Por LAURINDA FERREIRA DE SOUZA *
Introdução e Comentários por Francisco José dos Santos Braga
A seguir, tenho o prazer de transcrever quatro de suas crônicas/críticas teatrais para deleite do leitor, assim dispostas:
I. INTRODUÇÃO
Em 6 de julho de 2024, sábado, comparecemos minha esposa Rute Pardini e eu, na companhia do poeta João Carlos Ramos, a uma noite de autógrafos na Boutique do Livro, em Divinópolis, onde seria lançado o primeiro livro de Laurinda Ferreira de Souza. Intitulada “Percursos Teatrais – pesquisas e vivências”, a obra refere-se à crítica de teatro, realizada pela autora, sob o formato de artigos para o Jornal Agora de Divinópolis, no período de 2009 a 2013, referentes às peças teatrais apresentadas na cidade. A autora faz referências também ao crítico de teatro e às peças que passaram pela cidade, bem como presta homenagens aos realizadores do teatro em Divinópolis, como Lindolfo Fagundes, dentre outros, sua história e sua gente.
Segundo ela, há críticos e cronistas teatrais. Citando Bárbara Heliodora, "aos críticos cabe possuir maior conhecimento sobre a história do teatro, mais aprofundamento sobre o repertório, em termos de tradução/adaptação, e uma formação estética voltada para dois grandes grupos: autores/dramaturgos e encenadores e público. Aos cronistas teatrais cabe relatar os acontecimentos cênicos e falar de suas experiências em relação ao texto ou espetáculo como um todo, numa perspectiva estética pessoal." Reconhece "não ter sido simples o caminho já percorrido para falar do teatro, ora como aprendiz de crítico, ora como cronista dos espetáculos que foram apresentados em Divinópolis" durante o referido período. ¹
Na Apresentação do livro, Mila Batista Leite Corrêa da Costa mostra que "nesta obra, baseada em escritos elaborados ao longo de sua carreira, a autora fortalece o distintivo que a realca como referência da Academia da região centro-oeste, ao explicitar seu papel na história da cidade, como pesquisadora e produtora de denso material sobre a veia cênica divinopolitana." ²
Por sua vez, in O Amor da Arte e o Rigor da Crítica, José Heleno Ferreira destaca que "entre as diversas facetas da atuação profissional de Laurinda Ferreira de Souza, está a de articulista do Jornal Agora, entre os anos de 2009 e 2013. Alguns dos textos publicados durante este período compõem este livro que se divide em cinco partes: Estudos e Pesquisas sobre Teatro; Homenagens, Grupos de Teatro de Divinópolis, Relembrando Teatro e Companhias de Teatro Visitantes." ³
Cantora Rute Pardini e Laurinda |
A seguir, tenho o prazer de transcrever quatro de suas crônicas/críticas teatrais para deleite do leitor, assim dispostas:
1) três da última parte, intitulada "Companhias de Teatro Visitantes" (títulos: Aos que vierem depois de nós, pp. 202-3, São Francisco de Assis à Foz, pp. 196-7 e Sermão da Sexagésima, pp. 182-3)
2) uma da penúltima parte, intitulada "Relembrando Teatro" (título: O sempre Plínio Marcos, p. 176)
II. TEXTOS SELECIONADOS
TIO VANIA AOS QUE VIEREM DEPOIS DE NÓS
O espetáculo "Tio Vânia (aos que vierem depois de nós)", de Anton Tchékhov, apresentou-se em Divinópolis, no Teatro Municipal Usina Gravatá, nos dias 28 e 29 de julho último, com montagem admirável do Grupo Galpão, que já participou de inúmeros festivais de teatro na América Latina, América do Norte e Europa.
Essa peça ambientada em uma propriedade russa, no final do século XIX, fala profundo e delicadamente sobre o amor, desejo, decadência física, peso da existência, tristeza, solidão e a perda da fantasia.
Tio Vânia, o protagonista, somente descobre que levou uma vida medíocre, quando seu cunhado, professor Serebriákov, homem prepotente e arrogante, volta para a propriedade rural da família. Sua esposa Helena, jovem e atraente, torna-se uma presença perturbadora e o casal muda a rotina de todos. O clima é denso e os diálogos dos personagens revelam uma avalanche de angústias, anseios e dúvidas.
