado, inteligente, irônico, justo, leal, lento, morigerado, meditativo, modesto, moroso, obstinado, oportunidade (dotado do senso da), otário, prudente, paciente, plástico, pachorrento, probo, precavido, pão-duro, personalista, perseverante, perspicaz, quieto, recatado, respeitador, rotineiro, roceiro, secretivo, simples, sisudo, sensato, sem pressa nenhuma, sagaz, sonso, sóbrio, trabalhador, tribal, taciturno, tímido, utilitário, virtuoso.
Sendo assim, o mineiro há. Essa raça ou variedade, que, faz já bem tempo, acharam que existia. Se o confirmo, é sem quebra de pejo, pois, de mim, sei, compareço como espécime negativo.
Reconheço, porém, a aura da montanha, e os patamares da montanha, de onde o mineiro enxerga. Porque, antes de mais, o mineiro é muito espectador. O mineiro é velhíssimo, é um ser reflexivo, com segundos propósitos e enrolada natureza. É uma gente imaginosa, pois que muito resistente à monotonia. E boa — porque considera este mundo como uma faisqueira, onde todos têm lugar para garimpar. Mas nunca é inocente. O mineiro traz mais individualidade que personalidade. Acha que o importante é ser, e não parecer, não aceitando cavaleiro por argueiro nem cobrindo os fatos com aparatos. Sabe que “agitar-se não é agir”. Sente que a vida é feita de encoberto e imprevisto, por isso aceita o paradoxo; é um idealista prático, otimista através do pessimismo; tem, em alta dose, o amor fati. Bem comido, secularmente, não entra caninamente em disputas. Melhor, mesmo — não disputa. Atencioso, sua filosofia é a da cordialidade universal, sincera; mas, em termos. Gregário, mas necessitando de seu tanto de solidão, e de uma área de surdina, nos contactos verdadeiramente importantes. Desconhece castas. Não tolera tiranias, sabe deslizar para fora delas. Se precisar, briga. Mas, como ouviu e não entendeu a pitonisa, teme as vitórias de Pirro. Tem a memória longa. Não tem audácias visíveis. Ele escorrega para cima. Só quer o essencial, não as cascas. Sempre frequentado pelo enigma, pica o enigma em pedacinhos, como quando pica seu fumo de rolo, e faz contabilidade da metafísica; gente muito apta ao reino-do-céu. Não acredita que coisa alguma se resolva por um gesto ou um ato, mas aprendeu que as coisas voltam, que a vida dá muitas voltas, que tudo pode tornar a voltar. Até sem saber que o faz, o mineiro está sempre pegando com Deus. Principalmente, isto: o mineiro não usurpa.
Aí está Minas: a mineiridade.
Mas, entretanto, cuidado. Falei em paradoxo. De Minas, tudo é possível. Viram como é de lá que mais se noticiam as coisas sensacionais ou esdrúxulas, os fenômenos? O diabo aparece, regularmente, homens ou mulheres mudam anatomicamente de sexo, ocorrem terremotos, trombas-d’água, enchentes monstras, corridas-de-terreno, enormes ravinamentos que desabam serras, aparições meteóricas, tudo o que aberra e espanta. Revejam, bem. Chamam a seu povo de “carneirada”, porque respeita por modo quase automático seus Governos, impessoalmente, e os acata; mas, por tradição, conspira com rendimento, e entra com decisivo gosto nas maiores rebeliões. Dados por rotineiros e apáticos, foram de repente à Índia, buscar o zebú, que transformaram, dele fazendo uma riqueza, e o exportam até para o estrangeiro. Tidos como retrógrados, cedo se voltaram para a instrução escolar, reformando-a da noite para o dia, revolucionàriamente, e ainda agora dividindo com São Paulo o primeiro lugar nesse campo. Sedentários famosos, mas que se derramaram sempre fora de suas divisas estaduais, iniciando, muito antes do avanço atual, o povoamento do Norte do Paraná, e enchendo com suas colônias o Rio, São Paulo, Goiás e até Mato Grosso. Pacíficos por definição, tiveram em sua Força Pública militar, pressianamente instruída e disciplinada, uma formidável tropa de choque, tropa de guerra, que deu o que temer, e com larga razão. E, de seus homens políticos, por exemplo, vêem-se atitudes por vezes imprevisíveis e desconcertantes; que não serão anômalas, senão antes marcas de sua coerência profunda — a única verdadeiramente com valibilidade e eficácia.
