segunda-feira, 19 de agosto de 2024

BURLA EM PIRÂMIDE COM CRIPTOMOEDAS LESOU TRÊS MILHÕES, 156 EM PORTUGAL


Por SÓNIA TRIGUEIRÃO *
Transcrevemos com a devida vênia do jornal PÚBLICO, na coluna DESTAQUE JUSTIÇA, artigo publicado na edição nº 12.521, Ano XXXV, de 13/08/2024, p. 2-3.
Figo, Ronaldinho e Casillas estão entre os ex-futebolistas que ajudaram a promover a OmegaPro. Estima-se que esquema terá lesado mais de três milhões de pessoas.

Mais de 20 estrelas do futebol, ex-jogadores como Luís Figo, Ronaldinho, Casillas, Materazzi, assim como vários actores de Hollywood e Bollywood, como Steven Seagal e Suniel Shetty, e gurus do marketing e coachs motivacionais, como Eric Worre e Les Brown, participaram em vários eventos organizados pela OmegaPro, uma empresa que acabou por se revelar um esquema em pirâmide mundial. Estima-se que este negócio, que prometia uma rentabilidade que podia ir aos 300% em 16 meses, terá lesado mais de três milhões de pessoas. Muitas perderam as poupanças de uma vida e até as casas. 

A OmegaPro apresentava-se como uma empresa de investimento e marketing baseada em produtos financeiros, com sede em Londres e no Dubai. Negociava em Foreign Exchange Market (Forex), isto é, um tipo de mercado de câmbio cujo objectivo é lucrar com as flutuações nos valores das moedas, apostando na valorização ou desvalorização de uma moeda em relação a outra. Os investidores tinham era de transferir o dinheiro para a OmegaPro em criptomoedas. 

Lars Olofsson, advogado sueco, que representa cerca 2500 lesados da Omegapro de 55 países diferentes, 156 são portugueses, considera que este “pode ser o maior esquema de fraude em pirâmide de sempre”. “Não digo isto pelo número de lesados, nem pelo valor que será de vários milhões de euros — a média de investimento dos meus clientes rondou os 120 mil euros — mas pela sosfisticação com que foi feito”, afirmou. 

Lars Olofsson explica “que os alegados fundadores da OmegaPro, pelo menos quem apareceu como tal foi Andreas Szakacs, Dilawar e Mike Sims, que agora se sabe que já tinham participado noutros negócios duvidosos, apostaram em captar como clientes pessoas que têm pouca literacia financeira, que não são muito ricas, criando todo um marketing à volta do negócio que envolveu a contratação como embaixadores da marca estrelas do futebol e do cinema, e fazer convenções com gurus de liderança e de gestão em hotéis de luxo”. 

Ilusão de credibilidade”  

“Criaram toda uma ilusão de credibilidade”, sublinha, acrescentando que, na sua opinião, todas essas pessoas que ajudaram a publicitar o negócio também devem ser responsabilizadas. “Quando se é uma pessoa famosa, um ex-jogador ou um actor, tem-se uma responsabilidade acrescida de saber o que se está a promover, porque também se sabe — ou é suposto saber — que se tem o poder de influenciar as pessoas”, afirma, acrescentando que já tem uma lista de mais de 20 nomes contra os quais tenciona avançar judicialmente. 

Desde que surgiu no mercado, em 2019, até ao seu desaparecimento em Julho 2023, a OmegaPro — com o lema “Ultrapassando barreiras através da Educação, formando os líderes de amanhã” — mantinha um registo nas redes sociais que revela muito investimento na sua promoção. 

Realizaram provas de rally em Itália e na Letónia, convenções em hotéis de luxo com jogadores e mentores motivacionais nas Maldivas, no Dubai, no Panamá e no México, e até promoveram jogos de futebol entre ex-estrelas, chamaram-lhe OmegaPro Legends Cup. Mas também criaram muitas notícias falsas, simularam capas de revistas com entrevistas exclusivas aos líderes, e inventaram parcerias com bancos. 