Mais perturbador ainda é o silêncio de Maria Vassiliévna, que fala através do movimento do corpo pesado, imenso e, especialmente, pelo som da bengala a acompanhar seus passos, a ecoar sua presença irritante dentro de casa. Ela é mãe e a lei da família.
À mesa de jantar é onde a família se reúne. O objeto cênico mais significativo encontra-se à esquerda sobre a mesa. É uma árvore com galhos ressequidos e áridos como a rotina que encobre os desejos mais ardentes de todos eles. Helena, a jovem mulher do professor, despe-se sobre a mesa, numa silenciosa e explícita sedução, enquanto a árvore e Helena – os dois elementos de cena – são tiradas vagarosamente do centro do palco.
Bem ao meio da peça a plateia começa a dar mostras de cansaço: ambiente sombrio e figurino escuro, entre cenários dinâmicos e falas contundentes. O público permanece em silêncio e o Grupo Galpão mais uma vez apresenta um belo trabalho de palco.
Para além das indagações, o texto inclui uma mensagem de fé e de esperança, um caminho por onde as gerações futuras possam construir um mundo mais justo e feliz, projetando seus ideais e colocando-os em prática, para que não se arrependam no futuro.
Sediado em Belo Horizonte, o Grupo Galpão destaca-se no cenário das artes cênicas em nosso país e no exterior.
25/08/2011
SÃO FRANCISCO DE ASSIS À FOZ
No dia 17 de outubro, domingo, com entrada gratuita, a Cia. Patuá, de Belo Horizonte, apresentou a peça "São Francisco de Assis à Foz", no Teatro Municipal Gravatá de Divinópolis, cumprindo cronograma do 3º Festival Nacional de Teatro de Itaúna.
Com dramaturgia, direção e atuação de Glicério Rosário, o monólogo encenado transcorreu diante de uma plateia em absoluto silêncio, seduzida pela poética do texto, pelas vozes alternadas e diferentes do ator, ora retumbantes, ora suaves e líricas, como um lamento, em meio ao cenário composto de pedras, areia e água, homem e terra, em plena integração. Não um discurso sobre a preservação da natureza, mas encenação que funde os dois São Franciscos, "homem e rio", para falar de amor que eleva e integra.
A montagem da peça teve como inspiração o romance "O Pobre de Deus", de Nikos Kazantzakis, e lança luzes sobre a possibilidade de soluções para os conflitos atuais, através da humanização pelo afeto, no sentido de promover a aproximação entre os homens e não o distanciamento. A representação demandou um intenso trabalho de expressão vocal e corporal do ator, além do figurino e de um cenário despojados e transfigurados pelas metáforas e símbolos. Entre momentos narrativos e musicais, o texto explora a poesia das palavras, dando qualidade melódica à dramaturgia. A iluminação reforça a beleza das cenas, ambientando um sertão tangível ou extraindo das pedras, em sombras e penumbras, figuras que lembram expressões humanas. A trilha sonora ganha força nos ruídos de elementos naturais, silêncios e timbres, harmonizando-se com a aridez cenográfica.
A vivência religiosa de Francisco de Assis continua profundamente atualizada, tanto em relação ao valor da ação social, quanto sua dimensão ecológica, evidenciada na perspectiva de comunhão com a natureza e de uma irmandade cósmica entre tudo que existe. Homem buscando a Deus e o rio buscando o mar. Ambos vencendo obstáculos.
O ápice da representação deu-se quando o ator, Glicério Rosário, como São Francisco de Assis, despe-se de toda vaidade e se entrega inteiramente a Deus. Belo espetáculo! Por algumas vezes tive a oportunidade de conhecer extraordinárias peças teatrais e esta foi uma das mais belas e emocionantes. Aplausos para a co-direção de Geraldo Octaviano, figurino e cenário de Inês Linke, trilha sonora de "O Grivo" e a iluminação de Wladimir Medeiros e Alexandre Galvão.
