segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

APENAS MODERNOS

Por RUY CASTRO
 
“Grupo dos Cinco”: Anita Malfatti, Mario de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral

 
No dia 19 de junho de 1924, desembarcaram na Estação D. Pedro II, vindos de São Paulo, os modernistas Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Candido Motta filho e Cassiano Ricardo. Foram recebidos por seus colegas Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira, Ribeiro Couto, Alceu Amoroso Lima, Sergio Buarque de Holanda, Murillo Araujo, Prudente de Moraes Neto, Paulo Silveira e o quase adolescente Augusto Frederico Schmidt e se dirigiram em turma à sessão daquela tarde na Academia Brasileira de Letras, na avenida Presidente Wilson. Iam prestigiar seu mentor e líder, Graça Aranha, que já lhes adiantara o tema da conferência que pronunciaria para os colegas acadêmicos. O discurso de Graça, intitulado “O espírito moderno”, seria uma declaração de guerra ao passadismo. Rumores de que tal aconteceria chegaram aos ouvidos de membros da Academia. Talvez por isso, a sessão, iniciados os trabalhos, contasse com 28 expectantes acadêmicos em plenário. 
Pois não expectaram em vão. Em vários momentos de sua fala, Graça Aranha disse coisas que eles nunca esperavam ouvir. A Academia será uma casta de imortais em um país de imemoriais?”. A fundação da Academia foi um equívoco e foi um erro.” “Somos excessivamente quarenta imortais, consagração exagerada para tão pequena literatura.” Tudo vive espiritualmente. Só a Academia traz a face da morte.” E, quando eles esperavam que fosse parar por aí, Graça Aranha soltou a munição final. Tachou a Academia de uma reunião de espectros”, um túmulo de múmias", um império de todas as velhices". E fulminou: Se a Academia não se renova, morra a Academia”. 
Um eco subiu em coro da plateia: Morra!” Eram os modernistas, secundando Graça Aranha. Em seguida, vinda das mesmas bocas, outra sentença de morte: Morra a Grécia!”  a princípio, incompreensível, já que a Grécia estava quieta no seu canto. Mas eles a identificavam com os parnasianos e naturalistas que ainda existiam na praça, respirando por aparelhos, e que era preciso exterminar. Os acadêmicos, chamados de múmias, reagiram, gritando vivas à Academia. Instalou-se o distúrbio e, em meio a ele, os corpulentos Alceu Amoroso Lima e Augusto Frederico Schmidt puseram Graça Aranha nos ombros e o desfilaram em triunfo pelo salão. Dois partidários da Academia, os irmãos Rafael e Marques Pinheiro, retaliaram levantando o minúsculo Coelho Netto e também o desfilando. Netto aproveitou-se de estar pela primeira vez fisicamente nas alturas e proclamou: Eu sou o último dos helenos! Eu sou o último dos helenos!”  numa tentativa de desagravar a ofendida Grécia. 
Foi, talvez, a sessão mais incendiária na história da Academia. O rescaldo do alvoroço, no entanto, permitiu pensar melhor. Se a fundação da Academia fora um erro, Graça Aranha era um dos culpados, porque, em 1897, estava entre seus quarenta fundadores  com o agravante de ser o único, contrariando os estatutos, a não ter livro publicado. Só foi aceito porque o fiador de sua indicação, seu mestre Joaquim Nabuco, garantiu que ele tinha um romance no bolso, e o contista Lucio de Mendonça, encarregado da criação da Academia, estava com dificuldade para preencher as quarenta cadeiras. A de Graça Aranha foi a de nº 38. 
Mas Graça não os decepcionou. Em 1902, Nabuco anunciou que ele acabara de publicar pela Garnier, em Paris, um romance único na literatura brasileira: Canaã, uma saga do contraste entre a civilização e a selva, o imigrante e o nativo, o Velho e o Novo Mundo. Um romance de ideias, como nunca se fizera aqui. Os acadêmicos o leram e deram razão a Nabuco  Canaã era mesmo uma revolução. Nem a publicação de Os Sertões, de Euclydes da Cunha, naquele mesmo ano, e a de Pelo Sertão, de Afonso Arinos, quatro anos antes, conseguia ofuscá-lo  ao contrário, os críticos viram nesses três livros o Brasil profundo que estava sendo descoberto. Um dos admiradores mais contundentes de Canaã, José Veríssimo, escrevendo antes de pensar, colocou-o acima de qualquer coisa de Machado de Assis. O público também se entusiasmou, garantindo-lhe uma venda de quase 3 mil exemplares por ano. E só muito depois o livro começou a acusar seus defeitos: narrativa emperrada, atufada de ideias, e personagens que falavam muito mas agiam pouco e estavam mais preocupados em posar para o leitor do que em viver de verdade a história. Mas, em 1924, isso não tinha mais importância  Canaã já entrara na corrente sanguínea da nação. Donde o rompimento do mesmo Graça Aranha com a Academia Brasileira de Letras equivalia a remover uma das colunas do Petit Trianon  como o teto iria se sustentar? 
A destruição da Academia era uma das obsessões dos modernistas de São Paulo, juntamente com a chacina dos poetas parnasianos, com seus sonetos folheados a ouro, e de figuras como Coelho Netto, cuja abundância verbal, colocação de pronomes e exorbitâncias retóricas simbolizavam a ditadura do século XIX sobre a literatura brasileira. Toda a Semana de Arte Moderna, realizada dois anos antes, se escorara sobre essas fixações. Na realidade, os rapazes não precisavam ter se dado a tanto trabalho. No Rio, tudo aquilo já era passado, e não era de então. 
A Academia estava habituada a ser tratada sem condescendência pelos intelectuais cariocas. Agrippino Grieco a chamava de “morgue literária e definia as sucessões acadêmicas, provocadas pela morte de um membro, como “um defunto na vaga de outro. E ainda sugeria: “Porque não aproveitam os fardões dos acadêmicos mortos como pano de mesa de bilhar?. Agrippino disse também que deixaria de doar para presídios os livros que recebia de certos acadêmicos  “Era como punir os presos duas vezes. Outro rebelde, Paulo Silveira, vivia vergastando-a  chamava-a de Epidemia Brasileira de Letras. Gabava-se de não saber sintaxe (era mentira; sabia, sim) e pensava em oferecer à língua uma antigramática, A arte de descolocar pronomes. Paulo Silveira nunca escreveu esse livro, mas, em outro, que publicou em 1926  Asas e patas, uma coletânea de seus artigos de jornais, pela Costallat & Miccolis , estendeu suas iconoclastia a toda a literatura nacional e descarregou diatribes que Oswald de Andrade assinaria. Segundo ele, Gonçalves Dias, para felicidade geral da nação, não sabia nadar (o poeta de Canção do exílio morreu afogado); o historiador Capistrano de Abreu era um lambão; e Euclydes da Cunha, um escritor português aclimatado ao Brasil. Paulo Silveira também nunca poupou Coelho Netto, que descreveu como uma enorme adega cheia de garrafas vazias e em quem sapecou o apelido  depois apropriado por Oswald  de Coelho Avô
