O gerente do Blog dedica o presente trabalho ao Diretor do Colégio Nossa Senhora das Dores (onde por anos a fio Profª Marlêne Rezende semeou seus conhecimentos de matemática e inglês), Prof. José Raimundo de Oliveira Ávila, graduado em Pedagogia pela FDB-Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, com especialização na UNILAVRAS, além de grande amigo de minha saudosa mãe, Celina dos Santos Braga, também Normalista.
O autor fazendo o juramento durante sua posse na ALACIB - Crédito: Jornal Aldrava Cultural |
Ali, num cantinho de uma rua larga, que a gente chamava “rua do tanque”, viveu por muitos anos a mais encantadora professorinha de meu tempo ginasial. Ali mesmo, numa casinha simples, mas cheia de cultura, Marlêne Rezende (com acento circunflexo), muito mocinha ainda, num cantinho de sala da casa de seus pais, João Rezende e dona Ritinha, ministrava suas aulas particulares a alunos menos disciplinados do Ginásio Santo Antônio, como reforço de matérias que os padres franciscanos exigiam conhecimento pleno. Numa bicicleta Monark, sem barra (porque servia, também, a minha irmã), pneu balão, ia eu pedalando de casa, com o coração na mão pela perda de média em várias matérias. Marlêne, sempre pronta a resolver qualquer assunto, quer de matemática ou português, e até mesmo desenho geométrico, me deixava tinindo para as provas que seriam aplicadas dois ou três dias depois. Foi assim por muitos anos e, uma coisa é certa: aprendi, e bem, com os reforços de minha querida Marlêne, pequenina na estatura, mas grandiloquente no saber e na didática. E assim, nasceu um enternecimento enorme entre mim e ela como também com seus irmãos Joãozinho, Dudu e Duduca, esta última, intrépida menina que adorava andar em minha bicicleta enquanto “dava duro” para aprender o que Marlêne ministrava. Aprendi também, naquelas magistrais aulas vesperais, o amor, o carinho e o respeito para com as pessoas, porque Marlêne, além de sábia, era a cidadã em pessoa.
Hoje, terça-feira de uma luminosa primavera, tomo conhecimento, aqui em Belo Horizonte, do falecimento de minha querida amiga em São João del-Rei, a quem, sinceramente, devo tudo de minha vida, como conhecimento e cidadania. Perde a cidade a sua mais cativante e culta Normalista, no sentido autêntico da palavra, de ensinar com amor e desvelo, como aquela mulher que de si deu tudo para o aprendizado de seus alunos, jamais visando o que lhe pagavam pelas suas aulas. Nela, o importante era que o aluno e os seus pais estivessem satisfeitos. Pois é, voltas que a vida dá! Quando pequenos, qual de nós, em momento de desespero por uma nota baixa, não desejou a morte do professor? Dormíamos jogando praga, tínhamos ódio, até! Às vezes, nem mesmo dormíamos, com o pavor da “bomba” no final do ano. Com a morte dele achávamos que íamos passar de ano. O seu substituto, naturalmente, seria mais complacente. Com Marlêne, era diferente. Gostava muito dela e nem me passava pela cabeça que um dia ela iria morrer (aliás, quando pequenos, nem sabemos direito o que é a morte). Como pensar na morte de um anjo, se anjo não morre! Já agora, com família constituída, vejo muitos de meus professores morrerem e colegas também. Hoje sei que a morte vem pra todos, até para os professores de quem a gente tanto gostou. E morrem quando começamos a lhes dar valor, por tudo que nos ensinaram; e sei, também, que se foram rigorosos é porque tiveram em mente, unicamente, a boa ensinança e um futuro melhor para os jovens aprendizes. Mas, Marlêne era diferente, achava que ela nunca ia morrer. Bem, para mim Marlêne não morreu, deixou de ser vista, para ser natureza cega. Terei saudades de suas aulas, de sua rua só dela e a memória me traz agora a lembrança de minha bicicleta, que nem sei onde anda.