"São Francisco de Assis à Foz", peça indicada a vários prêmios, foi premiada pelo Sesc-Sated/2009, como melhor espetáculo, melhor direção e melhor ator.
26/10/2010
SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
"Paiaçu", "o Padre Grande", era a forma como os nossos indígenas tratavam Padre António Vieira, ele que se consagrou ao serviço dos índios e dos negros e se entregou ao estudo da filosofia e da teologia, disciplinas que lecionava nos colégios da Companhia de Jesus, em Pernambuco e na Bahia. Acusado de excessiva submissão à monarquia lusitana, não perdeu o impulso combativo e polêmico, sobretudo em defesa da liberdade do homem, com timbre enérgico e vigoroso, entre metáforas e alegorias, estabelecendo uma linha de caracterização do barroquismo de seus sermões.
Conhecer os "Sermões" de Padre António Vieira, através da leitura, é aprofundar em sua obra, mas assistir à interpretação do "Sermão da Sexagésima", no palco do Teatro Gravatá, foi um privilégio surpreendentemente emocionante.
Rodrigo Leste, ator, escritor e dramaturgo de Belo Horizonte, adaptou, dirigiu a montagem e interpretou o Padre António Vieira, por meio de um monólogo, utilizando-se de sua experiência e versatilidade, para dar os contornos necessários ao estilo usado pelo pregador. O texto é a compilação do que ele pregou na Capela Real de Lisboa, em março de 1655. O espetáculo "Sermão da Sexagésima" reproduziu o estilo e o clima da época, sem dúvida, e procurou, cenicamente, traduzir a emoção e a beleza da obra, permitindo uma melhor compreensão de seu conteúdo, por parte dos espectadores.
A consultoria literária do espetáculo foi do professor Antônio Sérgio Bueno e a montagem, uma realização do "Projeto Literatura em Cena".
Em apresentação única, realizada no dia 6 de outubro último, no Teatro Gravatá, o "Sermão da Sexagésima" teve o apoio da Prefeitura Municipal de Divinópolis, Gestão do Centenário, através da Secretaria de Cultura, com o objetivo de possibilitar a preparação para o próximo vestibular da FMG, uma vez considerada obrigatória a leitura da obra.
Rodrigo Leste contou também com o apoio das escolas de Divinópolis e com o interesse de um público, em sua maioria jovens que, após a encenação, em debate com o ator, falaram da atualidade do texto. As palavras de Vieira foram veementemente interpretadas e, desde os primeiros instantes, a magia do teatro foi se desenvolvendo com a presença do intérprete/diretor/adaptador/produtor/sonoplasta/iluminador e realizador do espetáculo.
O figurino e o cenário completaram o clima da apresentação, não somente pela forma independente com que foram utilizados, mas, sobretudo, pelas lembranças que evocavam nos espectadores.
Verdadeira obra de arte, em todos os sentidos, e, por isso mesmo, tornou-se o espetáculo "didático", por haver permitido vertical aproximação à palavra de Vieira, por parte do espectador reflexivo. Tal recepção foi acrescida de um debate, que não poderia ter sido mais enriquecedor, não só da parte da plateia, como também de Rodrigo Leste.
Do "Sermão da Sexagésima" ou da "Palavra de Deus", ficaram registrados, profundamente, alguns aforismos:
"Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras."
E também:
"Com armas alheias ninguém pode vencer (...). O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento".
26/10/2009
O SEMPRE PLÍNIO MARCOS
A trajetória de Plínio Marcos, o dramaturgo paulistano, o cometa o tempo todo, como se autodefiniu, faz-nos lembrar dos humilhados dos livros de Dostoiévski, da ralé de Gorki e dos indivíduos desprezados, à margem da sociedade, de Émile Zola.
Oswaldo Mendes, ator, diretor e também dramaturgo, foi subsecretário de redação do jornal "Folha de Sao Paulo", lançou recentemente, ou melhor, no ano de 2009, pela editora LeYa, o livro "Bendito Maldito", uma biografia de Plínio Marcos. Segundo o autor, maldito porque ele optou por uma vida de amor dedicada à humanidade e pelo seu senso de justiça e de solidariedade. E bendito pela excelência de sua obra.
