Num ápice, o nome do missionário admirável vivia, em todas as bocas, orlado de elogios largos e de bênçãos fervorosas.
E Ele, o manso rabino, na simplicidade majestosa dos grandes enviados, ia por toda a parte, empenhado na prática do bem. De um gesto brando de sua mão patrícia caía o alívio às torturas do corpo: na sua palavra suave, falando somente de paz e de amor às multidões, vinha a alegria apetecida ao espírito doente.
E todos acorriam pressurosos a ouvi-lo, semelhando redis arquejantes de corças indo, sedentas, às horas quentes dos meios dias, em procura da fonte consoladora, a fluir, límpida e mansa, sob ramas em flor.
Pairava-lhe em torno da suavíssima figura uma como atmosfera salutar, qual a que circunda um roseiral florido: de seu todo celestial evolava-se uma brisa dulçurosa, acariciando os corpos, oxigenando as almas.
Dia a dia, uma nova voz de beneficiado — algum triste cego a que Jesus fizera ver a luz doirada de sol, paralíticos aos quais um simples aceno seu dera a livre locomoção, mortos que, ao toque da fímbria de seu manto, voltaram das longes plagas do Além — vinha se unir ao coro grandioso de bênçãos que, alvejando a personalidade cativante do filho de José, subia, glorificador, das choupanas pobres da serra, dos átrios doirados dos palácios, das eiras dos casais, da borda das fontes da Galileia, de sob a basta folhagem verde-negra das figueiras dos hortos.
A apoteose crescia.
E, em breve, o nome amado de Jesus de Nazaré entrou, triunfalmente, as arcadas dos pretórios e o seio augusto dos paços imperiais, fazendo a calma desertar do espírito de juízes e governadores assombrados.
Governava, então, Públio Lêntulo a província romana da Judeia.
Causou funda impressão no preposto de César a glorificação que se fazia àquele homem simples, de vestes descuidadas e humildes, longa cabeleira flava a emoldurar um doce rosto tranquilo, chegado sempre aos deserdados da sorte, falando de coisas novas, semeando benefícios, arrastando as multidões em pós de seus passos.
Soubera, cheio de espanto, que Jesus retinha, presos à música inefável de suas falas, velhos vergados ao peso dos anos, mulheres levando ao colo os filhinhos amados, homens de idade crescida, crianças mal saídas de berços, o povo todo, enfim. E, quando os despedia, — mandando o lavrador ao amanho de suas terras, os do mar a cuidar dos barcos e redes e zagais ao pastoreio dos rebanhos nas serras, — cegos de ontem partiam vendo, entrevados faziam, lépidos, a jornada do regresso à casa e, de muito lar, em funerária tristeza, o luto se desapegou pela volta do morto amado à vida, de que ele, um dia, se apartara, em meio ao pranto aflito dos seus.
Pressentiu o delegado romano naquela deificação ao Nazareno uma ameaça ao poder de seu senhor: entendeu obrigação sua dar conta à Roma do estranho caso e, numa mensagem dirigida ao senado do Império, o relatou por completo.
Nessa interessante peça — cujo original se diz pairar em uma das bibliotecas reais da Europa — procurou Públio Lêntulo tracejar o retrato de Jesus de Nazaré:
“Existe, escrevia o delegado romano, presentemente na Judeia um homem de singular virtude, que se chama Jesus. Os judeus acreditam que é um profeta, mas os seus sectários o adoram como descendente dos deuses imortais. Ele ressuscita os mortos e cura toda a sorte de enfermidades pela palavra e pelo toque.
Sua estatura é alta e bem proporcionada; seu aspecto, doce e venerando; os cabelos são de uma cor que não se pode bem precisar ou comparar; caem em anéis até abaixo das orelhas, derramando-se sobre os ombros com muita graça, e são repartidos no alto da cabeça, à moda dos Nazarenos. Tem a fronte unida e larga e as faces levemente rosadas; o nariz e a boca, formados com admirável simetria. A barba é espessa e de cor semelhante à dos cabelos; desce uma polegada abaixo do mento, e, dividindo-se ao meio, apresenta pouco mais ou menos a figura de um forçado.