Do grande poeta Mário Quintana transcrevo:
“Ah, essas pequenas coisas, tão quotidianas, tão prosaicas às vezes, de que se compõe meticulosamente a tecitura de um poema... talvez a poesia não passe de um gênero de crônica, apenas: uma espécie de crônica da eternidade”.
Pois é, tudo que fica pronto na vida foi construído antes na alma.
Com esta singela crônica, espero ter feito a minha homenagem à mais bonita e amiga professora que eu já tive. E que Marlêne Rezende (sempre me lembro que é com acento circunflexo) seja o exemplo às demais professoras de minha terra e que, contemplando-a, exerçam elas o seu mister com doçura, encantamento e coragem, porque, não nego, ensinar com ternura é estender a missão dos anjos aqui na terra.
Link: https://www.jornalaldrava.com.br/pag_alacib_luiz_alberto.htm 👈
* Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais. membro efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais (AMULMIG) e da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil (ALACIB), ocupante da Cadeira nº 27 - Patrono: Mário Quintana. Membro correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei.
O autor dando autógrafos e distribuindo livros infantis à criançada no Balneário das Águas Santas em São João del-Rei (outubro de 2017) |
15 comentários:
Prezad@,
O Blog de São João del-Rei tem a honra de publicar a crônica A NORMALISTA, da autoria do são-joanense LUIZ ALBERTO DE ALMEIDA MAGALHÃES, em que a protagonista é sua professora particular Marlêne Rezende, que colabora na sua formação, tornando fáceis os problemas que ele encontrava nas disciplinas lecionadas no Ginásio Santo Antônio dos frades franciscanos.
Certamente os fatos vivenciados pelo ginasiano se passaram na segunda metade da década de 1950.
A referência ao trecho de Mário Quintana, onde o eu poético fala de “poema, poesia e crônica” veio a calhar e trouxe uma nova roupagem à sua crônica a partir da citação, dando-lhe uma comovedora dimensão espiritual.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/03/a-normalista.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Olá, estimado amigo. Muito obrigado. Abraços.
Dediquei minha tese de doutorado à minha primeira professora, Aleida Castilha Rosa. Faleceu no ano passado.
Li e amei! No ginasial foi minha prof de matemática. De álgebra. Eu só tirava nota boa.
Muito bom👏🏼👏🏼👏🏼. Boa noite. Cordial abraço.
Muito merecida essa homenagem.
Minha mãe, naqueles velhos tempos antes da LDB de 1966 foi normalista; minha tia Didi, normalista (alfbetizou toda minha cidade natal);
a avó de minha esposa foi normalista e alfabetizou toda a cidade natal dela...
São muitas e importantes histórias da Educação e também familiar..
Obrigado
Heitor
Obrigado, amigo. Que leitura enriquecedora!
Linda homenagem. Que professores possam ter inspiração em exemplos assim para combater o bom combate.
D. Marlêne: minha querida professora no Colégio N. Sra das Dores! Como eu a admirava! Com ela, a Matemática passou a ser, cada vez mais, parte da minha vida. Bela e merecida homenagem!
Linda e cativante crônica, professor Braga.
Marlêne Rezende: MESTRA brilhante. Felizes aqueles que foram seus alunos. Gratidão. Também fui sua aluna.
Caro professor Braga
A nobreza da atividade do magistério, quando levada a sério por uma sociedade civilizada, sempre revela seus talentos a cada momento. É como as flores que desabrocham de plantas em terreno apropriado e cuidados continuados .
Linda crônica! Como seria bom conhecer pessoalmente a homenageada.
Grato
Cupertino
Boa recordação, Francisco. Foi nossa professora de inglês no colégio Sto Antônio. Lembro-me bem dela, a via sempre passando na rua lá de casa indo ou vindo de casa. Passos rápidos...
Devo a ela muito do que aprendi.
Com certeza está em plena alegria no colo da Mãe do Belo Amor.
Abração,
Pedro Paulo
O amor não é nada científico... mas leva muito mais longe
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