Texto publicado originalmente no JORNAL DO BRASIL, edição de 4/3/2010, na coluna Sociedade Aberta.
Tancredo de Almeida Neves (✰ São João del-Rei, 4/3/1910 ✞ São Paulo, 21/4/1985) |
E não só da sua presença, serena, cordial, no mais das vezes bem-humorada mas, também, do professor estilo grego: ensinando por metáforas. E por exemplos. Exemplo: nos primeiros meses de 1983, eu trabalhava na Souza Cruz, na gerência da área institucional e o meu então chefe e amigo era o Kenneth Light (hoje um dos maiores especialistas nas circunstâncias da chegada de D. João VI ao Brasil). Uma manhã ele me chamou e disse: “A BAT (British American Tobacco, nossa matriz) decidiu que os maços de cigarros no Brasil também deverão trazer nos rótulos a advertência de que fumar pode fazer mal à saúde”.
(A hipotética perda de fumantes era compensada pelo freio nas ações indenizatórias contra os fabricantes de “raro prazer”, “ao sucesso”, etc).
E completou: “você conhece algum parlamentar amigo, capaz de propor essa lei?” Sim, respondi imediatamente e, na sequência, pedi ligação para Brasília para falar com o Doutor Tancredo (deixaria o senado logo depois para se candidatar ao governo de Minas), a quem conhecia por intermédio da minha longa e querida amizade com o Tancredo Augusto, seu filho, meu colega de Mello e Souza desde 1960 e em cujo apartamento na Avenida Atlântica muitas vezes me encontrei com o futuro presidente.
Ele prontamente marcou data para dali a dois dias, com almoço no Piantella. Lá nos encontramos. Papo vai, papo vem (era um conversador inesgotável) fiz-lhe o pedido. Ele nem pestanejou: “sem problemas! Acho até muito bom para conscientizar o fumante. Me mande um fax (old good times) com o texto sugerido que eu vou submeter ao meu assessor jurídico e apresento como projeto de lei”.
Dito e feito, mais tarde.
Mas, antes de terminar o cafezinho, pôs a mão no meu braço e disse: “mas Reinaldo, isso tem um preço”.
Gelei, claro. A Souza Cruz era a empresa mais certinha do planeta e qualquer “mensalinho” daria na demissão de toda a diretoria — e mais as secretárias!
Só que o Doutor Tancredo era um daqueles “varões de Plutarco” com um DNA de probidade e amor pela sua gente — a quem Brasília nunca contaminou. Fez um silêncio (só de sacanagem) e rematou: “vou querer que a Souza Cruz construa o Museu de Arte Sacra de São João Del Rey”.
Alvíssaras! Dali mesmo liguei para o Light, que aprovou com entusiasmo a iniciativa, e dias depois estava sendo criado um grupo executivo, comandado pelo arquiteto e grande figura do Alvino Costa Filho, que praticamente se mudou para o eixo São João-Tiradentes para dar início à seleção e ordenamento do maior acervo de arte sacra mineira e brasileira, já reunida em Minas.
TESOURO - Imagem da Confraria de Nossa Sra. da Boa Morte, no museu. |
O Museu de Arte Sacra está lá, instalado no prédio da antiga cadeia de São João del Rei, que neste lugar funcionou por 113 anos. Em 1983, como disse, o imóvel, que então pertencia a particulares, foi comprado pela Souza Cruz que patrocinou a restauração e a organização do MAS.
MAS-Museu de Arte Sacra de São João del-Rei - Crédito: Acervo de Antônio F. Giarola |
Tancredo Neves prestigiou a inauguração do MAS em 1984 - Crédito: Acervo de Antônio F. Giarola |
A inauguração foi em 1984, com Doutor Tancredo já governador, e é um órgão importante de divulgação da cultura religiosa local. O valioso patrimônio é composto por cerca de 200 peças dos séculos XVII, XVIII e XIX que pertenceram às irmandades da cidade e está organizado nas seguintes salas: — Sala de Exposição Temporária — Sala da Imaginária — Sala da Prataria — Sala dos Paramentos.
* Reinaldo Paes Barreto é diretor Institucional do Jornal do Brasil.