Para se ter uma ideia da extravagância que era exibida nos eventos da OmegaPro, durante uma das convenções, com o nome “Rise” (ascender), realizada em 23 e 24 de Janeiro de 2022, na Coca-Cola Arena, no Dubai, participaram 7500 pessoas, e no final foram distribuídos mais de 650 relógios Omega. Nesta convenção, os investidores da categoria Diamante (significa que investiram entre os 146 mil e os 220 mil euros) e superior tiveram direito a voos fretados e ficaram alojados em hotéis como o The Hilton e The V Hotel. 

Embora o investimento mínimo fosse de 100 euros, a empresa aliciava os investidores com um ranking de categorias que depois proporcionavam prémios (podiam ser monetários, electrodomésticos, computadores, telemóveis ou viagens) e acesso exclusivo aos eventos. 

Investidores eram premiados com viagens ao Dubai
 

Este ranking começava na categoria de “Associado”, em que o investimento inicial era entre 366 euros e os 550 euros, depois “Construtor”, em que tinha de se investir entre os 5500 e os 8300 euros, seguia-se “Prata”, e o investimento tinha de ser entre os 14.600 e 22 mil euros, no “Ouro” já tinha de ser entre os 27.500 e os 50 mil euros, na “Platina” era entre os 55 mil euros e os 83 mil. Depois passava-se para categorias mais elevadas: Diamante, Diamante Azul, Coroa de Diamante, Coroa de Diamante Real e Coroa de Diamante Presidencial. Para aceder a esta última categoria o investimento mínimo era de cerca de 17 milhões de euros. 

Na primeira edição da OmegaPro Legends Cup, que teve lugar a 12 de Maio de 2022, e que contou até com o apoio da Dubai Sports Council (equivalente ao Instituto do Desporto em Portugal), além de Luís Figo, jogaram os brasileiros Ronaldinho e Kaká, Materazzi (italiano), Youri Djorkaeff (francês) e Iker Casillas (Espanha), John Terry (inglês), Wesley Sneijder (neerlandês), entre outros. 

Na segunda edição da OmegaPro Legends Cup, que decorreu nas Maldivas, em Novembro de 2022, participaram Carles Puyol, Eric Abidal (francês), Faryd Mondragón (colombiano), Ricardo Osorio (mexicano), Esteban Cambiasso (argentino), Kevin Kurányi (alemão) e Patrick Kluivert (neerlandês), entre outros. 

A OmegaPro sempre associou o futebol e as suas estrelas aos eventos que fazia. Alegavam que “unir o desporto com negócios era parte integrante da sua visão de inspirar pessoas para se tornarem bons líderes”. Não faltam vídeos dos craques do futebol. 

De Luís Figo, por exemplo, há pelo menos dois. Num feito com várias imagens do jogador português com os equipamentos que vestiu pelas equipas por onde passou, e com as frases “Melhor Jogador do Mundo pela FIFA em 2001”, “Vencedor da Bola de Ouro em 2000”, Figo aparece e em castelhano diz: “Olá, sou Luís Figo, ex-jogador de Futebol e estou muito feliz de poder apoiar o evento Omegapro Global Convention nos dias 23 e 24 de Janeiro que se vai realizar na Coca-Cola Arena. Um abraço.” Noutro vídeo, Figo aparece a distribuir abraços por Andreas Szakacs e Dilawar Singh e a dar autógrafos em bolas e T-shirts. 

O PÚBLICO tentou contactar, através das agências que o representam, os vários jogadores, actores e gurus do marketing que promoveram a OmegaPro, mas não obteve resposta. Fonte próxima de Figo disse que o jogador não pretendia fazer comentários.