Ilka Marinho Zanotto, crítica teatral de 1968 a 1971, fala com clareza, no prefácio do referido livro: "O humanismo latente em "Querô" permeia toda a obra de Plínio Marcos, imprimindo-lhe ressonância e ética. Dez anos após sua morte, damo-nos conta de que sua imagem se apega à nossa memória e, com ternura, o vemos nos panos de arlequim do palhaço Frajola".
"Querô (Uma Reportagem Maldita)" é o romance de Plínio que recebeu o prêmio de o melhor de 1976, pela Associação dos Críticos de Arte de São Paulo. As peças "Barrela", "Dois Perdidos numa Noite Suja", "Navalha na Carne", "Abajour Lilás" e "Querô" foram escolhidas para exemplificar a descida ao inferno, característica da obra de Plínio Marcos; aos olhos do sistema político de 1964, ele era o "perigo", aquele cujas palavras tinham o poder de abalar a sociedade, seus hábitos e regimes, ao falar da miséria e do sofrimento humano.
A peça "Abajour Lilás" foi proibida à véspera da estreia, nos idos de 1975, em Sao Paulo. Logo após, Plínio Marcos escreve uma crônica chamada "Abajour Lilás Brilha nas Trevas". E diz que ele, o abajour, se acende cada vez mais forte; que a luz pálida que quiseram apagar seja o farol que nos guie no rumo certo do diálogo franco e democrático, que é a condição necessária para a preservação dos direitos humanos, condição essencial para que se possa fazer do Brasil uma grande nação.
Há muitos anos, eu tive o privilegio de ver Plínio duas vezes. Primeiro, falando a universitários, exercendo o fascínio da linguagem, que encantava e amedrontava ao mesmo tempo. Depois, como camelô de seus próprios livros, à porta de teatro, ocasião em que adquiri uma de suas obras veementes, a "Querô".
Poucos foram tão cerceados no direito ao trabalho e à liberdade de expressão, quanto Plínio Marcos. E isso é inegável.
27/02/2010
* Pedagoga, mestre em Pedagogia da Educação pela FGV com a dissertação “A formação da identidade numa perspectiva educacional”, atriz de teatro, cronista e crítica teatral, articulista do jornal Agora de Divinópolis entre 2009 e 2013.
III. NOTAS EXPLICATIVAS
¹ Cf. textos intitulados Crítico teatral I e II, de 09/06/2011 e 23/06/2011, pp. 23 e 24.
² Vide Apresentação, p. 11.
³ Vide texto introdutório "O amor à arte e o rigor da crítica", p. 13.
IV. AGRADECIMENTO
À minha amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros fotográficos utilizados neste trabalho.
À minha amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros fotográficos utilizados neste trabalho.
V. BIBLIOGRAFIA
SOUZA, Laurinda Ferreira de. PERCURSOS TEATRAIS: Pesquisas e Vivências. Divinópolis: Ed. da Autora, 2023, 252 p.
3 comentários:
Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
A convite de LAURINDA FERREIRA DE SOUZA, tivemos o prazer de comparecer ao lançamento concorridíssimo do seu livro PERCURSOS TEATRAIS: Pesquisas e Vivências, que foi lançado em 6 de julho p.p., há muito aguardado, tendo em vista que sua autora teve uma coluna no Jornal AGORA de Divinópolis, durante o período de 2009 a 2013, registrando ali suas críticas e suas crônicas muito apreciadas pela sociedade divinopolitana.Selecionei 4 críticas da autora e fiz apreciação dos textos introdutórios que refletem profundo respeito pela visão da articulista do Jornal AGORA.
Tenho certeza de que outros livros estão sendo aguardados pelo seu público ledor.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/10/por-laurinda-ferreira-de-souza.html 👈
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Heitor Garcia de Carvalho (pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psciologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008) disse...
Muito bom!
Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, atual Terceiro Vice-Presidente TJMG, escritor e membro do IHG-MG e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...
Bacana, efervescência cultural em Divinópolis.
Abs
Postar um comentário