O pobre Coelho Netto havia muito vinha sendo decomposto como estilista. Seu próprio colega de Academia Medeiros de Albuquerque já o chamara de o último grande escritor português do Brasil. João do Rio, em vida, não lhe dirigia a palavra durante as sessões. E até Patrocínio Filho, de cujo pai, o velho Patrocínio, Netto fora grande amigo, rotulou-o de a negação mais completa da literatura no Brasil e de uma máquina Remington a quem o destino deu corda
Quando os modernistas escreveram que era preciso descoelhonetizar o Brasil, estavam apenas revelando sua desinformação. Podem ter sido influenciados por Menotti del Picchia, que, recém-chegado a São Paulo, vindo de Itapira, em 1920, e sem conhecer nenhum escritor fora do círculo futurista, metralhava pelo Correio Paulistano todos que não fizessem parte desse círculo. Menotti não sabia que, no Rio, muito antes de 1922, Coelho Netto já estava para a literatura como Catullo da Paixão Cearense para a música popular e Santos-Dumont para o avião. E estava também longe de ser um modelo de estilo. Naquela época, homens de todas as correntes e tendências, como Lima Barreto, Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho, Jackson de Figueiredo, Antonio Torres, Tristão de Athayde, Humberto de Campos, Agrippino Grieco, e mulheres como Julia Lopes de Almeida, Carmen Dolores ¹ e Chrysanthème ², publicavam em jornais textos que, reunidos em antologias quase cem anos depois, não denunciariam sua idade. E Orestes Barbosa, Benjamim Costallat e Alvaro Moreyra já escreviam, em 1920, no então chamado estilo sincopado ou picadinho  parágrafos de uma só frase, flashes rápidos, telegráficos , que, depois, o modernismo lançaria como novidade. 
Donde o único que precisava descoelhonetizar-se era o próprio Coelho Netto, e até ele tinha certa consciência disso. Numa entrevista ao jornal A Rua, em 1914, admitiu que realmente exagerava ao escrever e iria debruçar-se sobre sua obra para podá-la desbastá-la dos excessos de adjetivação meridional, como disse. Passei a minha vida literária absorvido pela abundância, pelo delírio do adjetivo, confessou. Preocupei-me mais com a roupagem do manequim e esqueci-me da anatomia do ser. Obumbrei-me do adjetivo e esqueci-me do substantivo. Mas se Coelho Netto chegou a fazer isso  desobumbrar-se , não houve registro ou ninguém notou a diferença e, seja como for, ninguém se importou. A maioria dos escritores estimava Coelho Netto como pessoa, sem precisar ler seus livros ou admirá-los. Humberto de Campos, em seu Diário secreto, arrasou seu romance BazarLugares-comuns, frases feitas, páginas sem relevo, sem interesse. E o público logo também começaria a abandoná-lo. Em poucos anos, Coelho Netto seria apontado nas ruas, não mais como uma eminência da literatura, mas como o pai do Preguinho, meia-esquerda do Fluminense e da seleção e, em 1930, autor do primeiro gol brasileiro numa Copa do Mundo. 
Mesmo a língua sem arcaísmos, sem erudiçãoa contribuição milionária de todos os erros, preconizadas por Oswald de Andrade no seu Manifesto da poesia pau-brasil, publicado no Correio da Manhã em 1924, já estavam no ar havia muito. Dicionários de gíria carioca e do falar errado ou seja, à maneira do Rio  não eram mais novidade. O pioneiro fora Gíria dos gatunos cariocas, o primeiro dicionário brasileiro com a palavra gíria no título, de Elysio de Carvalho, lançado pela Imprensa Nacional, em 1912. Depois, todos em 1922, saíram O linguajar carioca do linguista Antenor Nascentes; Geringonça carioca  Verbetes para um dicionário da gíria, de Raul Pederneiras; e o glossário de gíria em Ban-ban-ban, de Orestes Barbosa. O livro de Pederneiras continha 2400 verbetes, de abacaxi  assunto ou negócio pesado, exaustivo ou prejudicialzum-zum  boato, intriga, diz que diz, mexerico. O de Orestes continha gírias que atravessariam o século, como afanardar o beiçoenrustirfuleironérispivete. Aos poucos, esse rico refugo verbal começaria a ser incorporado à literatura, à poesia, ao teatro, à música popular e, claro, à língua. 
Tudo isso estava acontecendo à revelia de Graça Aranha, cuja inesperada adesão aos futuristas em 1921 intrigou apenas os que tomaram conhecimento dela. Humberto de Campos censurou-o por se deixar cercar por iniciantes que poderiam ser seus netos o que era um exagero, porque se, em 1924, Graça estava com 56 anos, Mario de Andrade já tinha 31, Oswald de Andrade, 34, e Manuel Bandeira, 38. Agrippino Grieco, que assistira divertido à folia do discurso na Academia, nunca acreditou na sinceridade dessa adesão: Graça Aranha posa de revolucionário, mas vive de dieta. Revolução e dieta não combinam. E nem a Academia, que Graça atacara com tanta ênfase, pareceu se ofender. No dia seguinte, numa sessão extra, que teve o acadêmico Mário de Alencar como orador oficial, ela o convidou a fazer as pazes e continuar em seus quadros. 
Mas Graça Aranha ficou firme. Os jovens o tinham acolhido como seu chefe na Semana de Arte Moderna. A revista Klaxon lhe dedicara um número inteiro, o de dezembro de 1922-janeiro de 1923, em que o chamara de mais moço que qualquer um de nós, alma sensível, espírito universal, cérebro de artista e de filósofo, químico do sonho brasileiro. E, antes disso, Menotti del Picchia já o promovera a espírito mais fúlgido da raça. Não seria agora que ele iria traí-los. E uma coisa era insultar a Academia pelo lado de fora, como todo mundo fazia. Outra era insultá-la do seu próprio púlpito, tendo lauréis e fardões a perder. 
Talvez por isso, pelo inusitado da atitude e pelo peso de seu nome, o gesto de Graça Aranha no Rio tenha tido repercussão nacional. E só então o país foi informado de que os futuristas haviam chegado.
 