 

 

FRANÇA E CONGO JÁ AGIRAM

Investigações à OmegaPro encontraram teia de ligações a outros esquemas em pirâmide
A OmegaPro está, neste momento, a ser investigada em vários países. Em alguns, como França, foi preciso muita pressão por parte dos lesados para que as autoridades abrissem inquéritos. Muitas das vítimas deste negócio em pirâmide, cuja estimativa aponta para mais de três milhões de lesados, começaram por se unir e contratar advogados que avançaram com acções comuns em tribunal nos seus respectivos países. 
 
Ao que o PÚBLICO apurou, as várias investigações acabaram por revelar uma teia de ligações complexa a várias pessoas e a outros esquemas em pirâmide. Uma das revelações é que Andreas Szakacs, de nacionalidade sueca, e Dilawar Singh, alemão, começaram por fundar a OmegaPro, em finais de 2018, com outros dois homens Robert Velghe, austríaco, e Mike Kiefer, americano. 
 
Velghe e Singh já tinham estado envolvidos num outro esquema em pirâmide, “Omnia Tech”, Szakacs na “OneCoin/Onelife” e Kiefer no “USI-Tech”. Mike Sims, americano, apenas aparece em 2020, juntamente com o alemão Christian Michael Scheibener, mas este último morreu em Fevereiro de 2022, tendo sido substituído pelo neerlandês Nader Poordeljoo, que assume o cargo de presidente da OmegaPro.
 
Investigações à OmegaPro encontraram teia de ligações a outros esquemas em pirâmide
 
Aliás, no ano mais activo de publicidade da OmegaPro que foi 2022, Andreas Szakacs, Dilawar Sing e Nader Poordeljoo aparecem juntos em todos os eventos. Há suspeitas também de que a OmegaPro serviu para branquear o dinheiro da “OneCoin/Onelife” que estava escondido em criptomoedas desde 2017, ano em que se descobriu que era um esquema fraudulento e ficou na mira das autoridades. 
 
Sobre Mike Sims sabe-se que está a ser investigado nos Estados Unidos desde Janeiro de 2023 por suspeitas de evasão fiscal e de branqueamento de capitais. Segundo o processo que consta do Tribunal do Texas, está em causa outro esquema em pirâmide (que lesou mais de 200 pessoas em cerca de 30 milhões de euros) que não a OmegaPro, embora esta empresa também esteja sob investigação nos Estados Unidos, num inquérito aberto já este ano. 
 
Dos restantes responsáveis pela OmegaPro, apenas se sabe de Andreas Szakacs. As últimas informações dão conta de que foi detido, no início de Julho, na Turquia, por suspeitas de fraude. Segundo apurou o PÚBLICO junto de fonte das autoridades turcas, em causa estão queixas de 84 cidadãos turcos relacionadas com o esquema da OmegaPro. 
 
A OmegaPro terá desaparecido totalmente em Julho de 2023, altura em que o seu site deixou de funcionar. Mas ao longo dos anos em que esteve activa houve sinais de alerta. Em 2020, as autoridades francesas colocaram na lista negra dois sites associados à empresa, por considerarem que ofereciam serviços não licenciados. O mesmo aconteceu no Peru, Colômbia e Espanha. 
 
Na Bélgica, a Autoridade dos Serviços Financeiros e Mercados (FSMA), em Maio de 2021, anunciou a actualização da lista de plataformas de negócios online fraudulentas e estava lá a OmegaPro. 
 
Durante uma conferência de imprensa, no dia 4 de Abril de 2022, em Brazzaville, capital da República do Congo, Jean-Pierre Nonault, director-geral das Instituições Financeiras Nacionais, na sequência de várias queixas, classificou a OmegaPro como “uma fraude do tipo pirâmide” ou “Ponzi” e anunciou a abertura de um inquérito. Terá sido no Congo que foram feitas as primeiras detenções. 
 
Em Novembro de 2022, os clientes da OmegaPro receberam a indicação de que a empresa tinha sido alvo de piratas informáticos, mas que os seus técnicos já estariam a resolver a situação. A partir desta data, na rede social X, são apenas feitas publicações do último evento nas Maldivas, de um encontro no Egipto, e ficou a promessa de realizar uma nova convenção. 
 