14 comentários:
Prezad@,
O centenário do nascimento do Dr. TANCREDO DE ALMEIDA NEVES (1910-2010) foi comemorado pelo JORNAL DO BRASIL com uma matéria assinada por Luciana Abade intitulada “No poder, a arte de negociar ” com o subtítulo “Cientistas políticos creditam à habilidade de Tancredo a eficiência da transição democrática” e, além disso, com um testemunho do Diretor Institucional do periódico, REINALDO PAES BARRETO, autor do “Ah! doutor Tancredo: que saudade!”, no qual relembra que em 1983, quando diretor institucional da Souza Cruz, recebera o apoio do Senador Tancredo Neves para determinado projeto de lei no qual sua empresa tinha interesse e, em troca, o político mineiro lhe fizera um pedido inusitado.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/09/ah-doutor-tancredo-que-saudade.html 👈
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Olá Francisco.
Tancredo Neves, o político que realmente sabia a arte de negociar!!
Tudo de bom para você e Rute!
Paz e Bem! f. Joel.
Acabei de ler o registro. Preciso conhecer esse Museu de Arte Sacra que deve, provavelmente, ter uma placa em homenagem ao benfeitor. E deve ter, na placa, um registro ou referência à SOUZA CRUZ. Os tempos em que a política tinha resultados tão interessantes devem ser lembrados com ênfase.
Muito bom artigo, caríssimo Dr. Francisco Braga.
Abraços,
Marcelo M. Guimaraes
Hilma Pereira Ranauro (escritora, autora de "O Falar do Rio de Janeiro") disse...
Caro Francisco Braga, no meu curso de Doutorado (UFRJ), no Curso de Semiologia II, após ter feito um sobre a constituição de um “mito” ao apresentar-se o episódio Tancredo Neves, a Professora nos chamou a atenção para o fato de que estavam ocorrendo Fatos e feitos e, mais que tudo, repetição de situações e depoimentos (em entrevistas, principalmente na mídia, por exemplo) pelos quais se configurava Um processo de “mitificação” de Tancredo Neves.
Pois bem, meu trabalho de final do curso SEMIOLOGIA DE UM MITO foi:
A INSISTÊNCIA SEMÂNTICA NO DISCURSO DA CONTEMPORANEIDADE DE TANCREDO NEVES.
A análise após levantamento feito na Revista Veja, que passei a assinar, e jornais, falas, depoimentos na mídia escrita e falada e, mais que tudo, em situações como a união de contrários, de elementos de diferentes religiões e partidos, a reação do povo, enfatizada no seu enterro, discursos ou simples afirmações de TN, etc. etc. etc. induziam à sua mitificação.
Ao falar com meu genro sobre isso, comentei que faltava a “santificação” popular de TN, e ele repondeu: “A senhora é que não sabe do monte de cartas e pedidos sobre seu túmulo.”
Não quero dizer que ele foi/é um mito, mas que os fatos e “coincidências” ocorridos foram os que induzem ao processo de mitificação no conceito de mito segundo Lévi-Strauss.
O certo e que ele fez história e foi/é dos que nos deixaram um legado.
Hilma Ranauro
Meu prezado amigo, FJSBraga,
foi com grande atençao que li o seu artigo, sobre como foi a construção do Museu de Arte Sacra, de São João Del Rey.
Convivi muito tempo e inumeras vezes com Dr. Tancredo de Almeida Neves. Acho até que se fôr falar tudo, poderá virar um livro.
Gostei muito de tudo que vc relatou.
Cordial abraço do Lúcio Flávio.
Matéria muito interessante. Já estive por diversas vezes em SJDR e não sabia desse museu. Quando lá for novamente, farei questão de visitá-lo.
Boa noite, prezado Francisco! Parabéns! Magnífico! Forte abraço 🤗👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
Boa noite, Francisco Braga! Parabéns! Belíssimo texto! Dr. Tancredo era uma pessoa ímpar, ético, grande articulador!!👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
Caro amigo Braga
Parabéns por mais este artigo de exaltação da memória de um grande mineiro, Dr. Tancredo Neves.
Abraços, Mario P. Cupello
Dr. Francisco meu amigo,
Parabéns pelo artigo! É muito importante lembrarmo-nos desses políticos como Dr. Tancredo, pessoas de muita ética, ação a favor de todo seu povo.
Viva a memória do Dr.Tancredo e a vida do Sr. Francisco.
Grandes homens sempre fazem o bem pela nação.🇧🇷
Caro professor Braga
Saboroso episódio! Os personagens deram um ponto com edificante nó cultural.
Cumprimentos,
Cupertino
Postar um comentário