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Dois anos haviam se passado desde a Semana de Arte Moderna, realizada em ferreiro de 1922, em São Paulo, e praticamente ninguém de fora da capital paulista soubera que ela acontecera. Na época, nenhum jornal carioca a noticiou  não porque não quisesse, mas por não ter sido informado dela pelas agências de notícias. E, como eles eram os únicos jornais de alcance nacional, o país ficou sem tomar conhecimento. As revistas semanais também não tocaram no assunto, com exceção de um registro em Para Todos...  porque seu diretor, Alvaro Moreyra, se considerava parte da turma. O alcance da Semana foi estritamente local e, também lá, limitado. O Estado de S. Paulo praticamente a ignorou, a Folha da Manhã criticou negativamente os saraus, e só o Correio Paulistano soltou foguetes. Mas o Correio Paulistano tinha como redator político (na prática, editor) Menotti del Picchia, o polemista oficial do futurismo. Era também o jornal oficial do PRP, o partido do poder  seus editoriais eram submetidos a seu comandante, o governador do estado, Washington Luiz, de quem Del Picchia era ghost-writer. E Washington Luiz, por sua vez, era amigo de Oswald de Andrade, por seus laços com a elite do café, à qual Oswald pertencia. 
Uma das bandeiras dos futuristas, a luta contra os poetas parnasianos, não tinha muita razão de ser no Rio. Na São Paulo de 1922, ela se justificava, porque o parnasianismo era o estilo dominante, com Vicente de Carvalho, Francisca Julia e Martins Fontes pairando sobre a cidade. Era também o estilo de que os jovens que até havia pouco o tinham praticado, como Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e Mario de Andrade, tentavam se livrar. No Rio, a superação dos maiores nomes do estilo, Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, já tinha sido literalmente proposta pelo crítico João Ribeiro: São grandes poetas, mas de seu tempo. É preciso aposentá-los, ele escreveu em 1905. O Rio, naquele ano, já fora tomado pela insurreição simbolista  a dos poetas que, desde 1893, discípulos de Mallarmé, Verlaine e Rimbaud criaram uma alternativa sonora e humanista à estética escultórica e gelada dos parnasianos. 
Em 1922, o Rio estava na terceira geração de simbolistas. Os primeiros, na virada do século, tinham sido Cruz e Souza, Emiliano Pernetta e Alphonsus de Guimaraens. Nas duas primeiras décadas, o bastão passara às mãos de Hermes-Fontes, Da Costa e Silva, Ronald de Carvalho, Felippe d'Oliveira, Marcello Gama, Andrade Muricy, Tasso da Silveira, Alvaro Moreyra, Gilka Machado e Rodolpho Machado. No pós-guerra, ficara a cargo de Ribeiro Couto, Cecilia Meirelles, Murillo Araujo, Duque-Costa, Renato Almeida. Vindos de vários estados do Brasil, eles fizeram do Rio a sua base e logo ocuparam revistas  não as de literatura, que ninguém lia, mas as comerciais, de grande circulação, como Fon-Fon! e Para Todos... Era nelas que publicavam seus poemas, sinal de que tinham aceitação junto ao público. 
E havia poetas como Mario Pederneiras, Augusto dos Anjos e Manuel Bandeira, diferentes de todo mundo e diferentes entre si  Pederneiras, o suave desbravador do verso livre; Dos Anjos, com sua temática grotesca e profanadora; e Bandeira, o primeiro a trazer a poesia para a rua, que era o lugar dela. Sem falar em Raul de Leoni, morto aos 31 anos, em 1926, amigo deles e admirado por seu único livro, Luz mediterrânea, de 1922  um caso quase único de parnasiano-simbolista, com a cabeça em Leconte de Lisle e a alma em Mallarmé. 
Os parnasianos, naturalmente, continuavam na praça e monopolizando certos mercados, como os discursos de sobremesa nos banquetes e os saraus de declamação nos salões elegantes. Mas já sem o peso de antes. A morte de Emilio de Menezes e de Olavo Bilac, ambas em 1918, os privara (e ao Rio) de dois de seus nomes mais queridos  Bilac, pela generosidade com que se dava a todo mundo, e Emilio, pelo humor que esbanjava nos cafés. Prova disso é que, desde 1910, quem vinha regularmente de São Paulo para lhes beijar as mãos e acompanhá-los pelo circuito boêmio era o noviço Oswald de Andrade. Em troca, eles o acolheram na Sociedade Brasileira dos Homens de Letras, uma espécie de filial mais informal da Academia, e cujas reuniões se davam no Café Papagaio. Bilac e Emilio também iam a São Paulo para participar de saraus parnasianos remunerados no Conservatório Dramático e Musical, a convite de Oswald, que os promovia com ardor em seu jornal O Pirralho
Oswald fora grande admirador de Olavo Bilac, mas sua principal identificação havia sido com Emilio de Menezes, de quem se dizia discípulo e com quem tinha em comum, além dos olhos verdes e vários queixos duplos, uma incontrolável disposição para disparar trocadilhos. A amizade entre eles está bem documentada. Numa carta para Emilio, em 1913, Oswald escreveu: Emilio, quero viver muito tempo para que, velho, passando pela tua estátua, eu possa dizer aos moços que te conheci de perto, e explicar que, homem, eras ainda maior que o poeta. A glorificação que trarão os teus versos será bem mesquinha, decerto, por maior que seja, ao lado dos templos que se irão erguer para o teu culto no coração dos teus amigos
Infelizmente, nada disso se concretizou para Emilio de Menezes  nem estátua (no máximo, um busto no largo do Machado), nem glorificação, nem templos. O próprio Oswald o repudiaria anos depois, chamando-o de palhaço da burguesia. E, no entanto, pode ter sido em Emilio, inventor do soneto-piada, que Oswald se inspirou para criar, em 1925, os poemas-piada, que acabariam por caracterizar o modernismo  em pouco tempo, já não haveria poeta que, pela facilidade, não os produzisse às dúzias. 
O Rio literário era cordial e comportava todas as escolas. Assim, cada poeta carioca ligado aos de São Paulo encontrou a sua forma particular de modernismo, nem sempre obediente aos cânones. Ronald de Carvalho, a quem desagradava o rótulo futurista, foi o mais radical. Sua longa temporada nos Estados Unidos, no México e nas Antilhas, em 1923, a serviço do Itamaraty, escancarou-lhe uma América  do Norte, Central e do Sul  que ele não imaginava existir. Para um intelectual de formação tão europeia, o impacto não foi pequeno. Outros podem tê-lo tido. Mas, no Brasil, só ele o botou na página. 
Ronald, que já praticara diversos metros e combinações de rimas, entregou-se ao seu próprio mandamento: Cria o teu ritmo livremente. O ritmo de Toda a América, o livro que ele trouxe dessa viagem e lançou em 1926, era um trem desgovernado, uma poesia sem freio, mural e, ao mesmo tempo, orquestral e arquitetônica, segundo Peregrino Junior. Os versos só faltavam transbordar da página, levando na enxurrada o que viam pela frente  desertos, pampas, cordilheiras, praias e metrópoles , com destreza de poeta, ecos de Walt Whitman e velocidade de cinema: Europeu/ Filho da obediência, da economia e do bom senso/ Tu não sabes o que é ser americano.// Europeu!/ Nessa maré de massas informes, onde as raças e as línguas se dissolvem/ O nosso espírito áspero e ingênuo flutua sobre as coisas/ Sobre todas as coisas divinamente rudes/ Onde boia a luz selvagem do dia americano
Todo o livro era uma exaltação, inclusive das mazelas do continente: América violenta, do cavalo selvagem do caudilho, do punhal dos generais, da fogueira dos linchamentos, dos imperadores banidos, dos Presidentes degolados/ [...]/ América dos barões e dos escravos, do ladrão e do capitão-mor, do santo e do herói. E, numa rara referência pessoal, citando seu pai, mandado fuzilar por Floriano Peixoto na Revolta da Armada, em 1894: Eu vivo todas as tuas indisciplinas, a tua cultura, a tua barbárie, as tuas pirâmides e os teus arranha-céus/ As tuas pedras de sacrifício e os teus calendários, os teus pronunciamentos e a tua boa-fé puritana./ América livre do terror/ América dos meus avós guerreiros e construtores/ América do meu pai, que morreu pelo Rei