Disse que o mineiro não crê demasiado na ação objetiva; mas, com isso, não se anula. Só que mineiro não se move de graça. Ele permanece e conserva. Ele espia, indaga, protela ou palia, se sopita, tolera, remancheia, perrengueia, sorri, escapole, se retarda, faz véspera, tempera, cala a boca, matuta, destorce, engambela, pauteia, se prepara. Mas, sendo a vez, sendo a hora, Minas entende, atende, toma tento, avança, peleja e faz.
Sempre assim foi. Ares e modos. Assim seja.
Só, e no mais: sem ti, jamais nunca — Minas, Minas Gerais, inconfidente, brasileira, paulista, emboaba, lírica e sábia, lendária, épica, mágica, diamantina, aurífera, ferrífera, ferrosa, férrica, balneária, hidromineral, jê, puri, acroá, goitacá, goianá, cafeeira, agrária, barroca, luzia, árcade, alpestre, rupestre, campestre, de el-rei, das minas, do ouro das minas, das pretas minas, negreira, mandigueira, moçambiqueira, conga, dos templos, santeira, quaresmeira, processional, granítica, de ouro em ferro, siderúrgica, calcárea, das perambeiras, serrana bela, idílica, ilógica, translógica, supralógica, intemporal, interna, leiteira, do leite e da vaca, das artes de Deus, do caos calmo, malasarte, conjuradora, adversa ao fácil, tijucana, januária, peluda, baeteira, tapiocana, catrumana, fabril, industriosa, industrial, fria, arcaica, mítica, enigmática, asiática, assombrada, salubre e salutar, assobradada, municipal, municipalíssima, paroquial, marília e heliodora, de pedra-sabão, de hematita compacta, da sabedoria, de Borba Gato, Minas joãopinheira, Minas plural, dos horizontes, de terra antiga, das lapas e cavernas, da Gruta de Maquiné, do Homem de Lagoa Santa, de Vila Rica, franciscana, barranqueira, bandoleira, pecuária, retraída, canônica, sertaneja, jagunça, clássica, mariana, claustral, humanista, política, sigilosa, estudiosa, comum, formiga e cigarra, labiríntica, pública e fechada, no alto afundada, toucinheira, metalúrgica, de liteira, mateira, missionária, benta e circuncisa, tropeira, borracheira, mangabeira, comboieira, rural, ladina, citadina, devota, cigana, amealhadora, mineral e intelectual, espiritual, arrieira, boiadeira, urucuiana, cordisburguesa, paraopebana, fluminense-das-velhas, barbacenense, leopoldinense, itaguarense, curvelana, belo-horizontina, do ar, do lar, da saudade, do queijo, do tutu, do milho e do porco, do angu, do frango com quiabo, Minas magra, capioa, enxuta, groteira, garimpeira, sussurrada, sibilada, Minas plenária, imo e âmago, chapadeira, veredeira, zebuzeira, burreira, bovina, vacum, forjadora, nativa, simplória, sabida sem desordem, sem inveja, sem realce, tempestiva, legalista, legal, governista, revoltosa, vaqueira, geralista, generalista, de não navios, de não ver navios, longe do mar, Minas sem mar, Minas em mim: Minas comigo. Minas. (grifo nosso)
Fonte: ROSA, João Guimarães: Ave, palavra, São Paulo: Editora Nova Fronteira, 5ª edição, 2001, p. 339-45
II. COMENTÁRIOS por Francisco José dos Santos Braga (crônica, análise literária e discurso em evento comemorativo)
Apresenta-se-me a oportunidade, no caso deste brilhante ensaio de
Guimarães Rosa, de trazer ao proscênio a visão de diferentes análises e
comentários a respeito desse texto lapidar.