Seus olhos são brilhantes, claros e serenos. Ele censura com majestade, exorta com doçura. Seja que fale ou se mova, tudo faz com elegância e gravidade.
Nunca o viram rir, mas já o têm visto muitas vezes chorar. É muito moderado, muito modesto e muito sábio. Enfim, é um homem que, por sua excelente beleza e divinas perfeições, excede os filhos dos homens.”
Esses trechos da mensagem, o poeta mineiro Ernesto Correa vasou-os em alguns tercetos, que publico, em seguida, para que o leitor aprecie a fidelidade da transplantação.
RETRATO DE JESUS
A Paulo Diniz
(Mensagem de Públio Lêntulo)
BIBLIOGRAFIA
JÚNIOR, Bento Ernesto: O Retrato de Jesus (Mensagem de Públio Lêntulo), revista O Archivo Illustrado, São Paulo, 1903, Ano V, nº XXXIX, p. 308-9
Link: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=719102&pagfis=274&url=http://memoria.bn.br/docreader# (pp. 308-9)
10 comentários:
Prezad@,
Tenho o prazer de enviar-lhe O RETRATO DE JESUS, por BENTO ERNESTO JÚNIOR, escritor itapecericano de nascença, mas são-joanense por adoção, que levou a vida cultuando a sua Arte, escrevendo poemas e hinos.
Aqui apreciaremos um texto dele em prosa publicado na revista O ARCHIVO ILLUSTRADO de 1903, considerada pelo jornal O FAROL, de Juiz de Fora, "excelente enciclopédia noticiosa, científica e literária, que se publica em S. Paulo sob a proficiente direção do dr. Manoel Viotti".
Bento Ernesto, em seu texto, comenta sobre uma carta dirigida a TIBÉRIO CÉSAR, imperador romano de 14 a 37 d.C., por PÚBLIO LÊNTULO, um delegado ou preposto de César na Judeia, que teve contato com Jesus Cristo descrevendo-lhe as feições, a personalidade e os milagres. Além disso, no mesmo artigo, Bento Ernesto oferece uma tradução para a referida carta, possivelmente do latim, sem mencionar se ele próprio é o tradutor.
Conforme disse, embora Bento Ernesto tenha escrito esse artigo em prosa, enriqueceu seu trabalho com a parceria de ERNESTO CORREA, de Passos-MG, que lhe apresentou a sua versão poética.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/04/o-retrato-de-jesus.html 👈
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Obrigado, amigo.
Cordial abraço também.
Geraldo Reis
Ok, prezado. Muito obrigado por partilhar.
Olá Francisco e Rute.
Obrigado pelo seu e-mail com o retrato de Jesus. Há tempo alguém me mandou outra figura de Jesus, feita por cientistas que nunca tiveram contato com Jesus. Sai algo bastante diferente.
Não tem importância, valem as palavras dele na bíblia.
Grande abraço, do irmão fr. Joel.
Muito importante a informação sobre Bento Ernesto Júnior.
Agradeço de coração.
Obrigado, Francisco. Só um exímio poeta é capaz de reproduzir tão bem, em versos, a descrição em prosa.
Meu caro amigo, FJSBraga, que postagem excelente, o Retrato de Jesus. Parabéns por Bento Ernesto Júnior, comentando a carta de Públio Lêntulo ao Senado Romano, ao tempo do imperador Tibério Cesar.
Abs do Lúcio Flávio
Eu vi! Que bênção de Deus essa mensagem!
Carta que foi retratada quem foi Jesus ❤️
Eu vi o retrato de Jesus! Explicando como ele era.
Que tradução abençoada 🙏🏻
Obrigada por ter compartilhado comigo.
Abraço para vcs.
Francisco, muito obrigado pela lembrança do meu nome.
Uma obra estupenda, tanto na pintura quanto na literatura.
Grande abraço a você e minha querida conterrânea.
Que Jesus os proteja, hoje e sempre. 💫💫💫
Caro professor Braga
Publicação que vale tanto para a beleza de seus textos originais como pela curiosidade histórica da tal carta, fascinante pela própria incerteza de sua positividade histórica.
Saudações,
Cupertino
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