No mesmo ano, fora do comércio, Ronald publicou Jogos pueris, seu último livro de poesia  apenas quarenta exemplares, quarenta objetos únicos, ilustrados em cores um a um, à mão, por um artista que se assinava Nicola de Garo, o mesmo que já fizera a modestíssima capa marajoara de Toda a América. De Garo era o pseudônimo italiano de um jovem artista plástico búlgaro, Nicolai Abracheff, de passagem pelo Brasil naquela época. De passagem, mas não perdido. Nos poucos anos que levou aqui, Abracheff foi à Amazônia, onde descobriu a estética marajoara, esteve em Pernambuco, com Gilberto Freire, em São Paulo, com Mario de Andrade, e, no Rio, com Ronald, que lhe deu os dois livros para ilustrar. Jogos pueris tinha 24 páginas e parecia um livro para crianças, daí o título e as cores berrantes dos desenhos. Só a poesia contida nele era adulta, sonora, imagética  como no poema que começa com Cheira a mar! Cheira a mar!, e em que Ronald fala do ouro da areia molhada, do aço das tainhas, do chiar da espuma e do olho gelatinoso das lulas flexíveis. Ou, quem sabe, talvez não fosse assim tão adulta. Talvez, para Ronald de Carvalho, a poesia devesse ter também algo de lúdico, infantil  pueril , contra a seriedade até dos que queriam transformá-la. 
Não é que o Rio tivesse um modernismo à sua maneira. O Rio era apenas moderno. Embora concordassem no geral, nem sempre as turmas das duas cidades, Rio e São Paulo, estavam de acordo. Ribeiro Couto e Manuel Bandeira, os articuladores da Semana de Arte Moderna no Rio, recusaram-se a ir a São Paulo para o evento, por não concordarem com os ataques de seus colegas ao soneto e à poesia rimada e metrificada. Não que quisessem continuar a praticá-los  apenas não aceitavam a tábula rasa a que Menotti del Picchia e Oswald de Andrade queriam reduzir o passado. 
Uma variante particular do modernismo no Rio era sua ala espiritualista, composta de poetas vindos do simbolismo e agrupados, em 1927, na revista Festa. Os principais era Andrade Muricy, Cecilia Meirelles, Tasso da Silveira, Murilo Araujo, Adelino Magalhães, Gilka Machado, Brasilio Itiberê, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes, Jorge de Lima, o jovem Carlos Drummond de Andrade, eventualmente Ribeiro Couto. Eles era católicos, politicamente conservadores e admiravam a liberdade formal que o modernismo trouxera, mas não dispensavam o sentimento. Tinham a ligá-los também a oposição ao piadismo que começava a tomar a poesia brasileira. O nome da revista fora tirado do romance A festa inquieta, de Muricy, lançado um ano antes, um painel sinfônico, proustiano, do subconsciente, segundo os críticos. 
O fato de serem católicos não era um empecilho para se entenderem com São Paulo, porque Mario de Andrade e Oswald de Andrade também eram, e até mais. Segundo seu biógrafo Jason Tércio, Mario era membro praticante de irmandades severas, como a Conferência Vicentina e a Congregação da Imaculada Conceição. Confessava-se regularmente, rezava todos os dias, ao dormir e ao acordar, e não admitia a crença em Deus sem essa prática ativa. Oswald, segundo sua biógrafa Maria Eugenia Boaventura, também era frequente em novenas e ladainhas. Mandava rezar missas por promessas cumpridas ou a cumprir, era devoto de Nossa Senhora Aparecida (andava com sua imagem no bolso) e participava de romarias a Aparecida do Norte e a Bom Jesus de Pirapora. A carolice de Oswald, que lhe veio dos pais na infância, prolongou-se por sua vida adulta, inclusive na fase da antropofagia. E, mesmo tendo se afastado da Igreja em certos períodos, nunca perdeu a fé. Os dois, Mario e Oswald, deram testemunhos dessa fé por escrito. Na última página da edição original do mariano Pauliceia desvairada, de 1922, lê-se, em negrito, itálico e corpo maior do que o do título na capa, a expressão Laus Deo!, com exclamação. E, na última página do oswaldiano Pau Brasil, de 1925, a mesma coisa  um Laus Deo em corpo menor, redondo e sem exclamação. Mas com igual significado: Louvado seja Deus
O conservadorismo político também não seria motivo para afastar os cariocas de Festa dos líderes paulistanos. Na madrugada de 5 de julho de 1924  duas semanas depois do discurso de Graça Aranha na Academia , um regimento do 4º Batalhão da Força Pública de São Paulo, comandado pelo major Miguel Costa, rebelou-se no quartel do bairro da Luz, com a adesão dos tenentes e de outros oficiais do Exército sob a liderança do general Isidoro Dias Lopes. Exigiam a renúncia do presidente Arthur Bernardes e do novo governador de São Paulo, Carlos de Campos, a eleição de uma Assembleia Constituinte e a implantação do voto secreto no país. Era de novo o espírito do Forte de Copacabana e dos tenentes de 1922 contra a república do café com leite, só que agora no seu principal reduto  São Paulo  e com protagonistas locais. 
Os rebeldes tomaram os pontos estratégicos, armaram barricadas e ocuparam a cidade. O palácio do governo nos Campos Elísios foi atacado por canhões postados no Campo de Marte, teve a eletricidade cortada e podia ser invadido a qualquer momento. Isso determinou a fuga dos ligados à ordem que se queria derrubar. Carlos de Campos deixou o palácio e refugiou-se no bairro da Penha. Washington Luiz escondeu-se em Itapetininga, no sul do estado, acompanhado por Menotti de Picchia. Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, que se casariam dois anos depois, tendo Washington Luiz como padrinho, foram para a Fazenda Sertão, em Indaiatuba  uma das 22 fazendas da família da pintora. Paulo Prado, patrono da Semana, d. Olivia Guedes Penteado, hostess do movimento, e os demais próceres do modernismo também foram para suas fazendas. Fizeram bem porque, para retomar São Paulo dos rebeldes, Arthur Bernardes mandou tropas com metralhadoras, tanques e aviões de combate. Houve choques armados, incêndios e casas destruídas nas Perdizes, no Brás, na Mooca e em outros bairros. A cidade foi bombardeada por 23 dias. Mario de Andrade, simpatizante do Partido Democrata  uma opção que se ensaiava ao PRP , ficou em São Paulo, em casa, sem sair, ao lado da mãe e das irmãs, com quem morava na rua Lopes Chaves. 
No dia 28 de julho, sob pesado ataque das tropas federais, os rebeldes finalmente capitularam. Os sobreviventes fugiram para a fronteira com o Paraná, onde se reuniram às tropas gaúchas do capitão Luiz Carlos Prestes e, juntos, formaram a Coluna Prestes, que percorreria o país. Bernardes instituiu a censura à imprensa  entregue a Jackson de Figueiredo  e prendeu o paulista Julio de Mesquita, de O Estado de S. Paulo, e os cariocas Edmundo e Paulo Bittencourt, do Correio da Manhã, José Eduardo de Macedo Soares, de O Imparcial, Renato de Toledo Lopes, de O Jornal, Diniz Junior, de A Pátria, Ozeas Motta, de A Vanguarda, José Oiticica, de A Plebe, Orestes Barbosa, de A Notícia, e os diretores das agências United Press e Associated Press. 
A república do café com leite, mais uma vez, triunfara. Mario pôde sair à rua. Oswald, Tarsila, Menotti e os demais voltaram aliviados para São Paulo. Nenhum deles escreveu sobre o que acabara de se passar  assim como nunca escreveram em 1922 sobre os dezoito do Forte e não escreveriam depois sobre a Revolução de 1930. Não que fossem alienados. Eles eram a república do café com leite. [...]
 