1) Primeiramente, apresento ao leitor a visão da Profª Ivana Ferrante Rebello, uma autora que tem experiência plena na área de Letras, tanto como professora da Unimontes/MG quanto como escritora de livros consagrados sobre o Modernismo brasileiro. Além disso, ela é autora de livros de crítica literária e de biografias. Foi eleita presidente da Academia Montes-clarense de Letras no biênio 2022-2023. Vejamos o seu comentário ao texto intitulado "Minas Gerais" de Guimarães Rosa, inserida no corpo de sua crônica "Cordéis, Cordelistas e Mineiridades":
"(...) Em Ave, palavra, livro de publicação póstuma, há um ensaio intitulado “Minas Gerais”, no qual Guimarães Rosa apresenta oito regiões culturais que compõem a multiplicidade do estado em que nasceu. É nesse ensaio que se encontra a máxima, muito repetida e popularizada: “Minas Gerais são muitas ou, pelo menos, várias”. O escritor apresenta, no texto, as muitas Minas Gerais que compõem o estado: a Minas Antiga, situada na Zona Mineralógica, tradicional, geratriz, “a de montes de ferro, chão de ferro, água que mancha de ferrugem e rubro a lama e as pedras dos córregos que dão ainda mais lembrança da formosa mulher subterrânea que era a Mãe do Ouro”. Aponta, a seguir, a Minas da Mata, “cismontana, molhada ainda de marinhos ventos, agrícola ou madeireira” a Minas do Sul, “cafeeiro, assentado em terra roxa”, a Minas do Triângulo, “saliente avançado, reforte, franco” a Minas do Oeste, “calado e curto nos modos, mas fazendeiro e político” a Minas do Centro “corográfico, do vale do Rio das Velhas, calcário, ameno, claro” a Minas do Noroeste, dos chapadões, dos campos-gerais que se emendam com os de Goiás e da Bahia esquerda e vão até ao Piauí e ao Maranhão ondeantes” e, ainda, a Minas do Norte, “sertanejo, quente, pastoril, um tanto baiano em trechos, ora nordestino na intratabilidade da caatinga, e recebendo em si o Polígono das Secas.”
A partir das diferenciações, Guimarães Rosa elabora uma espécie de tratado sobre a mineiridade e o ser mineiro, encerrando o seu texto com um inconteste testemunho de amor à terra natal, no qual sujeito e lugar fundem-se numa mesma identificação: “Minas sem mar, Minas em mim: Minas comigo. Minas.” O ensaio do criador de Diadorim coloca em cena a multiplicidade do estado mineiro, sobressaltando as características que marcam tais diferenciações, que vão desde a formação e o tipo de colonização da região até a vocação econômica e política peculiar de cada lugar. No entanto, somente para a “Minas do Norte” há o reconhecimento de uma identidade mestiça e fragmentada, “um tanto baiano” ou nordestino, conforme as palavras de Guimarães Rosa."
2) Em seguida, convido o leitor a apreciar a crítica abalizada de Luiz Cláudio Vieira de Oliveira sobre a 5ª edição (2001) do livro Ave, palavra de Guimarães Rosa, obra publicada postumamente pela Editora Nova Fronteira, organizada por Paulo Rónai.
"(...) Ave, palavra é um
livro irregular. Paulo Rónai, que o organizou e lhe deu o título,
deveria ter acrescentado um prefácio que desse conta dessa miscelânea,
tal como se declara na orelha do volume, discutindo os critérios para a
inclusão deste ou daquele fragmento no livro. O descaso pela edição,
feita pela Editora Nova Fronteira, evidencia-se pela inexistência de
um estudo crítico e pelo tom genérico empregado na apresentação do
livro. A qualidade desigual dos textos merecia uma abordagem
comparativa, com base na crítica genética, que não foi feita. Na
orelha do livro, lê-se:
“Ave, palavra é uma obra póstuma, e aos textos que o autor já havia deixado prontos foram acrescentados, pelo organizador da edição, Paulo Rónai, outros que Guimarães Rosa havia começado a rever e refundir para o livro, sendo que quatro deles eram totalmente inéditos. Em adendo, foram acrescentadas crônicas não originalmente planejadas para este livro, em sua maioria também inéditas.”