No México, em Março de 2023, foi anunciada a detenção de Juan Carlos Reynoso, gerente de OmegaPro para a América Latina. Pouco tempo depois, acabou libertado, alegadamente devido a um erro judicial para a obtenção de provas. 
 
Já em Novembro de 2023, foi lançado um abaixo-assinado na Nigéria para que o Governo ouvisse os cerca de 300 mil lesados e abrisse uma investigação à actividade da empresa, aos seus fundadores e colaboradores. No texto de explicação do abaixo-assinado que foi lançado pelo advogado Ope Banwo, é referido que os nigerianos terão sido lesados em mais de 115 milhões de euros. As autoridades abriram uma investigação este ano. 
 
Segundo o jornal francês Le Figaro, em França, depois de dois mil lesados se terem juntado numa acção comum em tribunal contra a OmegaPro e pressionado durante meses a Procuradoria-Geral de Paris, foi anunciado também já em Junho deste ano a abertura de um inquérito. 
 
Por sua vez, em Portugal, questionada pelo PÚBLICO, a Polícia Judiciária (PJ) disse não ter recebido qualquer queixa relacionada com a OmegaPro e a Procuradoria-Geral da República (PGR) respondeu que apenas com o nome da empresa “os dados eram demasiado vagos para solicitar informação”. No entanto, sabemos através do advogado Lars Olofsson que há pelo menos 156 portugueses lesados. O advogado confirmou que, de facto, nenhum destes seus clientes fez queixa na polícia. 
 

* Jornalista do PÚBLICO.

 

4 comentários:

Francisco José dos Santos Braga disse...

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
SÓNIA TRIGUEIRÃO é uma jornalista de PÚBLICO, especializada em investigação. No presente post transcrito pelo Blog de São João del-Rei, ela escreve sobre um esquema em pirâmide de criptomoedas, conhecido por OmegaPro, que burlou mais de três milhões de pessoas a nível mundial, tendo utilizado várias figuras públicas para a promoção de um produto que não existia. Fundadores da OmegaPro já teriam outros “negócios duvidosos”.

Segundo o jornal PÚBLICO, a empresa OmegaPro prometia uma rentabilidade de até 300% em 16 meses, com um investimento mínimo de 100 euros. Segundo o advogado sueco Lars Olofsson, que representa cerca de 2.500 lesados, entre os quais 156 portugueses, o investimento médio dos clientes rondou os 120 mil euros.

A OmegaPro apareceu no mercado em 2019 e ‘desapareceu’ em julho de 2023, tendo-se apresentado enquanto “empresa de investimento e marketing de produtos financeiros”. Com sede em Londres e no Dubai, a empresa negociava em Foreign Exchange Market, conhecido como Forex, que lucra com flutuações nos valores das moedas, com os investidores a transferirem o dinheiro para a empresa em criptomoedas.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/08/burla-em-piramide-com-criptomoedas.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Francisco José dos Santos Braga disse...

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...
Caro professor Braga,

Grave também é figuras públicas saírem impunes desses crimes. Mais grave ainda haver quem os admire a ponto de neles investirem não apenas seus recursos, mas sua boa fé ou, antes, sua santa ignorância política.
Cumprimentos,
Cupertino

Francisco José dos Santos Braga disse...

Paulo Milagre (advogado, corretor e membro da Academia Divinopolitana de Letras) disse...
Não aplico em nada nisso.

Francisco José dos Santos Braga disse...

João Bosco de Castro Teixeira (escritor, ex-reitor da UFSJ e ex-presidente e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...
Prezado Francisco, tenho recebido as matérias de seu BLOG. Confesso-lhe que não tenho a menor oportunidade de apreciá-las todas. São muitas e de variado conhecimento. Agradeço-lhe entretanto, pois tudo quanto leio só me traz grande satisfação. Obrigado e abraço amigo.