Fonte: capítulo 10 de  METRÓPLE À BEIRA-MAR: o Rio moderno dos anos 20 por Ruy Castro, pp. 255 a 267.
 
 
II. NOTAS EXPLICATIVAS pelo Gerente do Blog
 
 
¹ Carmen Dolores é o pseudônimo da romancista, contista e jornalista Emília Moncorvo Bandeira de Melo (1852-1910), mãe de Chrysanthème. Assumiu, em O Paiz, a coluna de crônicas de Machado de Assis. Dentre a sua produção, destaca-se o livro de contos Um drama na roça (1907).
 
²  Chrysanthème (Rio de Janeiro, 8 de fevereiro 1869 - 22 de agosto de 1948), pseudônimo de Cecília Moncorvo Bandeira de Mello Rebello de Vasconcellos, foi uma escritora, jornalista e feminista brasileira. Um dos nomes da escrita de mulheres no início do século XX, e pioneira das causas feministas, publicou mais de vinte livros. Entre seus livros está A infanta Carlota Joaquina (1936), no qual procura contestar o retrato tradicional da rainha luso-brasileira como uma megera. Em sua época, Chrysanthème foi uma figura pública, em especial por suas crônicas na imprensa.
 
 
III. BIBLIOGRAFIA 

 
CASTRO, Ruy: METRÓPLE À BEIRA-MAR: o Rio moderno dos anos 20, São Paulo: Companhia das Letras, 2019, 494 p.

Colaborador: RUY CASTRO


Por Francisco José dos Santos Braga

RUY CASTRO é um jornalista, biógrafo e escritor brasileiro. Nascido em Caratinga-MG em 1948, ainda em seus primeiros anos mudou-se com seus pais para a cidade do Rio de Janeiro. Castro tem passagem por importantes veículos da imprensa do Rio e de São Paulo a partir de 1967, e escritor, a partir de 1988. Ficou conhecido pela produção de biografias como O Anjo Pornográfico (a vida de Nelson Rodrigues), Estrela Solitária (sobre Garrincha), Carmen (sobre Carmen Miranda) e de livros de reconstituição histórica, tais como Chega de Saudade (sobre a Bossa nova), Ela é Carioca (sobre o bairro de Ipanema, no Rio) e A Noite do Meu Bem (sobre o samba-canção).

Em julho de 2022, inscreveu sua candidatura à cadeira 13 da Academia Brasileira de Letras (ABL) por ocasião da morte de Sérgio Paulo Rouanet, tendo sido eleito em 6 de outubro de 2022. Tomou posse como novo membro da ABL, em cerimônia realizada na sede da entidade, em 3 de março de 2023. Foi recebido com o discurso do acadêmico Antônio Carlos Secchin.

Em Metrópole à beira-mar (2019), outro livro de reconstituição histórica, Ruy Castro transporta o leitor para essa atmosfera fervilhante e faz uma saborosa reconstituição de tudo que aconteceu entre o Carnaval de 1919 e a Revolução de 30. E, realmente, tudo aconteceu. Nesta obra o autor retrata o Rio de Janeiro como uma cidade em convulsão na imprensa, na literatura, na música popular, na ópera, no teatro, nas artes plásticas, no cinema, na caricatura, na praia, na ciência, na arquitetura, no futebol, na luta das mulheres, nos costumes, no sexo e nas drogas. Se o Brasil dos anos 20 ainda engatinhava rumo à modernização, o Rio de Janeiro tinha vida própria e já era sinônimo de arrojo e vanguarda. É essa capital fervilhante o cenário e a protagonista de Metrópole à Beira-mar, onde um de nossos maiores biógrafos faz uma saborosa reconstituição histórica da era de ouro carioca, entrelaçando eventos políticos e culturais à trajetória dos personagens  os lembrados e os esquecidos , que fizeram e mudaram a história.

 
 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

DESPEDIDA EMOCIONADA DE DR. ALVINO COSTA FILHO


Por Francisco José dos Santos Braga

Dr. Alvino Costa Filho (✰ 6/11/1934 - ✞ 18/12/2024)


Museu de Arte Sacra de São João del-Rei

 
Cumprimos o doloroso dever de comunicar aos nossos leitores que mais um benfeitor de nossa cidade e colaborador do Blog de São João del-Rei foi chamado ao seio do Senhor da vida: ALVINO COSTA FILHO, aos 90 anos de idade, residente na cidade do Rio de Janeiro. Seus outros parceiros da cidade de São João del-Rei foram o Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, o ex-Presidente Tancredo de Almeida Neves, ambos já falecidos, e Edson Assis Coelho, que foi o responsável pelas Obras Civis e Instalações Elétricas dos projetos e nesta matéria dará testemunho da imorredoura amizade que os uniu numa feliz parceria: a de implementar o Projeto de Restauração do Prédio do MAS-Museu de Arte Sacra de São João del-Rei pela Cia. Souza Cruz.  
O Museu de Arte Sacra era um sonho antigo do Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva e do Conselho da Fundação Museu de Arte Sacra que viu realizar-se através da Souza Cruz, que deu vida a esse desejo ao encampar o projeto arquitetônico do Dr. Alvino Costa Filho. O Dr. Alvino era a pessoa que dava todas as diretrizes, desde a autoria do projeto, a liberação das verbas, a indicação de museólogos do Rio de Janeiro, como foi o caso de Fernando Menezes de Moura, até ao acompanhamento presencial do andamento das obras, tudo era da alçada de Dr. Alvino. 
A apoteótica inauguração do MAS deu-se no dia 6 de julho de 1984, tendo contado com a presença do então governador do Estado de Minas Gerais, Dr. Tancredo de Almeida Neves, de autoridades civis, militares e religiosas e de destacadas figuras da sociedade são-joanense. 
Em dezembro de 1984, o arquiteto Alvino Costa Filho recebeu, pela obra de criação e restauração do MAS-Museu de Arte Sacra, o prêmio pelo IAB-Instituto dos Arquitetos do Brasil. Também em reconhecimento pela implementação desse projeto e por todas as demonstrações de carinho pela cidade, a Câmara Municipal de São João del-Rei outorgou em 29/09/1989 a Alvino Costa Filho o título de Cidadão Honorário de São-João del-Rei. 
 
Memorial Tancredo Neves de São João del-Rei

Fachada do Memorial Tancredo Neves
 
Não parou aqui a obra desse benfeitor em São João del-Rei: sob os auspícios da mesma Souza Cruz, incansável em prestar outra cortesia à memória de Tancredo Neves, foi também Dr. Alvino o arquiteto responsável pela reforma e restauração da antiga sede do SAMU para transformá-la no Memorial Tancredo Neves. O plano do projeto arquitetônico consistiu em homenagear a figura política e pública do são-joanense Tancredo Neves, nascido em 1910 e falecido em 1985, com salas temáticas dentro do prédio reformado, contemplando a origem, o caminho, o gabinete de trabalho (com móveis e objetos originais do seu gabinete em São João del-Rei), a habilidade política, a construção da democracia, a dor (dedicada às manifestações populares em relação à hospitalização e morte de Tancredo Neves), lavras de ideias (sua máscara mortuária) e Post Scriptum (reflexões que se sucederam após a morte do político). 
Esse Memorial foi inaugurado em 8 de dezembro de 1990 e entregue à municipalidade de São João del-Rei com o objetivo de retratar a trajetória do ex-Presidente Tancredo Neves desde seu tempo em que atuou na terra natal até o seu protagonismo na história política brasileira, enriquecida por imagens de época, bem como de preservar e disponibilizar ao público o acervo referente à sua memória. 
Por ter sido encarregado dessas duas obras arquitetônicas em nossa cidade e exercido com esmero a função de arquiteto responsável, Alvino Costa Filho tornou-se para nós, são-joanenses, um benemérito do nosso povo, merecedor portanto da preservação de sua memória, o que fazemos através dessas singelas e sentidas linhas. 
Esteja certa a família de Dr. Alvino de que São João del-Rei não se esqueceu de seu benemérito, razão por que, em nome dessa cidade que ele amava de paixão, prestamos esta homenagem por ocasião de sua derradeira despedida. 
Quando recebeu a notícia do falecimento de seu amigo Dr. Alvino Costa Filho, o Sr. Edson Assis Coelho, parceiro nas duas obras em São João del-Rei, assim se manifestou em dorida manifestação de pesar: 
 