Nele couberam textos que Guimarães Rosa, com sua visão crítica, talvez deixasse no limbo por mais algum tempo, para irem se apurando e depurando, ganhando alma, se aperfeiçoando, tal como o doce no tacho, que precisa ser muito mexido para chegar ao ponto. Mas aí estão também alguns dos textos mais bonitos que Guimarães Rosa já escreveu, como “Minas Gerais”, em que procura definir o mar de montanhas que é Minas, o mar de montanhas e de despenhadeiros, paradoxal, de cavernas e de alturas que há em Minas, as múltiplas direções em que Minas se estende, concentradas apenas nas duas que são visíveis: para cima e para baixo. É quase impossível defini-la, porque é “Minas, patriazinha. Minas – a gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas – a gente não sabe.” Ou porque “(...) Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas.” Ou ainda, porque “(...) sendo a vez, sendo a hora, Minas entende, atende, toma tento, avança, peleja e faz.” Ou, talvez, de tão vastas, são “Minas em mim: Minas comigo. Minas.” O texto procura definir Minas, a mineiridade, o mineiro (...)"
“Minas é a montanha, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, a verticalidade esconsa, o esforço estático; a suspensa região — que se escala. Atrás de muralhas, caminhos retorcidos, ela começa, como um desafio de serenidade. Aguarda-nos amparada, dada em neblinas, coroada de frimas, aspada de epítetos (...). O quanto que envaidece e intranquiliza, entidade tão vasta, feita de celebridade e lucidez, de cordilheira e história. De que jeito dizê-la? Minas: patriazinha. Minas — a gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas — a gente não sabe.” (grifo nosso)
“Recorro à prosa poética do grande escritor mineiro Guimarães Rosa, que escreveu as palavras acima, para, neste 16 de julho, Dia do Estado de Minas Gerais, enaltecer a pluralidade, a beleza geográfica e a riqueza cultural e histórica deste estado”, discorreu o presidente, que citou o longínquo ano de 1696, “data que remonta à chegada a região da bandeira chefiada pelo coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendonça e que registra o nascimento da cidade”, afirmou o presidente José Arthur de Carvalho Pereira Filho. “Uma data tão significativa para os mineiros que, para exaltá-la, esta cidade de Mariana volta a ser a sede do estado neste dia”, acrescentou.
“Sinto uma honra especial ainda por ter sido convidado para falar aqui, hoje, em nome de todas as personalidades que também recebem esta comenda, nesta magnífica Praça da Sé, cercada pela beleza enigmática e imponente desses edifícios do período colonial", ressaltou. Ele destacou que “representa na cerimônia não apenas todos os homenageados com a condecoração, mas o Poder Judiciário mineiro, na condição de presidente do segundo maior Tribunal de Justiça do Brasil.”
“Por isso, nesta data cívica criada para reverenciar a memória do estado, gostaria, em nome da Corte estadual mineira, de expressar nosso compromisso de, no âmbito de nossas atribuições, continuar contribuindo, diuturnamente, para fazer imperar, nas Alterosas, os ideais de justiça, liberdade e igualdade que se encontram na origem de Minas”, afirmou. (...)
O presidente agradeceu à Prefeitura de Mariana, em nome do prefeito Ronaldo Alves Bento:
“Parabéns a Mariana pelo seu dia. Parabéns a todos os agraciados com a Comenda do Dia de Minas. E parabéns a todos os mineiros, heróis ou anônimos, que, pelos séculos, vêm forjando as Minas Gerais”, concluiu, sob aplausos. (...)
13 comentários:
Prezad@,
"MINAS GERAIS" é um ensaio literário de GUIMARÃES ROSA, publicado originalmente na revista “O CRUZEIRO'', em 25 de agosto de 1957. O estado em que o escritor nasceu — Minas Gerais — aparece no ensaio caracterizado por centenas de epítetos entre aspas.
O que vemos é uma verdadeira declaração de amor incondicional do escritor cordisburguense ao seu Estado, sua inspiração maior e palco principal de sua obra capital: Grande Sertão: Veredas (1956).