Prezados Wanda, filhos e demais familiares do já saudoso amigo Alvino. 
Recebemos com tristeza a notícia do falecimento do amigo Dr. Alvino. Tivemos a alegria de, recentemente, ter mantido, ainda que à distância física, contato com Dr. Alvino, relembrando tempos vividos aqui em São João del-Rei. Há anos atrás, Dr. Alvino com seu olhar, a um só tempo, técnico e cuidadoso, atualizou São João del-Rei e fez erguer aqui dois exemplos de cuidado e preservação da arte sacra e da história política deste País. E tivemos uma imensa alegria de ter podido estreitar amizade com um ser humano tão especial quanto era o Dr. Alvino. 
Hoje, entristecido com sua partida, somos grato por sua amizade. 
Nesse momento de dor, levamos à família enlutada nossas condolências. 
Se a morte nos entristece, a certeza da ressurreição nos consola. 
Recebam nosso abraço, 
Edson 
 
A resposta da esposa de Dr. Alvino não tardou em chegar: 
Obrigada, Edson, por suas palavras. 
Foi um lindo capítulo da vida de Alvino aquele vivido em São João del-Rei, do qual ele muito se orgulhava. 
Comunico aos amigos que a Missa de sétimo dia em intenção do nosso querido Alvino será celebrada na quinta-feira, dia 26 de dezembro às 18:00 na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Gávea, na rua Marquês de São Vicente, 19. 
Presencialmente ou espiritualmente, estamos unidos em pensamento e oração. 
Grande abraço, grata pela amizade que perdura, 
Wanda
 
 
II. BIBLIOGRAFIA SOBRE TANCREDO NEVES NO BLOG DE SÃO JOÃO DEL-REI

 
BAIONETA, Lúcio Flávio: TANCREDO NEVES: "PORQUE NÃO FUI CASSADO", postado no Blog de São João del-Rei em 19/02/2018

BARRETO, Renato Paes: Ah! doutor Tancredo: que saudade!, postado no Blog de São João del-Rei em  27/09/2023
 
BRAGA, Celina dos Santos: Reminiscências de Dr. Tancredo de Almeida Neves em 1944, postado no Blog de São João del-Rei em 28/12/2010
 
COSTA FILHO, Alvino: INAUGURAÇÃO DO MUSEU DE ARTE SACRA DE SÃO JOÃO DEL-REI, postado no Blog de São João del-Rei em 25/12/2023
 
_____________________: UM MUSEU PARA EL REY (Museu de Arte Sacra de São João del-Rei - Obra e Projeto "Albino Costa Filho" - Ano de 1984)
 
FERREIRA, Luiz Antônio: TANCREDO DE ALMEIDA NEVES, INESQUECÍVEL COLABORADOR DO MINAS FUTEBOL CLUBE, postado no Blog de São João del-Rei em 23/09/2016
 
 
 

sábado, 14 de dezembro de 2024

POEMAS SELETOS DE “LAMPEJOS AO LÉU”


Por JOSÉ CIMINO *
Os cinco poemas e uma reflexão aqui transcritos foram extraídos do livro Lampejos ao Léu publicado em novembro de 2024, precedidos por ilustrações reproduzidas de desenhos de Pablo Picasso, Georges Braque e Cândido Portinari. Projeto gráfico por Edson Brandão.  
 
Lampejos ao Léu por José Cimino - Barbacena: Centro Gráfico e Editora Ltda., nov. 2024, 44 p.

 
SOMBRIOS TEMPOS 
 
No túnel do tempo, 
Avoluma-se o cortejo do funeral da 
liberdade 
Na democracia antidemocrática 
As vítimas do liberticídio 
Dançam a dança macabra dos novos 
escravos 
 
Cérebros vazios 
Imergem na sombra da amnésia de si. 
 
Homens-objetos passam pelo mundo 
Quais reses indo para o matadouro 
 
Formigueiros de homens-massa 
De todas as vielas 
De todas as ruas e avenidas 
Do campo e das cidades 
Pululam no cenário humano 
 
E alcateias de celulares 
Ululam ruídos virtuais 
Nos ouvidos impessoais 
 
No céu da ilusão democrática, 
Como voa tua liberdade? 
 
JUSTIÇA, POR ONDE ANDAS? 
 
Longe dos arrabaldes da moral 
Sob o céu de pseudojustiça 
Latidos de cães vorazes, 
Em busca do dinheiro alheio, 
Entristecem o olhar da lua, 
Manipulando aquilo que chamam de 
Direito. 
Mas a seca paisagem dos dias 
macabros 
Um dia florirá rosas 
 
CONTRASTES 
 
Onde quer que estejas 
Encontrarás poetas 
Que a vida recria em sonhos 
Encontrarás ladrões e corruptos 
Que escarneiam a justiça. 
Toparás com fracos e fortes, 
Uns padecendo martírios, 
Outros festejando a vida 
Em ágapes de mesas fartas. 
 
ESPELHO 
 
Vivemos entre espelhos, 
Disfarces de máscaras de ferro, 
Faces escondidas sob máscaras de 
ouro, 
Rostos obtusos sob máscaras de 
papel, 
Semblantes frios sob máscaras de 
gelo 
Sobrancelhas carrancudas sob 
máscaras de fogo, 
Onde estão as faces sem disfarces? 
Apenas as crianças com máscaras de 
vidro 
Sorriem transparências. 
 
A SOMBRA 
 
Édipos errantes somos nós, 
Escondendo a face por detrás das 
sombras. 
Fiel companheira da vida humana, 
Algum dia, 
Alguém logrou escapar à própria 
sombra? 
No previsto e no previsível, 
Ela é a minha ilusão que flui 
Com as batidas do coração. 
O que de mim se apossa 
E costura por dentro o meu eu 
É apenas sombra para o outro. 
Minha luz de dentro 
É o meu oculto irrevelável. 
O que de mim o outro conhece 
É tão só um eco longínquo 
Oh! As sombras! 
Poeiras do tempo 
Que me encobre e me esconde 
Ou a mentira que sou para o próximo. 
Sombras, sombras... 
Pobreza humana 
No vaivém do mundo.
 
REFLEXÃO NA CONTRACAPA
 
Nestes tempos de avanços 
tecnológicos, em que o ser 
humano pouco a pouco se vai 
fazendo fiel servo da tecnologia, 
urge que ele se volte para a 
nobilíssima ação de “pensar. O 
“pensante é livre e só obedece à 
sua consciência e jamais será um 
“homem-massa. Ele habita algo 
imponderável e tão abismal que 
nem mesmo o universo o pode 
preencher. O “pensante é autor 
da própria história. A taça da vida 
do “pensante é orlada de vastos 
horizontes e todos os dias haure 
vastos goles de sol. Eis o signo do 
“homem-pensante
Rei de si mesmo. 
Hosanas à vida pensante!
 

 *  José Cimino é escritor e filósofo, membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras, cadeira nº 12; membro fundador e atual Presidente da ABROL-Academia Brasileira Rotária de Letras-MG Leste, cadeira nº 16; membro fundador e atual Presidente da AMEF-Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos. Escritor com vários livros publicados, professor de filosofia no ensino superior, principalmente na Faculdade Dom Bosco de São João del-Rei e na Fundação de Ensino Superior de Rio Verde (Fesurv), Goiás, com rápida passagem pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) de Barbacena. Admitido no Serviço Público Federal, por concurso, foi Assessor para Assuntos Educacionais do MEC, Diretor da Escola Agrotécnica Federal de Rio Verde, onde recebeu o título de Cidadão Honorário Rioverdense.
 


 
NOÇÃO DE PENSAMENTO FILOSÓFICO
 
Em outra obra de cunho filosófico de José Cimino, intitulada NA LUZ DO SER: Investigações de ontoantropologia, o filósofo-poeta confiou o seu prefácio ao decano, professor e filósofo Tiago Adão Lara, que inseriu como epígrafe do seu texto uma passagem de Jean-François Mattéi extraída do terceiro capítulo do livro “A barbárie interior: ensaio sobre o mundo moderno
MATTÉI: “O pensamento instaura uma cesura, no fio do tempo. Ele é o hiato que permite ao homem suspender uma ação, interromper um processo, estabelecer uma ruptura, nessa rede tecida de desejos e carências, necessidade e submissão, que é o fluxo contínuo da vida. Em seu impulso interno, que o arranca à indiferença de seu mar interior, o pensamento abre uma fenda, entre o passado e o futuro, a fim de inserir-se nesse intermédio. (MATTÉI, J.F.: A barbárie interior. Trad. por Isabel M. Loureiro. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 173) LARA EXPLICA: Pensar, pois, no sentido forte que Mattéi lhe atribui, incomoda. Obriga-nos a questionar o “já pensado, aceito como aconchego, que protege contra as intempéries dos imprevistos e que vai se consolidando como tradição intocável. Pensar, num sentido mais radical, é exercício de liberdade, que rompe o determinismo do necessário, para criar a fluidez do novo. É celebração do humano do homem, a dar sentido e gosto à realidade, a qual a ele se mostra e, por ele, se deixa significar. 
 
Vou a seguir fazer uso de mais um fragmento do mesmo capítulo de Mattéi: 
MATTÉI: “A experiência do pensamento nada tem de histórico e não é necessário voltar a Descartes, Agostinho ou Platão para captar instintivamente a fulguração que se abre para uma alteridade irredutível. Basta-nos voltar a nós mesmos, não ao sujeito moderno que se dissipa na vaidade de seus processos interiores, mas ao pensamento que habita em nós, para sentir imediatamente essa outra presença que nos chama a pensar. (MATTÉI, p. 175) 
Vou reportar-me ao prefácio do mestre LARA, para examinar o que pretende exatamente Mattéi em termos práticos com a sua definição de “pensamento
LARA EXPLICA: Essa perspectiva, proposta por Mattéi, não é a que comumente temos no dia a dia da vida, para resolver as imediatas e rotineiras necessidades da existência. Em tais circunstâncias, quase sempre não pensamos propriamente falando, mas aplicamos, ao que se coloca diante de nós, ou pelos outros. E nos aquietamos. Não nos abrimos para a nova presença. Trata-se, então, de um re-conhecimento, mas não propriamente de um novo conhecimento. Conhecimento, no sentido forte, é geração de novo filho, com outro nome, é geração de nova relação entre o que comumente chamamos sujeito e objeto. O pensar forte, à maneira de Mattéi, dá-se quando ele se coloca diante de nós e sentimo-lo como desafio a decifrar, ou resolver, ou superar. Dá-se como convocação ou provocação para um envolvimento existencial, arrancando-nos da tranquilidade do já conquistado.
 
 
II. AGRADECIMENTO

O gerente do Blog agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação do registro fotográfico utilizado neste trabalho.
 

III. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DE JOSÉ CIMINO NO BLOG DE SÃO JOÃO DEL-REI

BRAGA, F.J.S.: Colaborador: JOSÉ CIMINO, publicado em 21/04/2019
 
CIMINO, José: NA LUZ DO SER: INVESTIGAÇÕES DE ONTOANTROPOLOGIA, publicado em 24/11/2021

____________: POEMAS SELETOS DE INFINITO INSTANTE”, publicado em 21/04/2019

____________: O livro em minha vida, publicado em 07/02/2024

____________: Ouvindo música e lendo poesia, publicado em 22/03/2023

____________: O professor, publicado em 15/10/2023

domingo, 8 de dezembro de 2024

HOMILIA “Maria Imaculada, Mestra da oração e Mãe da esperança”


Por Pe. SÁULO JOSÉ ALVES
Pároco / Reitor da Paróquia / Santuário de Nossa Senhora da Conceição, de Conceição da Barra de Minas, Diocese de São João del-Rei 
Nossa Senhora da Conceição no andor na entrada do templo


Nossa Senhora da Conceição no altar-mor. Conforme consta, veio de Gênova, Itália, no começo do século XX (1904).  Foi esculpida em mármore de Carrara. Desembarcada no porto do Rio de Janeiro, chegou a São João del-Rei pela Rede Mineira de Viação e foi transportada até Conceição da Barra de Minas em carro de boi. Também consta que o doador foi certo major.

 

 