Selecionei para acompanhar esse notável ensaio: parte de uma crônica, uma breve análise literária e trechos de um discurso em evento comemorativo, todos reportando-se à bela página de Guimarães Rosa.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2022/07/minas-gerais.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Obrigado. Abraço do Gilberto
Beleza, Francisco. Muito bom.
Abraço de
Anderson
Bom dia, meu nobre Acadêmico amigo Braga! Gratidão por nos alimentar diuturnamente com os fazeres culturais de nossos ícones literários e musicais!
E MG sempre se destaca!
Grande abç
Att.,
(Paulo José de Oliveira - Pajo)
Muito obrigado, estimado amigo.
Saudações afetuosas.
Boa semana, na medida do possível.
Abraços.
Diamantino
Mineira. De Minas só conheço o bocado que provei. É tão intenso, não me canso de saborear! Sou uma amante que descobre todos os dias motivo de amar mais. Me encanto com o céu, com o cheiro fresco das manhãs, temperados com café... Pássaros livres e festeiros, anunciam o Sol que devagar se levanta. Amo cada paralelepípedo que em desordem expiam o caminheiro. Sou um! Lanço meu olhar apaixonado buscando mais amar e não sinto necessidade de outro lugar buscar. O que meu olhar alcança, é bastante para me extasiar!
Arrebatadora esta postagem! Parabéns, Braga.
Caro Confrade Francisco Braga
Recebi e gostei do texto enviado sobre João Guimarães Rosa.
Está agendado o meu panegírico sobre João Guimarães Rosa, Patrono da Cadeira 3 da Academia Lavrense de Letras, para a obtenção do título de Membro Efetivo, em 9 de setembro deste ano. Gostaria de me servir deste texto postado no seu Blog. Posso?
Parabéns!
Abraço,
Pe. Sílvio Firmo do Nascimento
Muito obrigado, caro Francisco. Vou ler sim o seu artigo. Estou em trânsito de Curitiba para SP. Abraços,
Obrigado,
Marcelo Guimaraes
Que espetáculo meu querido!
Belíssimo texto.
Meus parabéns! Adorei.
Viva Guimarães Rosa. 🌹
Muito obrigado.
Deve ser interessante.
Bom fim de semana.
ard
Meu prezado amigo, FJSBRAGA.
Estou aguardando uma cirurgia no olho esquerdo que, se Deus quiser, permitirá que eu mergulhe nos escritos do Rosa, e no seu mundo do grande sertão!
Ele nasceu numa cidade vizinha da minha Curvelo, a tal de Cordisburgo.
Sinto sua presença nas muitas, nas milhares de andanças que fiz por todos os rincões e socavões, tanto das Minas, como das Gerais!
O mundo do Rosa! Deus deu-me a oportunidade de conversar com vários amigos dele:- Eduardo Canabrava Barreiros, que teve a honra de ver o seu livro, "O segredo de Sinhá Ernestina" prefaciado pelo Rosa. Único livro que o Rosa prefaciou.
Conversei com Manuelzão, longos papos lá no sertão do Andrequicé; falei e também ri muito, com Juca Bananeira, lá nos barrancos do córrego do Maquiné, e por fim trabalhou comigo, até morrer de velhice, o Sô Lino, velho jagunço, que gostava de andar, num cavalo macio, manso e ligeiro, com uma carabina 44, papo amarelo, na cabeça da sela, um 38 Smith Weston, cano longo, na cintura, um 32, da mesma marca, cano curto , amarrado na batata da perna, e um punhal de cabo de marfim e ouro, que guardo em meus pertences e passarei para o meu neto com esta breve história!
Queria viver mais, para descobrir mais, sobre o maior de todos os escritores brasileiros:- João Guimarães Rosa, ou simplesmente “O Rosa”.
Um grande abraço do amigo de sempre ,
Lúcio Flávio
Que maravilhoso esse texto de Guimarães Rosa sobre a identidade mineira.
Pura poesia.
Minas Gerais com todo seu esplendor de ouro e formas de pensamento.
E "Ave, Palavra" conta a viagem que Guimarães Rosa fez ao sul de Mato Grosso.
Abraço fraterno, caro Francisco Braga.
Raquel Naveira
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