Tota pulchra es, Maria, et macula originalis non es in te”. A beleza de Maria é fruto de sua santidade. Maria não “entra absolutamente em questão quando se fala de pecado”, segundo pensamento de Santo Agostinho. 
A Conceição Imaculada de Maria é a garantia da possibilidade da realização do plano de Deus nesta terra. Não só a alma de Maria é preservada do pecado, mas toda a sua pessoa é penetrada e animada pela graça. “A Virgem de Nazaré foi admiravelmente santificada desde o instante de sua concepção. [...] Abraçando a vontade salvadora de Deus com todo o coração e sem nenhuma sombra de pecado, consagrou-se totalmente como serva do Senhor...” (Lumen Gentium, n.º 56). 
O Papa Pio IX, no ano de 1854, através da Bula “Ineffabilis Deus”, definiu como dogma de fé a Imaculada Conceição de Maria, pronunciando-se no nº 41: “em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos: A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”. 
Ó santo, feliz e mil vezes bendito aquele dia. Benditos os lábios que definiram esse Dogma, homens grandiosos, de solidez irretocável. Bendito o mundo que venera e proclama a Virgem Maria imune do pecado. Bendito o dia de hoje e o povo que o celebra. 
Estão intimamente ligados o Dogma da Imaculada Conceição (Pio IX) e do Dogma da Assunção (Pio XII). Maria venceu o pecado com a sua concepção, não se sujeitando à lei de permanecer na corrupção do sepulcro, porque “O lugar de Maria é onde está Cristo” (São Bernardino). Convinha que aquela que foi esposada pelo Pai e manteve ilibada virgindade no parto conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte, e habitasse entre os divinos tabernáculos. 
São Germano de Constantinopla julgava que a incorrupção do corpo da Virgem Maria Mãe de Deus e a sua assunção ao céu são corolários não só da sua maternidade divina, mas até da santidade singular daquele corpo virginal. 
Os Padres Conciliares do Concílio Vaticano II, retomando uma expressão de Santo Irineu de Lião, apontam que o primeiro elemento da fé de Maria se encontra na sua obediência. Aquilo que Eva atara com sua incredulidade, a Virgem Maria o desatou com sua fé. (Adversus Haereses III, 22, 4). “A Deus que revela é devida ‘a obediência da fé’ (Rom 16, 26; cf. Rom 1, 5; 2 Cor 10, 5-6), pela qual o homem a Ele se entrega total e livremente”. 
O Concílio evidencia também que a Mãe de Deus já é a realização escatológica da Igreja: “na Santíssima Virgem ela já atingiu aquela perfeição sem mancha nem ruga que lhe é própria (cf. Ef 5,27)” ― e, simultaneamente, que “os fiéis ainda têm de envidar esforços para debelar o pecado e crescer na santidade. Por isso, eles levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a comunidade dos eleitos”. 
Na fé e na obediência, Maria gerou na terra o Filho de Deus, por obra do Espírito Santo (Lumen Gentium, n.º 63). Mediante o seu livre consentimento e sua disponibilidade a Deus, concebeu primeiramente na fé e depois deu carne humana ao Filho de Deus. 
Na Anunciação, Maria entregou-se completamente Àquele que lhe falava, mediante o seu mensageiro, prestando-lhe o “obséquio pleno da inteligência e da vontade”. Ela respondeu, pois, com todo o seu “eu” humano e feminino. Nesta resposta de fé estava contida uma cooperação perfeita com a “prévia e concomitante ajuda da graça divina” e uma disponibilidade perfeita à ação do Espírito Santo. “A Encarnação do Verbo não pode ser pensada, prescindido da liberdade de Maria” (cf. Verbum Domini, n.ºs 27-28; Doc. 4 CNBB). Ao entrar “em diálogo íntimo com a Palavra de Deus que lhe foi anunciada, não a considera superficialmente, mas detém-se, deixa-a penetrar na sua mente e no seu coração para compreender aquilo que o Senhor deseja dela, o sentido do anúncio” (Bento XVI, Audiência geral, 19-XII-2012). 
Maria “deu à luz o Filho, que Deus estabeleceu como primogênito entre muitos irmãos” (Rom 8, 29) e também porque “Ela coopera com amor de mãe” para “a regeneração e educação” de irmãos e irmãs. 
Se nos permitirmos identificar com Maria e imitarmos as suas virtudes, Cristo nascerá, pela graça, na alma dos que se identificam com Ele pela ação do Espírito Santo. Assim, de algum modo, participaremos de sua maternidade espiritual. 
A Igreja tem consciência de que Maria apareceu antes de Cristo no horizonte da história da salvação. Sem dúvida, é um fato que, com o advento salvífico do Emanuel, Aquela que desde a eternidade estava destinada a ser sua Mãe já existia sobre a terra. 
As palavras de Isabel são densas de significado: “Bem-aventurada aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1, 45). Esta saudação de Isabel e a saudação do Anjo “cheia de graça”, mostram como a Virgem de Nazaré tinha correspondido a este dom, pela fé. Aqui se revela a verdade acerca de Maria, precisamente porque ela “acreditou”. A plenitude da graça, anunciada pelo Anjo, significa o dom de Deus mesmo, ao qual Maria correspondeu. Ali Maria elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que n’Ela se realizavam (cf. Lc 1, 46-55). 
Avançando pelo caminho da fé (cf. Lumen Gentium, 58), Maria precede-nos, acompanha-nos e sustenta-nos neste caminho, que é Jesus. Com Maria aprendemos a progredir na fé, ouvindo, seguindo e deixando-nos guiar pelas palavras de Jesus, com os próprios sentimentos e atitudes d’Ele: humildade, misericórdia, solidariedade, amor e fidelidade. 
Segundo o Papa Bento XVI, Ela “vive totalmente da e na relação com o Senhor; põe-se em atitude de escuta, atenta a captar os sinais de Deus no caminho do seu povo; está inserida numa história de fé e de esperança nas promessas de Deus, que constituem o tecido da sua existência”. 
Assim, em Maria, o caminho de fé do Antigo Testamento foi assumido no seguimento de Jesus e deixa-se transformar por Ele, entrando no olhar próprio do Filho de Deus encarnado” (Papa Francisco, Carta Enc. Lumen Fidei, 29-VI-2013, n. 58). 
Maria compreendeu que o caminho da fé passa pela cruz. Por isso, enfrentou a incompreensão e o desprezo. Ao chegar o momento da paixão de Jesus, a fé de Maria foi uma chama que se colocou de vigia até ao alvorecer da Ressurreição, quando, em seu coração, alastrou-se a alegria da fé. Essa mesma fé, Maria transmitiu-a aos Doze Apóstolos reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. At 1, 14; 2, 1-4). 
Maria é a maior Mestra de fé, levando-a a penetrar no Mistério de Deus Uno e Trino, que Ela nos deu, e, como “mãe da nossa fé” (Papa Francisco, Carta Enc. Lumen fidei, 29-VI-2013, n.º 60), nos fez participantes desse conhecimento. 
Toda a exibição da fé na existência tem seu protótipo em Maria: o compromisso com Deus e a conformação às circunstâncias da vida ordinária à luz da fé, mesmo nos momentos de escuridão. Por isso, sempre se manteve em uma atitude de confiança, de abertura, de visão sobrenatural, diante de tudo o que acontecia ao seu redor. No Evangelho, Ela nos é apresentada como “Alma Mater”, a Mãe escondida e silenciosa. De tal modo isso se manifesta que, ao encontrarem Jesus no Templo, Maria e José não compreenderam o que Ele lhes dissera, mas manifestaram-se “cum gaudio et pace”. 
A peregrinação da fé é algo que já não pertence à Genetriz do Filho de Deus: Ela está glorificada nos céus ao lado do próprio Filho. A sua união com o mesmo Deus já transpôs o limiar entre a fé e a visão “face-a-face” (1Cor 13, 12). Ao mesmo tempo, porém, nesta realização escatológica, Maria não cessa de ser a “estrela do mar” (Maris Stella) para todos aqueles que ainda percorrem o caminho da fé. 
Mediante sua fé, Maria está perfeitamente unida a seu Filho no seu despojamento, no Gólgota, submetendo-se à humilhação, porém à obediência até à morte (cf. Fl 2, 5-8). Maria participa, mediante a fé, no mistério desconcertante desse despojamento. Talvez aí se manifesta a mais profunda “kénosis” da fé na história da humanidade. Ali se confirmava o ”sinal de contradição” predito por Simeão. 
Maria é a Virgem que sabe ouvir, que acolhe a palavra de Deus com fé, prelúdio e caminho para a maternidade divina, motivo de beatitude e que a fez protagonista e testemunha singular da Encarnação. 
Maria é a Virgem dada à oração. Em Caná, obteve um efeito de graça: a confirmação dos discípulos na fé de Jesus (cf. Jo 2,1 12); na Igreja nascente, junto com os Apóstolos e algumas mulheres. 
Maria foi Santificada por Deus, santificou-se no dia a dia de sua caminhada, testemunhando à mulher a possibilidade responsável da missão e evangelização. 
No rosto de Maria, enxergo a ternura de Deus, a bondade confiante no exercício de tão sublime mistério e o afeto recebido e doado em amor e compromisso missionário e evangélico. Maria é o espírito da nova evangelização: Mãe da Igreja evangelizadora e âmago da explosão missionária. 
Contemplando na Mãe de Deus uma vida modelada totalmente pela Palavra, descobrimo-nos também nós chamados a entrar no mistério da fé, pela qual Cristo vem habitar na nossa vida. Como nos recorda Santo Ambrósio, “cada cristão que crê, em certo sentido, concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, porém, Cristo é o fruto de todos. [...] O que aconteceu em Maria pode voltar a acontecer em cada um de nós diariamente na escuta da Palavra e na celebração dos Sacramentos.” 
Que Maria, a Virgem Imaculada, nos ensine a caminhar por esta estrada da alegria e a viver esta alegria, fiéis à fé em Jesus Cristo, na oração e na esperança! 
 
Paróquia Nossa Senhora da Conceição,
8 de dezembro de 2024 
 
Após a missa das 10 horas, a audiência aplaude a belíssima execução da missa em honra de Nossa Senhora da Conceição, a cargo do coro e orquestra da Lira Sanjoanense, de São João del-Rei, sob a regência do Maestro Modesto Fonseca.

II. AGRADECIMENTO

O gerente do Blog agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros fotográficos utilizados neste trabalho.